Espírito
Mortal
Não é fácil ser mulher. Quem falou ao contrário mentiu descaradamente. A mulher é o ser mais divino do mundo. Só é possível a entrada de outro ser humano nesse mundo através delas. Toda mulher sonha alto e um desses muitos sonhos, o da maternidade, é o que grita mais forte. Ser mãe. Gerar uma vida por nove meses e depois poder senti-lo nos braços. Não há nada que consiga pagar isso. Pois bem. Esse também era o sonho de Cristiane Almeida. Três meses de alegria. Três meses de expectativas. Três meses de emoções circulando nas veias. Porém o que ocorreu depois desses lindos noventa dias foi justamente o aposto de tudo o que a policial havia sentido antes. Uma dor, um desconforto em uma certa manhã e pronto. Sonho destruído. Agora ela acorda todos os dias para chorar em silêncio. Para que Neil não a surpreenda em prantos ela corre até o banheiro e lá se derrama sentada sobre o vaso sanitário e chora até vomitar.
— Cris, você está bem? – Neil tocou na porta.
— Estou!
Para disfarçar, ela acionou a descarga, lavou o rosto, ajeitou às longas madeixas vermelhas e saiu. Magra e alta. Bonita, pele branca como a neve, possibilitando ver veias esverdeadas em determinados pontos do corpo. A policial civil Cris Almeida parece uma princesa da Disney, mas só parece. Meliante algum consegue se safar de suas garras. Para sobreviver e proteger ela atira e atira para matar.
— Você estava chorando, não é? – A abraçou.
— Não!
— Amor, pare de lutar sozinha. Essa guerra também é minha.
Cris não deu sequência a conversa. Depois do abraço Neil ocupou o banheiro e ela foi para a cozinha preparar o desjejum. Os dias tem sido assim; enfadonhos, chatos e tristes. Neil já não é mais o mesmo e ela também não tem sido. Então! O que se esperar?
Ela tomou seu café em silêncio. Cinco minúsculas torradas secas e café puro. Feito isso, Cris voltou para o quarto. Abriu o armário onde há um bom número de pacotes de fraudas armazenados e não só isso, há mais coisas como: lenços umedecidos, sabonetes em líquido, algodão e outras coisas relacionadas a um bebê recém nascido. A vontade de chorar bateu, mas Cristiane foi mais forte ainda. Ela se vestiu. Abriu a gaveta do criado mudo e pegou seu distintivo, a Glock junto com o coldre, chaves e celular.
— Já estou indo. – beijou o marido.
— Se cuida.
No carro ela voltou a chorar, mas agora por outro motivo. Ana Paula, Aninha, sua irmãzinha, morta por Dimas Pop. Ao lembrar do desgraçado ela transpira de ódio. Dimas a deixou irreconhecível naquele quarto de motel imundo de beira de estrada. Ele a espancou até matá-la. Pobrezinha! Esse viado precisa pagar pelo que fez. Isso foi a quase um ano e até agora nem sombra do miserável, parece que foi abduzido. Maldito! Ana Paula tinha toda uma vida pela frente, era linda, adorava Rock, era sua vida. Acabou sendo atraída por um louco que a ceifou desse mundo. Eu vou te achar, Dimas Pop.
*
Para um sujeito do porte físico invejável, aparência saudável e atraente como Dimas, conseguir a mulher que deseja não é difícil. Ele não é só um cara boa pinta, é também inteligente e agradável. Mas, o que faz um sujeito como ele assassinar uma menina indefesa? O que o leva a desferir socos em sua vítima até não vê-la mais respirando? É algo descontrolável, impossível de dominar, principalmente quando o outro lado se nega a fazer o que ele manda. Ana Paula se negou a fazer certas coisas com ele naquele quarto de motel e pagou caro por isso. Faz o que eu mando ou pagará com a vida. Matar aquela garotinha foi fácil demais, ela não tinha forças nem para reagir, o problema é a sua irmã, Cris Almeida, que o caça incansavelmente há um ano. Se Dimas Pop pudesse a mataria também. O jeito é manter a regularidade se escondendo cada dia num lugar diferente. Esse é o jeito. É óbvio que Pop nunca está sozinho, as garotas de programa lhe fazem companhia sempre. Na hora em que ele quiser e quando ele quiser, desde que pague, elas estão ali com ele.
