sábado, 24 de junho de 2017

EM DECOMPOSIÇÃO - Primeira Temporada completa




1

     Desanimado e abatido, esse é o estado em que se encontra o chefe da nação ao subir pela última vez ao palanque de onde fará seu discurso. Uma pequena e otimista multidão aguarda as sagradas palavras do presidente. Barba por fazer, cabelos precisando ser aparados e penteados e voz trêmula. Garcia despeja um balde de água fria em seu povo.
   - Não há mais recursos, lamento em informar. - faz uma longa pausa, talvez segurando o choro. - achamos que poderíamos controlar a situação, mas, ela foi maior que nós. - pigarreia. - eu, Alberto Garcia, não serei mais o presidente da república, serei mais um sobrevivente entre vocês. Perdi minha mulher vítima dessa praga do inferno. Meu filho está desaparecido a um mês e pra ser sincero, acho que foi morto, por isso suspendi as buscas. O último contato que fizemos com o estrangeiro foi desanimador, a praga é mundial e já há países inteiros dominados. Por isso venho até vocês, pedir para que lutem, lutem até o fim, não permitam que o nosso país seja dominado, lutem.
     Aos poucos a multidão vai se dispersando. Alberto Garcia se declara ex presidente e seus asseclas o abandonam. Não há mais governo, nem polícia e nem exército. Tudo foi extinto. Ele entra em seu carro pela primeira vez sem segurança e sem trânsito. Para onde estará indo? Ele olha para a paisagem e tudo que vê é lixo acumulado, lojas saqueadas, carros enguiçados na pista e algumas pessoas clamando por ajuda. Mas que ajuda? Ninguém virá buscá-los. O ex presidente acelera ganhando a direção do centro da cidade.

2

    - Estou com fome. - anuncia Amanda pela décima vez.
    - Eu também e nem por isso estou enchendo o saco. - reponde Mônica.
    - Posso sair para procurar? - vai até a janela.
   - Claro que não, saia da janela alguém pode nos ver. - diz a irmã mais velha e mal humorada.
    - Mais que droga, Mônica, eu estou menstruada, você poderia ser mais sensível.
   - Amanda, não deixe as coisas mais difíceis ainda, tudo bem, quando escurecer um pouco mais eu vou procurar pra você. Tente dormir.
   - Certo.
    Amanda se joga na cama de casal desarrumada e se encolhe. Mônica observa sua irmã adolescente em posição fetal e se lembra de quando ela era apenas um bebê. Lá fora o vento balança as árvores amenizando um pouco a situação. Mônica aos poucos vai se aproximando da janela quando dois sujeitos passam numa moto. Ela se abaixa. Eles passam direto.
     - Bandidos desgraçados.
     Ela volta até o quarto e percebe que Amanda já dorme. Ela vai até a cozinha. Mesmo acima do peso ela consegue subir no banquinho para alcançar a lata que está em cima do armário. Mônica abre o recipiente onde há alguns biscoitos recheados com a validade vencida. A ex estagiária devora alguns e desce. Vai até a janela. Tudo calmo, hora de buscar suprimentos.

