segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Qualquer Custo




1

China, cidade Foshan.

O treino no Mudjong é forte e cheio de técnicas de um verdadeiro lutador de Kung fu. Enquanto se exercita no boneco, Lin não consegue parar de pensar em tudo que aconteceu em sua vida a dois anos. Foram dois longos anos de sofrimento e desespero. Se não fosse a cobertura de seu velho pai na China com certeza ele já haveria sucumbindo. Passar horas ali treinando no boneco é algo que faz bem a ele. Lin deixa no objeto toda sua raiva e ódio. Ódio, está ai uma palavra que ultimamente vem lhe tirando o sono. Esse sentimento nocivo a qualquer ser humano o deixa cego e surdo a ponto de não ouvir a voz de seu velho pai e mestre chamar para o almoço.
- Lin, venha almoçar, agora!
Fim de treino. Vestido como um mestre, Lin abandona o mudjong pelo menos por enquanto.
- Me desculpe, pai, eu não lhe ouvi.
- Sem problemas, venha, a comida está esfriando.
Calado, Lin come sendo observado por seu pai.
- Sei que o cozido não está como o de sua mãe, mas…
- Está delicioso, pai, não se preocupe. - Lin pega mais repolho.
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Sim! - responde sem olhar para o velho mestre.
- Porquê tanto ódio?
Realmente Lin não esperava por essa pergunta. Desde pequeno Lin nunca conseguiu enganar o pai, até mesmo nas pequenas situações. Apesar dos seus quase noventa anos, Leung continua sendo o mesmo professor de sempre.
- Deu pra perceber?
- Pela forma como você batia no mudjong.
- Tenho passado por momentos difíceis, as vezes penso em dar fim nisso tudo. - abaixa a cabeça.
- Como assim dar fim nisso tudo, eu criei um homem ou um covarde? - o velho bate na mesa. - você é mestre agora, precisa saber controlar suas emoções, o kung fu não é apenas uma arte marcial, ele é um estilo de vida.
- O senhor não sabe o que é perder uma família.
Tal afirmação fez com que o clima ficasse ainda mais pesado. Lin há dois anos tinha uma família. Sua esposa e seu filho foram brutalmente assassinados numa emboscada. Aquela noite ele jamais apagará de sua mente. Gritos, desespero, sangue e morte. Um final tão trágico para uma família que só vivenciava o amor. Lin é consumido por um sentimento que é capaz de incendiar tudo a sua volta. Para tentar deixar a mente um pouco mais aberta, ele decidiu buscar refúgio em seu país de origem onde aprendeu com seu pai essa arte milenar cheia mistérios.
- Sinto muito meu filho, não foi minha intenção deixá-lo mal.
- Sem problemas!
- Será que posso praticar mais tarde com meu amado filho?
Um sorriso brota nos lábios de Lin e até ele mesmo estranha tal atitude.
- O senhor, quer praticar?
- E por que não?
- Pai, o senhor está…
- Velho, é isso que você quis dizer seu pirralho. - brinca. - veremos o que o velho Leong pode fazer a um jovem.

Depois de descasarem o almoço ambos partem para o dojô vestidos a caráter. Eles tomam suas posições e se cumprimentam.
- Pronto? - pergunta o pai.
- Sim!
Após a confirmação do filho, o velho toma partido avançando com seus braços magos e flácidos. Lin se desvencilha com facilidade de todos os golpes até agora. O velho ainda tenta chutá-lo em dois tempos, mas o filho se safa usando o braço esquerdo. Lin apenas se defende irritando seu mestre que lhe aplica uma sequência de socos no peito numa velocidade incrível. Lin perde o equilíbrio, mas não cai.
- Onde está o lutador dentro de você? - vocifera. - vai ficar apenas se defendendo?
O mestre ancião o varre de frente fazendo com que seu filho beije o chão.
- Lute comigo, Lin! - grita.
Leong resolve lutar sério chutando o rosto do filho que sangra forte. Mais uma cotovelada e Lin está no chão se retorcendo. De repente a dor faz com que o chinês mediano retome sua posição fazendo crescer uma chama dentro dele a ponto de sair pelos olhos – vingue sua família. Lin se levanta, aplica uma boa sequência de socos no pai, se defende de alguns golpes, porém o seu último soco derruba o velho que cai sem defesa.
- Fora de combate, papai! - diz ainda em posição de luta.
- Esse é o Lin que eu conheço. - o filho o ajuda a se levantar. - então, como está se sentindo?
A alma de Lin parece respirar. Ele agora é um novo homem disposto a tudo.
- Obrigado pai!

2

Wilson, investigador de polícia, mas nem parece. Ele se passaria tranquilamente por um modelo fotográfico ou coisa parecida. Loiro, olhos verdes e vivos, mediano, Wilson é chamado por todos de o samurai por causa do corte de cabelo e também pelo rabo de cavalo. Está certo que o loiro não passa uma imponência como ele gostaria de passar, mas, por outro lado, sua competência faz com que esses atributos fiquem em segundo plano. Wilson não abre mão do terno, porém a gravata ele faz questão de dispensar.
Diante da tela do notebook ele passa e repassa a fita onde alguns homens carregam caixas pesadas e as colocam em carros de passeio. A imagem não é muito boa e isso dificulta qualquer tipo de conclusão.
- Você ainda acha que são entorpecentes? - pergunta Mel.
- Acho não, tenho certeza.
- Podemos montar o flagrante então?
- Ainda não. Não estamos lidando com simples bandidos, são homens de Antônio.
- Eita, então devemos redobrar os cuidados.
- Muito! - desliga o aparelho e gira a cadeira. - como foi de folga?
- O de sempre. - joga a bolsa na mesa. - Paulo não tem jeito mesmo, eu vivo cedendo e ele nenhum pouco, assim fica difícil manter um relacionamento.
- Que pena! - se balança na cadeira. - o que pensa em fazer?
- Se continuar assim terei que dar um basta.
Sentindo o peso nas palavras da colega Wilson se levanta e a segura no queixo.
- Quando quiser conversar estou aqui, tudo bem?
- Obrigado!

Engolindo seco em pé diante da mesa do chefe, o sujeito treme. Antônio o circunda com seu olhar penetrante capaz de faz congelar uma chama. Em pé segurando um taco de beisebol está o braço direito do maior mafioso da cidade. Bruno é um touro, louco por violência.
- Confiei o trabalho a você e você falhou, o que devo fazer? - o hálito de Antônio fede a charuto e uísque.
- Senhor Antônio, me dê mais uma chance, prometo não falhar.
- Como você não viu aquela maldita câmera.- Antônio saliva enquanto fala ao pé do ouvido do homem.
- Senhor, eu mesmo fiz a inspeção e não a vi, me desculpe.
- E se a polícia estiver investigando agora, o que eu faço com você? - o tom do mafioso chefe é ameaçador.
- Meu Deus! - gagueja.
Antônio olha para Bruno e pisca. O mesmo caminha batendo com o taco na mão com ar de riso. O golpe é forte atrás do joelho direito. O sujeito cai ajoelhado gruindo. Mais um forte golpe, dessa vez no ombro. O chefe assiste sorrindo. A série de espancamento continua com Bruno levantando o taco acima da cabeça e acertando o bandido na clavícula. O som do osso se partindo faz com que Antônio torça a boca.
- Eita, essa doeu até em mim agora.
Em fim morto. Depois de lutar pela vida o homem está morto. Bruno se afasta e Antônio se aproxima.
- Nunca achei que dentro da cabeça desses idiotas havia cérebro, e você?
- Descobri agora. - ambos riem.
- Mande jogá-lo fora e limpe minha sala.
Antônio, o mafioso mais temido da cidade e também o mais procurado. Ele é conhecido pela violência e também por chefiar a maior rede do crime organizado. Wilson está em sua cola faz tempo, mas Antônio é escorregadio demais. Calvo e muito magro, o moreno causa pânico com seu com seus olhos claros. Quem falha não tem perdão, essa é a regra, ou você paga, ou alguém que você ama pagará. Assim foi com Lin.

3

Lin termina de arrumar sua mala quando seu pai entra em seu quarto questionando sua volta ao Brasil.
- Filho, fique, vamos recomeçar.
- Pai, gostaria muito ficar, mas preciso fazer algo, é importante para mim. - fecha o ziper da bolsa.
- O Brasil não lhe deu nada de bom, ele tirou sua família de você.
- Sei que está tentando me proteger, pai, mas estou decidido, vou voltar ao Brasil.
Antes de tomar a decisão de voltar, Lin passou por sérios momentos em que sua mente só focava o dia da morte de sua esposa e filho. Dois anos se passara, mas a dor ainda é lancinante. Depois do treino com seu pai a ideia do retorno ficou ainda mais presente. Sem deixar que a consciência falasse muito ele juntou suas coisas no dojô e pronto.
- Pai, lhe agradeço por esses anos aqui, pensei que nunca mais voltaria a China.
O velho pai e mestre o toca no ombro.
- Filho, eu lhe ensinei a arte do verdadeiro kung fu, hoje você é um mestre do wing chu, não faça dessa maravilhosa arte uma arma mortal, não a use para interesse próprio.
- Eu já vou indo, pai.

Ela era linda, tinha uma pele macia e sedosa. Seu cheiro semelhante à pera madura. Carla, sua amada esposa dedicada. Lin a conheceu numa noite chuvosa. Depois desse dia eles não se separaram mais. Com a chegada de Douglas as coisas só melhoraram. Juntos formavam uma família feliz. Lin odeia sentir saudade, elas machucam. Sentado no assento daquele avião retornando onde tudo começou, ele relembra de dias felizes como os aniversários de Douglas e de casamento.

Carla ainda dormia quando Lin chegou com uma cesta de café da manhã cheia de delicias.
- Parabéns para nós meu anjo! - disse Lin sorridente.
- Nossa, que lindo. - Carla se ergue na cama.
- Temos, pão quentinho, queijo, ovos mexidos, suco, café e biscoitos.
- Uau, assim vou engordar.
- Esqueça isso, é só por hoje, é nosso aniversário de casamento. - se senta ao lado da esposa.
Enquanto relembra desse dia, o mestre deixa rolar apenas uma lágrima. Por dentro seu coração arde a ponto de incomodá-lo. A família era tudo na vida do jovem chinês. Perdê-la foi como morrer também. Talvez a morte seria menos dolorosa. A viagem de volta ao Brasil será longo, ele terá muito o que pensar. O único pensamento que ele faz questão de afastar é a possibilidade de voltar atrás. Isso definitivamente está fora de seus planos. Uma aeromoça passa.
- A senhora teria algum remédio para dormir?