— O que um cara lindo como você faz num motel como esse? – questionou uma delas.
Dimas não gostou nada da pergunta, mas relevou.
— Um cara como eu também merece se divertir, não acha?
— Ah, sei lá. Você parece ser decente, de família. – disse a outra.
Essa pegou firme. Família. Faz tempo que Dimas não comparece nos encontros e festejos de seus familiares. Ele acha tudo isso um porre. Seu pai não foi um pai tão presente e sempre que podia não perdia a oportunidade de humilha-lo. Sua mãe era uma pessoa pacata, dependente dos remédios e do marido, sofria abusos e humilhações também. Por isso ela resolveu se vingar se envolvendo num relacionamento extraconjugal. Dimas Pop não possuí estrutura familiar alguma.
— Vocês são minha família, pelo menos neste momento. – riu.
Bem distante daquele lugar, alguém analisa a ficha de Dimas tão compenetrada que não foi capaz de ouvir seu superior lhe chamando.
— Me perdoe, chefe.
— Deixe-me adivinhar, Dimas Pop.
Cris abaixou a cabeça.
— E como vão as coisas?
— Nada! Parece que esse cara virou fumaça.
Ferreira pegou o papel das mãos da policial.
— Um sujeito como ele não deveria ser difícil de encontrar. Temos que vasculhar os lugares mais óbvios.
— Devo começar uma busca, senhor?
— Imediatamente. Faça uma pesquisa de todos os lugares aonde um assassino em fuga se esconderia.
— Sim, senhor.
Lugares óbvios. Ferreira talvez tenha razão. Cris passou boa parte da investigação o procurando em locais onde malfeitores procurados costumam se esconder. Dimas Pop pode estar ali, bem debaixo do seu nariz e ela ainda não havia se dado conta disso. Ela ligou o notebook e enquanto o mesmo iniciava, Almeida pegou o mapa da cidade e o desenrolou em cima de outra mesa. Abriu a gaveta e pegou alguns alfinetes coloridos e os fixou em lugares chaves como: hotéis, motéis, apartamentos, entre outros. Nesse tempo o notebook já havia iniciado, Cris fez uma busca no Google dos hotéis mais baratos da região.
— Ao trabalho dona Cristiane.
*
Neil anda sem paciência alguma e para um profissional como ele que necessita de calma e concentração isso é terrível. Há três dias que ele está diante da tela do computador tentando encontrar o melhor tom de cor que combine com o gosto do cliente e até agora nada. Sua cabeça só tem espaço para Cris e a perda do bebê. Por mais que ele saiba que o sonho de ser pai ainda pode ser concretizado, o designe de interior sofre e sofre bastante. Verdade é; o casamento já não estava legal mesmo antes da gravidez. Cris e ele andam batendo de frente sempre que podem e por pouca coisa.
— Droga! – bateu na mesa.
Ao olhar para o lado, sua colega de trabalho o observava confusa. Ela arqueou às sobrancelhas lhe perguntando o que havia acontecido.
— Tranquilo! – gesticulou.
Não satisfeita, Mônica saiu de seu lugar e foi até ele esbanjando toda a sua graça e beleza.
— Quer dar uma volta?
Neil conferiu o horário em seu relógio de pulso.
— Ainda tenho um tempo. Vamos.
Momentos depois, os dois tomavam café com empadinhas na cantina a duas ruas da empresa, Neil não consegue tirar os olhos do par de seios de Mônica. Ela por sua vez se sente maravilhada ao lado do moreno claro de olhos cor da noite.
— E a Cris, como tem passado?
Neil tirou os olhos dos seios da colega e focou o outro lado da rua. O dia estava ensolarado, porém de temperatura agradável.
— Não posso responder a essa pergunta.
— E por que?
Visivelmente envergonhado, Neil olhou sua amiga nos olhos e Mônica, de uma certa forma gostou do que ouviu.