3

      A rua está deserta. A noite é sem lua e com algumas nuvens. Mônica segura na mão direita um punhal. Um grunhido é ouvido e seu coração gela.
       - São eles, meu Deus.
      Ela se camufla entre o lixo acumulado. Dois zumbis passam exalando um forte odor. Mônica precisou se controlar para não vomitar os biscoitos. O perigo passou. Em silêncio ela sai e vai para o meio da rua. O que outrora era um bairro de classe média, agora não passa de uma lixeira gigante. Ela alcança um portão já aberto. Tudo escuro, nenhum movimento. Passo a passo Mônica vai até a janela. Quando se prepara para pular, alguém a toca nas costas.
     - Não grite, fique quieta, a mais deles vindo nessa direção. - avisa um sujeito segurando uma pistola.
     Desesperada a mulher olha para ele. Um outro homem aparece com um facão. Ambos escondem os rostos com camisas.
      - Você tem comida, moça? - pergunta o do facão.
      - Não, é o que vim procurar. - responde gaguejando.
      - Também estamos com fome, vamos levá-la para o grupo.
      - Qual grupo? - dá um passa para trás.
      - Se der mais um passo eu te mato.
      - Por favor, deixe-me ir.
      - Se liga gorda, meu amigo e eu estamos com fome, porém mais ainda para transar, se você puder nos ajudar, ai quem sabe.
      - Isso mesmo, vai tirando a calcinha ai, vai.
    Mônica deixa uma lágrima cair e engole seco. Ela pensa em Amanda que ficou dormindo. Pensa em seus pais que se transformaram em zumbis e pensa em Rogério, seu namorado que foi morto.
       - Pode ser os dois, ao mesmo tempo?
       - Hum, você é taradinha, ou o que, prefere dupla penetração?
       - Será rápido? - chora.
       - Seremos. - responde o outro do facão.
       Ela abaixa a cabeça. Enxuga as lágrimas. Respira fundo e olha para o bandido a sua frente.
       - Vamos nessa.


EM DECOMPOSIÇÃO

1

    Transpirando, sujo, cansado e com algumas feridas, essas são as condições do ex policial militar Alberto que vasculha o terreno em busca de abrigo. Já é quase noite, seu estômago reclama de fome e ele se quer conseguiu um roedor que seja. Suas roupas estão pegajosas e sua barba crescida lhe dão aspecto de mais velho, porém sua idade não passa dos 40.
agente Alberto Tavares, policial durão. Com ele vagabundo não tinha vez. Hoje, diante dessa epidemia que destruiu o mundo inteiro ele não passa de um sobrevivente. A mochila em suas costas está cheia de frutas podres e uma garrafa pelo meio de água.         Ele perdeu noção do tempo. Não sabe qual dia da semana é. Seu relógio de pulso parou desde quando o apocalipse aconteceu. Sua esposa, a professora de educação infantil Dora foi devorada por zumbis dentro do colégio. Foi uma cena dura de se ver. O grande amor de sua vida com as vísceras expostas. Alberto teve que atirar em sua cabeça para não ver Dora se transformar numa morta viva. Ali seu mundo havia ruido.        Quando tudo ficou ainda pior, ele resolveu seguir sozinho, sem grupo, apenas sua arma, um trinta e oito e um facão, eliminando zumbis a sua frente.
       O terreno está vazio. Alberto olha para o céu alaranjado e depois para o monte de ferro velho entulhado no canto. Ele pensa em fazer do terreno baldio uma pequena fortaleza com restos de carros. Isso levaria dias, mas ele conseguiria. Alberto puxa a arma do coldre e começa a caminhar. No tambor do trinta e oito três balas. Ele segue.          O coração acelerado ele sente bater na garganta. A testa molha mais uma vez e com as costas da mão ele limpa o suor. Chegando mais para o meio do terreno ele escuta grunhidos vindos dos carros enferrujados. Ele se prepara para o confronto. Dois zumbis enfurecidos aparecem loucos por cérebro fresco. A mira perfeita de Alberto esfacela o primeiro na cabeça. O outro rosna e tem o mesmo destino.
        - Malditos! - balbucia.