Wilson vai ao local onde os homens de Antônio carregaram os caminhões com drogas. O lugar é um prato cheio para quem quer fazer qualquer tipo de crime. O investigador desce do carro e anda até onde a câmera de segurança capitou as imagens. A rua é deserta mesmo em plena tarde. A câmera pertence a um pequeno depósito de bebidas. Desde quanto Wilson chegou ali ainda não passou sequer um carro ou civil. A ida a esse lugar até agora não valeu de nada, os bandidos não deixaram rastros ou provas. O policial toca a campainha do estabelecimento e um sujeito com pinta de rabugento o atende.
- Diga?
- Sou da polícia, investigador Wilson, posso conversar com o senhor?
- Se for rápido. - cruza os braços e não abre o portão.
- Graças a sua câmera de segurança conseguimos imagens importantes de bandidos transportando drogas.
- Sim, estou sabendo, quando vieram aqui pegar as fitas eu não estava, só minha esposa.
- Essa rua é sempre deserta assim?
- Mesmo nos finais de semana, é a mesma coisa. - descruza os braços. - a noite isso aqui se transforma num cemitério, precisa ver.
- Prometo registra isso e pedir maior policiamento.
- Posso fazer mais uma pergunta? - Wilson se aproxima da grade. - sei que era tarde quando tudo aconteceu, mas, o senhor conseguiu ver alguma coisa?
O velho pigarreia antes de responder.
- Bom, eu estava sonolento, mas consegui ver algo, eles estavam tirando caixas de um caminhão e colocando em outro, só isso.
- Eram muitos?
- Cerca de quinze, eu acho. - coça a cabeça.
- Durou quanto tempo mais ou menos toda ação?
- Uns dez minutos. - segura o queixo
- Muito obrigado, tenha um bom dia.
- Bom dia!
Agora Wilson tem certeza. Antônio está envolvido com tráfico de drogas. Já não bastasse seu envolvimento com prostituição, tráfico humano, assassinatos, agora o maior mafioso do país é também traficante. Isso só dará maior poder a ele. O investigador entra no carro e segue para a central. Ainda hoje ele dará incio a uma profunda investigação.

4

A atmosfera Brasileira é diferente e Lin sabe muito bem disso. Ao desembarcar no aeroporto ele respira fundo enchendo seus pulmões com o ar que ele conhece bem. Quando criança na China o seu maior sonho era pisar em solo Brasileiro e poder estudar. Na primeira oportunidade Lin realizou seu sonho, mas a questão dos estudos ficou em segundo lugar. Se aproveitando de sua habilidade nas artes marciais, o chinês passou a fazer parte do grupo de Antônio sendo o mais temido entre eles.
Certa ocasião Antônio precisou de seus serviços para invadir a casa de um rival. Lin conseguiu abrir caminho usando apenas o seu kung fu contra dez homens armados com submetralhadoras. Os golpes tinham uma precisão e velocidade fora do comum. Com ajuda do wing chu de Lin, Antônio conseguiu acabar com o rival. Lin era o preferido do chefe e o pagava muito bem por isso, até que o mesmo falhou. Lin falhou justamente onde não deveria falhar. Tal erro custou a vida de Carla e Douglas, sua família, sua vida.
O chinês chama um táxi. Enquanto a paisagem passa rapidamente, o mestre do wing chu faz questão de alimentar seu ódio contra Antônio. Cerrando os punho ele deseja matá-lo com as próprias mãos. Não demorou muito e Lin estava parado diante do que era sua casa a dois anos. O lugar agora é uma igreja evangélica. Seus olhos visualizam o quarto onde Carla e ele viveram os melhores momentos de um casal. A paixão os consumia quase toda noite. Olhando um pouco mais ele vê onde seu kung fu era praticado todas as manhãs, a velha goiabeira. Lin teve a oportunidade de ensinar para alguns garotos que insistiam em aprender a arte, porém o “trabalho” nunca permitiu que ele desse continuidade aos treinos com os garotos.

Lin se hospeda num quarto pequeno e abafado. O banheiro, no lugar do chuveiro há uma torneira. Para o que ele veio fazer, ali é mais que o suficiente. Antes de se instalar literalmente naquele lugar acima de qualquer suspeita ele prepara seu kit de fuga caso algo saia errado. Na mochila ele coloca uma peça de roupa, passaporte, dinheiro e uma 45 carregada. Depois de tudo arrumado o chinês percebeu que estava com fome. Deixando o quarto ele se dirige a dona do lugar uma mulher obesa e baixinha.
- Que horas é servido o jantar?
- Somente as vinte horas. - continua a conferir o dinheiro no caixa.
Vinte horas, até lá ele já estará desmaiado. Lin sai para comer alguma coisa vislumbrando a noite do Brasil. Enquanto aguarda o segundo sanduíche cinco rapazes invadem a lanchonete esbarrando em tudo pela frente. O maior deles encosta no balcão fazendo exigências para a balconista da mesma etnia que Lin.
- Ai, china, lanche para a galera.
- É preciso pagar antes, senhor.
- Iremos pagar se o lanche estiver gostoso, certo?
Lin com seu olhar soturno observa a confusão que começa a se formar.
- Não posso liberar o lanche se não pagar.
Um dos jovens a segura pelo braço gritando.
- Olha aqui sua piranha oriental, queremos comer.
- Solte-a, ela só está fazendo o trabalho dela. - Lin o toca no ombro.
- Você e o pai dela seu tampinha. - todos dão gargalhadas.
- Não vieram aqui comer não é, vão embora, para o bem de vocês
- Vai bater na gente comedor de peixe cru? - diz o mais alto.
- Vou dar educação a vocês, lá fora.

Antônio conversa com um de seus melhores clientes pelo celular. O mafioso gesticula e anda de um lado para outro com o aparelho enterrado na orelha esquerda.
- Já estou com o material, meu pessoal está embalando, assim que terminarmos esse processo você receberá no conforto do seu lar. - silêncio. - sim, sim, exatamente, você sentirá a diferença, a minha cocaína é a melhor de toda América latina. - nesse momento Bruno entra. - boa noite. - desliga o telefone com truculência. - que saco. - olha para o gigante feito de músculos. - o que você quer?
- Problemas na seção de embalagem. - a voz do monstro é macia e grave.
- Que tipo de problema? - esfrega a testa alongada.
- Pegamos uma mulher cheirando a nossa coca, o que faço com ela?
- É gostosa pelo menos?
- Claro que não.
- Quebre o pescoço dela.
- Pode deixar. - sai da sala coçando as mãos.
Se Antônio já é poderoso, agora que se tornou traficante, ficará mais ainda. Depois que estiver estabelecido seu segundo plano é destruir outros para se tornar o principal vendedor de entorpecentes. Claro que ele pretende migrar para as drogas mais fortes, mas por enquanto a cocaína servirá como a primeira marcha de um veículo. Antônio é o caçula de três irmãos. Dona Norma ficou viúva ainda jovem e nunca mais se casou. Criou os três filhos lavando roupa para fora. Os outros dois irmãos de Antônio se tornaram criminosos e foram mortos por rivais, revoltado com toda essa situação, o pequeno Antônio decidiu se enveredar no caminho dos fora da lei. Para se transforma no que ele é hoje ele teve que sujar as mãos, destruir sonhos, trair confiança e criar um forte exército onde Bruno é o seu braço forte nessa vida bandida.
Ele abre a gaveta e pega a foto de dona Norma. Com o indicador o sujeito acaricia o rosto enrugado da mulher.
- Me ajude coroa! - expressa sussurrando.
Por causa de uma falha de um chinês miserável, sua mãe se encontra apodrecendo num cemitério. Perder uma mãe é loucura, pesado demais até para alguém como ele. Antônio não se permite chorar, seria uma fraqueza. Ele guarda a foto e sai do escritório. Só mesmo a cena de um pescoço sendo quebrado para lhe tirar da fossa.

5

Do lado de fora da lanchonete a confusão está formada. Lin é cercado por cinco rapazes dispostos a quebrar cada osso de seu corpo. A galera fora da roda comemora, eles querem sangue escorrendo e hematomas se formando. Eles apostam suas fichas no grupo de gigantes que cerram seus punhos e rosnam. O chinês se coloca em posição de luta do wing chu com seu olhar sereno.
- Vamos acabar logo com ele. - o negro é o primeiro a partir pra briga.
O soco foi forte, preciso e muito rápido. Quando o jovem deu por si já estava caído com o nariz estourado. O outro veio correndo girando o corpo para acertar Lin no rosto. O chinês se esquiva, o segura pelo braço, desfere alguns socos no peito e rosto. O garoto cai rolando. Mais um tenta sem sucesso parar o oriental mais ágil que uma cobra. Lin lhe aplica uma rasteira e depois pisa em suas costas. O rapaz tranca os dentes e depois desmaia. O mestre é surpreendido por um rapaz que o agarra por trás lhe aplicando uma ponte. Lin cai no chão machucando o rosto.
- Levanta seu idiota. - vocifera.
Lin não demonstra fúria. Se levante e mais uma vez se posiciona. O garoto o ataca. Seu soco passa em branco, mais o de Lin não. A têmpora direita do jovem é socada e sua visão se embasa. Lin não o deixa cair, o segura pelos dois braços, puxa seu corpo para junto dele e o soca em sequência no peito e depois um único soco no rosto. Os corpos estão no chão, Lin abre caminho no meio da multidão que aos poucos vai reconhecendo o quanto ele é bom.
- Muito bem china, esses merdas mereciam uma surra mesmo. - disse uma voz no meio do aglomerado.