— Eu não a pergunto. Simples.
Se havia alguma dúvida sobre a má fase em que o casamento do amigo está atravessando, ela já não existe mais. Mônica quase vibrou. Ela precisou manter a postura e seguir como fiel ouvinte.
— Com a perda do bebê o nosso relacionamento ficou ainda pior. Eu não sei mais o que fazer. – abaixou a cabeça.
— Então vocês estão se evitando? Isso é ruim. – bebeu mais café.
— Verdade! Só sei que essa situação tem me atrapalhado bastante. – voltou a olhar para ela. – o que devo fazer?
Mônica terminou de tomar seu café já sinalizando para o atendente.
— Casais precisam conversar. Conversem. Vamos.
Você pensa que é simples assim? Pensou Neil levantando-se.
*
Para não chamar muito a atenção Cris decidiu ir até um dos locais pesquisados numa viatura descaracterizada. Neste tipo de trabalho é sempre bom ir acompanhado caso ocorra uma emergência, mas para uma agente como Cris Almeida, o trabalho em dupla nunca foi uma vantagem. Nem mesmo quando ainda era uma universitária ela se adequou a essa forma de atuar. Sozinha é bem melhor. Trabalho do meu jeito.
O lugar é um hotel sem muita expressão que localiza-se às margens de um rio fétido ainda no centro da cidade. Ela desceu do veículo e olhou para a placa bem acima da porta de entrada, Ninho Love, vai ter mal gosto assim no inferno! A policial civil entrou e deu de frente com um jovem gordo de aparência cansada.
— Oi? – disse o funcionário.
— Sou a investigadora de polícia, Cris Almeida. – pegou a foto na bolsa. – esse homem já esteve aqui?
Impaciente, preguiçoso e com má vontade, foi assim que o gordo pegou a foto das mãos da policial, pelo menos ele reconheceu Dimas Pop.
— Sim!
— Quando? – Cris já estava ficando irritada com a postura do rapaz obeso. Ele coçou a testa suada antes de responder.
— Faz uma semana.
— Você está certo disso?
Tenha santa paciência, pensou o jovem.
— Sou provido de boa memória.
— Certo. Qual o seu nome?
Putz, daqui a pouco vai pedir meu zap também.
— Marcos.
Cris retirou do bolso seu cartão de visita e o entregou a Marcos.
— Ele deve voltar e quando isso acontecer, me liga. Combinado, Marcos?
— Sim, senhora.
Pode-se dizer que foi um belo avanço. Cris deixou o motel disposta a fechar o cerco contra o assassino de sua irmã mais nova o quanto antes. O que ocorre na maioria das vezes é que, o criminoso, por passar um bom tempo “livre”, gera nele a velha sensação de impunidade. No caso de Dimas Pop, há um ano ele vem se livrando da justiça, mas no fundo todo bandido tem a consciência de que um dia a conta chega; prisão ou morte, mas um dia você há de pagar pelo que fez.
De volta à viatura a investigadora foi acometida de uma tristeza avassaladora. Neil. O homem de sua vida. A pessoa a qual ela jurou que daria o mundo se fosse possível. Ele anda muito distante desde quando eles perderam o bebê. Pra falar a verdade, tudo o que aconteceu só veio para ornamentar o que já estava ruim. Neil e Cris muito antes da novidade da gravidez viviam como amigos dentro de casa, uma situação bastante estranha. Ele não me ama mais? Lógico que em uma fase como essa, acaba por criar em ambas às partes desconfiança e desconforto. Terrível.
Mas é claro que Cris também está disposta a retomar seu casamento. Ela não se casou para se separar depois de um tempo. Ela o ama, ama tudo que construíram juntos e não será uma má fase que colocará um ponto final nessa história. Assim como fez com a ignição da viatura, Cris Almeida virará a chave de sua vida conjugal.
*
Mais uma forte bofetada e o sangue que já escorria do nariz da garota de programa respingou nos lençóis brancos da cama. Dimas odeia ser contrariado, principalmente quando isso vem de uma mulher da vida. O golpe a deixou sem rumo e equilíbrio a levando ao piso gelado.