2

     Alberto sobe até atingir o último carro empilhado. Da li ele consegue ver os arredores.
       - Aqui será o ponto de observação. - fala para ele mesmo.
     Saindo do canto esquerdo uma zumbi caindo aos pedaços rosna e baba um líquido denso preto. Ela avista Alberto que puxa o facão e espera sua subida.
      - Vem, desgraçada.
      O ex policial divide a cabeça da morta em metades. O sangue podre suja ainda mais suas roupas, coisa que ele odeia. Ele se recompõe quando escuta o motor de uma moto. A arma é sacada e ele se esconde. O motoqueiro para em frente ao terreno e retira o capacete.
        - Já lhe vi, pode aparecer, sou do bem.
        Alberto permanece escondido prendendo a respiração.
        - Sou gente boa, me chamo José Carlos, mas pode me chamar de Juca.
       Ele entra no terreno. Suas roupas típicas de motociclista já estão empoeiradas e a águia bordada atrás da jaqueta perdeu a cabeça e uma das asas.
        - Vamos lá cara, aqui está cheio de zumbis, eu posso ajudar.
        - Parado, fique onde está.
      Alberto aparece ao lado do estranho com o cano da arma enterrado em sua têmpora. O motoqueiro paralisa diante da habilidade do ex policial.
       - Uau, como fez isso?
       - Cala a boca e me entregue sua arma.
       - Não tenho arma. - diz com os braços erguidos.
       - Não tem. - chuta a canela de Juca de leve. - levante a perna da calça, devagar.
       Um trinta e dois, bem escondido na meia.
       - Nossa, pelo visto você era policial, acertei?
       - Cale-se e vamos entrando.
       - Cara, relaxa, sou do bem, só quero…
       - Quantos zumbis já matou?
       Juca dá de ombros.
       - Um bom número, perdi as contas.
       - O que você era antes de tudo acabar? - Alberto continua apontando sua arma.
       - Cara, já pode parar com essas ameaças, sou um cara do bem, eu era dono de uma banca de jornais e motociclista nas horas de folga.
       Alberto consegue ver verdade nos olhos de Juca e baixa o trinta e oito.
       - Certo, mas por enquanto sua arma ficará comigo, certo?
       - Certo! - coloca as mãos na cintura. - bom, vai me contar o que faz aqui ou não?
     - Cansei de fugir, por isso vou construir aqui o meu espaço, farei uma fortaleza usando a lataria desses carros.
      - Bom, creio eu que vá precisar de ajuda, bom, aqui estou eu, serei seu ajudante.
     Em meses Alberto consegue sorrir do homem com pinta de nordestino a sua frente.      O ex policial limpa o suor da testa e olha para ele.
      - Tem comida? - pergunta o agente.
      - Na moto tenho dois ratos, vamos assá-los?
      - Feito!

3

     No dia seguinte debaixo de um sol forte os dois dão início a construção. Juca e Alberto vão aos poucos dando formas a fortaleza e depois de uma semana ela já tem uma torre de observação e dois alojamentos.
       - Alberto, você ainda não falou qual será o nome da fortaleza. - pergunta cavando.
       - Eu estava pensando em algo como Iron Life, o que acha?
       - Hum, vida de ferro, gostei, Iron Life, sob a liderança de Alberto Tavares.
     Mais uma semana se passou e a Iron Life já está quase pronta com dezenas de abrigos. Alberto está sentado dentro de seu escritório enquanto Juca monta guarda na torre. Ele olha para a rua ao lado quando duas moças se aproximam.
      - Auto lá. - anuncia Juca apontando o trinta dois.
    - Calma, somos pessoas de bem, essa é minha irmã Amanda e eu me chamo Mônica.
      - Mônica e Amanda, o que querem?
      - Abrigo, comida, água. - responde Amanda.
      - Tudo bem, vou falar com meu líder, vou abrir o portão.
    Minutos depois Mônica e Amanda estão diante de Alberto numa conversa de negócios.
      - Bom, aqui em Iron Life tentaremos recomeçar esse mundo, vocês estão dispostas?
      - Sim, claro que sim. - diz Mônica.
      - Bom, sejam bem-vindas a Iron Life.


EM DECOMPOSIÇÃO - Capturados

     Andar pelo pântano a noite foi uma péssima ideia. Ainda mais com pouca munição. Os sapatos estão cobertos pelo lodo e o cheiro do gás entope o nariz. O trio caminha a passos regulares mata a dentro a mais ou menos uma hora. A frente do grupo está              Matias segurando seu facão afiado.
     - Tenho sede. - resmunga Carlos.
     - Temos pouca água, aguente firme. - rebate Matias.
     - Matias, onde vamos acampar essa noite? - Jorge pergunta.
   Pergunta difícil. Matias não consegue ver um bom lugar para que todos possam dormir em segurança. Ele olha ao redor e só vê árvores.
     - Vamos em frente, acharemos um lugar.