A ordem foi quebrar o pescoço da mulher, mas Bruno resolveu se divertir antes. O soco no rosto da indefesa mulher de quarenta e poucos anos a deixou sem ação. Chorando e sangrando ela se apavora cada vez que o gigante anda em sua direção. A covardia é gritante, Bruno é infinitamente superior, seu corpo é uma aula de anatomia.
- Quem manda ser uma viciada, agora pagará com a própria vida.
Bruno a segura pelo pescoço e como se mulher fosse um pacote de algodão ele a ergue até o teto. Nesse momento Antônio entra.
- O que está fazendo?
- O que você mandou?
- Eu mandei matá-la. - sai da porta. - e não fazê-la lamber o teto, acabe de vez com essa vadia, preciso que você organize a distribuição.
- Tudo bem! - o bandido aplica um golpe que quebra o pescoço da mulher em dois lugares.

Mel é uma mulher negra linda que ostenta uma certa imponência na dose certa. Enquanto trabalha, ninguém ousa em interrompê-la, somente Wilson tem esse poder de tirá-la de sua concentração invadindo sua sala.
- Estive no local.
- O que? - arqueia uma das sobrancelhas.
- Estive no local onde Antônio recebeu a carga de drogas. - vai direto na máquina de café.
- Conversou com alguém? - se espreguiça.
- Sim, não aconteceu muita coisa, mas valeu, resta apenas sabermos onde Antônio pretende distribuir essa droga toda.
- Antônio não é um traficante de comunidade, com certeza ele vai distribuir entre os magnatas da cidade, temos que preparar o flagrante.
Mesmo maquiada e tentando ser forte, Mel não consegue esconder uma leve tristeza no olhar, coisa que seu parceiro não deixa escapar.
- Tudo bem com você?
Antes de responder, Mel joga a caneta na mesa e se alonga.
- Não, não estou nada bem.
Wilson puxa uma cadeira.
- Quer conversar? - Mel hesita em responder. - venha, vamos sair um pouco dessa sala.

O bar tem um ambiente tranquilo. Poucas pessoas ocupam as muitas mesas. O garçom trás com habilidade de poucos na bandeja o suco de laranja de Mel e a água com gás de Wilson. Depois de servidos eles continuam a conversa..
- Ele continua na mesma? - diz Wilson.
- Exatamente. - mexe no suco. - parece que tudo que ele havia me dito virou pó.
- Vejo nos seus olhos que você o ama.
- Não sei se o amo mais. - olha para a janela tentando esconder os olhos marejados. - toda essa história tem me desgastado muito, Paulo é uma pessoa muito difícil de se conviver.
Mel está sofrendo, e muito. É interessante ver aquela mulher forte e corajosa se desmanchando, ao mesmo tempo que dói o coração. A vontade de Wilson é de a acolher e nunca mais deixá-la. Ele cria coragem e segura em sua mão. Ela olha para ele que se vê tentado em retirar sua mão. Antes que Wilson pudesse falar qualquer coisa, ela falou.
- Você não sabe o bem que está me fazendo tudo isso aqui.
- Que bom!
- Eu estava mesmo precisando sair daquela sala e me distrair. - o sorriso de Mel agora já é mais leve e sincero.
- Renovada? - segura firme as mãos da companheira de labuta.
- Renovadíssima.

6

Antônio acaba de ficar mais rico. O seu cliente mais exigente deixa em cima do teto de seu carro uma maleta de dinheiro vivo. Bruno confere as notas com sua expressão gélida de sempre. Os outros homens do mafioso estão espalhados pelas entradas e saídas daquela rua. O cliente sente o clima hostil da situação e reclama.
- Podemos fechar negócio logo?
- Sim, claro, assim que Bruno terminar de examinar as cédulas. - usa de desdem.
- E se a polícia chegar?
- Estou com vinte olhos nas entradas e saídas, ninguém vai se atrever a passar. - Antônio olha para seu cão de guarda que faz sinal de ok - Tudo certo. - estende a mão. - negócio fechado?
- Beleza. - aponta para seu motorista. - vamos.
Eles observam o carro se distanciando. Antônio saca o rádio.
- Legal pessoal, se dispersem, esse foi o nosso último compromisso da noite, quero os acertos ainda hoje.
- Muito bem. - diz Bruno. - o que faremos agora?
- Vamos voltar para o escritório, farei uma ligação para o fornecedor.

A base de qualquer homem é a família. Agora, mais do que tudo Lin sabe disso. Dormindo naquele quarto apertado e abafado, o chinês entende o que é ser solitário. Transpirando ele desperta, teve um pesadelo horrível, alias, mais um de seus pesadelos com toda sua família. A realidade infelizmente é mais dura que o sonho, sua Carla e seu Douglas não estão mais ali. Lin acorda e não sabe onde está, precisou de um certo tempo para ele se situar. Choro, algo que nos últimos tempos vem lhe atormentando. Essa vingança precisa ser concretizada logo, o sangue derramado não seca nunca. Para tirar um pouco o ódio da cabeça, Lin decide se levantar e praticar seu wing chu ali mesmo na penumbra do quarto e em silêncio.

- Foi um sucesso, quando podemos fazer negócios mais uma vez? - Antônio toma mais uma dose do uísque. - ótimo, pra mim está bom assim, - silêncio. - certo, dessa vez vou querer o dobro, pode ser? - cruza as pernas. - os ventos estão soprando a nosso favor, nada pode parar a nossa parceria, tenha uma boa noite.
Bruno entra no escritório sem bater na companhoa de duas garotas de programa, uma branca e outra negra. Na mão direita uma garrafa de espumante. O chefe comemora ao ver as meninas semi nuas dançando ao som das palmas do gigante. A madrugada será regada a champanhe e a sexo do mais baixo nível. Antônio está mais rico, isso é fato. Sua organização é a mais poderosa rede de crime do país, esse é outro fato. Com certeza ele não parará por ai. Um exército, esse é o seu objetivo, um batalhão imbatível tomando de golpe todo o Brasil.

Pela manhã bem cedo, dois dos homens de Antônio saíram de carro para uma pequena entrega. Ao passarem por um posto de gasolina, Lin pede para que o taxista siga o Sentra preto. Dentro do táxi o chinês faz algumas anotações. O carro dos bandidos dobra uma esquina e segue para uma zona nobre da cidade. Se seus cálculos estiverem certo, o endereço está próximo. A partir de um certo ponto Lin decide seguir a pé. Fazendo a volta com passos acelerados, o ex mafioso chega ainda em tempo de ver o tal cliente entregando para o capanga de Antônio alguns maços de dinheiro, dinheiro grande. Lin espera que tudo se resolva. Saca sua pistola e aguarda. O Sentra dá a partida, o chinês corre ficando na frente do automóvel apontando sua pistola.
- Sem gracinhas, desça os dois.
O motorista o reconhece.
- Lin?
O mestre de kung fu percebe um movimento suspeito do carona e atira matando o sujeito.
- Eu falei, sem gracinhas, agora desça.
Cagando nas calças o homem desce e caminha em direção ao chinês que ordena que ele pare onde está e com as mãos para o alto.
- Agora me diga, onde Antônio está se escondendo?
- Vai me matar do mesmo jeito, não vai?
- Tudo vai depender de você, me diga onde ele está?
- Pare com isso, Lin, você sabe que não pode com Antônio, pegue a grana e volte para o buraco de onde nunca deveria ter saído.
- A minha conversa não é com você. - Lin anda e fica com a arma na cara do bandido. - diga, onde Antônio está escondido?
- Antônio não está escondido, ele está onde sempre esteve. - o bandido sente que será morto se não colaborar. - fala sério Lin, trabalhamos juntos, pegue a grana e suma.
Totalmente aborrecido com o ex colega de crime, Lin lhe aplica uma chave quebrando lhe o braço. Vociferando o sujeito vai ao chão sentindo uma dor lancinante. Para acabar com o sofrimento, o chinês aplica outro golpe apagando o bandido.

Wilson e Mel estão no local onde o capanga de Antônio foi encontrado amarrado dentro do Sentra ao lado do cadáver. Os peritos fazem seu trabalho enquanto o investigador de rabo de cavalo tenta tirar algo de supostas testemunhas.
- Não vi nada, escutei apenas disparos de arma de fogo. - diz um senhora bastante idosa.
- Obrigado, senhora! - diz desanimado.
Mel observa com atenção todo o trabalho da retirada do bandido de dentro do carro. Ela também se concentra nos nós que foram dados nas cordas.
- Wilson, já viu algo parecido?
- O que?
- Os nós, veja, eu nunca vi nada igual.
- É mesmo. - olha com mais atenção. - vou bater uma foto. - saca o celular e bate a foto. - quero ter uma conversa com esse marginal.
No meio dos curiosos um homem de boné e moletom também observa a forma como seu parceiro capturado foi amarrado. Apressado ele deixa o lugar sem ser percebido. Uma viatura dá a partida levando Wilson, mel e o meliante.

7

Lin conta a grana sentado na cama do quarto alugado. Muito dinheiro, o suficiente para ele começar um negócio na China. Ele também analisa as informações obtidas com seu ex colega de crime. Antônio se encontra no mesmo lugar de sempre. O lutador junta todo o dinheiro e o guarda em sua mochila de fuga. Retira da mesma um mapa e faz um círculo com uma esferográfica vermelha num ponto da cidade. Chegou a hora de acertar as contas com Antônio, destruir tudo que ele construiu com seu crime e sua perversidade. Agora que ele sabe que seu inimigo se tornou um traficante, ele usará isso a seu favor, destruir os negócios de Antônio será seu primeiro passo antes do golpe final.

Aos olhos arregalados da prostituta implorando pela vida não foram capazes de comover o coração do mafioso. Ele termina de estrangulá-la com as próprias mãos espumando de ódio. Bruno só acompanha segurando a outra garota que chora copiosamente. Matar é como um remédio que aliviar o que lhe queima por dentro e por fora. Infelizmente a pobre meretriz era a bola da vez. Ao saber que seu dinheiro foi roubado por seu ex companheiro de crime, Antônio esqueceu que momento de puro prazer com a mulher que agora jaz caída. Bruno engole seco e hesita em perguntar se a outra pagará também. O chefe olha para a negra com a maquiagem borrada e parece não se compadecer dela.
- Você já ouviu falar em queima de arquivo? - a segura no rosto.
- Sim! - gagueja.
- O que acha que irá acontecer a você? - aperta as bochechas.
- Por favor, prometo não contar nada a ninguém, eu juro.
- Promete?
- Sim, sim.
- Então vá.
A menina pega suas coisas rapidamente e sai do quarto. Antônio olha para Bruno que entende o recado. Apenas de cueca ele olha para o corpo, mas não o vê. Seus pensamentos estão em Lin. não demorou muito e Bruno volta.
- Vamos tentar resgatar nosso homem preso?
- Trabalho vão, a essa hora ele já deve ter dado com a língua nos dentes. - pula o cadáver. - a nossa maior preocupação chama-se Lin, ele sim me preocupa, temos que matá-lo.
- Se você quiser eu posso montar uma equipe para fazer esse trabalho.
- Lin não é um bandido qualquer, ele é uma fera que foi ferida, não veio para brincar.
- Deixe ele comigo.