— Pelo amor de Deus, Dimas.
O combinado não sai caro e uma mulher que se dispõe a servir aos homens usando seu corpo e ser bem paga por isso, não se pode dar ao luxo de negar certas coisas na execução do seu trabalho.
— Você não leu o meu anúncio? Eu não faço anal. – limpou o sangue do nariz.
Pop a segurou pelos cabelos, fechou o punho direito e a acertou um direto. Nocaute. Não satisfeito, o covarde seguiu com as agressões só cessando quando os ossos das mãos começaram a incomodar. Dimas a deixou onde estava e para acalmar-se ele se serviu de uma bebida forte. Ele tomou tudo de uma vez só e olhando para o belo corpo da garota desmaiada. Prostitutas são pessoas. Prostitutas possuem coração, é gente e com absoluta certeza há alguém que se preocupa com elas. Aproveitando que a mesma esboçava algum movimento, Dimas decidiu adiantar o processo de reanimação jogando água no rosto deformado da menina.
— Acorda, vagabunda.
Ela acordou sim, mas para voltar a apanhar até a perda da consciência mais uma vez. A intenção agora é matá-la igual fez com Ana Paula, espancá-la até não reconhecê-la mais. Mas, quando estava próximo de aplicar o golpe fatal ele parou. Lembrou-se de Ana Paula e no que se transformou a sua vida depois disso. Segura tua onda, Dimas Pop. Ele se vestiu o mais rápido possível e deixou o quarto.
*
Neil ainda assistia ao jogo de futebol pela TV deitado no sofá quando Cris deixou a cozinha secando às mãos. O dia foi trabalhoso e ela só queria deitar-se ao lado do marido e receber um afago, mas isso está longe de acontecer, faz tempo que esse tipo de coisa não rola entre eles.
— Posso assistir com você? – acomodou-se ao lado dele. Neil apenas anuiu.
O placar da partida marcava um a zero para o time adversário ao de Neil e no momento em que Cris se ajeitava ao lado do marido houve o gol de empate. Neil não esboçou qualquer reação. Isso sim é muito estranho. A apatia era tanta que Cris precisou iniciar uma conversa.
— A culpa não foi minha.
Ainda de olho na TV, Neil respondeu.
— Claro que não.
— Então por que está agindo assim? Como se eu fosse culpada pela perda do nosso bebê.
Ele pegou o controle remoto e deixou a TV no modo mudo. Sentou-se virado para a esposa.
— Seja sincera, Cristiane, está sendo bom pra você? O que estamos vivendo nos últimos tempos está legal?
Pior que não, ela pensou.
— Então é isso. – Cris começou. – você quer desistir de nós, da nossa história?
— Nossa história é linda, seria loucura de minha parte esquecê-la, mas eu também acredito que o amor tenha tempo de duração e...
— Eu te amo, te amo muito ainda e quero ter um filho teu. – às lágrimas finalmente desceram.
Por mais resistente que Neil queira ser, tal declaração o deixou de coração partido. Ele queria muito poder esquecer tudo o que passou e recomeçar do zero ali, mas o orgulho gritou mais alto e ele preferiu seguir se chocando contra tudo o que acontecer dali pra frente.
— Podemos tentar ter outro bebê.
— E pra que, Cris? Eu não quero trazer uma vida ao mundo para sofrer junto com a gente.
— E quem disse que iremos sofrer? A chegada de uma criança gera novas expectativas, talvez ela seja a nossa salvação.
Neil voltou a olhar para a TV.
— Preciso pensar. – desligou a TV. – Boa noite.
— Sério? É desse jeito que vamos resolver as coisas?
Finalmente Neil viu a oportunidade de falar o que já estava entalado na garganta a muito tempo. Ele girou nos calcanhares e declarou olhando nos olhos de sua esposa.
— Nosso casamento não tem mais salvação, Cristiane. Eu quero o divórcio. – desapareceu entrando no quarto.