     Mais à frente, onde passa um pequeno fio de água entre as pedras o grupo vê um baú de caminha abandonado. Matias, Jorge e Carlos comemoram o achado. Resta saber se é realmente seguro. O líder organiza o pequeno grupo. Cada uma pega uma ponta do baú. Jorge saca sua pistola e Carlos seu rifle de atirador. Matias permanece com o facão erguido. Eles circundam o baú e tudo está limpo.
     - Ufa, graças a Deus hoje podemos dormir sossegados. - diz Jorge.
    - Temos mais um trabalho a fazer. - completa Matias. - abrir o baú e ver o que tem dentro, em suas posições.

      Carlos aponta seu rifle para as portas do baú enquanto que Matias e Jorge as abrem. Quando Jorge terminou a contagem de um a três as portas foram abertas emitindo um forte ruído.
      - Droga, isso pode ter atraído os zumbis. - lamentou Matias.
     A caixa de metal está vazia. Matias saca sua pequena lanterna para olhar o interior e tudo o que ele vê são baratas. Carlos se coloca em posição de guarda olhando para a floresta escura.
      - Estão ouvindo isso?
      - O que? - pergunta Jorge.
      - Rosnados.
      - Deve ser um ou dois, a gente dá conta. - diz matias retirando a mochila das costas.     - eu vou ficar de guarda durante duas horas, depois o Carlos e em seguida você, Jorge, tudo bem?
      - Certo! - Jorge confere a munição da pistola.
    Nesse momento cerca de 60 zumbis aparecem. Carlos anuncia a chegadas dos mortos-vivos gritando. Matias engole seco e pega seu facão. A briga é feia. Três contra um exército de mordedores. Jorge sempre foi bom atirador. Aos poucos ele vai eliminando os mortos acertando as cabeças. Carlos atira e se abriga entre as árvores. Matias vai fatiando com violência todos os monstros que estão a frente. Suas roupas já estão sujas pelo sangue negro e o cansaço começa a bater.

       O confronto desigual segue. A munição de Jorge acabou, resta apenas ele usar suas habilidades como lutador para destruir os mortos. Fazendo uso do karatê ele vai derrubando, socando e quebrando. Num pequeno intervalo entre um zumbi e outro ele consegue ver uma madeira solta perto do baú.
       - Opa, vamos lá.
     As balas do rifle de Carlos estão perto de acabar, por isso ele utiliza um pequeno punhal que achou. O homem é um pouco lento, mas vai dando conta do recado.
       - Venham, seus desgraçados. - vocifera.
      Matias está visivelmente destruído, mas não se entrega. Ele precisa sobreviver, ele precisa encontrar um abrigo melhor para ele e seus companheiros de labuta. Matias luta com três mortos ao mesmo tempo. Sem perceber ele vai se afastando do ponto de partida e quando se dá conta, está perto do rio cercado por mortos-vivos furiosos. O facão gruda no crânio do zumbi desarmando o ex gerente de banco que cai indefeso.
      - Merda! - grita.

      Sem ter muito o que fazer, Carlos e Jorge se juntam na luta.
      - Cadê o Matias? - indaga Carlos furando o olho do morto.
     - Cara, esquece o Matias, ele já era. - responde afundando a madeira no alto da cabeça do zumbi que desaba.
     - Vamos sair daqui, e rápido, estamos cercados. - Carlos corre em direção as bananeiras quando um grupo de zumbis o cerca.
       Sem ter como ajudar o amigo, Jorge continua lutando. Enquanto chuta o rosto já destruído do zumbi ele olha para ver se Carlos conseguiu se salvar, mas, tudo o que consegue ver é o movimento das folhas das bananeiras.