A sala de interrogatório é gelada. O bandido preso aguarda nervoso a entrada de Wilson. Sem o paletó o agente chega fuzilando o marginal com seus olhos verdes. Sem falar nada o policial se acomoda em frente a ele. Olha para a prancheta.
- Flávio, esse é o seu nome, procede?
- Sim!
- Flávio, você está disposto a colaborar comigo?
- Não!
- Por quê?
- Não falarei nada sem a presença do meu advogado. - disse com o olhar fixo em Wilson.
- Hum, boa. - mexe nas folhas presas na prancheta. - aqui diz que você faz parte do grupo de Antônio, quer falar alguma coisa sobre seu chefe?
- Nada a declarar.
- E Lin, quem é ele?
Ao ouvir o nome do chinês pela primeira vez Flávio desvia o olhar. Do outro lado, de braços cruzados, Mel acompanha a conversa. A policial se mostra impaciente, mas confia no trabalho do parceiro. Se fosse com ela o bandido já teria sofrido algo dentro da sala. Ao contrário da colega, Wilson adota a questão do psicológico.
- Lin é um desgraçado, um traidor. - vocifera.
- Ele trabalhou para Antônio?
- Sim!
- O que aconteceu entre vocês?
- Antônio lhe confiou uma missão e ele falhou, por causa dessa falha a mãe do chefe foi morta. Com isso Lin pagou, alias, a família dele pagou.
- Mataram a família dele? - Wilson se inclina sobre a mesa.
- Já falei de mais, quero meu advogado.
- Vamos ligar para ele.

Sempre que as coisas vão mal, Antônio recorre a foto de sua finada mão dentro da gaveta. A foto funciona com uma espécie de amuleto da sorte. Ao lembrar do dia em que a perdeu, um nó se forma na garganta. Maldito chinês. Foi terrível, aquela bala tinha endereço certo, a cabeça dele. Um atirador a matou quando dona Norma entrava no carro. Foi numa fração de segundos. A cabeça de Antônio saiu da linha da bala e esfacelou o crânio da idosa. Sua morte foi rápida, ela nem percebeu. O desespero do mafioso foi grande. A imagem de sua querida mãe morta escorrendo sangue e massa é um quadro tenebroso. Isso lhe causa pesadelos até hoje. A senhora será vingada, mãe. Depois de algum tempo Bruno conseguiu encontrar o atirador e levá-lo a ele. O sujeito foi torturado 24 horas antes de ser morto. O mesmo acontecerá com Lin quando eu o pegar. De repente o lado filho órfão da lugar ao bandido, a fúria inflama seu ser por completo. Antônio guarda a foto e parte para ação.

Lin está próximo do lugar onde o mafioso chefe costumava ficar. Invadir o lugar e enfiar uma bala na cabeça de Antônio não é má ideia, porém seria suicídio, o canalha conta com um batalhão de homens armados incluindo um cão de guarda chamado Bruno. Profissional, é isso que ele é, um profissional. É preciso pensar. Antônio é do tipo de sujeito que para destruí-lo é preciso matar na raiz. Eliminar as bases. Lin recua, para pensar num ataque preciso e definitivo.

8

Wilson agora trabalha com duas grandes possibilidades as quais ele pode tirar alguma vantagem. Lin, quer vingança. Antônio quer caçá-lo. Fato é, um deles irá morrer ou falhar em algum momento e é ai que a polícia entra. Diante da tela do computador ele faz busca da ficha de Lin. Demora um pouco mas ele a encontra.
- Lin, 42 anos, etnia chinesa, mestre na arte milenar Kung fu, wing chu. Acusado de homicídio, envolvimento com a máfia e roubo, indivíduo de altíssima periculosidade.
Mel entra na sala disposta a ajudar seu companheiro no que for preciso. A paixão pelo trabalho move a investigadora a deixando a beira da obsessão, se não fosse os problemas com o namorado, Mel renderia muito mais. Ela entra e não diz nada, apenas olha a tela do computador com os braços cruzados.
- Esse é o nosso chinês favorito então?
- Podes cre.
- Já tem algo me mente?
- Acho que sim. - se levanta. - Lin voltou ao Brasil para se vingar, agora Antônio sabe que ele está aqui, guerra declarada minha amiga.
- E onde entramos nessa?
- Vamos começar as buscas.

A encomenda de Antônio chega, um caminhão carregado de cocaína e outras drogas. O local, um lugar esquecido pelas autoridades e pela população. Ali funcionava um antigo lixão que seria transformado num parque, porém, os governantes não cumpriram o prometido e agora o lugar favorece os marginais e mendigos. Como um cão de guarda, Bruno observa o sofrimento do motorista em estacionar. Temido entre os colegas de crime, Bruno é um sujeito frio. Ainda na infância se mostrava violento e incapaz de fazer o bem. No colégio participou de um espancamento de um inspetor que teve que ficar hospitalizado. O homem morreu dias depois do ocorrido. Transferido para outra escola, mas problemas, Bruno bateu até quase matar um aluno rival. O caso deu polícia, Bruno foi para o abrigo de menores infratores onde aperfeiçoou o criminoso dentro dele. Sua forma física e sua altura é de assustar. Bom lutador, bom atirador, Bruno é um assassino horrível e não há sangue correndo em suas veias.
Por fim o caminhão encosta. Uma corrente é formada. A droga é passada de mão em mão para o caminhão de Antônio. Não há conversa e nem piadinhas. Bruno intimida com sua postura e aspecto. A noite é fria, mas o gigante não abre mão da regata preta. O traficante hesita em chegar perto dele. Bruno faz sinal para que ele se aproxime.
- Tudo certo? - pergunta o cão de guarda de Antônio.
- Sim, senhor. - olha pra cima para olhar para Bruno. - o dinheiro por favor.
Bruno estala os dedos e um rapaz franzino aparece com uma maleta de dinheiro.
- Desculpe a ausência do chefe, ele anda muito assoberbado. - justifica Bruno.
O trabalho termina. Bruno entra no carro e sai. Os traficantes também deixam o lugar. Antes de tomarem a avenida principal, Lin aparece apontando sua arma.
- Desça, os dois.
Sem entender muito bem, o traficante de rosto redondo e corpo flácido olha para seu ajudante engolindo seco.
- Não tentem nenhuma gracinha, somos muitos. - grita Lin.
Os homens descem bem devagar. O caminhão que vem logo atrás breca abruptamente. Lin precisa ser rápido. Ele atira matando o ajudante. O chefe ainda tenta correr, mas é alvejado. O chinês corre e pega a maleta com o dinheiro. Os dois bandidos que estavam no outro caminhão atiram, mas Lin já havia desaparecido.

Cachorro quente, o lanche preferido de Wilson, de preferência com bastante maionese. Mel também gosta, mas sem milho e ervilha. A conversa toma outro rumo, sai do profissional para o informal. Mel no início do dia chegou com um semblante mais leve, mais iluminado. Por um instante Wilson se viu tentado em perguntar, mas não perguntou.
- Ele foi embora. - diz Mel olhando para o amigo.
- Sério? - morde o lanche. - pode compartilhar?
- Você sabe, isso era questão de tempo, eu e Paulo já não nos entendiamos mais, foi melhor para todo mundo.
- Eu sinto muito.
- Bom, agora estou mais focada, mais concentrada, tudo que quero é resolver logo esse caso.
O rádio chama e Mel atende.
- Tudo bem, estamos indo pra lá.
- O que houve? - Wilson pergunta com os olhos arregalados e a boca suja de maionese.
- Acho que Lin e os homens de Antônio trocaram tiros não muito longe daqui, vamos!

Lin acelera até chamar atenção de Bruno e os outros. O brutamontes de Antônio não esboça reação. A pistola é sacada. Sem fazer cerimonia ele coloca o tronco para fora do carro e atira estilhaçando o parabrisa de Lin. A resposta é imediata, o chinês fura a lataria do veículo dos mafiosos, sem sucesso. Bruno continua com parte do corpo pra fora e atirando. Certo momento os olhares se chocam. Lin com seus olhos pequenos e sem expressão. Bruno é uma pedra de gelo. Querendo ou não eles se desafiaram para um combate homem a homem. Mais disparos e o pneu do carro onde o gigante se encontra estoura e o motorista perde o controle. O automóvel bate em outro e se colide com a mureta que divide a pista. Na batida a arma de Bruno caiu. Lin deixa seu veículo e segue a pé. De longe é possível ver Bruno abordando outro carro e com truculência ele arranca o motorista que é jogado no asfalto. O covarde foge, Lin cerra os punhos.

Wilson soca a palma da não quando soube que todo o bando estava reunido ali a poucos minutos atrás. Segundo testemunhas houve troca de tiros e um chinês com as características de Lin foi o pivô de toda a situação.
- Fora um monstro de dois metros, careca. - disse um senhor baixo.
- Monstro? - Mel cruza os braços.
- Sim, um sujeito bem alto com pinta de lutador de sei lá o que.
- Quem será esse? - Mel olha para Wilson que dá de ombro.
Os policias dispensam o homem.
- Não há mais nada o que fazer aqui. - Wilson coloca as mãos na cintura.
- Bom, agora sabemos que existe esse cara alto do grupo de Antônio, vou puxar a ficha dele.
- Fazer o que? - diz com olhar soturno.

