1
China,
cidade Foshan.
O
treino no Mudjong é forte e cheio de técnicas de um verdadeiro
lutador de Kung fu. Enquanto se exercita no boneco, Lin não consegue
parar de pensar em tudo que aconteceu em sua vida a dois anos. Foram
dois longos anos de sofrimento e desespero. Se não fosse a cobertura
de seu velho pai na China com certeza ele já haveria sucumbindo.
Passar horas ali treinando no boneco é algo que faz bem a ele. Lin
deixa no objeto toda sua raiva e ódio. Ódio, está ai uma palavra
que ultimamente vem lhe tirando o sono. Esse sentimento nocivo a
qualquer ser humano o deixa cego e surdo a ponto de não ouvir a voz
de seu velho pai e mestre chamar para o almoço.
-
Lin, venha almoçar, agora!
Fim
de treino. Vestido como um mestre, Lin abandona o mudjong pelo menos
por enquanto.
-
Me desculpe, pai, eu não lhe ouvi.
-
Sem problemas, venha, a comida está esfriando.
Calado,
Lin come sendo observado por seu pai.
-
Sei que o cozido não está como o de sua mãe, mas…
-
Está delicioso, pai, não se preocupe. - Lin pega mais repolho.
-
Posso lhe fazer uma pergunta?
-
Sim! - responde sem olhar para o velho mestre.
-
Porquê tanto ódio?
Realmente
Lin não esperava por essa pergunta. Desde pequeno Lin nunca
conseguiu enganar o pai, até mesmo nas pequenas situações. Apesar
dos seus quase noventa anos, Leung continua sendo o mesmo professor
de sempre.
-
Deu pra perceber?
-
Pela forma como você batia no mudjong.
-
Tenho passado por momentos difíceis, as vezes penso em dar fim nisso
tudo. - abaixa a cabeça.
-
Como assim dar fim nisso tudo, eu criei um homem ou um covarde? - o
velho bate na mesa. - você é mestre agora, precisa saber
controlar suas emoções, o kung fu não é apenas uma arte marcial,
ele é um estilo de vida.
-
O senhor não sabe o que é perder uma família.
Tal
afirmação fez com que o clima ficasse ainda mais pesado. Lin há
dois anos tinha uma família. Sua esposa e seu filho foram
brutalmente assassinados numa emboscada. Aquela noite ele jamais
apagará de sua mente. Gritos, desespero, sangue e morte. Um final
tão trágico para uma família que só vivenciava o amor. Lin é
consumido por um sentimento que é capaz de incendiar tudo a sua
volta. Para tentar deixar a mente um pouco mais aberta, ele decidiu
buscar refúgio em seu país de origem onde aprendeu com seu pai essa
arte milenar cheia mistérios.
-
Sinto muito meu filho, não foi minha intenção deixá-lo mal.
-
Sem problemas!
-
Será que posso praticar mais tarde com meu amado filho?
Um
sorriso brota nos lábios de Lin e até ele mesmo estranha tal
atitude.
-
O senhor, quer praticar?
-
E por que não?
-
Pai, o senhor está…
-
Velho, é isso que você quis dizer seu pirralho. - brinca. - veremos
o que o velho Leong pode fazer a um jovem.
Depois
de descasarem o almoço ambos partem para o dojô vestidos a caráter.
Eles tomam suas posições e se cumprimentam.
-
Pronto? - pergunta o pai.
-
Sim!
Após
a confirmação do filho, o velho toma partido avançando com seus
braços magos e flácidos. Lin se desvencilha com facilidade de todos
os golpes até agora. O velho ainda tenta chutá-lo em dois tempos,
mas o filho se safa usando o braço esquerdo. Lin apenas se defende
irritando seu mestre que lhe aplica uma sequência de socos no peito
numa velocidade incrível. Lin perde o equilíbrio, mas não cai.
-
Onde está o lutador dentro de você? - vocifera. - vai ficar apenas
se defendendo?
O
mestre ancião o varre de frente fazendo com que seu filho beije o
chão.
-
Lute comigo, Lin! - grita.
Leong
resolve lutar sério chutando o rosto do filho que sangra forte. Mais
uma cotovelada e Lin está no chão se retorcendo. De repente a dor
faz com que o chinês mediano retome sua posição fazendo crescer
uma chama dentro dele a ponto de sair pelos olhos – vingue sua
família. Lin se levanta, aplica uma boa sequência de socos no pai,
se defende de alguns golpes, porém o seu último soco derruba o
velho que cai sem defesa.
-
Fora de combate, papai! - diz ainda em posição de luta.
-
Esse é o Lin que eu conheço. - o filho o ajuda a se levantar. -
então, como está se sentindo?
A
alma de Lin parece respirar. Ele agora é um novo homem disposto a
tudo.
-
Obrigado pai!
2
Wilson,
investigador de polícia, mas nem parece. Ele se passaria
tranquilamente por um modelo fotográfico ou coisa parecida. Loiro,
olhos verdes e vivos, mediano, Wilson é chamado por todos de o
samurai por causa do corte de cabelo e também pelo rabo de cavalo.
Está certo que o loiro não passa uma imponência como ele gostaria
de passar, mas, por outro lado, sua competência faz com que esses
atributos fiquem em segundo plano. Wilson não abre mão do terno,
porém a gravata ele faz questão de dispensar.
Diante
da tela do notebook ele passa e repassa a fita onde alguns homens
carregam caixas pesadas e as colocam em carros de passeio. A imagem
não é muito boa e isso dificulta qualquer tipo de conclusão.
-
Você ainda acha que são entorpecentes? - pergunta Mel.
-
Acho não, tenho certeza.
-
Podemos montar o flagrante então?
-
Ainda não. Não estamos lidando com simples bandidos, são homens de
Antônio.
-
Eita, então devemos redobrar os cuidados.
-
Muito! - desliga o aparelho e gira a cadeira. - como foi de folga?
-
O de sempre. - joga a bolsa na mesa. - Paulo não tem jeito mesmo, eu
vivo cedendo e ele nenhum pouco, assim fica difícil manter um
relacionamento.
-
Que pena! - se balança na cadeira. - o que pensa em fazer?
-
Se continuar assim terei que dar um basta.
Sentindo
o peso nas palavras da colega Wilson se levanta e a segura no queixo.
-
Quando quiser conversar estou aqui, tudo bem?
-
Obrigado!
Engolindo
seco em pé diante da mesa do chefe, o sujeito treme. Antônio o
circunda com seu olhar penetrante capaz de faz congelar uma chama. Em
pé segurando um taco de beisebol está o braço direito do maior
mafioso da cidade. Bruno é um touro, louco por violência.
-
Confiei o trabalho a você e você falhou, o que devo fazer? - o
hálito de Antônio fede a charuto e uísque.
-
Senhor Antônio, me dê mais uma chance, prometo não falhar.
-
Como você não viu aquela maldita câmera.- Antônio saliva enquanto
fala ao pé do ouvido do homem.
-
Senhor, eu mesmo fiz a inspeção e não a vi, me desculpe.
-
E se a polícia estiver investigando agora, o que eu faço com você?
- o tom do mafioso chefe é ameaçador.
-
Meu Deus! - gagueja.
Antônio
olha para Bruno e pisca. O mesmo caminha batendo com o taco na mão
com ar de riso. O golpe é forte atrás do joelho direito. O sujeito
cai ajoelhado gruindo. Mais um forte golpe, dessa vez no ombro. O
chefe assiste sorrindo. A série de espancamento continua com Bruno
levantando o taco acima da cabeça e acertando o bandido na
clavícula. O som do osso se partindo faz com que Antônio torça a
boca.
-
Eita, essa doeu até em mim agora.
Em
fim morto. Depois de lutar pela vida o homem está morto. Bruno se
afasta e Antônio se aproxima.
-
Nunca achei que dentro da cabeça desses idiotas havia cérebro, e
você?
-
Descobri agora. - ambos riem.
-
Mande jogá-lo fora e limpe minha sala.
Antônio,
o mafioso mais temido da cidade e também o mais procurado. Ele é
conhecido pela violência e também por chefiar a maior rede do crime
organizado. Wilson está em sua cola faz tempo, mas Antônio é
escorregadio demais. Calvo e muito magro, o moreno causa pânico com
seu com seus olhos claros. Quem falha não tem perdão, essa é a
regra, ou você paga, ou alguém que você ama pagará. Assim foi com
Lin.
3
Lin
termina de arrumar sua mala quando seu pai entra em seu quarto
questionando sua volta ao Brasil.
-
Filho, fique, vamos recomeçar.
-
Pai, gostaria muito ficar, mas preciso fazer algo, é importante para
mim. - fecha o ziper da bolsa.
-
O Brasil não lhe deu nada de bom, ele tirou sua família de você.
-
Sei que está tentando me proteger, pai, mas estou decidido, vou
voltar ao Brasil.
Antes
de tomar a decisão de voltar, Lin passou por sérios momentos em que
sua mente só focava o dia da morte de sua esposa e filho. Dois anos
se passara, mas a dor ainda é lancinante. Depois do treino com seu
pai a ideia do retorno ficou ainda mais presente. Sem deixar que a
consciência falasse muito ele juntou suas coisas no dojô e pronto.
-
Pai, lhe agradeço por esses anos aqui, pensei que nunca mais
voltaria a China.
O
velho pai e mestre o toca no ombro.
-
Filho, eu lhe ensinei a arte do verdadeiro kung fu, hoje você é um
mestre do wing chu, não faça dessa maravilhosa arte uma arma
mortal, não a use para interesse próprio.
-
Eu já vou indo, pai.
Ela
era linda, tinha uma pele macia e sedosa. Seu cheiro semelhante à
pera madura. Carla, sua amada esposa dedicada. Lin a conheceu numa
noite chuvosa. Depois desse dia eles não se separaram mais. Com a
chegada de Douglas as coisas só melhoraram. Juntos formavam uma
família feliz. Lin odeia sentir saudade, elas machucam. Sentado no
assento daquele avião retornando onde tudo começou, ele relembra de
dias felizes como os aniversários de Douglas e de casamento.
Carla
ainda dormia quando Lin chegou com uma cesta de café da manhã cheia
de delicias.
-
Parabéns para nós meu anjo! - disse Lin sorridente.
-
Nossa, que lindo. - Carla se ergue na cama.
-
Temos, pão quentinho, queijo, ovos mexidos, suco, café e biscoitos.
-
Uau, assim vou engordar.
-
Esqueça isso, é só por hoje, é nosso aniversário de casamento. -
se senta ao lado da esposa.