      Amanheceu. Aos poucos a porta do baú vai se abrindo e Jorge aparece olhando ao redor da mata. O cheiro de corpos podres é insuportável. Ele cospe duas vezes e sai com a madeira nas mãos. Sozinho, sem água, sem comida e sem seus amigos. O sujeito vai pulando os cadáveres até chegar nas bananeiras. O que Jorge vê é um monte de pedaços de corpos e vísceras espalhadas. Ele limpa as lágrimas quando escuta um grunhido. A seu lado um zumbi pela metade caído. O homem chuta com ódio várias vezes a cara do bicho que insiste em mordê-lo no pé.
         - Vai pagar pelo que fez com meus amigos. - o último golpe explodiu o crânio do morto.

        Depois de algum tempo Jorge consegue achar a estrada. Muito exausto ele cai no acostamento. Ele permanece ali quase que inconsciente quando escuta o barulho de motor. Seus olhos estão quase fechando e uma picape preta empoeirada para e dois homens descem.
         - Esse aqui está quase morto, vamos matá-lo logo.
      - Não. - diz o rapaz que está no volante. - coloque ele junto com os outros na carroceria.
        Jorge é praticamente arremessado e cai em cima de outro. Criando forças para abrir os olhos, Jorge consegue identificar Matias a seu lado balbuciando algo. Ele olha para a parte de trás da carroceria e vê Carlos amarrado, ferido e desmaiado.
        - Quem são esses caras? - Jorge pergunta.
        - Seremos mortos, amigo.           

sexta-feira, 16 de junho de 2017

João Carlos Taveira


      O traficante olha mais uma vez para o relógio em seu pulso e cospe o cigarro. O lugar é deserto e com grandes árvores que fazem sombra por toda a parte. Local perfeito para uma transação. De repente uma van vem cortando o asfalto irregular e breca quase atropelando o bandido.
       - Mas que merda é essa? - se levanta.
     - Me desculpe chefe. - diz o motorista. - esse carro está com problema sério de freio.
       - Tá bom, agora me diga, trouxe o que eu lhe pedi?
       - Sim senhor. - desce da van e se dirige a parte de trás do veículo.
       - Quantas armas trouxe? - acende outro cigarro.
       - Quinze, pra começar.
    O traficante olha para os comparsas e depois para aquele sujeito desengonçado vestido com macacão de empresa de limpeza. O mesmo abre as portas traseiras da van e mostra a encomenda.
       - Pistolas, fuzis e doze, tá bom ou quer mais?
       - Bom não está, mas, vamos negociar, eu pago cem mil.
       O sujeito dentuço e de olhar penetrante solta uma gargalhada alta.
       - Meu amigo, só a doze custa 300 mil.
       - Tá de sacanagem, tudo isso?
     - Pois é meu chapa, tudo subiu de preço. - olha para o alto. - então, é pegar ou largar?
      O bandido coça a cabeça. Olha para o restante do grupo e depois para o fornecedor maluco. Saca o celular e abre a calculadora. Depois de alguns minutos ele diz.
      - 400 mil e não se fala mais nisso.
      - Tem certeza?
      - Sim, claro.
      - Negócio fechado. Mas antes quero fazer uma contra proposta.
      - Merda, fala logo, isso já está demorando muito.
      - Seus homens estão armados? - fala olhando para cada um deles.
      - Claro que sim.
      - Quero comprar as armas. O que vocês tem ai?
      - Pistolas e uma metralhadora. - diz um dos asseclas.
      - Ótimo, quero todas, ofereço 600 mil em todas, o que acha?
      Um momento de silêncio e olhares desconfiados.
      - Fechado! - diz o chefe.
      - Muito bom, me entreguem por favor.
      O dentuço recolhe todas as armas e se volta para o traficante líder.
      - Foi bom fazer negócio com você, vou pegar a mala com o dinheiro.
   Ele se encaminha para a van e abre a porta lateral de onde desce agentes uniformizados e armados com fuzis e dando voz de prisão.
      - Todos no chão, vamos, vamos.
   O dentuço e desengonçado retira o disfarce revelando o inspetor João Carlos Taveira.      O capitão se volta para ele.
      - Bom trabalho inspetor.
      - Fizemos um bom trabalho. FIM                