9

A mesa é virada e tudo o que havia em cima dela vai para o chão. Bruno acompanha o ataque de fúria do chefe com sua expressão gélida de sempre. Com os braços cruzados e as penas semi abertas, o temido cão de guarda não pisca.
- Como pode deixar isso acontecer, eu paguei caro por aquela droga.
- Foi uma falha e Lin agiu como elemento surpresa, Antônio.
- Eu odeio justificativas seu cretino, se aquele chinês não tivesse matados os outros, eu mesmo me encarregaria disso.
- Peço desculpas e prometo acabar com Lin, eu mesmo, vou recuperar a sua grana.
- Assim espero, assim espero, caso contrário eu…
- Não falharei, Antônio.

Distante dali, Lin contempla sua grande façanha. Claro que não foi tarefa fácil pegar a grana e a droga. A essa hora Antônio deve está roendo de ódio e também o seu cão de guarda já deve está atrás dele. É preciso ficar em alerta o tempo todo ou atacá-los de novo. Agora sim a guerra foi declarada, sem falar na polícia que está investigando com certeza. Lin poderia muito bem voltar para China e se esconder por lá, ele já tem dinheiro o suficiente para isso, mas o sentimento destrutivo da vingança encobre qualquer outra possibilidade de um plano B ou C. O ataque é ainda a melhor defesa e é isso que ele irá fazer.
Mel puxou a ficha de Bruno e descobriu que ele serviu as forças armadas e ganhou o título de bravura. O sujeito é realmente de dar medo até mesmo pela foto. Wilson ficou sabendo que houve troca de tiros um pouco mais adiante do outro caso e que Lin também foi o pivô da situação.
- Penso eu que até agora estávamos na retaguarda só esperando que eles se matem, temos que ir atrás deles. - disse Wilson com um copinho de café na mão.
- Temos que pegar o Lin primeiro, - Mel se levanta. - pra mim ele é o mais perigoso de todos.
- Tudo bem, vamos montar uma equipe de busca.

Agora as coisas se complicaram para os mafiosos em guerra. Wilson colocou nas ruas uma equipe de agentes atrás de Lin e Antônio numa operação pente fino pela cidade. O plano é encurralar os bandidos a pontos deles se entregarem. Como era de se esperar a imprensa cobre fato a fato e essa informação chegou aos ouvidos de Antônio que faz questão de se mexer também.
- Lin está com a minha grana. - fala para todo o grupo. - a polícia está na minha cola, eu não quero cair, eu não vou cair sem antes tirar a espinha daquele chinês fedorento fora do corpo e quem falhar, eu mato. - olha para Bruno que não muda sua expressão.

As ruas se transformaram de repente em pista exclusiva para as viaturas da polícia. Por onde se olha há um ou dois carros com suas luzes vermelha e azul circulando. Lin pega sua mochila de fuga. Confere sua arma e a coloca na cintura. A dona do quarto bate na porta para cobrar a estadia.
- Um momento. - disse colocando a mochila nas costas.
Perto dali dois veículos da polícia param e dentro de um deles sai Wilson com seu colete aprova de bala.
- Quero uma varredura aqui e ali. - aponta justamente para a pensão onde Lin se encontra.
Lin termina de fazer o pagamento e fechar a ficha. Ele não agradece e sai sem fechar a porta. Na varanda ele escuta a dona da pensão o xingando e também o barulho das sirenes. O chinês desce os três lances de escadas ganhando a rua. A mochila vermelha nas costas, uma pistola na cintura, tudo muito ariscado. Ao dobrar a esquina ele bate de frente com duas viaturas, uma delas Wilson o avista.
- Acho que o vi, vamos.
Lin dá meia volta correndo e escutando o som dos butes dos agentes batendo no chão.
- Parado! - Grita Wilson. - Lin!
Cercado. Lin se encontra cercado por agentes armados. Ele saca a pistola.
- Cuidado, ele está armado. - diz um policial.
Lin atira só para espantá-los, ele não quer feri-los. Seu objetivo não são os homens da lei, mas sim Antônio. Para abrir caminho ele terá que usar toda a sua técnica do kung fu, e assim ele faz. Guardando a arma e indo na direção do policial, Lin se prepara para o combate homem a homem.
- Fique onde está, senão, eu…
Não deu tempo de completar a frase, o chinês já havia lhe acertado um forte golpe no rosto o deixando inconsciente no asfalto. Dois agentes aparecem e Lin acerta um chute num e um soco no outro. De longe tudo o que Wilson consegue ver são homens caindo ou voando. Recebendo golpes precisos.
- Meu Deus ele é a reincarnação de Bruce Lee? - diz Wilson boquiaberto.
A pancadaria rola solta. Um policial o segura pelas costas. Lin aplica lhe uma cabeçada, em seguida uma cotovelada e um golpe no pescoço. Wilson corre passando pelos corpos se remexendo no chão.
- Vocês estão bem?
Terno não é uma vestimenta para esse tipo de atividade, correr. Mesmo na desvantagem Wilson acredita que possa prendê-lo. Mais a frente Lin para de correr, resolve encarar o perigo de perto.
- Se entregue, eu conheço seus motivos.
- O que? - diz em posição wing chu.
- Antônio destruiu sua família não foi?
- Tire o nome da minha família da boca seu porco. - avança contra o agente com ponta-pés.
A última vez em que Wilson apanhou foi no ensino médio onde brigou com um sujeito duas vezes maior do que ele. E agora apanha de um chinês mediano com cara de dono de pastelaria. Por mais que Wilson queira reagir, ele não consegue. Lin é muito mais rápido. Wilson vai sentindo a dor de cada golpe, peito, costela, costas, pernas e finalmente o rosto onde a têmpora é atingida. Wilson cai desacordado.

10

Abrindo os olhos devagar, Wilson contempla uma negra linda com uma expressão preocupada.
- Você está bem? - pergunta Mel.
- Onde estou?
- Dentro da viatura, o chinês escapou deixando alguns policias feridos.
Se erguendo e ajeitando o rabo de cavalo ele lamenta o acontecido e agradece por está vivo.
- Ele é uma fera ferida, Mel, tinha que ver os olhos dele.
- Quer ir ao hospital dar uma olhada na cabeça?
- Não.

Bruno mesmo dirige o carro. Além dele há mais dois sujeitos armados. As palavras de Antônio latejam em sua mente, quem falhar eu mato! Não por medo, Bruno não teme Antônio, apenas o respeita. Sua alma tem sede por Lin, esse sim ele quer ver morto. Enquanto segue para o possível local onde seu inimigo possa estar, Bruno, o cão de guarda de Antônio aperta o volante até quase o quebrar. Um dos capangas mostra o rádio para o gigante.
- Bruno, acabaram de informar que Lin foi visto saindo da principal a pé. - Bruno sorrir.

Suado, sujo e com um aspecto horrível, Lin anda com a mochila nas costas. O moletom que usa está surrado e seu cabelo despenteado. De repente um farol forte o deixa cego momentaneamente. A voz de Bruno o faz congelar.
- Oi Lin!
- Bruno. - rosna.
- Me entregue o dinheiro e isso termina aqui. - propõe o gigante de músculos.
Bruno se encontra parado na frente do carro que ainda está com os faróis ligados permitindo a Lin ver apenas sua silhueta.
- Saia da frente Bruno, meu papo não é com você.
- Sabe de uma coisa, Lin, foi prazeroso quebrar o pescoço da sua mulherzinha, tinha que ver os olhos dela.
Lin sente uma eletricidade percorrer todo o seu corpo.
- Maldito!
- Sim, confesso, Antônio me pediu esse favor. - usa de desdem.
- Está mentindo, seu filho da…
- Opa, opa, olha lá como fala seu resto de merda.
- Como teve coragem de fazer aquilo, quantas vezes trabalhamos juntos seu desgraçado. - Lin vocifera com a voz embargada.
- Chega dessa conversa seu chinês otário, me passa o dinheiro e me diz onde está a droga que roubou.
- Vou lhe mostrar o dinheiro. - Lin corre pra cima de Bruno que dá um o aviso.
- Não se metam, esse treta é entre Lin e eu. - disse aos dois homens dentro do carro.

O ferimento na testa é coberto com delicadeza por Mel. Wilson sente todo o carinho dispensado pela sua companheira. Os dois estão sozinhos no vestiário.
- Pronto! - Mel sorrir.
- Obrigado!
- Qual o próximo passo?
- Cara, pra falar a verdade não consigo pensar direito, minha cabeça dói demais, a mão do sujeito parecia uma marreta.
- Deite-se e coloque a cabeça no meu colo, farei uma massagem.
- Tem certeza?
- Sim, eu sempre fazia essa massagem em Paulo quando ele chegava estressado, vem.
Wilson apoia a cabeça nas coxas de Mel que fricciona as têmporas levemente.
- Por falar em Paulo, você teve notícias dele?
- Quero esquecer que um dia me envolvi com aquele crápula.
- Sinceramente não consigo entender. - Disse Wilson de olhos fechados.
- O que? - continua a massagear.
- Como pode um cara maltratar uma mulher linda, forte, e ao mesmo tempo delicada como você. - Mel não responde. - muito louco mesmo. - de repente Wilson sente o morno dos lábios de Mel lhe tocando a boca. O beijo inicialmente é tímido. Logo o contato se torna mais intenso. Daqui a pouco eles estão envolvidos trocando saliva.

A troca de murros violentos acontece bem ali no acostamento. Bruno parece um pedaço de aço. Os golpes de Lin não surtem efeito contra aquela montanha de músculos. Como um boxeador Bruno vai golpeado o chinês. Um forte direto acerta o rosto de Lin que vê tudo rodar. Antes de cair, Lin lhe aplica uma rasteira. O bicho grande vai ao chão como uma palmeira. Aproveitando a oportunidade, Lin o soca várias vezes em várias partes do corpo.
- Morre maldito! - grita.
Com auxílio dos joelhos Bruno consegue se livrar do chinês e de suas pancadas. Num salto o dinossauro fica de pé e coçando as mãos.
- Vem! - vocifera.