De repente Cris viu em meio a penumbra da sala o retrato do que é a sua vida atualmente; vazia, fria e escura. Ele não pensa em tentar salvar nosso relacionamento. Deus do céu! Cris Almeida é uma mulher forte, ser uma agente da lei lhe caiu como uma luva. Não haveria profissão melhor para exercer. Como uma policial, ela extravasa toda sua dureza em cima de meliantes perigosos. Através disso Cris já obteve sucesso em todas operações que liderou. Mas agora, ouvir do marido que não quer mais permanecer ao lado dela foi um golpe duro demais a levando às lágrimas amargas. Cris se esparramou no sofá e chorou até o dia romper, quase.
*
Às nove e meia daquela manhã de muitas nuvens e vento de moderado a forte, Cris já havia tomado cinco copos cheios de café puro numa tentativa em vão de espantar o sono perdido de uma noite terrível. Neil agora foi longe demais ao pedir o divórcio, estariam as coisas tão insolúveis assim? Ela sorveu boa parte da bebida sentada em sua mesa analisando os papéis do caso de sua irmã que é outro problema que a vem consumindo dia após dia. Prender Dimas Pop e lavar a honra de Ana Paula almeida, a irmã a qual sonhou em entregá-la no altar de uma igreja a um homem digno, se tornou uma obsessão praticamente. Antes de sorver outra boa quantidade de café, Ferreira a surpreendeu tocando-lhe no ombro.
— Acho que a sua sorte começou a mudar.
— Como assim?
— Temos uma vítima de Dimas Pop aqui. Venha.
A prostituta se encontrava sentada com suas pernas cruzadas e com o rosto coberto por hematomas, Cris viu nela a imagem de sua irmã naquele fatídico dia.
— Bom dia? – disse Cris.
— Oi! – a menina mal conseguia falar.
— Você já foi medicada? – Almeida sentou-se ao lado dela.
— Sim.
— Me conte o que aconteceu.
— Bom. Eu, eu, trabalho na noite e o Pop, contratou meus serviços e... – engoliu seco.
— Preciso que me conte tudo, certo?
— Eu neguei uma prática sexual e então...
Cris olhou para Ferreira que passou uma das mãos no rosto. Ela é apenas uma menina, meu Deus.
— E normalmente ele contrata os seus serviços? – agora foi a vez de Ferreira perguntar.
— Sim.
— Vamos fazer o seguinte. Iremos fazer o boletim de ocorrência e depois você estará liberada, mas vou contar com sua ajuda para prender esse miserável. Pode ser?
— Claro, mas como?
— Vamos primeiro ao B.O e depois conversamos.
*
Neil também está sofrendo, não na mesma proporção que Cris, mas está. Prova disso é a falta de ânimo e foco no trabalho. Buscando respirar ar puro ele foi nos fundos da empresa segurando uma latinha de energético. A conversa com Cris gerou mais dúvidas do que solução. Ele não sabe direito o que sente pela própria esposa. Teria o divórcio poder o suficiente para pôr um ponto final em tudo que viveram até ali?
— Oi? – disse Mônica.
— Ah, oi, só vim pegar um ar. Já estou voltando.
Neil reparou bem no par de pernas e no busto da colega de trabalho. Mônica estava provocante nesta manhã de ventania.
— Relaxa. Não estou lhe cobrando nada. – olhou para a lata de energético. – posso dar um gole?
— Se não se importar, eu já botei na boca e...
Ela tomou a lata da mão dele e bebeu olhando em seus olhos.
— Devagar com isso. – a alertou.
— Estou acostumada. – Bebeu mais. – e você, como está?
Neil voltou a olhar para a paisagem, não sabia como responder a pergunta. Mônica se aproximou ficando lado a lado.
— Não precisa responder, se não quiser. – segurou no punho dele. – venha comigo.
— O que?
Neil estava de volta a ativa, mas dessa vez não era Cris quem era possuída por ele. Mônica proporcionou ao colega vinte minutos de puro prazer intenso. Sexo rápido, sem beijo, apenas sexo. O que estou fazendo? Assim que ambos chegaram ao prazer eles se olharam e riram juntos.
— Você é louca! – disse subindo as calças.
— Percebi que você precisava relaxar. – abaixou a saia. – vamos.