sexta-feira, 2 de junho de 2017

EM DECOMPOSIÇÃO - O Primeiro Paciente


  O avião mal pousou e o celular de doutor Ricardo vibrou em seu bolso da camisa. Sua voz grave e impaciente atente depois da sexta chamada.
  - Oi! - diz secamente.
  - Nossa, é assim que você me atende depois de passar uma semana fora? - indaga Laís sua esposa.
  - Laís, desde quando pisei em Hong Kong, você não parou de me ligar.
  - Estou com saudade meu amor, não vejo a hora de te encontrar.
  - Já estou no aeroporto, devo está chegando em casa em meia hora.
  - Legal, vou preparar um jantar delicioso em homenagem a sua volta.
  - Ótimo, vou chamar um táxi.
  Ricardo chama o táxi e Sabrina, uma morena sensual o abraça por trás o beijando a nuca.
  - Era a chata da sua mulher?
  - Opa, veja lá como fala, ela pode ser um porre, mas ainda é a minha mulher.
  - Sim, mas, ela faz o que eu faço? - disfarça e segura nas partes íntimas do médico.
  - Sossega menina levada. - a beija.
  - Você falou que em meia hora estaria em casa, não foi? - lambe a orelha do doutor.
  - Sim, por um acaso tem outra proposta? - acaricia o rosto bonito da morena.
  - Que tal passarmos naquele motelzinho perto do meu prédio, estou excitada.
  - Ótimo.

2

  Os movimentos de Sabrina deixam o médico sem ar. Na cama a mulher é uma amante como poucas. O casamento de Ricardo e Laís já teve dias melhores. Depois de um certo tempo, o relacionamento caiu na rotina e Laís ganhou alguns quilinhos a mais. Sem contar que a mesma já o fez passar vergonha por causa de seus ataques de ciúme. Tudo isso foi deixando o jovem doutor saturado de conviver com Laís. O sexo termina e Ricardo está transpirando. Rapidamente ele se levanta e vai para o chuveiro enquanto Sabrina permanece nua deitada na cama.
  - Quando vamos nos encontrar?
  - Quem sabe no final de semana, eu posso inventar que estarei num congresso. - fecha o chuveiro.
  - Vamos passar um final de semana inteiro transando?
  - Será que eu aguento? - se seca.
  - Vou aprender novas posições. - sorrir.
  - Menina levada.