Beijo, só serve se for molhado e apaixonante. Mel descarrega em Wilson todo o seu poder de mulher dominadora. Ela o segura nas madeixas loiras quase desfazendo o rabo de cavalo. Ele a toca no rosto longilíneo e belo. Em outro mundo eles não se dão conta que estão dentro do departamento, exatamente no vestiário na iminência de alguém entrar e os flagrar. Ambos abrem os olhos ao mesmo tempo. Sem graça eles se olham, riem.
- Uau! - Wilson prende a respiração.
- Me desculpe, não foi minha intenção. - se levanta do banco.
- Não precisa se desculpar, foi muito bom. - a segura pelo braço.
- Podemos esquecer isso que aconteceu aqui? - Mel abaixa a cabeça.
- Você vai esquecer? - Wilson a segura pela cintura.
- Acredito que não.
- Venha aqui. - a puxa já a beijando.

A brutalidade dos golpes é de causar espanto em qualquer um. Os dois homens que ficaram dentro do carro vez por outra fazem careta a cada soco dado na luta entre Davi e Golias. O sangue que escorre do nariz de Bruno já mancha sua camiseta clara, Lin tem a boca escorrendo um fio de sangue chegando ao pescoço. O cansaço já começa a bater em ambos, mas desistir ou se entregar jamais. Lin é alimentado por um ódio infernal a ponto dele grunhir enquanto golpeia seu adversário.
Ao ser socado duas vezes no rosto a uma velocidade sem igual, Bruno cambaleia e se apoia no poste. Lin abaixa a guarda e espera a recuperação do gigante. As pernas bem torneadas que marcam a calça jeans demoram a obedecer as ordens. Bruno olha para Lin e rir. Ele olha para seus comandados também e repete a ordem.
- Fiquem onde estão. - fecha o punho e se ergue. - irá se encontrar com sua mulher e filho. - cospe uma boa quantidade de sangue.
Como um touro branco furioso, Bruno parte pra cima do chinês que se defende dos murros poderosos. Um deles o acerta no estômago. Lin é dobrado ao meio e depois golpeado com um gancho o fazendo sair do chão. O corpo minúsculo do oriental cai e é violentamente chutado. Enquanto apanha, Lin tem flashbacks com sua família. Em dado momento em que sua cabeça sofre um pisão, ele vê sua esposa Carla morta com os olhos semi abertos e com o pior aspecto possível. A pior imagem já vista por ele. Bruno não cessa os chutes e a gritaria. Todo o seu corpo é surrado. Outro chute na cabeça e agora ele vê seu filho Douglas morto com o rosto desfigurado. Uma lágrima desce se misturando ao sangue.
- Vamos chinês fedorento, reaja. - Bruno vocifera
ao receber mais um chute nas costas, Lin se vê junto a eles em seu antigo lar. Risos de alegria, canções chinesas que ele ensinou a Douglas e troca de carícias com Carla. Tudo isso se foi pelas mãos desse desgraçado. Um dragão furioso, um guerreiro chinês do kung fu. Quem fez isso não pode sair impune, jamais. Depois de um forte grito, o chute debaixo para cima acertando em cheio a parte genital de Bruno marca a volta das cinzas do lutador de wing chu. O urro do gigante mais parece uma trovoada. Ele se afasta segurando as partes com as veias do pescoço expostas. Lin se levanta e o chuta no rosto. Bruno perde o equilíbrio e recebe outro chute no rosto. O sangue espirra no ar. O chinês não perdoa e acerta outro forte chute quebrando o maxilar do bandido. Bruno tomba. Lin monta no monstro de músculos e o soco diversas vezes. Mesmo ouvindo o som dos ossos da face se partindo e não vendo mais respiração do adversário, Lin continua a socar até seus punhos se feriem. Antes de desferir o último soco ele fala o nome de Carla e Douglas, mas Bruno já havia morrido a alguns minutos antes.
Um dos capangas aponta sua arma contra Lin.
- Fique parado!
Lin limpa o sangue que escorre de sua testa e rir para o homem.

11

Com o rabo de cavalo desfeito, Wilson lembra e muito Thor, o deus dos quadrinhos. Mel pára de beijá-lo e sorrir fazendo menção do super herói.
- Legal, quem sabe assim não uso mais o cabelo solto.
- Wilson Thor, o investigador. - brinca Mel.
De repente a brincadeira cessa.
- Tudo bem entre a gente? - Wilson alisa o rosto da negra que assente.
- Tudo bem.
A porta do vestiário é aberta com truculência e um policial entra correndo.
- Que bom que os encontrei, temos três corpos.

Toda vez que Antônio fica nervoso ele volta ao velho habito de fumar, e fumar um cigarro atrás do outro. Bruno até agora não voltou com uma resposta. Dentro do escritório ele circula como uma fera. Ele vai até a janela e volta. Faz isso diversas vezes. Vai até a mesa, abre a gaveta e pega a foto de dona Norma. Alisa a testa.
- Me ajude mãe!
Aquele último dia marcou sua vida para sempre. Ele havia levado sua mãe ao médico. Antônio dispensou a escolta a qual normalmente fazia sua segurança. Durante a consulta ambos se divertiam com os casos contados por ela. Norma era uma mulher contadora de histórias. Ainda com a barriga doendo das risas, Antônio desceu as escadas com sua velha mãe segura em seu braço. Os cabelos cheios e brancos presos por um coque. O vestido laranja preferido e sua fiel amiga, a bengala. Eles alcançam o portão que dá acesso à rua. Mesmo não transparecendo, o mafioso está nervoso olhando para todos os lados e para o alto. Um, dois, três prédios, um atirador dos melhores com seu rifle. Mastigando o chiclete já sem o açúcar, o homem deitado no chão do terraço vazio olha pela mira o seu alvo ajudando sua velha a entrar no carro. O gatilho é puxado. Seu alvo continua de pé com as mãos na cabeça, não por ter levado um tiro, mas sim por que sua mãe teve o crânio perfurado. O atirador resmungo.
- Errei!
Lá embaixo Antônio se desespera, mas não faz alarde. Ele sabe que fez isso com sua mãe. Antes de dar a partida no carro ele liga para Bruno.
- Cara, acertaram minha mãe, ela já era, cara, e agora?
- Fique calmo!
- Calmo o cacete, reúna a todos, quero o responsável por isso vivo ou morto ainda hoje.
E isso realmente aconteceu. Pegaram o atirador. Torturaram e depois o mataram. Lin foi penalizado e teve a família dizimada. Hoje a situação mudou. Lin encontre-se com seu dinheiro e sua carga de droga. Ao guardar a foto de Norma, um péssimo pressentimento passa por ele a ponto de Antônio sacar sua pistola e apontá-la para a porta. Depois de alguns segundos assim, ele percebe que está ficando paranoico. A arma volta para a cintura e ele deixa a sala.

Bruno e mais dois, mortos com sinais de espancamento, ou coisa parecida. Wilson olha para a expressão do cão de guarda de Antônio e faz uma careta.
- Parece que um caminhão passou por cima dele. - disse ainda olhando para o cadáver.
- Lin está fazendo à limpa, vamos apostar quem será o próximo da lista? - Mel coloca as mãos na cintura.
- De qualquer forma temos que pará-lo, daqui a pouco vão taxá-lo como heróis, coisa que ele não é. - Wilson faz gira a cabeça apontando para a imprensa ali presente.
Os corpos são retirados do local. Mel e Wilson acompanham a remoção quando um outro investigador chega com novas informações.
- Lin ficou hospedado numa pensão fundo de quintal lá no centro, querem dar uma olhada?
- Vamos! - Disse Wilson.

O lugar onde Antônio se esconde é um pequeno prédio que passa por despercebido por qualquer um. Na frente não há luxo, apenas um portão com grade. As câmeras de segurança foram instaladas cuidadosamente no poste e na árvore que fica em frente ao portão. Os quatro andares foram ocupados por Antônio e sua turma. Ao saber da morte de seu braço direito pela imprensa, ele redobrou a segurança do lugar contra a polícia e principalmente contra Lin.
- Não quero ninguém marcando bobeira agora.
Sua transpiração é forte e ele retira o paletó e afrouxa a gravata. Vai até a sala dos monitores dando novas ordens ao responsável por eles.
- A qualquer sinal de perigo me avise.
- Sim, senhor.
Ele volta para sua sala. Afasta um pouco sua escrivaninha. No chão a um compartimento. Estão guardados ali dentro uma submetralhadora, uma bolsa de viagem, passaporte, dinheiro, cartões e um molho de chaves. Um kit fuga completo. De dentro da bolsa ele pega um cartão com um número. Saca o celular e digita. Ao terceiro toque alguém atende.
- Alô, acho que vou precisar que você faça aquela transferência.

Enquanto o quarto onde Lin ficou é vasculhado, a dona com cara emburrada reclama. Wilson não toma conhecimento dela continuando seu trabalho olhando cada canto.
- Quantos dias ele ficou aqui? - Mel pergunta.
- Poucos! - disse rapidamente. - três dias.
O quarto está limpo, Lin não deixou se quer um grão de poeira fora do lugar. Wilson olha embaixo do colchão.
- Miserável!

12

Com dificuldade Lin retira a mochila das costas. Naquele beco escuro e úmido ele se recosta na parede grunhido de tanta dor que sente. Todo o seu corpo dói, principalmente nas costelas. Imundo, suado, doido, um lixo, é assim que o chinês se sente. Se não estivesse focado em acabar de vez com toda essa história, passar a noite ali no meio dos roedores não seria má ideia. Pior que a dor física, é a dor mental. Por mais que ele já tenha eliminado Bruno, o matador, o ódio ainda não passou. Antônio, esse é o seu alvo, o cara que manda apertar o gatilho em seu lugar, desgraçado.
Se apoiando nos canos chumbados na parede o ex mafioso se põe de pé. Faz uma careta quando uma dor aguda passa por suas costas ao colocar a mochila. Lin olha para o céu estrelado e se lembra de sua terra natal, Foshan. Quantas e quantas noites ele treinou debaixo de um céu coberto por estrelas que brilhavam para ele. Chega, é hora de agir. Decidido a entrar no ninho da raposa, Lin caminha até a rua. Saca sua arma e aborta um motoqueiro que passava por ali.
- Sem gracinhas, me passe a moto. - com os braços erguidos o rapaz desce de seu veículo.

