sábado, 25 de junho de 2016

O Senhor dos Uivos



O corpo se encontra destroçado no quintal da humilde casa. A esposa é consolada por conhecidos e filhos. Por falar em filhos, o mais velho dos cinco está revoltado andando de um lado para outro em seu quarto.
- Eu mesmo vou dar fim a esse bicho. - abre o guarda-roupas. - viu o que ele fez com meu pai?
- Nada podemos fazer, o bicho é mais forte que a gente. - disse o mais novo.
- Essa noite, antes do corpo do nosso pai esfriar debaixo da terra, esse animal estará morto também.

O corpo, alias, o que sobrou dele, é sepultado. Virgínia chora agarrada aos quatro filhos, Naldinho se encontra afastado limpando as lágrimas que teimam em descer.
- Maldito monstro! - resmunga.

Na madrugada fria o menino se abriga na torre da única igreja da cidade. A espingarda carregada está apoiada próxima do sino. As ruas estão vazias, ninguém se atreve a sair de casa. Naldinho olha o relógio mais uma vez, 02:45h. Boceja. De repente um uivo faz seu corpo se arrepiar. Será um cachorro? Ou o lobisomem? Ele pega a arma, se deita e aponta a espingarda. Outro uivo. O coração acelera. Faz o sinal da cruz.
- Acabou seu bicho maldito!

Do nada o lobo cruza rapidamente de uma calçada para outra. Naldinho nunca havia visto nada igual. O bicho anda de pé, tem o corpo coberto por pêlos e focinho. Uma imagem infernal. O garoto se vê tentado a desistir, mais o sentimento de vingança é maior. O monstro uiva com fome. Quem seria essa criatura? Naldinho desce da torre e ganha a rua. O suor escorre da testa, a respiração é entrecortada. Ele vê o lobisomem pular no meio dos sacos de lixo. Respira fundo e caminha até lá. Com passos vacilantes Naldinho fica cerca de 500 metros do bicho que de pé alcança quase dois metros. Ele dispara. Distraído o lobisomem tem a pata ferida. O garoto se assusta com o olhar da fera para ele.
- Meu Deus!

Realmente os olhos vermelhos do homem lobo é de fazer gelar. Naldinho corre e o bicho vai atrás rosnando espalhando saliva pelo ar. Enquanto corre ele não consegue pensar em nada a não ser sobreviver. Naldinho vira a espingarda que era de seu pai, apoia a garruncha no ombro e dispara. Claro que ele errou. O monstro continua de pé e com uma fome voraz.

Naldinho comete outro erro, entra numa rua sem saída e tropeça feio. O tombo lhe causou alguns machucados dando uma oportunidade de ouro para o homem lobo que voa em cima do corpo do adolescente. Apontando a espingarda pra cima ele atira. As unhas poderosas do lobo arranham seu peito e rosto. O garoto grita e pede por socorro. O cano da arma entra na boca do animal, Naldinho atira explodindo a cabeça. A fera tomba para o lado com espasmos e cuspindo sangue.

A ronda noturna da cidade chega na rua sem saída e vê dois corpos no chão.
- Nossa, vejam aquilo. - diz o sargento.
Os homens fardados descem da viatura.
- Padre Severino e o filho do finado Agnaldo, meu Deus! - diz o cabo se abaixando. - o garoto está vivo.
- Chame a ambulância. - ordena o superior.
- Quer dizer que o bicho era o padre, quem diria.

Naldinho abre os olhos. As imagens estão desfocadas. Os ferimentos causados pelas unhas do lobisomem ardem muito e ele sente frio, muito frio. A ambulância chega finalmente. FIM       

sexta-feira, 17 de junho de 2016

12 de Junho (série completa)


As horas passaram devagar. Roberta trabalhou o dia inteiro pensando no encontro com Mario mais tarde. Logo Roberta que sempre foi ansiosa, sempre sofreu antecipadamente. Quando adolescente ela viveu de um terrível mal chamado complexo de inferioridade. Para Roberta, todas as meninas de sua idade em seu bairro ou escola eram melhores do que ela. Talvez por que seus pais sempre foram religiosos conservadores e a criaram dessa forma até ela chegar a idade adulta. Hoje tudo é diferente, porém e o complexo diminuiu só um pouco. Roberta continua não gostando muito de maquiagem e ainda prefere o coque como forma de penteado. Tirando a cafonice, Roberta até que é bonitinha.

Fim de expediente, finalmente falta pouco para o encontro de sua vida. Será que hoje rola? Roberta corre para casa onde sua velha mãe a aguarda para a reza das seis. A moça de cabelos longos e loiros chega na humilde casa ofegante e louca por um banho.
- Betinha. - diz dona Helena. - mais uma vez você se atrasou para a oração, o que está havendo com você?
- Mãe, infelizmente hoje também não ficarei para o jantar, tenho um compromisso. - disse jogando as bolsas no sofá.
- Mas, Betinha, para onde você vai?
- Mãe, depois lhe explico.