3

  Ricardo mal colocou as malas no chão e Laís o metralha com perguntas do tipo; como foi a conferência? Como era o hotel onde ficou hospedado? O que comeu? Com quem comeu? Ricardo tenta de todas as maneiras se controlar para não explodir.
  - Tudo bem, tudo bem. Durante o jantar conversamos, estou cheio de fome.
  Realmente conversaram. Laís quis saber nos mínimos detalhes como foram os sete dias em Hong Kong. Depois do jantar, mesmo cansado e sem vontade ele transou com sua esposa e ambos foram dormir. Durante a madrugada Ricardo não parou de tossir. Ele se levanta e vai até o banheiro. Abre o armário e pega o xarope. Tosse mais uma vez e cospe na pia. Seu coração vem a boca ao ver sangue na saliva.
  - Meu Deus!
  Pela manhã Laís foi a primeira a acordar. Antes de se levantar ela beija o ombro do marido e se assusta.
  - Nossa, Ricardo, sua pele está queimando, está com febre?
  Ainda sonolento ele abre os olhos.
  - O que?
  - Você está ardendo com febre, quer que eu peça ajuda?
  - Passei mal a noite inteira. Preciso ir ao consultório resolver algumas questões. - joga o lençol para o lado.
  - Mas, como você vai dirigir nessas condições, você mal se aguenta de pé, melhor   voltar para cama, vou preparar um chá, sei lá.
  Ricardo volta a ter outra crise de tosse e dessa vez mais intensa. No lençol branco ficam alguns respingos de sangue e isso deixa Lais desesperada.
  - Ai meu Deus, você está tuberculoso. Vou buscar ajuda.
  - Laís, não viaja não, eu sou o médico aqui.
  Com o passar das horas as forças do médico foram se esvaindo. A febre aumentou e as tosses tiveram seu intervalo reduzido. O tom de pele de Ricardo passou do branco para o acinzentado. Todo o corpo treme e ele sente frio. Quando Laís voltou ao quarto seu marido estava no meio de uma nova crise de tosse e espasmos. Todo o lençol está sujo de sangue.
  - Ricardo, por favor, o que houve em Hong kong?
  Doutor Ricardo já não consegue mais falar. Tudo o que sai de sua boca são gemidos. Ele se agarra ao travesseiro. Laís corre e pega o celular. Tremendo ela disca o número da emergência. Ela volta a olhar para o marido que revira os olhos. Chorando ela volta para a cama e se abraça ao jovem médico que rosna.
  - Não, Ricardo, o que está havendo com você? Não.

4

  Foi preciso amarrar o doutor na maca. Mesmo preso por gazes ele se debate e rosna salivando.
  - Eu nunca vi uma coisa dessas, será raiva? - diz o socorrista.
  Com muita dificuldade é aplicado um medicamento em seu braço. Lais volta a chorar quando as duas portas da ambulância são fechadas. Mesmo desarrumada ela faz questão de acompanhar o marido até o hospital. Durante o percurso ele se debateu bastante. A enfermeira tenta a duras penas mantê-lo calmo. Em choque Laís fala com o marido e acaricia seus cabelos. De repente aquele homem bonito e atraente se transformou num horrendo animal que rosna e grunhe. Finalmente o hospital. O médico é levado as pressas para o centro médico ainda em estado crítico. O doutor que o atende se espanta em ver o aspecto de seu colega e agora paciente.
   - Meu Deus, mas, o que ele tem?
   Todos estão em choque e ninguém sabe direito o que fazer. O estado de Ricardo piora a cada instante e por fim, seus olhos se tornaram grandes esferas brancas sem vida. Ele olha para as pessoas ao redor e tenta atacá-las. Uma das amarras se rompe e doutor Ricardo segura com força a enfermeira que o tratou dentro da ambulância. Ela é puxada e mordida. O reflexo da mordida foi tão forte que houve laceração.
   - Nossa, você está bem?
   - Não. A mordida está ardendo muito, parece brasa.
   - Vamos aplicar mais sedativos. - ordena o médico.

  Com muito esforço Ricardo é novamente amarrado na maca. Os sedativos não causaram efeito algum e ele continua tentando atacar as pessoas. A enfermeira foi socorrida e não passa nada bem. Muita febre e mal estar. Aos poucos ela vai perdendo os sentidos e desmaia. Sozinha, Débora cai no vestiário sem ninguém para ajudar.
   Doutor Walter conversa soturnamente com Lais que ainda chora.
   - A senhora sabe exatamente o que aconteceu com o seu marido?
  - O Ricardo é médico e ele passou uma semana num congresso na China. Lá ele participou de experimentos, viu testes e tudo mais, é só o que sei.
   - Experimentos? - coloca a mão no queixo.
   - Sim, por que? - funga o nariz.
   - Seu marido não está nada bem, ele mordeu minha enfermeira a ponto de arrancar pedaço e a menina está muito mal. Ele está muito agressivo, não consigo fazer exame algum nele.
   - O que o senhor pensa em fazer?
   - Pra ser sincero. - olha para a loira a sua frente. - não sei, lamento.