Pilotar uma moto nunca foi o forte de Lin, alias, é a primeira vez que ele irá percorrer uma longa distância numa. A paisagem vai passando deixando borrões em sua visão. Seu corpo miúdo ainda dói muito, mas não importa. Ele sabe muito bem aonde quer chegar. Sua estratégia é suicida, entrar no esconderijo de Antônio pela porta da frente é algo improvável, mas as vezes é preciso correr riscos. Por sua família, por sua honra.

A operação policial continua cercando todos os pontos da cidade. A noite só está começando para Wilson e Mel que deixam a pensão e correm para mais próximo do centro da cidade. Ele sabe muito bem que o próximo da lista de Lin será Antônio. Resta saber onde esse miserável se esconde. A muito tempo Wilson vem investigando o mafioso. Houve uma época em que ele quase colocou as mãos nele, mas o bicho foi escorregadio e saiu antes do flagrante. Wilson não desaminou, montou outra operação onde dois dos homens do bandido foram mortos numa troca de tiros. Foram tentativas frustradas e de lá pra cá ele vem apenas esperando um vacilo de Antônio. Chegou a hora, ele sente isso no sangue que correr em suas veias.

Uma barreira policial era tudo que Lin não precisava no momento. O que fazer? Acelerar a moto e passar? Com certeza os desgraçados vão abrir fogo e ele será morto antes de cruzar a blitz. Ou dar meia volta? Mas ele já foi visto por eles, o que fazer? Engolindo seco e transpirando o chinês decide em furar o bloqueio policial. A morte é certa, ele já até sente sua respiração. É preciso ariscar. Lin acelera.
- Ei, o que é isso? - um policial olha para a moto vindo. - é o tal chinês. Pare!
Em zique zaque Lin conduz perigosamente sua motocicleta no asfalto negro. Os agentes apontam suas armas. Cego, Lin está completamente cego, ele ouve apenas os gritos dos policias dando ordens. Dois disparos. Nada acontece. Mais um disparo, nada. Será que estão errando, ou disparando para o alto? As pessoas em seus carros entram em pânico. Lin quando vê já passou da blitz a alguns metros, e melhor, ainda está vivo. Vida que segue. Mesmo sabendo que um comboio de homens fardados estará atrás dele em minutos, Lin segue com o plano suicida.

Mel sempre achou seu amigo de profissão um homem interessante, mas ele nunca deixou transparecer qualquer interesse por ela. Wilson realmente é um sujeito que não passa despercebido, talvez por não fazer o perfil de um investigador. No incio ele foi bastante criticado por usar os cabelos cumpridos. O que fez com que ele conquistasse o respeito entre os colegas e até mesmo pelos superiores foi a sua eficiência no trabalho e os resultados. Mel na época estava cega pelos problemas com seu ex Paulo. Ao vê-lo concentrado no trabalho ela sente depois de alguns anos seu coração bater diferente. Se não tivesse no meio da rua cercada por viaturas, ela bem que o beijaria novamente igual no vestiário. Wilson olha para ela e pisca. Como adolescente apaixonada ela devolve o gracejo. O momento da paquera é quebrado pelo rádio notificando sobre Lin. Wilson entra na viatura assumindo o volante. Mel ocupa o carona.
- Hora de prender esses caras. - disse Mel, Wilson meneia a cabeça positivamente.

Olhando pelo retrovisor tudo o que Lin vê são luzes azuis e vermelhas. É preciso despistar os vermes. Ele pega uma rua secundária e volta a olhar para o retrovisor. Lá estão eles. Ele xinga em sua língua mãe, mandarim. Falta pouco para chegar ao prédio de Antônio. Essa vingança pertence somente a ele.

O prédio pertencente ao grupo de Antônio se transformou numa fortaleza com dezenas de homens armados. Enquanto isso o chefe termina de fazer suas transações via internet caso algo saia errado. Sua conta bancaria acaba de engordar um pouco mais. O sorriso estampado no rosto mostra o quanto ele poderá usufruir de sua riqueza ilícita. Escondidos na entrada do prédio há dois homens com pistolas. Perto da escada há mais um. Na escada há outro e assim por diante. É impossível entrar e não ser morto. Pronto, mais uma transferência feita, resta apenas saber para qual país fugir.

13

A adrenalina é alta. Wilson sente seu coração acelerar igual ao motor da viatura em que está. Colocar as mãos em Antônio é tudo que ele mais quer. Dar uma satisfação a população seria um ato glorioso. Tirar um marginal poderoso de circulação como Antônio não resolveria todos os problemas, mas daria a chance das pessoas de bem respirarem aliviadas. Ele tem certeza de que Mel pensa o mesmo, por isso eles se olham. Não existe rivalidade e nem melhor e nem pior, mas sim o bem contra o mal e o bem sempre prevalecerá.
- Focada? - ele pergunta.
- Focada!

Lin chega na rua do prédio. Hora de abandonar a moto e seguir a pé. A mochila começa a pesar nas costas e a dor pelo corpo aumenta. A cada passo a fortaleza de Antônio vai surgindo no manto negro da noite. Lin está está preparado para tudo, até para morrer se for o caso. Por viver parte de sua vida ali, ele sabe bem qual caminho seguir. Pela frente. Quem chegar por trás é covarde, esse é o seu lema.
O chinês olha e vê apenas um andar acesso. O desgraçado está na área. Ele caminha com os punhos cerrados. Consegue ver os cães de Antônio com suas armas. Um deles puxa um fumo que o deixa alucinado. O outro vigia a rua que mais parece um cemitério de tão calma que está. De repente um vulto silencioso salta o muro lhe acertando um forte golpe na cabeça. O bandido cai desacordado. O outro olha assustado para Lin que lhe aplica um soco certeiro no nariz que explode. Não permitindo que o sujeito grite, Lin o segura e quebra-lhe o pescoço. Caminho livre? Claro que não, Antônio deve ter pensado em tudo. Uma sombra, é isso que Lin é no momento. Pelo vidro da porta ele consegue ver mais um vagabundo fumando cigarro. Ao olha para a rua ele ainda vê câmeras.
- Droga, já me viram!
A vida é assim, feita de riscos, se você não arriscar nunca saberá se dará certo ou não. Lin vive isso no momento. Ele entra e bate de frente com mais um sujeito armado. O wing chu consiste em defesa e ataque simultaneamente e eliminação rápida do adversário. O tal bandido não teve chance nem de respirar. Agora o dragão se encontra no covil do lobo. Antes de subir as escadas, mais dois seguranças aparecem. Um deles atira. Lin se abriga atrás de uma bancada e saca sua pistola. A troca de tiros não tem descanso. Os bandidos descarregam suas armas. De repente o silêncio se torna absoluto. Com muito medo os dois vão se aproximando da bancada que agora mais parece uma peneira. Como uma serpente feroz, Lin surge desferindo seus golpes precisos. Um dos homens de Antônio tem os dentes da frente totalmente quebrados pelos socos. Mais dois na lona, hora de subir e matar o chefe.

Wilson é informado sobre uma troca de tiros dentro de um prédio ali próximo. A viatura faz a volta abruptamente quase causando colisões. Agora ele sabe o local exato onde Lin e Antônio estão. Em menos de cinco minutos as ruas que dão acesso ao prédio são fechadas. Mel é a primeira a descer do carro com sua arma em punho.
- Segundo informações o prédio é aquele. - Disse a investigadora.
- Vamos cercá-lo então.
A moto que Lin usava é vista por Wilson e a tensão só aumenta. Realmente é um lugar acima de qualquer suspeita, ninguém jamais imaginaria que ali funciona um quartel general da mafia.
- O portão está aberto. - Mel faz uma meia parada e olha para as árvores logo na frente. - Wilson, eles já sabem que estamos aqui, veja, câmeras.
O confronto é inevitável. Os coletes são colocados rapidamente. Os agentes se preparam para invadir quando um corpo é jogado da janela. O homem se esborracha contra o muro.
- Lin está lá, vamos.

No segundo andar o pau quebra com Lin atacando de uma só vez três homens armados, realmente ele é um exímio lutador de kung fu. Sua agilidade e força faz toda diferença nessa hora. As vítimas se perdem a cada golpe dado, a cada osso quebrado. Um homem determinado ele ultrapassa seus limites e esse é o caso do chinês com sede de vingança, sangue nos olhos. Mais três foram pro saco. Lin segue subindo para o covil.
Antônio é um sujeito abusado e um tanto ousado. Ele sabe da existência do perigo, mas prefere pagar pra ver. Nessas horas ele sente falta de Bruno. Com certeza se seu cão de guarda estivesse ali tudo seria diferente. Ele anda até sua mesa, abre a gaveta, pega a foto de dona Norma e a enfia no bolso interno do paletó. Abre outra gaveta e pega duas pistolas. Olha para porta já ouvindo ruídos.
- O desgraçado chegou.
Com passos lentos ele se dirige a porta, antes de sair ele recolhe sua bolsa de fuga. Antônio ganha o corredor onde há mais seguranças, um deles com metralhadora. O medo no rosto dos homens provoca ódio no chefe a ponto dele explodir.
- Somos muitos e ele é um só, agora desça e vamos matá-lo.
- Antônio, a polícia está ai fora, com o time completo, o que faremos estamos cercados.
O mafioso segura seu assecla pelo rosto, salivando ele responde.
- Sempre há uma saída

Com cuidado o chinês vai subindo cada degrau. De repente todas as luzes são apagadas restando apenas a iluminação dos postes. Lin resolve usar isso a seu favor. Como um fantasma ele sobe. Lá fora a batalhão da polícia se prepara para invadir. Wilson puxa a tropa.
- Pronto, luzes apagadas agora é a nossa vez.
Dois comparsas aparecem nervosas, cada um com pistolas apontadas. Lin sai do meio das sombras como um demônio chinês. Um ele quebra a coluna com um preciso chute. O outro atira. Antes de apertar mais uma vez o gatilho ele é abatido por um soco na traqueia. Lin volta para a sombra.
Ao ouvir o tiro Wilson ordena a invasão do prédio. A guerra começa de fato. Tiros e mais tiros, gritaria. Como ratos, os homens de Antônio aparecem disparando suas armas. Wilson consegue derrubar dois. Com a confusão os fachos de luz das lanternas dos policias se transformam em raios laiser no andar térreo do prédio.
Já no covil do lobo Lin é obrigado a recuar ao vera metralhadora. Seus olhos conseguem ver aquele sujeito calvo, alto de terno e gravata usando duas pistolas. Seu sangue ferve e ele fecha os punhos. O grito é inevitável.
- Antônio, vim te pegar.
Ao ouvir seu nome através daquele sotaque familiar o mafioso gira os calcanhares ao mesmo tempo em que a metralhadora solta sua gargalhada mortal na direção da sombra.
- Seja bem vindo de volta Lin. - vocifera.
Wilson já está no primeiro andar. A seu lado Mel completamente concentrada. O barulho da metralhadora chama sua atenção.
- Armamento pesado lá em cima.
- Vamos manter a resistência. - responde sem olhar para ela.
Como um felino, Lin salta para agarrar sua pressa e consegue. O chute o ar deixa o sujeito sem ação. Arfante o homem ainda tenta reagir, mas o preciso golpe do oriental em seu rosto dá ponto final em sua existência. Antônio corre para próximo de uma escada caracol. Ajeita a bolsa e aponta suas pistolas atirando sem direção. Para Lin, resta apenas destruir o segurança com a metralhadora e Antônio estará em suas mãos. Rosnado ele corre na direção do cara que dispara.