Enquanto
relembra desse dia, o mestre deixa rolar apenas uma lágrima. Por
dentro seu coração arde a ponto de incomodá-lo. A família era
tudo na vida do jovem chinês. Perdê-la foi como morrer também.
Talvez a morte seria menos dolorosa. A viagem de volta ao Brasil será
longo, ele terá muito o que pensar. O único pensamento que ele faz
questão de afastar é a possibilidade de voltar atrás. Isso
definitivamente está fora de seus planos. Uma aeromoça passa.
-
A senhora teria algum remédio para dormir?
Wilson
vai ao local onde os homens de Antônio carregaram os caminhões com
drogas. O lugar é um prato cheio para quem quer fazer qualquer tipo
de crime. O investigador desce do carro e anda até onde a câmera de
segurança capitou as imagens. A rua é deserta mesmo em plena tarde.
A câmera pertence a um pequeno depósito de bebidas. Desde quanto
Wilson chegou ali ainda não passou sequer um carro ou civil. A ida a
esse lugar até agora não valeu de nada, os bandidos não deixaram
rastros ou provas. O policial toca a campainha do estabelecimento e
um sujeito com pinta de rabugento o atende.
-
Diga?
-
Sou da polícia, investigador Wilson, posso conversar com o senhor?
-
Se for rápido. - cruza os braços e não abre o portão.
-
Graças a sua câmera de segurança conseguimos imagens importantes
de bandidos transportando drogas.
-
Sim, estou sabendo, quando vieram aqui pegar as fitas eu não estava,
só minha esposa.
-
Essa rua é sempre deserta assim?
-
Mesmo nos finais de semana, é a mesma coisa. - descruza os braços.
- a noite isso aqui se transforma num cemitério, precisa ver.
-
Prometo registra isso e pedir maior policiamento.
-
Posso fazer mais uma pergunta? - Wilson se aproxima da grade. - sei
que era tarde quando tudo aconteceu, mas, o senhor conseguiu ver
alguma coisa?
O
velho pigarreia antes de responder.
-
Bom, eu estava sonolento, mas consegui ver algo, eles estavam tirando
caixas de um caminhão e colocando em outro, só isso.
-
Eram muitos?
-
Cerca de quinze, eu acho. - coça a cabeça.
-
Durou quanto tempo mais ou menos toda ação?
-
Uns dez minutos. - segura o queixo
-
Muito obrigado, tenha um bom dia.
-
Bom dia!
Agora
Wilson tem certeza. Antônio está envolvido com tráfico de drogas.
Já não bastasse seu envolvimento com prostituição, tráfico
humano, assassinatos, agora o maior mafioso do país é também
traficante. Isso só dará maior poder a ele. O investigador entra no
carro e segue para a central. Ainda hoje ele dará incio a uma
profunda investigação.
4
A
atmosfera Brasileira é diferente e Lin sabe muito bem disso. Ao
desembarcar no aeroporto ele respira fundo enchendo seus pulmões com
o ar que ele conhece bem. Quando criança na China o seu maior sonho
era pisar em solo Brasileiro e poder estudar. Na primeira
oportunidade Lin realizou seu sonho, mas a questão dos estudos ficou
em segundo lugar. Se aproveitando de sua habilidade nas artes
marciais, o chinês passou a fazer parte do grupo de Antônio sendo o
mais temido entre eles.
Certa
ocasião Antônio precisou de seus serviços para invadir a casa de
um rival. Lin conseguiu abrir caminho usando apenas o seu kung fu
contra dez homens armados com submetralhadoras. Os golpes tinham uma
precisão e velocidade fora do comum. Com ajuda do wing chu de Lin,
Antônio conseguiu acabar com o rival. Lin era o preferido do chefe e
o pagava muito bem por isso, até que o mesmo falhou. Lin falhou
justamente onde não deveria falhar. Tal erro custou a vida de Carla
e Douglas, sua família, sua vida.
O
chinês chama um táxi. Enquanto a paisagem passa rapidamente, o
mestre do wing chu faz questão de alimentar seu ódio contra
Antônio. Cerrando os punho ele deseja matá-lo com as próprias
mãos. Não demorou muito e Lin estava parado diante do que era sua
casa a dois anos. O lugar agora é uma igreja evangélica. Seus olhos
visualizam o quarto onde Carla e ele viveram os melhores momentos de
um casal. A paixão os consumia quase toda noite. Olhando um pouco
mais ele vê onde seu kung fu era praticado todas as manhãs, a velha
goiabeira. Lin teve a oportunidade de ensinar para alguns garotos que
insistiam em aprender a arte, porém o “trabalho” nunca permitiu
que ele desse continuidade aos treinos com os garotos.
Lin
se hospeda num quarto pequeno e abafado. O banheiro, no lugar do
chuveiro há uma torneira. Para o que ele veio fazer, ali é mais que
o suficiente. Antes de se instalar literalmente naquele lugar acima
de qualquer suspeita ele prepara seu kit de fuga caso algo saia
errado. Na mochila ele coloca uma peça de roupa, passaporte,
dinheiro e uma 45 carregada. Depois de tudo arrumado o chinês
percebeu que estava com fome. Deixando o quarto ele se dirige a dona
do lugar uma mulher obesa e baixinha.
-
Que horas é servido o jantar?
-
Somente as vinte horas. - continua a conferir o dinheiro no caixa.
Vinte
horas, até lá ele já estará desmaiado. Lin sai para comer alguma
coisa vislumbrando a noite do Brasil. Enquanto aguarda o segundo
sanduíche cinco rapazes invadem a lanchonete esbarrando em tudo pela
frente. O maior deles encosta no balcão fazendo exigências para a
balconista da mesma etnia que Lin.
-
Ai, china, lanche para a galera.
-
É preciso pagar antes, senhor.
-
Iremos pagar se o lanche estiver gostoso, certo?
Lin
com seu olhar soturno observa a confusão que começa a se formar.
-
Não posso liberar o lanche se não pagar.
Um
dos jovens a segura pelo braço gritando.
-
Olha aqui sua piranha oriental, queremos comer.
-
Solte-a, ela só está fazendo o trabalho dela. - Lin o toca no
ombro.
-
Você e o pai dela seu tampinha. - todos dão gargalhadas.
-
Não vieram aqui comer não é, vão embora, para o bem de vocês
-
Vai bater na gente comedor de peixe cru? - diz o mais alto.
-
Vou dar educação a vocês, lá fora.
Antônio
conversa com um de seus melhores clientes pelo celular. O mafioso
gesticula e anda de um lado para outro com o aparelho enterrado na
orelha esquerda.
-
Já estou com o material, meu pessoal está embalando, assim que
terminarmos esse processo você receberá no conforto do seu lar. -
silêncio. - sim, sim, exatamente, você sentirá a diferença, a
minha cocaína é a melhor de toda América latina. - nesse momento
Bruno entra. - boa noite. - desliga o telefone com truculência. -
que saco. - olha para o gigante feito de músculos. - o que você
quer?
-
Problemas na seção de embalagem. - a voz do monstro é macia e
grave.
-
Que tipo de problema? - esfrega a testa alongada.
-
Pegamos uma mulher cheirando a nossa coca, o que faço com ela?
-
É gostosa pelo menos?
-
Claro que não.
-
Quebre o pescoço dela.
-
Pode deixar. - sai da sala coçando as mãos.
Se
Antônio já é poderoso, agora que se tornou traficante, ficará
mais ainda. Depois que estiver estabelecido seu segundo plano é
destruir outros para se tornar o principal vendedor de entorpecentes.
Claro que ele pretende migrar para as drogas mais fortes, mas por
enquanto a cocaína servirá como a primeira marcha de um veículo.
Antônio é o caçula de três irmãos. Dona Norma ficou viúva ainda
jovem e nunca mais se casou. Criou os três filhos lavando roupa para
fora. Os outros dois irmãos de Antônio se tornaram criminosos e
foram mortos por rivais, revoltado com toda essa situação, o
pequeno Antônio decidiu se enveredar no caminho dos fora da lei.
Para se transforma no que ele é hoje ele teve que sujar as mãos,
destruir sonhos, trair confiança e criar um forte exército onde
Bruno é o seu braço forte nessa vida bandida.
Ele
abre a gaveta e pega a foto de dona Norma. Com o indicador o sujeito
acaricia o rosto enrugado da mulher.
-
Me ajude coroa! - expressa sussurrando.
Por
causa de uma falha de um chinês miserável, sua mãe se encontra
apodrecendo num cemitério. Perder uma mãe é loucura, pesado demais
até para alguém como ele. Antônio não se permite chorar, seria
uma fraqueza. Ele guarda a foto e sai do escritório. Só mesmo a
cena de um pescoço sendo quebrado para lhe tirar da fossa.
5
Do
lado de fora da lanchonete a confusão está formada. Lin é cercado
por cinco rapazes dispostos a quebrar cada osso de seu corpo. A
galera fora da roda comemora, eles querem sangue escorrendo e
hematomas se formando. Eles apostam suas fichas no grupo de gigantes
que cerram seus punhos e rosnam. O chinês se coloca em posição de
luta do wing chu com seu olhar sereno.
-
Vamos acabar logo com ele. - o negro é o primeiro a partir pra
briga.
O
soco foi forte, preciso e muito rápido. Quando o jovem deu por si já
estava caído com o nariz estourado. O outro veio correndo girando o
corpo para acertar Lin no rosto. O chinês se esquiva, o segura pelo
braço, desfere alguns socos no peito e rosto. O garoto cai rolando.
Mais um tenta sem sucesso parar o oriental mais ágil que uma cobra.
Lin lhe aplica uma rasteira e depois pisa em suas costas. O rapaz
tranca os dentes e depois desmaia. O mestre é surpreendido por um
rapaz que o agarra por trás lhe aplicando uma ponte. Lin cai no chão
machucando o rosto.
-
Levanta seu idiota. - vocifera.
Lin
não demonstra fúria. Se levante e mais uma vez se posiciona. O
garoto o ataca. Seu soco passa em branco, mais o de Lin não. A
têmpora direita do jovem é socada e sua visão se embasa. Lin não
o deixa cair, o segura pelos dois braços, puxa seu corpo para junto
dele e o soca em sequência no peito e depois um único soco no
rosto. Os corpos estão no chão, Lin abre caminho no meio da
multidão que aos poucos vai reconhecendo o quanto ele é bom.
-
Muito bem china, esses merdas mereciam uma surra mesmo. - disse uma
voz no meio do aglomerado.
A
ordem foi quebrar o pescoço da mulher, mas Bruno resolveu se
divertir antes. O soco no rosto da indefesa mulher de quarenta e
poucos anos a deixou sem ação. Chorando e sangrando ela se apavora
cada vez que o gigante anda em sua direção. A covardia é gritante,
Bruno é infinitamente superior, seu corpo é uma aula de anatomia.