5

  Doutor Walter conversava com Lais quando um corre corre deixa a todos apavorados.   Os guardas de plantão são acionados.
  - O que está havendo? - Walter pergunta.
  - A enfermeira Débora está atacando todo mundo. - responde um segurança.
 Dentro da unidade hospitalar o caos está instaurado. Algumas pessoas foram mordidas e estão caídas gemendo. Débora morde no pescoço uma funcionária. O sangue jorra manchando a parede. Os guardas cercam o corredor e tentam dialogar.
   - Enfermeira, somos nós, lembra. - saca o cassetete.
   Os olhos de Débora estão brancos e ela rosna salivando. A enfermeira corre pra cima do homem uniformizado e o morde no braço. Sem ter muito o que fazer ele bate com o cassetete em sua nuca. Ela não cai.
   - Ai, meu Deus.
  Um outro chega e aplica outro forte golpe, dessa vez no rosto. Débora cai e imediatamente se levanta grunhindo. Fora de controle, tudo fora de controle. Um PM chega sacando sua arma. Walter tenta impedi-lo.
   - Você não pode executá-la.
   - Doutor, será apenas um tiro para parar a ação dela.
   Débora morde outro guarda quando é alvejada com um tiro na perna. Ela manca, mas não cessa com os ataques.
   - Que diabos é isso. - diz o PM.
   Outro tiro na outra perna e a enfermeira continua ameaçando. Apavorado o agente a acerta no peito e ela continua de pé. Walter sente todos os pelos do corpo ficarem arrepiados. Mais disparos no peito, abdome e pulmão. Nada. O hospital aos poucos vai sendo evacuado e reforços policiais vão chegando. Mais pessoas com os olhos brancos e que rosnam vão surgindo. A imprensa já se posicionou na frente do hospital e faz cobertura ao vivo dos fatos.
   - Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com essas pessoas. - diz o jornalista freneticamente ao microfone. - tudo o que se sabe é que um paciente deu entrada hoje pela manhã apresentando um quadro crítico que deixou a todos apavorados.
   Enquanto rolava a matéria mas tiros foram ouvidos. Gritos de pavor e muito corre corre. Lá dentro o inferno acontece nos corredores frios. A PM cerca o local sem ter muito o que fazer.
   - Vamos recuar, senhor?
   - Nada disso, vamos manter a resistência. - grita o sargento.
   Um dos policias é atacado e morto. Ao ver o colega de farda ser devorado ele não tem alternativa. Ele atira acertando a cabeça. A pessoa cai.
   - Veja, é só acertar a cabeça.
   - Vamos atirar então. - vocifera um soldado.
   - NÃO! - grita doutor Walter. - meu hospital não será palco de execuções sumárias.
   - Doutor, com todo o respeito, isso aqui é o inferno e eles são os demônios. - diz o sargento da PM. - atirem na cabeça desses bicho.
   Enquanto os pacientes são executados um a um, Walter tampa os ouvidos e chora.
   - Não são bichos, são pessoas doentes, meus Deus, por que?

   Ricardo ainda se debate na maca. Seu rosto está mudado e não lembra nem de longe aquele homem exuberante que era. Um PM acompanhado por um outro médico entra na sala.
   - Faça o seu trabalho policial.
   - Deixa comigo, doutor.
  Um único tiro na testa e Ricardo em fim cessa os rosnados. Fim de história. Muito sangue e massa encefálica nos corredores. Walter chora compulsivamente em seu escritório. Realmente houve uma carnificina generalizada. O país todo está em alerta.     A todo instante a chamadas nas emissoras de TV. O governador veio a publico pela primeira vez.
   - Não há motivo para pânico, estamos de olho. Deixe conosco, tudo está sob controle.

    Longe do local onde o governador fala, num corredor de um prédio singelo alguém tem as vísceras devoradas por uma morena sensual. Ela escuta o barulho que as crianças fazem no playglound e corre na direção do som. Sabrina ganha a parte externa do prédio com seus olhos brancos e o rosto transformado. FIM