14

Disparos, gritos e Lin vai ao chão. Seu corpo pequeno cai. A metralhadora cessa. Antônio faz um gesto com a cabeça para que o homem confirme sua morte. Rapidez, raiva, ódio e um pouco de sorte, tudo isso junto faz com que Lin erga o tronco e segure na garganta do sujeito desesperado em busca de ar. No segundo momento a metralhadora já não é obstáculo. Lin se levanta. Olha para Antônio que ameça atirar.
- Caramba. - começa Antônio. - nunca achei que você era tão bom assim, deveria ter lhe matado junto com sua família quando tive chance.
- Seu desgraçado! - rosna.
- Lin, sei que está aborrecido amigão, mas pense direito, lá embaixo está cheio de policiais, prontos para nos prender, não acha melhor unirmos forças para acabarmos de vez com eles?
- Maldito! - Lin arregala os olhos.
- Pense direito, não temos saída, eles vão nos matar.
- Eu deixei de existir a dois anos, lembra, você me matou, junto com Carla e Douglas.
- Por sua causa eu perdi minha mãe, seu otário, confiei uma missão a você, e você falhou, minha mãe pagou com a vida, eu também deixei de existir a dois anos.
Lin cerra os punhos.
- Já que estamos mortos, vamos acertar as contas homem a homem, não importa o resultado.
Antônio reflete por um instante. Olha para Lin na penumbra. Tudo o que ele vê é um chinês pequeno, sujo, sem nada a perder.
- Não é má ideia. - abandona as armas. - vem!

As prisões vão acontecendo. Até agora dez vagabundos foram presos e outros mortos na operação. Wilson se encaminha para o terceiro andar quando do nada um sujeito sai de um vão e o agarra. Ambos rolam escada abaixo. A troca de socos é violenta e o policial está em desvantagem, o homem é mais alto e mais forte. Ele monta em Wilson e tenta estrangulá-lo. As forças do investigador já o abandona quando Mel surge acertando uma coronhada no bandido que apaga. Tossindo e buscando ar, Wilson tem ajuda da parceira para se levantar.
- Obrigado, você me salvou.
- Preciso de você vivo. - Mel passa a mão em seu rosto.

Um confronto, uma luta, uma briga. De um a vingança, do outro lado...também. Antônio sempre foi um cara bom de briga. Na infância ele era considerado a besta fera do bairro onde morava. A forma como atacava os adversários o consagraram como o senhor do desastre. E é justamente dessa forma que ele parte pra cima de Lin, com golpes que podem nocautear se encaixados de forma correta. Lin vai se defendendo como pode, qualquer distração seria o suficiente para Antônio sair vencedor dessa briga. Ao esquivar-se de um soco, Lin gira o corpo acertando um chute na altura do ombro. Antônio perde o equilíbrio mas consegue ficar de pé.
- Vamos, lute! - grita Lin.
o kung fu é uma arte que exige concentração. O adepto a essa arte jamais pode colocar o emocional acima do combate. Ao contrário de Antônio que desfere golpes aleatoriamente e quase todos sem sucesso. Percebendo que seu adversário nada mais tem do que força, Lin começa de fato a lutar. Ele olha para Antônio e tudo o que vê é a boneca onde se pratica os golpes mais precisos. O mestre estica o braço direito e abre a mão. O braço esquerdo permanece encolhido também com a mão aberta. Ele fala algumas palavras em Mandarim deixando Antônio confuso.
- Vai começar com esse mantra ridículo?
- Wing chu, Carla e Douglas. - o olhar de Lin para o mafioso é de congelar o inferno.
Antônio desfere um soco que passa em branco. Lin continua na mesma posição de combate inicial. Furioso o bandido tenta lhe acertar uma cotovelada pelas costas. O chinês se abaixa lhe passando uma rasteira. O corpo de Antônio vai ao chão fazendo um barulho surdo. Lin aproveitando a vulnerabilidade do adversário, se abaixa e acerta um sequencia de socos em pontos estratégicos nas costas de seu oponente. Antônio sente por um instante seu corpo ficar paralisado.
- Essa não! - grita.
O bandido gira o corpo ficando de bruços. Péssima ideia. Agora os socos tem endereços ainda mais doloridos como ombro, tórax e estômago. De pois de muito sofre ele consegue com as pernas erguer Lin que decola parando contra a parede. Antônio se levanta. Alonga o pescoço que estala.
- Vem!
Antônio o chuta na perna, Lin defende com a mão. O mafioso soca com um cruzado, Lin esquiva. Por baixo Antônio tenta lhe acertar as partes, Lin sem olhar tira com uma das mãos. Ele ficam nessa de bate e defendo por um bom tempo até que Lin o acerta no nariz e o sangue manchar sua camisa. Antônio se afasta. Coloca a mão no nariz e faz uma careta de dor. Lin olha com frieza para ele. O bandido chefe solta um brado e volta para a luta onde é massacrado pelo dragão chinês. Cada golpe é uma nova lesão, um novo corte ou até mesmo uma fratura. Aos poucos Lin levando seu oponente contra a parede e ali ele aplica toda sua técnica que aprendeu com seu velho pai e mestre. Tarde demais, Antônio tenta reagir, mas Lin não lhe dar chance, é um golpe atrás do outro e cada vez mais rápidos. Lastimável, o filho de dona Norma limitou-se em receber pancadas e a grunhir. O rosto de Antônio está desfigurado e seus olhos já se encontram apagados. As pernas vão perdendo forças e agora seus joelhos se dobram por conta própria. Antônio cai, fora de combate, Lin permanece em posição de luta e um filme se passa em sua mente. Vingança concluída.
Wilson chega do vão e vê Lin diante do corpo de Antônio destruído no chão.
- Você está preso Lin, venha comigo!

15

A rua que era calma se transformou num caos. Policiais, viaturas, jornalistas e muito barulho. Prisões são efetuadas. Mel orienta os agentes e lá no último andar Lin continua frente a frente com Wilson e tendo Antônio caído a seus pés.
- Ande com as mãos para cima. - diz com a pistola apontada. - não tem como escapar, você está cercado.
- O verdadeiro bandido é ele!
- Sei que você teve sua família destruída por ele, mas você cometeu crimes também, venha comigo, não me obrigue a atirar.
Lin gira os calcanhares de maneira ameaçadora. Agora Wilson redobra sua atenção . Agora realmente a coisa ficou estreita. O investigador tem a sua frente um homem que derrubou sozinho vários agentes armados usando apenas sua habilidade como praticante de kung fu. Para ele nada é muito difícil, ou complicado. Ele seria capaz de desarmar Wilson e sair ileso do prédio.
- Não faça nenhuma besteira Lin, se entregue.
Lin caminha na direção do policial com a arma apontada para ele quando de repente o chinês sente uma dor aguda em sua panturrilha. Antônio mesmo deitado conseguiu sacar um punhal escondido em seu tornozelo e cravá-lo na batata da perna de Lin que cai. Quando o mafioso vai aplicar o que seria o golpe fatal, Wilson atira contra a cabeça de Antônio que morre na hora. Lin olha e respira aliviado para Wilson.
- Já chega Lin, venha, será melhor para você.
Lin abaixa a cabeça contendo seu pranto. Sua vingança foi completa. Antônio está morto. Na saída do prédio ele vislumbra um mar de viaturas com suas luzes azuis e vermelhas. Algemado com as mãos para trás e com Wilson o conduzindo, ele sabe que passará um bom tempo na tranca, enjaulado e que terá tempo o suficiente para pensar em tudo que fez até agora. Valeu mesmo a pena tudo isso? Carla e Douglas ficariam felizes em vê-lo assim, preso? Lin olha e vê a policial negra se aproximando do loiro cabeludo.
- Fez um bom trabalho!
O chinês entra na viatura ainda em tempo de ver o corpo de Antônio sendo retirado. Os flashs das máquinas enlouquecidas iluminam o cadáver coberto por um saco preto. Tudo resolvido? Ele acha que sim.

Café, a bebida mais consumida no mundo, ideal encerrar um caso. Mel e Wilson tomam relaxados num bar singelo ali próximo. Em primeira instância eles apenas conversam sobre Lin e Antônio, mas depois tudo mudou, o papo agora é sobre o incio do namoro, ou se ele acontecerá realmente. Para Wilson, encarar um mestre de kung fu e um perigoso mafioso não o deixaram tão tenso quanto o sim ou o não de uma garota. Os olhares se cruzam.
- Quer saber realmente como será a nossa história daqui pra frente? - disse Mel adoçando o café.
- Sim! - deixa a xícara e entrelaça os dedos. - gostaria muito.
- Você é um homem encantador, Wilson, sempre me ajudou nos momentos difíceis, sempre me apoiou e me levantou quando eu mais precisava, agora me responda uma pergunta. - Wilson abre mais os olhos. - como ficar longe de um cara como você?
- Isso é um sim?
- Positivo e operante, agente Wilson.
O beijo sela tudo. Seja ele curto ou longo como o de Mel e Wilson.