-
Quem manda ser uma viciada, agora pagará com a própria vida.
Bruno
a segura pelo pescoço e como se mulher fosse um pacote de algodão
ele a ergue até o teto. Nesse momento Antônio entra.
-
O que está fazendo?
-
O que você mandou?
-
Eu mandei matá-la. - sai da porta. - e não fazê-la lamber o teto,
acabe de vez com essa vadia, preciso que você organize a
distribuição.
-
Tudo bem! - o bandido aplica um golpe que quebra o pescoço da mulher
em dois lugares.
Mel
é uma mulher negra linda que ostenta uma certa imponência na dose
certa. Enquanto trabalha, ninguém ousa em interrompê-la, somente
Wilson tem esse poder de tirá-la de sua concentração invadindo sua
sala.
-
Estive no local.
-
O que? - arqueia uma das sobrancelhas.
-
Estive no local onde Antônio recebeu a carga de drogas. - vai direto
na máquina de café.
-
Conversou com alguém? - se espreguiça.
-
Sim, não aconteceu muita coisa, mas valeu, resta apenas sabermos
onde Antônio pretende distribuir essa droga toda.
-
Antônio não é um traficante de comunidade, com certeza ele vai
distribuir entre os magnatas da cidade, temos que preparar o
flagrante.
Mesmo
maquiada e tentando ser forte, Mel não consegue esconder uma leve
tristeza no olhar, coisa que seu parceiro não deixa escapar.
-
Tudo bem com você?
Antes
de responder, Mel joga a caneta na mesa e se alonga.
-
Não, não estou nada bem.
Wilson
puxa uma cadeira.
-
Quer conversar? - Mel hesita em responder. - venha, vamos sair um
pouco dessa sala.
O
bar tem um ambiente tranquilo. Poucas pessoas ocupam as muitas mesas.
O garçom trás com habilidade de poucos na bandeja o suco de laranja
de Mel e a água com gás de Wilson. Depois de servidos eles
continuam a conversa..
-
Ele continua na mesma? - diz Wilson.
-
Exatamente. - mexe no suco. - parece que tudo que ele havia me dito
virou pó.
-
Vejo nos seus olhos que você o ama.
-
Não sei se o amo mais. - olha para a janela tentando esconder os
olhos marejados. - toda essa história tem me desgastado muito, Paulo
é uma pessoa muito difícil de se conviver.
Mel
está sofrendo, e muito. É interessante ver aquela mulher forte e
corajosa se desmanchando, ao mesmo tempo que dói o coração. A
vontade de Wilson é de a acolher e nunca mais deixá-la. Ele cria
coragem e segura em sua mão. Ela olha para ele que se vê tentado em
retirar sua mão. Antes que Wilson pudesse falar qualquer coisa, ela
falou.
-
Você não sabe o bem que está me fazendo tudo isso aqui.
-
Que bom!
-
Eu estava mesmo precisando sair daquela sala e me distrair. - o
sorriso de Mel agora já é mais leve e sincero.
-
Renovada? - segura firme as mãos da companheira de labuta.
-
Renovadíssima.
6
Antônio
acaba de ficar mais rico. O seu cliente mais exigente deixa em cima
do teto de seu carro uma maleta de dinheiro vivo. Bruno confere as
notas com sua expressão gélida de sempre. Os outros homens do
mafioso estão espalhados pelas entradas e saídas daquela rua. O
cliente sente o clima hostil da situação e reclama.
-
Podemos fechar negócio logo?
-
Sim, claro, assim que Bruno terminar de examinar as cédulas. - usa
de desdem.
-
E se a polícia chegar?
-
Estou com vinte olhos nas entradas e saídas, ninguém vai se atrever
a passar. - Antônio olha para seu cão de guarda que faz sinal de ok
- Tudo certo. - estende a mão. - negócio fechado?
-
Beleza. - aponta para seu motorista. - vamos.
Eles
observam o carro se distanciando. Antônio saca o rádio.
-
Legal pessoal, se dispersem, esse foi o nosso último compromisso da
noite, quero os acertos ainda hoje.
-
Muito bem. - diz Bruno. - o que faremos agora?
-
Vamos voltar para o escritório, farei uma ligação para o
fornecedor.
A
base de qualquer homem é a família. Agora, mais do que tudo Lin
sabe disso. Dormindo naquele quarto apertado e abafado, o chinês
entende o que é ser solitário. Transpirando ele desperta, teve um
pesadelo horrível, alias, mais um de seus pesadelos com toda sua
família. A realidade infelizmente é mais dura que o sonho, sua
Carla e seu Douglas não estão mais ali. Lin acorda e não sabe onde
está, precisou de um certo tempo para ele se situar. Choro, algo que
nos últimos tempos vem lhe atormentando. Essa vingança precisa ser
concretizada logo, o sangue derramado não seca nunca. Para tirar um
pouco o ódio da cabeça, Lin decide se levantar e praticar seu wing
chu ali mesmo na penumbra do quarto e em silêncio.
-
Foi um sucesso, quando podemos fazer negócios mais uma vez? -
Antônio toma mais uma dose do uísque. - ótimo, pra mim está bom
assim, - silêncio. - certo, dessa vez vou querer o dobro, pode ser?
- cruza as pernas. - os ventos estão soprando a nosso favor, nada
pode parar a nossa parceria, tenha uma boa noite.
Bruno
entra no escritório sem bater na companhoa de duas garotas de
programa, uma branca e outra negra. Na mão direita uma garrafa de
espumante. O chefe comemora ao ver as meninas semi nuas dançando ao
som das palmas do gigante. A madrugada será regada a champanhe e a
sexo do mais baixo nível. Antônio está mais rico, isso é fato.
Sua organização é a mais poderosa rede de crime do país, esse é
outro fato. Com certeza ele não parará por ai. Um exército, esse é
o seu objetivo, um batalhão imbatível tomando de golpe todo o
Brasil.
Pela
manhã bem cedo, dois dos homens de Antônio saíram de carro para
uma pequena entrega. Ao passarem por um posto de gasolina, Lin pede
para que o taxista siga o Sentra preto. Dentro do táxi o chinês faz
algumas anotações. O carro dos bandidos dobra uma esquina e segue
para uma zona nobre da cidade. Se seus cálculos estiverem certo, o
endereço está próximo. A partir de um certo ponto Lin decide
seguir a pé. Fazendo a volta com passos acelerados, o ex mafioso
chega ainda em tempo de ver o tal cliente entregando para o capanga
de Antônio alguns maços de dinheiro, dinheiro grande. Lin espera
que tudo se resolva. Saca sua pistola e aguarda. O Sentra dá a
partida, o chinês corre ficando na frente do automóvel apontando
sua pistola.
-
Sem gracinhas, desça os dois.
O
motorista o reconhece.
-
Lin?
O
mestre de kung fu percebe um movimento suspeito do carona e atira
matando o sujeito.
-
Eu falei, sem gracinhas, agora desça.
Cagando
nas calças o homem desce e caminha em direção ao chinês que
ordena que ele pare onde está e com as mãos para o alto.
-
Agora me diga, onde Antônio está se escondendo?
-
Vai me matar do mesmo jeito, não vai?
-
Tudo vai depender de você, me diga onde ele está?
-
Pare com isso, Lin, você sabe que não pode com Antônio, pegue a
grana e volte para o buraco de onde nunca deveria ter saído.
-
A minha conversa não é com você. - Lin anda e fica com a arma na
cara do bandido. - diga, onde Antônio está escondido?
-
Antônio não está escondido, ele está onde sempre esteve. - o
bandido sente que será morto se não colaborar. - fala sério Lin,
trabalhamos juntos, pegue a grana e suma.
Totalmente
aborrecido com o ex colega de crime, Lin lhe aplica uma chave
quebrando lhe o braço. Vociferando o sujeito vai ao chão sentindo
uma dor lancinante. Para acabar com o sofrimento, o chinês aplica
outro golpe apagando o bandido.
Wilson
e Mel estão no local onde o capanga de Antônio foi encontrado
amarrado dentro do Sentra ao lado do cadáver. Os peritos fazem seu
trabalho enquanto o investigador de rabo de cavalo tenta tirar algo
de supostas testemunhas.
-
Não vi nada, escutei apenas disparos de arma de fogo. - diz um
senhora bastante idosa.
-
Obrigado, senhora! - diz desanimado.
Mel
observa com atenção todo o trabalho da retirada do bandido de
dentro do carro. Ela também se concentra nos nós que foram dados
nas cordas.
-
Wilson, já viu algo parecido?
-
O que?
-
Os nós, veja, eu nunca vi nada igual.
-
É mesmo. - olha com mais atenção. - vou bater uma foto. - saca o
celular e bate a foto. - quero ter uma conversa com esse marginal.
No
meio dos curiosos um homem de boné e moletom também observa a forma
como seu parceiro capturado foi amarrado. Apressado ele deixa o lugar
sem ser percebido. Uma viatura dá a partida levando Wilson, mel e o
meliante.
7
Lin
conta a grana sentado na cama do quarto alugado. Muito dinheiro, o
suficiente para ele começar um negócio na China. Ele também
analisa as informações obtidas com seu ex colega de crime.
Antônio se encontra no mesmo lugar de sempre.
O lutador junta todo o dinheiro e o guarda em sua mochila de fuga.
Retira da mesma um mapa e faz um círculo com uma esferográfica
vermelha num ponto da cidade. Chegou a hora de acertar as
contas com Antônio, destruir tudo que ele construiu com seu crime e
sua perversidade. Agora que ele sabe que seu inimigo se tornou um
traficante, ele usará isso a seu favor, destruir os negócios de
Antônio será seu primeiro passo antes do golpe final.
Aos
olhos arregalados da prostituta implorando pela vida não foram
capazes de comover o coração do mafioso. Ele termina de
estrangulá-la com as próprias mãos espumando de ódio. Bruno só
acompanha segurando a outra garota que chora copiosamente. Matar é
como um remédio que aliviar o que lhe queima por dentro e por fora.
Infelizmente a pobre meretriz era a bola da vez. Ao saber que seu
dinheiro foi roubado por seu ex companheiro de crime, Antônio
esqueceu que momento de puro prazer com a mulher que agora jaz caída.
Bruno engole seco e hesita em perguntar se a outra pagará também. O
chefe olha para a negra com a maquiagem borrada e parece não se
compadecer dela.
-
Você já ouviu falar em queima de arquivo? - a segura no rosto.
-
Sim! - gagueja.
-
O que acha que irá acontecer a você? - aperta as bochechas.