Agora foi a vez de Neil segurá-la pelo punho.
— Espere.
— O que?
Neil a segurou no rosto e a beijou apaixonadamente. Mônica estava realizando um desejo que a muito tempo encontrava-se represado dentro dela.
— Uau! – ela expirou.
— Agora sim eu estou pronto para encarar o dia. Vamos.
*
Como pode uma mente dar conta de inúmeros pensamentos, problemas e todos eles ainda inconclusivos? Cris é do tipo que adotou para sua vida o seguinte lema: um problema por vez. Como uma policial, ela precisa manter sua mente focada na investigação, mas vez por outra a sua vida pessoal teima em atravessar o caminho. Ela pegou a foto de Ana Paula na bolsa e imaginou o que as duas poderiam estar fazendo juntas. Cris nunca foi lá essas coisas na cozinha, em contrapartida sua irmã tinha a habilidade de um verdadeiro chef. Quando solteira, houve época das duas passarem horas elaborando e executando receitas das mais sofisticadas. Era legal.
— Cris? – Ferreira se aproximou.
— Sim, chefe? – guardou a foto e limpou as lágrimas.
— Seu turno acabou faz meia hora. Por que ainda está aqui?
Cris olhou no relógio e se espantou.
— Verdade. Eu nem me atentei.
— Aquela na foto era Ana Paula? – enterrou as mãos nos bolsos.
— Sim.
— Posso ver?
Almeida pegou outra vez a foto e a entregou ao delegado.
— Bela moça. Minha filha do meio tem a idade dela.
Cris Almeida voltou a chorar. Ferreira acariciou seu ombro.
— Não se preocupe. Vamos pegar Dimas Pop. Essa missão também é minha.
— Obrigada, senhor.
Neil conversava com Mônica via mensagens sentado na copa quando Cris chegou. Ele agiu naturalmente.
— Oi? – ele disse.
— Boa noite. – abriu a geladeira e pegou uma garrafa de água e depois um copo na pia.
— Pensou melhor, Está mais calmo?
Neil guardou o celular e se virou para a esposa.
— Já estou decidido, Cris. Não podemos mais conviver como se nada estivesse acontecendo.
— Eu investi tudo em nossa relação. É tão simples assim pra você?
Ele olhou para cima e fechou os olhos.
— Claro que não é, mas entenda, nada será como antes. Você é uma mulher extraordinária, bonita, merece ser feliz...
— Sem você?
Silêncio.
O celular de Cris tocou os tirando do constrangimento.
— Agente Cris Almeida falando.
— Ah, oi, sou a Gabi.
— Sim, tudo bem? – Cris olhava para o marido.
— O Dimas acabou de chamar uma das minhas amigas. Eles estão indo para o motel Rosa Púrpura no centro, sabe onde é?
— Claro. Obrigado Gabi.
— De nada, dona Cristiane. Promete prender aquele canalha?
Cris pode ouvir a voz da própria irmã ao telefone.
— Prometo.
Bolsa e chaves recolhidas. Neil apenas acompanhou a agitação da mulher.
— Volto mais tarde.
Ela deixou a cozinha e Neil confirmou sua ida até o apartamento de Mônica.
*
Dimas Pop estava do jeito que sempre gostou. No meio de garotas lindas, gostosas e dispostas a fazer tudo o que ele mandar. Claro que tudo isso não sairá de graça e por falar em dinheiro, Dimas já deve ter gasto com prostitutas equivalente ao dinheiro de toda uma vida. Dessa vez houve exagero, ele parece estar se despedindo dessa existência desregrada que vive. Quatro meninas, sem temor e sem pudor, trancadas com ele e deitadas numa cama redonda. Houve exagero e exigências. Dimas Pop pediu um quarto com espelhos, espelhos por toda parte, até no teto. Enquanto penetra em uma delas ele faz questão de se olhar executando o ato. Sou muito bom no que faço.
Do lado de fora do motel, Cris Almeida e Ferreira estão de prontidão e se organizam quanto a iminente prisão do assassino da irmã da policial. Por Cris eles invadiriam o local, porém Ferreira teme por uma troca de tiros no espaço.