-
Por favor, prometo não contar nada a ninguém, eu juro.
-
Promete?
-
Sim, sim.
-
Então vá.
A
menina pega suas coisas rapidamente e sai do quarto. Antônio olha
para Bruno que entende o recado. Apenas de cueca ele olha para o
corpo, mas não o vê. Seus pensamentos estão em Lin. não demorou
muito e Bruno volta.
-
Vamos tentar resgatar nosso homem preso?
-
Trabalho vão, a essa hora ele já deve ter dado com a língua nos
dentes. - pula o cadáver. - a nossa maior preocupação chama-se
Lin, ele sim me preocupa, temos que matá-lo.
-
Se você quiser eu posso montar uma equipe para fazer esse trabalho.
-
Lin não é um bandido qualquer, ele é uma fera que foi ferida, não
veio para brincar.
-
Deixe ele comigo.
A
sala de interrogatório é gelada. O bandido preso aguarda nervoso a
entrada de Wilson. Sem o paletó o agente chega fuzilando o marginal
com seus olhos verdes. Sem falar nada o policial se acomoda em frente
a ele. Olha para a prancheta.
-
Flávio, esse é o seu nome, procede?
-
Sim!
-
Flávio, você está disposto a colaborar comigo?
-
Não!
-
Por quê?
-
Não falarei nada sem a presença do meu advogado. - disse com o
olhar fixo em Wilson.
-
Hum, boa. - mexe nas folhas presas na prancheta. - aqui diz que você
faz parte do grupo de Antônio, quer falar alguma coisa sobre seu
chefe?
-
Nada a declarar.
-
E Lin, quem é ele?
Ao
ouvir o nome do chinês pela primeira vez Flávio desvia o olhar. Do
outro lado, de braços cruzados, Mel acompanha a conversa. A policial
se mostra impaciente, mas confia no trabalho do parceiro. Se fosse
com ela o bandido já teria sofrido algo dentro da sala. Ao contrário
da colega, Wilson adota a questão do psicológico.
-
Lin é um desgraçado, um traidor. - vocifera.
-
Ele trabalhou para Antônio?
-
Sim!
-
O que aconteceu entre vocês?
-
Antônio lhe confiou uma missão e ele falhou, por causa dessa falha
a mãe do chefe foi morta. Com isso Lin pagou, alias, a família dele
pagou.
-
Mataram a família dele? - Wilson se inclina sobre a mesa.
-
Já falei de mais, quero meu advogado.
-
Vamos ligar para ele.
Sempre
que as coisas vão mal, Antônio recorre a foto de sua finada mão
dentro da gaveta. A foto funciona com uma espécie de amuleto da
sorte. Ao lembrar do dia em que a perdeu, um nó se forma na
garganta. Maldito chinês.
Foi terrível, aquela bala tinha endereço certo, a cabeça dele. Um
atirador a matou quando dona Norma entrava no carro. Foi numa fração
de segundos. A cabeça de Antônio saiu da linha da bala e esfacelou
o crânio da idosa. Sua morte foi rápida, ela nem percebeu. O
desespero do mafioso foi grande. A imagem de sua querida mãe morta
escorrendo sangue e massa é um quadro tenebroso. Isso lhe causa
pesadelos até hoje. A senhora será vingada, mãe. Depois
de algum tempo Bruno conseguiu encontrar o atirador e levá-lo a ele.
O sujeito foi torturado 24 horas antes de ser morto. O
mesmo acontecerá com Lin quando eu o pegar. De repente o lado
filho órfão da lugar ao bandido, a fúria inflama seu ser por
completo. Antônio guarda a foto e parte para ação.
Lin
está próximo do lugar onde o mafioso chefe costumava ficar. Invadir
o lugar e enfiar uma bala na cabeça de Antônio não é má ideia,
porém seria suicídio, o canalha conta com um batalhão de homens
armados incluindo um cão de guarda chamado Bruno. Profissional, é
isso que ele é, um profissional. É preciso pensar. Antônio é do
tipo de sujeito que para destruí-lo é preciso matar na raiz.
Eliminar as bases. Lin recua, para pensar num ataque preciso e
definitivo.
8
Wilson
agora trabalha com duas grandes possibilidades as quais ele pode
tirar alguma vantagem. Lin, quer vingança. Antônio quer caçá-lo.
Fato é, um deles irá morrer ou falhar em algum momento e é ai que
a polícia entra. Diante da tela do computador ele faz busca da ficha
de Lin. Demora um pouco mas ele a encontra.
-
Lin, 42 anos, etnia chinesa, mestre na arte milenar Kung fu, wing
chu. Acusado de homicídio, envolvimento com a máfia e roubo,
indivíduo de altíssima periculosidade.
Mel
entra na sala disposta a ajudar seu companheiro no que for preciso. A
paixão pelo trabalho move a investigadora a deixando a beira da
obsessão, se não fosse os problemas com o namorado, Mel renderia
muito mais. Ela entra e não diz nada, apenas olha a tela do
computador com os braços cruzados.
-
Esse é o nosso chinês favorito então?
-
Podes cre.
-
Já tem algo me mente?
-
Acho que sim. - se levanta. - Lin voltou ao Brasil para se vingar,
agora Antônio sabe que ele está aqui, guerra declarada minha amiga.
-
E onde entramos nessa?
-
Vamos começar as buscas.
A
encomenda de Antônio chega, um caminhão carregado de cocaína e
outras drogas. O local, um lugar esquecido pelas autoridades e pela
população. Ali funcionava um antigo lixão que seria transformado
num parque, porém, os governantes não cumpriram o prometido e agora
o lugar favorece os marginais e mendigos. Como um cão de guarda,
Bruno observa o sofrimento do motorista em estacionar. Temido entre
os colegas de crime, Bruno é um sujeito frio. Ainda na infância se
mostrava violento e incapaz de fazer o bem. No colégio participou de
um espancamento de um inspetor que teve que ficar hospitalizado. O
homem morreu dias depois do ocorrido. Transferido para outra escola,
mas problemas, Bruno bateu até quase matar um aluno rival. O caso
deu polícia, Bruno foi para o abrigo de menores infratores onde
aperfeiçoou o criminoso dentro dele. Sua forma física e sua altura
é de assustar. Bom lutador, bom atirador, Bruno é um assassino
horrível e não há sangue correndo em suas veias.
Por
fim o caminhão encosta. Uma corrente é formada. A droga é passada
de mão em mão para o caminhão de Antônio. Não há conversa e
nem piadinhas. Bruno intimida com sua postura e aspecto. A noite é
fria, mas o gigante não abre mão da regata preta. O traficante
hesita em chegar perto dele. Bruno faz sinal para que ele se
aproxime.
-
Tudo certo? - pergunta o cão de guarda de Antônio.
-
Sim, senhor. - olha pra cima para olhar para Bruno. - o dinheiro por
favor.
Bruno
estala os dedos e um rapaz franzino aparece com uma maleta de
dinheiro.
-
Desculpe a ausência do chefe, ele anda muito assoberbado. -
justifica Bruno.
O
trabalho termina. Bruno entra no carro e sai. Os traficantes também
deixam o lugar. Antes de tomarem a avenida principal, Lin aparece
apontando sua arma.
-
Desça, os dois.
Sem
entender muito bem, o traficante de rosto redondo e corpo flácido
olha para seu ajudante engolindo seco.
-
Não tentem nenhuma gracinha, somos muitos. - grita Lin.
Os
homens descem bem devagar. O caminhão que vem logo atrás breca
abruptamente. Lin precisa ser rápido. Ele atira matando o ajudante.
O chefe ainda tenta correr, mas é alvejado. O chinês corre e pega a
maleta com o dinheiro. Os dois bandidos que estavam no outro caminhão
atiram, mas Lin já havia desaparecido.
Cachorro
quente, o lanche preferido de Wilson, de preferência com bastante
maionese. Mel também gosta, mas sem milho e ervilha. A conversa toma
outro rumo, sai do profissional para o informal. Mel no início do
dia chegou com um semblante mais leve, mais iluminado. Por um
instante Wilson se viu tentado em perguntar, mas não perguntou.
-
Ele foi embora. - diz Mel olhando para o amigo.
-
Sério? - morde o lanche. - pode compartilhar?
-
Você sabe, isso era questão de tempo, eu e Paulo já não nos
entendiamos mais, foi melhor para todo mundo.
-
Eu sinto muito.
-
Bom, agora estou mais focada, mais concentrada, tudo que quero é
resolver logo esse caso.
O
rádio chama e Mel atende.
-
Tudo bem, estamos indo pra lá.
-
O que houve? - Wilson pergunta com os olhos arregalados e a boca suja
de maionese.
-
Acho que Lin e os homens de Antônio trocaram tiros não muito longe
daqui, vamos!
Lin
acelera até chamar atenção de Bruno e os outros. O brutamontes de
Antônio não esboça reação. A pistola é sacada. Sem fazer
cerimonia ele coloca o tronco para fora do carro e atira estilhaçando
o parabrisa de Lin. A resposta é imediata, o chinês fura a lataria
do veículo dos mafiosos, sem sucesso. Bruno continua com parte do
corpo pra fora e atirando. Certo momento os olhares se chocam. Lin
com seus olhos pequenos e sem expressão. Bruno é uma pedra de gelo.
Querendo ou não eles se desafiaram para um combate homem a homem.
Mais disparos e o pneu do carro onde o gigante se encontra estoura e
o motorista perde o controle. O automóvel bate em outro e se colide
com a mureta que divide a pista. Na batida a arma de Bruno caiu. Lin
deixa seu veículo e segue a pé. De longe é possível ver Bruno
abordando outro carro e com truculência ele arranca o motorista que
é jogado no asfalto. O covarde foge, Lin cerra os punhos.
Wilson
soca a palma da não quando soube que todo o bando estava reunido ali
a poucos minutos atrás. Segundo testemunhas houve troca de tiros e
um chinês com as características de Lin foi o pivô de toda a
situação.
-
Fora um monstro de dois metros, careca. - disse um senhor baixo.
-
Monstro? - Mel cruza os braços.
-
Sim, um sujeito bem alto com pinta de lutador de sei lá o que.
-
Quem será esse? - Mel olha para Wilson que dá de ombro.
Os
policias dispensam o homem.
-
Não há mais nada o que fazer aqui. - Wilson coloca as mãos na
cintura.
-
Bom, agora sabemos que existe esse cara alto do grupo de Antônio,
vou puxar a ficha dele.
-
Fazer o que? - diz com olhar soturno.
9
A
mesa é virada e tudo o que havia em cima dela vai para o chão.
Bruno acompanha o ataque de fúria do chefe com sua expressão gélida
de sempre. Com os braços cruzados e as penas semi abertas, o temido
cão de guarda não pisca.
-
Como pode deixar isso acontecer, eu paguei caro por aquela droga.
-
Foi uma falha e Lin agiu como elemento surpresa, Antônio.
-
Eu odeio justificativas seu cretino, se aquele chinês não tivesse
matados os outros, eu mesmo me encarregaria disso.
-
Peço desculpas e prometo acabar com Lin, eu mesmo, vou recuperar a
sua grana.
-
Assim espero, assim espero, caso contrário eu…
-
Não falharei, Antônio.
Distante
dali, Lin contempla sua grande façanha. Claro que não foi tarefa
fácil pegar a grana e a droga. A essa hora Antônio deve está
roendo de ódio e também o seu cão de guarda já deve está atrás
dele. É preciso ficar em alerta o tempo todo ou atacá-los de novo.
Agora sim a guerra foi declarada, sem falar na polícia que está
investigando com certeza. Lin poderia muito bem voltar para China e
se esconder por lá, ele já tem dinheiro o suficiente para isso, mas
o sentimento destrutivo da vingança encobre qualquer outra
possibilidade de um plano B ou C. O ataque é ainda a melhor defesa e
é isso que ele irá fazer.
Mel
puxou a ficha de Bruno e descobriu que ele serviu as forças armadas
e ganhou o título de bravura. O sujeito é realmente de dar medo até
mesmo pela foto. Wilson ficou sabendo que houve troca de tiros um
pouco mais adiante do outro caso e que Lin também foi o pivô da
situação.
-
Penso eu que até agora estávamos na retaguarda só esperando que
eles se matem, temos que ir atrás deles. - disse Wilson com um
copinho de café na mão.
-
Temos que pegar o Lin primeiro, - Mel se levanta. - pra mim ele é o
mais perigoso de todos.
-
Tudo bem, vamos montar uma equipe de busca.
Agora
as coisas se complicaram para os mafiosos em guerra. Wilson colocou
nas ruas uma equipe de agentes atrás de Lin e Antônio numa operação
pente fino pela cidade. O plano é encurralar os bandidos a pontos
deles se entregarem. Como era de se esperar a imprensa cobre fato a
fato e essa informação chegou aos ouvidos de Antônio que faz
questão de se mexer também.
-
Lin está com a minha grana. - fala para todo o grupo. - a polícia
está na minha cola, eu não quero cair, eu não vou
cair sem antes tirar a espinha daquele chinês fedorento fora do
corpo e quem falhar, eu mato. - olha para Bruno que não muda sua
expressão.
As
ruas se transformaram de repente em pista exclusiva
para as viaturas da polícia.
Por onde se olha há um ou
dois carros com suas luzes vermelha e azul circulando. Lin pega sua
mochila de fuga. Confere sua arma e a coloca na cintura. A dona do
quarto bate na porta para cobrar a estadia.
-
Um momento. - disse colocando a mochila nas costas.
Perto
dali dois veículos da polícia param e dentro de um deles sai Wilson
com seu colete aprova de bala.
-
Quero uma varredura aqui e ali. - aponta justamente para a pensão
onde Lin se encontra.
Lin
termina de fazer o pagamento e fechar a ficha. Ele não agradece e
sai sem fechar a porta. Na varanda ele escuta a dona da pensão o
xingando e também o barulho das sirenes. O
chinês desce os três lances de escadas ganhando a rua. A mochila
vermelha nas costas, uma pistola na cintura, tudo muito ariscado. Ao
dobrar a esquina ele bate de frente com duas viaturas, uma delas
Wilson o avista.
-
Acho que o vi, vamos.
Lin
dá meia volta correndo e escutando o som dos butes dos agentes
batendo no chão.
-
Parado! - Grita Wilson. - Lin!
Cercado.
Lin se encontra cercado por agentes armados. Ele saca a pistola.
-
Cuidado, ele está armado. - diz um policial.
Lin
atira só para espantá-los, ele não quer feri-los. Seu objetivo não
são os homens da lei, mas sim Antônio. Para abrir caminho ele terá
que usar toda a sua técnica do kung fu, e assim ele faz. Guardando
a arma e indo na direção do policial, Lin se prepara para o combate
homem a homem.
-
Fique onde está, senão, eu…
Não
deu tempo de completar a frase, o chinês já havia lhe acertado um
forte golpe no rosto o deixando inconsciente no asfalto. Dois agentes
aparecem e Lin acerta um chute num e um soco no outro. De longe tudo
o que Wilson consegue ver são homens caindo ou voando. Recebendo
golpes precisos.
-
Meu Deus ele é a reincarnação de Bruce Lee? - diz
Wilson boquiaberto.
A
pancadaria rola solta. Um policial o segura pelas costas. Lin aplica
lhe uma cabeçada, em seguida uma cotovelada e um golpe no pescoço.
Wilson corre passando pelos corpos se remexendo no chão.
-
Vocês estão bem?
Terno
não é uma vestimenta para esse tipo de atividade, correr. Mesmo na
desvantagem Wilson acredita que possa prendê-lo. Mais a frente Lin
para de correr, resolve encarar o perigo de perto.
-
Se entregue, eu conheço seus motivos.
-
O que? - diz em posição wing chu.
-
Antônio destruiu sua família não foi?
-
Tire o nome da minha família da boca seu porco. - avança contra o
agente com ponta-pés.
A
última vez em que Wilson apanhou foi no ensino médio onde brigou
com um sujeito duas vezes maior do que ele. E agora apanha de um
chinês mediano com cara de dono de pastelaria. Por mais que Wilson
queira reagir, ele não consegue. Lin é muito mais rápido. Wilson
vai sentindo a dor de cada golpe, peito, costela, costas, pernas e
finalmente o rosto onde a têmpora é atingida. Wilson cai
desacordado.
10
Abrindo
os olhos devagar, Wilson contempla uma negra linda com uma expressão
preocupada.
-
Você está bem? - pergunta Mel.
-
Onde estou?
-
Dentro da viatura, o chinês escapou deixando alguns policias
feridos.
Se
erguendo e ajeitando o rabo de cavalo ele lamenta o acontecido e
agradece por está vivo.
-
Ele é uma fera ferida, Mel, tinha que ver os olhos dele.
-
Quer ir ao hospital dar uma olhada na cabeça?
-
Não.
Bruno
mesmo dirige o carro. Além dele há mais dois sujeitos armados. As
palavras de Antônio latejam em sua mente, quem falhar eu
mato! Não
por medo, Bruno não teme Antônio, apenas o respeita. Sua alma tem
sede por Lin, esse sim ele quer ver morto. Enquanto segue para o
possível local onde seu inimigo possa estar, Bruno, o cão de guarda
de Antônio aperta o volante até quase o quebrar. Um dos capangas
mostra o rádio para o gigante.
-
Bruno, acabaram de informar que Lin foi visto saindo da principal a
pé. - Bruno sorrir.
Suado,
sujo e com um aspecto horrível, Lin anda com a mochila nas costas. O
moletom que usa está surrado e seu cabelo despenteado. De repente um
farol forte o deixa cego momentaneamente. A voz de Bruno o faz
congelar.
-
Oi Lin!
-
Bruno. - rosna.
-
Me entregue o dinheiro e isso termina aqui. - propõe o gigante de
músculos.
Bruno
se encontra parado na frente do carro que ainda está com os faróis
ligados permitindo a Lin ver apenas sua silhueta.
-
Saia da frente Bruno, meu
papo não é com você.
-
Sabe de uma coisa, Lin, foi prazeroso quebrar o pescoço da sua
mulherzinha, tinha que ver os olhos dela.
Lin
sente uma eletricidade percorrer todo o seu corpo.
-
Maldito!
-
Sim, confesso, Antônio me pediu esse favor. - usa de desdem.
-
Está mentindo, seu filho da…
-
Opa, opa, olha lá como fala seu resto de merda.
-
Como teve coragem de fazer aquilo, quantas vezes trabalhamos juntos
seu desgraçado. - Lin vocifera com a voz embargada.
-
Chega dessa conversa seu chinês otário, me passa o dinheiro e me
diz onde está a droga que roubou.
-
Vou lhe mostrar o dinheiro. - Lin corre pra cima de Bruno que dá um
o aviso.
-
Não se metam, esse treta é entre Lin e eu. - disse aos dois homens
dentro do carro.
O
ferimento na testa é coberto com delicadeza por Mel. Wilson sente
todo o carinho dispensado pela sua companheira. Os dois estão
sozinhos no vestiário.
-
Pronto! - Mel sorrir.
-
Obrigado!
-
Qual o próximo passo?
-
Cara, pra falar a verdade não consigo pensar direito, minha cabeça
dói demais, a mão do sujeito parecia uma marreta.
-
Deite-se e coloque a cabeça no meu colo, farei uma massagem.
-
Tem certeza?
-
Sim, eu sempre fazia essa massagem em Paulo quando ele chegava
estressado, vem.
Wilson
apoia a cabeça nas coxas de Mel que fricciona as têmporas
levemente.
-
Por falar em Paulo, você teve notícias dele?
-
Quero esquecer que um dia me envolvi com aquele crápula.
-
Sinceramente não consigo
entender. - Disse Wilson de olhos fechados.
-
O que? - continua a massagear.
-
Como pode um cara maltratar uma mulher linda, forte, e ao mesmo tempo
delicada como você. - Mel não responde. - muito louco mesmo. - de
repente Wilson sente o morno dos lábios de Mel lhe tocando a boca. O
beijo inicialmente é tímido. Logo o contato se torna mais intenso.
Daqui a pouco eles estão envolvidos trocando saliva.
A
troca de murros violentos acontece bem ali no acostamento. Bruno
parece um pedaço de aço. Os golpes de Lin não surtem efeito contra
aquela montanha de músculos. Como um boxeador Bruno vai golpeado o
chinês. Um forte direto acerta o rosto de Lin que vê tudo rodar.
Antes de cair, Lin lhe aplica
uma rasteira. O
bicho grande vai ao chão como uma palmeira. Aproveitando a
oportunidade, Lin o soca várias vezes em várias partes do corpo.
-
Morre maldito! - grita.
Com
auxílio dos joelhos Bruno consegue se livrar do chinês e de suas
pancadas. Num
salto o dinossauro fica de pé e coçando as mãos.
-
Vem! - vocifera.