— Não podemos fazer dessa operação uma vingança pessoal, estamos entendidos? – Ferreira foi categórico.
Uma bala bem no meio da cara do filho da mãe, era tudo o que Almeida desejava naquele momento, ela nunca esteve tão próxima de acabar com algo que já dura um ano. Cris aproveitou que seu chefe deixou a viatura e conversou com sua finada irmã.
— Não se preocupe, Aninha. – pegou uma outra arma no porta luvas, um calibre trinta e oito. – essa será por você. – retirou todas as seis balas e guardou cinco. Olhou para a que ficou em sua mão. – será esta que colocará o ponto final na história daquele maldito. – antes de colocar o projétil de volta ao tambor e o ajustar, ela o beijou. – vamos nessa.
O tempo de Dimas já havia se extrapolado e ainda assim ele seguia com seu jeito selvagem por cima da menina.
— Ei, Pop, nosso tempo acabou. – reivindicou uma delas.
— Fique quieta. – puxou os cabelos da outra.
— Se quiser ficar um pouco mais terá que ajustar o valor. – disse a outra.
Dimas parou o que estava curtindo fazer e foi até a seus pertences. Voltou com uma arma.
— E agora, quem vai ser a próxima a reclamar?
Dimas estava nu, suado e com a respiração pesada apontando sua arma.
— Estão vendo isso? – apontou para o pênis ereto. – quero que todas olhem para isso aqui. Nenhuma de vocês prestam para nada a não ser para a satisfação dele. Ele é quem determina o que vai acontecer aqui. Vocês são escravas dele. Ele é Dimas Pop. – disse aos risos.
Apesar de serem pessoas que sobrevivem da noite, acostumadas ao perigo, as quatro meninas temeram o pior para suas vidas e acabaram encolhidas no chão, no canto do quarto. Dimas não estava brincando de ser cruel, ele é a crueldade em carne e osso.
— Quem será a primeira a se manifestar em favor dele?
Justamente a garota que mais tremia as pernas foi quem ergueu seu braço se oferecendo a tortura.
— Ótimo. Agora sim estamos chegando num acordo. Deite-se e vamos começar.
Medo, nojo, repúdio e porque não dizer; ódio. Dimas Pop estava violentando a menina que permanecia em silêncio recebendo no rosto as gotas de suor de seu estuprador.
— Eu vou acabar com todas vocês. – declarou rindo.
*
Antes de abrir a porta do apartamento, Mônica deu uma última olhada no espelho e decidiu tirar o sutiã.
— Já estou indo. – falou.
A passos largos ela chegou até a sala. Respirou fundo e abriu. Neil estava lá, com seu olhar de sempre para ela.
— Oi?
— Oi! – Ajeitou os cabelos atrás das orelhas. – vamos entrando.
Com às mãos nos bolsos o design entrou meio sem jeito. Ela o convidou para sentar e lhe ofereceu uma bebida. Ele aceitou.
— E então? – Mônica começou.
— Cris precisou sair às pressas e...
— E aqui está você. – sorriu.
Eles se olharam até que ela tomou a iniciativa de beijá-lo. Neil a puxou para mais perto e Mônica cedeu. Ela o segurou no rosto e não o parou de beijar um segundo sequer.
— Eu acordo e durmo pensando em você. Como, trabalho, faço tudo e você não sai da minha cabeça. – ela disse gemendo.
— Eu também. Eu também.
*
Ferreira estava ansioso, inquieto, tamborilava os dedos no teto da viatura. Alguma coisa ruim estava acontecendo.
— Está demorando muito.
Cris abriu a porta da viatura.
— Também acho.
— Vamos lá.
Ferreira e Almeida entraram no motel já mostrando suas identificações para os funcionários.
— Ninguém mais entra ou sai. – falou Cris. – Vamos até o quarto 304.
A dupla de agentes ganhou o corredor central que dá acesso aos quartos. O local é escuro e estreito. Ferreira foi o primeiro a avistar a porta do quarto. Ele abriu o paletó e sinalizou para sua parceira.