Beijo,
só serve se for molhado e apaixonante. Mel descarrega em Wilson todo
o seu poder de mulher dominadora. Ela o segura nas madeixas loiras
quase desfazendo o rabo de cavalo. Ele a toca no rosto longilíneo e
belo. Em outro mundo eles não se dão conta que estão dentro do
departamento, exatamente no vestiário na iminência de alguém
entrar e os flagrar. Ambos abrem os olhos ao mesmo tempo. Sem graça
eles se olham, riem.
-
Uau! - Wilson prende a respiração.
-
Me desculpe, não foi minha intenção. - se levanta do banco.
-
Não precisa se desculpar, foi muito bom. - a segura pelo braço.
-
Podemos esquecer isso que
aconteceu aqui? - Mel abaixa a cabeça.
-
Você vai esquecer? - Wilson a segura pela cintura.
-
Acredito que não.
-
Venha aqui. - a puxa já a beijando.
A
brutalidade dos golpes é de causar espanto em qualquer um. Os dois
homens que ficaram dentro do carro vez por outra fazem careta a cada
soco dado na luta entre Davi e Golias. O sangue que escorre do nariz
de Bruno já mancha sua camiseta clara, Lin tem a boca escorrendo um
fio de sangue chegando ao pescoço. O cansaço já começa a bater em
ambos, mas desistir ou se entregar jamais. Lin é alimentado por um
ódio infernal a ponto dele grunhir enquanto golpeia seu adversário.
Ao
ser socado duas vezes no rosto a uma velocidade sem igual, Bruno
cambaleia e se apoia no poste. Lin abaixa a guarda e espera a
recuperação do gigante. As pernas bem torneadas que marcam a calça
jeans demoram a obedecer as ordens. Bruno olha para Lin e rir. Ele
olha para seus comandados também e repete a ordem.
-
Fiquem
onde estão. - fecha o punho e se ergue. - irá se encontrar com sua
mulher e filho. - cospe uma boa quantidade de sangue.
Como
um touro branco furioso, Bruno parte pra cima do chinês que se
defende dos murros poderosos. Um deles o acerta no estômago. Lin
é dobrado ao meio e depois golpeado com um gancho o fazendo sair do
chão. O corpo minúsculo do oriental cai e é violentamente chutado.
Enquanto apanha, Lin tem flashbacks com
sua família. Em dado momento em que sua cabeça sofre um pisão, ele
vê sua esposa Carla morta com os olhos semi abertos e
com o pior aspecto possível. A
pior imagem já vista por ele. Bruno não cessa os chutes e a
gritaria. Todo o seu corpo é surrado. Outro chute na cabeça e agora
ele vê seu filho Douglas morto com o rosto desfigurado. Uma lágrima
desce se misturando ao sangue.
-
Vamos chinês fedorento, reaja. - Bruno vocifera
ao
receber mais um chute nas costas, Lin se vê junto a eles em seu
antigo lar. Risos de alegria, canções chinesas que ele ensinou a
Douglas e troca de carícias com Carla. Tudo isso se foi pelas mãos
desse desgraçado. Um dragão furioso, um guerreiro chinês do kung
fu. Quem fez isso não pode sair impune, jamais. Depois de um forte
grito, o chute debaixo para cima acertando em cheio a parte genital
de Bruno marca a volta das cinzas do lutador de wing chu. O urro do
gigante mais parece uma trovoada. Ele se afasta segurando as partes
com as veias do pescoço expostas. Lin se levanta e o chuta no rosto.
Bruno perde o equilíbrio e
recebe outro chute no rosto. O sangue espirra no ar. O chinês não
perdoa e acerta outro forte chute quebrando o maxilar do bandido.
Bruno tomba. Lin monta no monstro de músculos e o
soco diversas vezes. Mesmo
ouvindo o som dos ossos da face se partindo e não vendo mais
respiração do adversário, Lin continua a socar até seus punhos se
feriem. Antes de desferir o último soco ele fala o nome de Carla e
Douglas, mas Bruno já havia morrido a alguns minutos antes.
Um
dos capangas aponta sua arma contra Lin.
-
Fique parado!
Lin
limpa o sangue que escorre de sua testa e rir para o homem.
11
Com
o rabo de cavalo desfeito, Wilson lembra e muito Thor, o deus dos
quadrinhos. Mel pára de beijá-lo e sorrir fazendo menção do super
herói.
-
Legal, quem sabe assim não uso mais o cabelo solto.
-
Wilson Thor, o investigador. - brinca Mel.
De
repente a brincadeira cessa.
-
Tudo bem entre a gente? - Wilson alisa o rosto da negra que assente.
-
Tudo bem.
A
porta do vestiário é aberta com truculência e um policial entra
correndo.
-
Que bom que os encontrei, temos três corpos.
Toda
vez que Antônio fica nervoso ele volta ao velho habito de fumar, e
fumar um cigarro atrás do outro. Bruno até agora não voltou com
uma resposta. Dentro do escritório ele circula como uma fera. Ele
vai até a janela e volta. Faz isso diversas vezes. Vai até a mesa,
abre a gaveta e pega a foto de dona Norma. Alisa a testa.
-
Me ajude mãe!
Aquele
último dia marcou sua vida para sempre. Ele havia levado sua mãe ao
médico. Antônio dispensou a escolta a qual normalmente fazia sua
segurança. Durante a consulta ambos se divertiam com os casos
contados por ela. Norma era uma mulher contadora de histórias. Ainda
com a barriga doendo das risas, Antônio desceu as escadas com sua
velha mãe segura em seu braço. Os cabelos cheios e brancos presos
por um coque. O vestido laranja preferido e sua fiel amiga, a
bengala. Eles alcançam o portão que dá acesso à rua. Mesmo não
transparecendo, o mafioso está nervoso olhando para todos os lados e
para o alto. Um, dois, três prédios, um atirador dos melhores com
seu rifle. Mastigando o chiclete já sem o açúcar, o homem deitado
no chão do terraço vazio olha pela mira o seu alvo ajudando sua
velha a entrar no carro. O gatilho é puxado. Seu alvo continua de pé
com as mãos na cabeça, não por ter levado um tiro, mas sim por que
sua mãe teve o crânio perfurado. O atirador resmungo.
-
Errei!
Lá
embaixo Antônio se desespera, mas não faz alarde. Ele sabe que fez
isso com sua mãe. Antes de dar a partida no carro ele liga para
Bruno.
-
Cara, acertaram minha mãe, ela já era, cara, e agora?
-
Fique calmo!
-
Calmo o cacete, reúna a todos, quero o responsável por isso vivo ou
morto ainda hoje.
E
isso realmente aconteceu. Pegaram o atirador. Torturaram e depois o
mataram. Lin foi penalizado e teve a família dizimada. Hoje a
situação mudou. Lin encontre-se com seu dinheiro e sua carga de
droga. Ao guardar a foto de Norma, um péssimo pressentimento passa
por ele a ponto de Antônio sacar sua pistola e apontá-la para a
porta. Depois de alguns segundos assim, ele percebe que está ficando
paranoico. A arma volta para a cintura e ele deixa a sala.
Bruno
e mais dois, mortos com sinais de espancamento, ou coisa parecida.
Wilson olha para a expressão do cão de guarda de Antônio e faz uma
careta.
-
Parece que um caminhão passou por cima dele. - disse ainda olhando
para o cadáver.
-
Lin está fazendo à limpa, vamos apostar quem será o próximo da
lista? - Mel coloca as mãos na cintura.
-
De qualquer forma temos que pará-lo, daqui a pouco vão taxá-lo
como heróis, coisa que ele não é. - Wilson faz gira a cabeça
apontando para a imprensa ali presente.
Os
corpos são retirados do local. Mel e Wilson acompanham a remoção
quando um outro investigador chega com novas informações.
-
Lin ficou hospedado numa pensão fundo de quintal lá no centro,
querem dar uma olhada?
-
Vamos! - Disse Wilson.
O
lugar onde Antônio se esconde é um pequeno prédio que passa por
despercebido por qualquer um. Na frente não há luxo, apenas um
portão com grade. As câmeras de segurança foram instaladas
cuidadosamente no poste e na árvore que fica em frente ao portão.
Os quatro andares foram ocupados por Antônio e sua turma. Ao saber
da morte de seu braço direito pela imprensa, ele redobrou a
segurança do lugar contra a polícia e principalmente contra Lin.
-
Não quero ninguém marcando bobeira agora.
Sua
transpiração é forte e ele retira o paletó e afrouxa a gravata.
Vai até a sala dos monitores dando novas ordens ao responsável por
eles.
-
A qualquer sinal de perigo me avise.
-
Sim, senhor.
Ele
volta para sua sala. Afasta um pouco sua escrivaninha. No chão a um
compartimento. Estão guardados ali dentro uma submetralhadora, uma
bolsa de viagem, passaporte, dinheiro, cartões e um molho de chaves.
Um kit fuga completo. De dentro da bolsa ele pega um cartão com um
número. Saca o celular e digita. Ao terceiro toque alguém atende.
-
Alô, acho que vou precisar que você faça aquela transferência.
Enquanto
o quarto onde Lin ficou é vasculhado, a dona com cara emburrada
reclama. Wilson não toma conhecimento dela continuando seu trabalho
olhando cada canto.
-
Quantos dias ele ficou aqui? - Mel pergunta.
-
Poucos! - disse rapidamente. - três dias.
O
quarto está limpo, Lin não deixou se quer um grão de poeira fora
do lugar. Wilson olha embaixo do colchão.
-
Miserável!
12
Com
dificuldade Lin retira a mochila das costas. Naquele beco escuro e
úmido ele se recosta na parede grunhido de tanta dor que sente. Todo
o seu corpo dói, principalmente nas costelas. Imundo, suado, doido,
um lixo, é assim que o chinês se sente. Se não estivesse focado em
acabar de vez com toda essa história, passar a noite ali no meio dos
roedores não seria má ideia. Pior que a dor física, é a dor
mental. Por mais que ele já tenha eliminado Bruno, o matador, o ódio
ainda não passou. Antônio, esse é o seu alvo, o cara que manda
apertar o gatilho em seu lugar, desgraçado.
Se
apoiando nos canos chumbados na parede o ex mafioso se põe de pé.
Faz uma careta quando uma dor aguda passa por suas costas ao colocar
a mochila. Lin olha para o céu estrelado e se lembra de sua terra
natal, Foshan. Quantas e quantas noites ele treinou debaixo de um céu
coberto por estrelas que brilhavam para ele. Chega, é hora de agir.
Decidido a entrar no ninho da raposa, Lin caminha até a rua. Saca
sua arma e aborta um motoqueiro que passava por ali.
-
Sem gracinhas, me passe a moto. - com os braços erguidos o rapaz
desce de seu veículo.
Pilotar
uma moto nunca foi o forte de Lin, alias, é a primeira vez que ele
irá percorrer uma longa distância numa. A paisagem vai passando
deixando borrões em sua visão. Seu corpo miúdo ainda dói muito,
mas não importa. Ele sabe muito bem aonde quer chegar. Sua
estratégia é suicida, entrar no esconderijo de Antônio pela porta
da frente é algo improvável, mas as vezes é preciso correr riscos.
Por sua família, por sua honra.
A
operação policial continua cercando todos os pontos da cidade. A
noite só está começando para Wilson e Mel que deixam a pensão e
correm para mais próximo do centro da cidade. Ele sabe muito bem que
o próximo da lista de Lin será Antônio. Resta saber onde esse
miserável se esconde. A muito tempo Wilson vem investigando o
mafioso. Houve uma época em que ele quase colocou as mãos nele, mas
o bicho foi escorregadio e saiu antes do flagrante. Wilson não
desaminou, montou outra operação onde dois dos homens do bandido
foram mortos numa troca de tiros. Foram tentativas frustradas e de lá
pra cá ele vem apenas esperando um vacilo de Antônio. Chegou a
hora, ele sente isso no sangue que correr em suas veias.
Uma
barreira policial era tudo que Lin não precisava no momento. O que
fazer? Acelerar a moto e passar? Com certeza os desgraçados vão
abrir fogo e ele será morto antes de cruzar a blitz. Ou dar meia
volta? Mas ele já foi visto por eles, o que fazer? Engolindo seco e
transpirando o chinês decide em furar o bloqueio policial. A morte é
certa, ele já até sente sua respiração. É preciso ariscar. Lin
acelera.
-
Ei, o que é isso? - um policial olha para a moto vindo. - é o tal
chinês. Pare!
Em
zique zaque Lin conduz perigosamente sua motocicleta no asfalto
negro. Os agentes apontam suas armas. Cego, Lin está completamente
cego, ele ouve apenas os gritos dos policias dando ordens. Dois
disparos. Nada acontece. Mais um disparo, nada. Será que estão
errando, ou disparando para o alto? As pessoas em seus carros entram
em pânico. Lin quando vê já passou da blitz a alguns metros, e
melhor, ainda está vivo. Vida que segue. Mesmo sabendo que um
comboio de homens fardados estará atrás dele em minutos, Lin segue
com o plano suicida.
Mel
sempre achou seu amigo de profissão um homem interessante, mas ele
nunca deixou transparecer qualquer interesse por ela. Wilson
realmente é um sujeito que não passa despercebido, talvez por não
fazer o perfil de um investigador. No incio ele foi bastante
criticado por usar os cabelos cumpridos. O que fez com que ele
conquistasse o respeito entre os colegas e até mesmo pelos
superiores foi a sua eficiência no trabalho e os resultados. Mel na
época estava cega pelos problemas com seu ex Paulo. Ao vê-lo
concentrado no trabalho ela sente depois de alguns anos seu coração
bater diferente. Se não tivesse no meio da rua cercada por viaturas,
ela bem que o beijaria novamente igual no vestiário. Wilson olha
para ela e pisca. Como adolescente apaixonada ela devolve o gracejo.
O momento da paquera é quebrado pelo rádio notificando sobre Lin.
Wilson entra na viatura assumindo o volante. Mel ocupa o carona.
-
Hora de prender esses caras. - disse Mel, Wilson meneia a cabeça
positivamente.
Olhando
pelo retrovisor tudo o que Lin vê são luzes azuis e vermelhas. É
preciso despistar os vermes. Ele pega uma rua secundária e volta a
olhar para o retrovisor. Lá estão eles. Ele xinga em sua língua
mãe, mandarim. Falta pouco para chegar ao prédio de Antônio. Essa
vingança pertence somente a ele.
O
prédio pertencente ao grupo de Antônio se transformou numa
fortaleza com dezenas de homens armados. Enquanto isso o chefe
termina de fazer suas transações via internet caso algo saia
errado. Sua conta bancaria acaba de engordar um pouco mais. O sorriso
estampado no rosto mostra o quanto ele poderá usufruir de sua
riqueza ilícita. Escondidos na entrada do prédio há dois homens
com pistolas. Perto da escada há mais um. Na escada há outro e
assim por diante. É impossível entrar e não ser morto. Pronto,
mais uma transferência feita, resta apenas saber para qual país
fugir.
13
A
adrenalina é alta. Wilson sente seu coração acelerar igual ao
motor da viatura em que está. Colocar as mãos em Antônio é tudo
que ele mais quer. Dar uma satisfação a população seria um ato
glorioso. Tirar um marginal poderoso de circulação como Antônio
não resolveria todos os problemas, mas daria a chance das pessoas de
bem respirarem aliviadas. Ele tem certeza de que Mel pensa o mesmo,
por isso eles se olham. Não existe rivalidade e nem melhor e nem
pior, mas sim o bem contra o mal e o bem sempre prevalecerá.
-
Focada? - ele pergunta.
-
Focada!
Lin
chega na rua do prédio. Hora de abandonar a moto e seguir a pé. A
mochila começa a pesar nas costas e a dor pelo corpo aumenta. A cada
passo a fortaleza de Antônio vai surgindo no manto negro da noite.
Lin está está preparado para tudo, até para morrer se for o caso.
Por viver parte de sua vida ali, ele sabe bem qual caminho seguir.
Pela frente. Quem chegar por trás é covarde, esse é o seu lema.
O
chinês olha e vê apenas um andar acesso. O desgraçado está na
área. Ele caminha com os punhos cerrados. Consegue ver os cães de
Antônio com suas armas. Um deles puxa um fumo que o deixa alucinado.
O outro vigia a rua que mais parece um cemitério de tão calma que
está. De repente um vulto silencioso salta o muro lhe acertando um
forte golpe na cabeça. O bandido cai desacordado. O outro olha
assustado para Lin que lhe aplica um soco certeiro no nariz que
explode. Não permitindo que o sujeito grite, Lin o segura e
quebra-lhe o pescoço. Caminho livre? Claro que não, Antônio deve
ter pensado em tudo. Uma sombra, é isso que Lin é no momento. Pelo
vidro da porta ele consegue ver mais um vagabundo fumando cigarro. Ao
olha para a rua ele ainda vê câmeras.
-
Droga, já me viram!
A
vida é assim, feita de riscos, se você não arriscar nunca saberá
se dará certo ou não. Lin vive isso no momento. Ele entra e bate de
frente com mais um sujeito armado. O wing chu consiste em defesa e
ataque simultaneamente e eliminação rápida do adversário. O tal
bandido não teve chance nem de respirar. Agora o dragão se encontra
no covil do lobo. Antes de subir as escadas, mais dois seguranças
aparecem. Um deles atira. Lin se abriga atrás de uma bancada e saca
sua pistola. A troca de tiros não tem descanso. Os bandidos
descarregam suas armas. De repente o silêncio se torna absoluto. Com
muito medo os dois vão se aproximando da bancada que agora mais
parece uma peneira. Como uma serpente feroz, Lin surge desferindo
seus golpes precisos. Um dos homens de Antônio tem os dentes da
frente totalmente quebrados pelos socos. Mais dois na lona, hora de
subir e matar o chefe.
Wilson
é informado sobre uma troca de tiros dentro de um prédio ali
próximo. A viatura faz a volta abruptamente quase causando colisões.
Agora ele sabe o local exato onde Lin e Antônio estão. Em menos de
cinco minutos as ruas que dão acesso ao prédio são fechadas. Mel é
a primeira a descer do carro com sua arma em punho.
-
Segundo informações o prédio é aquele. - Disse a investigadora.
-
Vamos cercá-lo então.
A
moto que Lin usava é vista por Wilson e a tensão só aumenta.
Realmente é um lugar acima de qualquer suspeita, ninguém jamais
imaginaria que ali funciona um quartel general da mafia.
-
O portão está aberto. - Mel faz uma meia parada e olha para as
árvores logo na frente. - Wilson, eles já sabem que estamos aqui,
veja, câmeras.
O
confronto é inevitável. Os coletes são colocados rapidamente. Os
agentes se preparam para invadir quando um corpo é jogado da janela.
O homem se esborracha contra o muro.
-
Lin está lá, vamos.
No
segundo andar o pau quebra com Lin atacando de uma só vez três
homens armados, realmente ele é um exímio lutador de kung fu. Sua
agilidade e força faz toda diferença nessa hora. As vítimas se
perdem a cada golpe dado, a cada osso quebrado. Um homem determinado
ele ultrapassa seus limites e esse é o caso do chinês com sede de
vingança, sangue nos olhos. Mais três foram pro saco. Lin segue
subindo para o covil.
Antônio
é um sujeito abusado e um tanto ousado. Ele sabe da existência do
perigo, mas prefere pagar pra ver. Nessas horas ele sente falta de
Bruno. Com certeza se seu cão de guarda estivesse ali tudo seria
diferente. Ele anda até sua mesa, abre a gaveta, pega a foto de dona
Norma e a enfia no bolso interno do paletó. Abre outra gaveta e pega
duas pistolas. Olha para porta já ouvindo ruídos.
-
O desgraçado chegou.
Com
passos lentos ele se dirige a porta, antes de sair ele recolhe sua
bolsa de fuga. Antônio ganha o corredor onde há mais seguranças,
um deles com metralhadora. O medo no rosto dos homens provoca ódio
no chefe a ponto dele explodir.
-
Somos muitos e ele é um só, agora desça e vamos matá-lo.
-
Antônio, a polícia está ai fora, com o time completo, o que
faremos estamos cercados.
O
mafioso segura seu assecla pelo rosto, salivando ele responde.
-
Sempre há uma saída
Com
cuidado o chinês vai subindo cada degrau. De repente todas as luzes
são apagadas restando apenas a iluminação dos postes. Lin resolve
usar isso a seu favor. Como um fantasma ele sobe. Lá fora a batalhão
da polícia se prepara para invadir. Wilson puxa a tropa.
-
Pronto, luzes apagadas agora é a nossa vez.
Dois
comparsas aparecem nervosas, cada um com pistolas apontadas. Lin sai
do meio das sombras como um demônio chinês. Um ele quebra a coluna
com um preciso chute. O outro atira. Antes de apertar mais uma vez o
gatilho ele é abatido por um soco na traqueia. Lin volta para a
sombra.
Ao
ouvir o tiro Wilson ordena a invasão do prédio. A guerra começa de
fato. Tiros e mais tiros, gritaria. Como ratos, os homens de Antônio
aparecem disparando suas armas. Wilson consegue derrubar dois. Com a
confusão os fachos de luz das lanternas dos policias se transformam
em raios laiser no andar térreo do prédio.