— Ele ainda está lá. – sussurrou.
Cris anuiu.
— Ele não tem para onde fugir. – Ferreira sacou sua arma.
— Ele deve estar armado.
Nesse momento ouviu-se um grito. Atônitos, os policiais não viram outra alternativa a não ser invadir o lugar. O delegado usou toda sua força e habilidade dos tempos em que serviu as forças armadas para arrombar a porta com apenas um chute.
— Polícia, mãos pra cima. – gritou Cris.
Dimas ainda em cima da prostituta apontou sua pistola e a disparou duas vezes. Ferreira caiu para a direita e Cris para esquerda.
— Merda, tem mais de uma mulher aqui. – falou Ferreira ainda sob fogo.
As mulheres começaram a gritar desesperadas. Uma delas tentou correr, mas Dimas lhe acertou uma coronhada na testa.
— Não há como escapar, Dimas. – disse Cris. – deixe as meninas irem.
Mais um disparo. A policial estava certa. Não havia como escapar. Choros, lamentos, o tempo estava se esgotando e ela precisava fazer alguma coisa. Negociar, talvez.
— Se não forem embora, vou matar uma por uma.
Não. De novo não. Como foi com Ana Paula isso jamais poderia se repetir, ele não pode sair ganhando outra vez. Cris Almeida sentiu o coração congelar.
— Me deixem sair. – gritou. – vou contar até três, se não me deixarem passar vou matar uma vagabunda dessa. Falo sério.
Ferreira meneou a cabeça. Cris olhou para ele. Era a hora de fazer alguma coisa. Dimas iniciou a progressiva.
— um, dois...
— O que faremos? – perguntou Almeida.
— Três. Tempo esgotado. – apontou, mirou e disparou.
Gritos de pavor. Corre corre. Nervos à flor da pele. Adrenalina a mil e sangue espalhado. Ferreira levantou-se como uma flecha pra cima de Dimas que apertou o gatilho mais uma vez.
— É agora, Cris. – berrou.
A bala atingiu o delegado que grunhiu caindo perto da cama. Cristiane Almeida viu o chefe desabando. Ouviu o barulho surdo de seu corpo entrando em contato com o chão frio. Viu Dimas rindo olhando para ele e viu também Ana Paula morta. A policial saiu de seu abrigo e com a única bala no tambor do trinta e oito, a qual ela beijou e jurou vingar a morte da irmã, ela mirou e puxou o gatilho. A cabeça de Dimas se transformou num chafariz de líquido rosado jorrando por todo quarto. Dimas Pop está morto.
— Meu Jesus. – ela disse abaixando a arma. – acabou.
Cris correu até Ferreira e conferiu seu pulso. Pegou o celular e chamou socorro.
Minutos depois, com o prédio já cercado e isolado por outras viaturas, policiais, socorristas e funcionários do motel eram atendidos por ali. Ferreira foi colocado na maca e seu estado inspirava cuidados, mesmo assim ele ainda conseguiu trocar algumas palavras com Cris.
— Foi loucura o que fizemos. Não foi? – a voz estava fraca.
— Devo admitir que sim. Tivemos sorte. – segurou na mão do chefe.
— Verdade.
Ferreira foi colocado dentro da ambulância e levado às pressas para o hospital mais próximo. O corpo de Dimas também foi retirado do local sob a supervisão de outros agentes. Cris Almeida não conseguiu conter a onda de choro, que sua alma atormentada encontre descanso eterno, querida irmã.
*
Três meses depois.
Cris deixou a sala de Ferreira após uma longa conversa sobre o futuro da nova chefia de polícia da cidade. Tudo leva a crer que Almeida terá sua oportunidade de comandar o departamento assim que Ferreira se aposentar.
— Pense na proposta. – orientou.
— Vou pensar com carinho.
Neste instante seu celular vibrou no bolso.
— Oi Lucas, já chegou?
— Estou estacionado aqui em frente ao DP.
— Já estou indo.
Ferreira deu uma piscadinha para ela e sussurrou.
— Bom cinema pra vocês.
— Valeu, chefe.
Fim.