Já
no covil do lobo Lin é obrigado a recuar ao vera metralhadora. Seus
olhos conseguem ver aquele sujeito calvo, alto de terno e gravata
usando duas pistolas. Seu sangue ferve e ele fecha os punhos. O grito
é inevitável.
-
Antônio, vim te pegar.
Ao
ouvir seu nome através daquele sotaque familiar o mafioso gira os
calcanhares ao mesmo tempo em que a metralhadora solta sua gargalhada
mortal na direção da sombra.
-
Seja bem vindo de volta Lin. - vocifera.
Wilson
já está no primeiro andar. A seu lado Mel completamente
concentrada. O barulho da metralhadora chama sua atenção.
-
Armamento pesado lá em cima.
-
Vamos manter a resistência. - responde sem olhar para ela.
Como
um felino, Lin salta para agarrar sua pressa e consegue. O chute o ar
deixa o sujeito sem ação. Arfante o homem ainda tenta reagir, mas o
preciso golpe do oriental em seu rosto dá ponto final em sua
existência. Antônio corre para próximo de uma escada caracol.
Ajeita a bolsa e aponta suas pistolas atirando sem direção. Para
Lin, resta apenas destruir o segurança com a metralhadora e Antônio
estará em suas mãos. Rosnado ele corre na direção do cara que
dispara.
14
Disparos,
gritos e Lin vai ao chão. Seu corpo pequeno cai. A metralhadora
cessa. Antônio faz um gesto com a cabeça para que o homem confirme
sua morte. Rapidez, raiva, ódio e um pouco de sorte, tudo isso junto
faz com que Lin erga o tronco e segure na garganta do sujeito
desesperado em busca de ar. No segundo momento a metralhadora já não
é obstáculo. Lin se levanta. Olha para Antônio que ameça atirar.
-
Caramba. - começa Antônio. - nunca achei que você era tão bom
assim, deveria ter lhe matado junto com sua família quando tive
chance.
-
Seu desgraçado! - rosna.
-
Lin, sei que está aborrecido amigão, mas pense direito, lá embaixo
está cheio de policiais, prontos para nos prender, não acha melhor
unirmos forças para acabarmos de vez com eles?
-
Maldito! - Lin arregala os olhos.
-
Pense direito, não temos saída, eles vão nos matar.
-
Eu deixei de existir a dois anos, lembra, você me matou, junto com
Carla e Douglas.
-
Por sua causa eu perdi minha mãe, seu otário, confiei uma missão a
você, e você falhou, minha mãe pagou com a vida, eu também deixei
de existir a dois anos.
Lin
cerra os punhos.
-
Já que estamos mortos, vamos acertar as contas homem a homem, não
importa o resultado.
Antônio
reflete por um instante. Olha para Lin na penumbra. Tudo o que ele vê
é um chinês pequeno, sujo, sem nada a perder.
-
Não é má ideia. - abandona as armas. - vem!
As
prisões vão acontecendo. Até agora dez vagabundos foram presos e
outros mortos na operação. Wilson se encaminha para o terceiro
andar quando do nada um sujeito sai de um vão e o agarra. Ambos
rolam escada abaixo. A troca de socos é violenta e o policial está
em desvantagem, o homem é mais alto e mais forte. Ele monta em
Wilson e tenta estrangulá-lo. As forças do investigador já o
abandona quando Mel surge acertando uma coronhada no bandido que
apaga. Tossindo e buscando ar, Wilson tem ajuda da parceira para se
levantar.
-
Obrigado, você me salvou.
-
Preciso de você vivo. - Mel passa a mão em seu rosto.
Um
confronto, uma luta, uma briga. De um a vingança, do outro
lado...também. Antônio sempre foi um cara bom de briga. Na
infância ele era considerado a besta fera do bairro onde morava. A
forma como atacava os adversários o consagraram como o senhor do
desastre. E é justamente dessa forma que ele parte pra cima de Lin,
com golpes que podem nocautear se encaixados de forma correta. Lin
vai se defendendo como pode, qualquer distração seria o suficiente
para Antônio sair vencedor dessa briga. Ao esquivar-se de um soco,
Lin gira o corpo acertando um chute na altura do ombro. Antônio
perde o equilíbrio mas consegue ficar de pé.
-
Vamos, lute! - grita Lin.
o
kung fu é uma arte que exige concentração. O adepto a essa arte
jamais pode colocar o emocional acima do combate. Ao contrário de
Antônio que desfere golpes aleatoriamente e quase todos sem sucesso.
Percebendo que seu adversário nada mais tem do que força, Lin
começa de fato a lutar. Ele olha para Antônio e tudo o que vê é a
boneca onde se pratica os golpes mais precisos. O mestre estica o
braço direito e abre a mão. O braço esquerdo permanece encolhido
também com a mão aberta. Ele fala algumas palavras em Mandarim
deixando Antônio confuso.
-
Vai começar com esse mantra ridículo?
-
Wing chu, Carla e Douglas. - o olhar de Lin para o mafioso é de
congelar o inferno.
Antônio
desfere um soco que passa em branco. Lin continua na mesma posição
de combate inicial. Furioso o bandido tenta lhe acertar uma
cotovelada pelas costas. O chinês se abaixa lhe passando uma
rasteira. O corpo de Antônio vai ao chão fazendo um barulho surdo.
Lin aproveitando a vulnerabilidade do adversário, se abaixa e
acerta um sequencia de socos em pontos estratégicos nas costas de
seu oponente. Antônio sente por um instante seu corpo ficar
paralisado.
-
Essa não! - grita.
O
bandido gira o corpo ficando de bruços. Péssima ideia. Agora os
socos tem endereços ainda mais doloridos como ombro, tórax e
estômago. De pois de muito sofre ele consegue com as pernas erguer
Lin que decola parando contra a parede. Antônio se levanta. Alonga o
pescoço que estala.
-
Vem!
Antônio
o chuta na perna, Lin defende com a mão. O mafioso soca com um
cruzado, Lin esquiva. Por baixo Antônio tenta lhe acertar as partes,
Lin sem olhar tira com uma das mãos. Ele ficam nessa de bate e
defendo por um bom tempo até que Lin o acerta no nariz e o sangue
manchar sua camisa. Antônio se afasta. Coloca a mão no nariz e faz
uma careta de dor. Lin olha com frieza para ele. O bandido chefe
solta um brado e volta para a luta onde é massacrado pelo dragão
chinês. Cada golpe é uma nova lesão, um novo corte ou até mesmo
uma fratura. Aos poucos Lin levando seu oponente contra a parede e
ali ele aplica toda sua técnica que aprendeu com seu velho pai e
mestre. Tarde demais, Antônio tenta reagir, mas Lin não lhe dar
chance, é um golpe atrás do outro e cada vez mais rápidos.
Lastimável, o filho de dona Norma limitou-se em receber pancadas e a
grunhir. O rosto de Antônio está desfigurado e seus olhos já se
encontram apagados. As pernas vão perdendo forças e agora seus
joelhos se dobram por conta própria. Antônio cai, fora de combate,
Lin permanece em posição de luta e um filme se passa em sua mente.
Vingança concluída.
Wilson
chega do vão e vê Lin diante do corpo de Antônio destruído no
chão.
-
Você está preso Lin, venha comigo!
15
A
rua que era calma se transformou num caos. Policiais, viaturas,
jornalistas e muito barulho. Prisões são efetuadas. Mel orienta os
agentes e lá no último andar Lin continua frente a frente com
Wilson e tendo Antônio caído a seus pés.
-
Ande com as mãos para cima. - diz com a pistola apontada. - não tem
como escapar, você está cercado.
-
O verdadeiro bandido é ele!
-
Sei que você teve sua família destruída por ele, mas você cometeu
crimes também, venha comigo, não me obrigue a atirar.
Lin
gira os calcanhares de maneira ameaçadora. Agora Wilson redobra sua
atenção . Agora realmente a coisa ficou estreita. O investigador
tem a sua frente um homem que derrubou sozinho vários agentes
armados usando apenas sua habilidade como praticante de kung fu. Para
ele nada é muito difícil, ou complicado. Ele seria capaz de
desarmar Wilson e sair ileso do prédio.
-
Não faça nenhuma besteira Lin, se entregue.
Lin
caminha na direção do policial com a arma apontada para ele quando
de repente o chinês sente uma dor aguda em sua panturrilha. Antônio
mesmo deitado conseguiu sacar um punhal escondido em seu tornozelo e
cravá-lo na batata da perna de Lin que cai. Quando o mafioso vai
aplicar o que seria o golpe fatal, Wilson atira contra a cabeça de
Antônio que morre na hora. Lin olha e respira aliviado para Wilson.
-
Já chega Lin, venha, será melhor para você.
Lin
abaixa a cabeça contendo seu pranto. Sua vingança foi completa.
Antônio está morto. Na saída do prédio ele vislumbra um mar de
viaturas com suas luzes azuis e vermelhas. Algemado com as mãos para
trás e com Wilson o conduzindo, ele sabe que passará um bom tempo
na tranca, enjaulado e que terá tempo o suficiente para pensar em
tudo que fez até agora. Valeu mesmo a pena tudo isso? Carla e
Douglas ficariam felizes em vê-lo assim, preso? Lin olha e vê a
policial negra se aproximando do loiro cabeludo.
-
Fez um bom trabalho!
O
chinês entra na viatura ainda em tempo de ver o corpo de Antônio
sendo retirado. Os flashs das máquinas enlouquecidas iluminam o
cadáver coberto por um saco preto. Tudo resolvido? Ele acha que sim.
Café,
a bebida mais consumida no mundo, ideal encerrar um caso. Mel e
Wilson tomam relaxados num bar singelo ali próximo. Em primeira
instância eles apenas conversam sobre Lin e Antônio, mas depois
tudo mudou, o papo agora é sobre o incio do namoro, ou se ele
acontecerá realmente. Para Wilson, encarar um mestre de kung fu e um
perigoso mafioso não o deixaram tão tenso quanto o sim ou o não de
uma garota. Os olhares se cruzam.
-
Quer saber realmente como será a nossa história daqui pra frente? -
disse Mel adoçando o café.
-
Sim! - deixa a xícara e entrelaça os dedos. - gostaria muito.
-
Você é um homem encantador, Wilson, sempre me ajudou nos momentos
difíceis, sempre me apoiou e me levantou quando eu mais precisava,
agora me responda uma pergunta. - Wilson abre mais os olhos. - como
ficar longe de um cara como você?
-
Isso é um sim?
-
Positivo e operante, agente Wilson.
O
beijo sela tudo. Seja ele curto ou longo como o de Mel e Wilson.