Na porta do shopping Mario olha mais uma vez para o relógio em seu pulso. Olha também para a rua e nada de Roberta até agora. Mario é um jovem simpático com jeito de esportista, mas só no jeito mesmo. Estudante de direito, Mario pretende seguir a carreira de sucesso do pai como advogado. Na escola ele era disputado quase que a tapa pelas meninas. Quando conheceu Roberta, inicialmente eles eram amigos, Mario jamais imaginou se apaixonar por aquela garota sem graça com pinta de freira. Algo aconteceu e seu coração de repente se viu envolvido por ela. O que realmente incomoda Mario é justamente o estilo de Roberta. O coque é algo que ele não perdoará se ela vier com ele. Coque não.

Com muito sacrifício e depois de várias explicações, Roberta está na rua, com o habitual coque pra lá de perfeito. Graças a Deus o ônibus chegou logo. Meio atrapalhada ele sobe e com muita sorte havia um lugar vago. Vinte minutos depois ela desce no ponto a 500 metros do shopping e se encontra com Ana, uma colega da época de escola.
- Betinha, que surpresa, como você está?
- Bem, e você? - mal olha para Ana.
- Estou muito bem, e você sempre com esse jeito quietinho não é, está namorando?
Roberta ruboriza.
- Ainda não, estou indo para um encontro.
Ana aplaude empolgada.
- Que legal, mas você vai desse jeito?
Roberta torce a cara.
- Desse jeito como?
- Assim, sem nenhuma produção, e esse coque horrível!
- Bom, se ele realmente gosta de mim, terá que me aceitar do jeito que sou. - Betinha mexe nas unhas.
- Venha, vou dar um jeito rapidinho em você.

Ana leva Roberta para um canto vazio da rua. Saca da bolsa espelho, batom, algumas bases e maquiagem. Cinco minutos depois Roberta já está irreconhecível.
- Vamos soltar esse cabelo?
- Bom, tem certeza. - diz acanhada.
- Leoa, pronta para caçar. - ambas dão risadas.
Rapidamente Ana solta as madeixas e Roberta de repente se torna uma mulher linda, atraente e iluminada. Ela se olha no espelho e não se reconhece. As lágrimas desce.
- Não borre a maquiagem. - diz Ana sorridente. - agora você é uma nova mulher, vá lá e agarre seu gato.

Mario prende a respiração. Ele não acredita que Roberta lhe deu um bolo. Olha o relógio e começa a caminhar. À sua frente Roberta sorrir para ele desconfiada.
- Mario?
- Roberta? - engole seco.
- Estava indo embora? - abaixa a cabeça.
- Não, quero dizer, sim, sei lá. - segura no queixo da diva. - você está linda.
- Obrigado!
- Vamos entrar?
- Sim!

Foi um encontro maravilhoso, principalmente para Roberta que graças a Ana ela descobriu uma outra mulher dentro dela. Mario ficou satisfeito. Se ela viesse com o coque, com certeza esse encontro seria o primeiro e o último. No final da noite, no portão da casa de Roberta o encontro foi selado com um beijo apaixonado. FIM

Eternos namorados

Depois de vinte minutos procurando a chave do carro, finalmente Marcos a encontra embaixo das roupas jogadas no sofá. A casa é uma desorganização total, se Glória estivesse ali as condições da casa seriam outras. Logo no primeiro encontro Marcos se apaixonou pela mulher radiante de grandes olhos claros e cabelos incrivelmente negros. Conversaram um pouco antes do pedido chegar no restaurante e em seguida, após a sobremesa, o gerente de banco a pediu em namoro, coisa que Glória aceitou de cara. Se beijaram ao som de Elton John no volume médio.

Glória realmente era uma mulher a beira da perfeição, bem humorada, gostava do que fazia como dona de buffet. Como empresária gostava das coisas muito bem organizadas. Era independente e mesmo com a vida estabilizada, fazia planos para o futuro até que uma doença grave fez com que Glória parasse um pouco no tempo. Foi terrível. Ela não aceitou essa situação e precisou Marcos interferir.
- Vá se cuidar!
- Mais meu bem, e o nosso casamento?
- Ele vai acontecer fique tranquila. - a beija na testa.

Glória precisou ser internada. Viva chateada e só melhorava o humor quando seu grande amor a visitava. Ali, no quarto gelado do hospital eles faziam planos, organizaram as coisas para o casamento como, convidados, padrinhos, o buffet por que não o vestido. Glória sorria, brincava e beijava seu amado.

Marcos está pronto para mais uma visita. Seu carro passa pelos portões. Dessa vez ele trouxe flores, Margaridas, as preferidas de Glória. O dia é nublado, mas não importa. Dia doze de Junho, dia especial. Depois de alguns minutos andando lá está ela. Marcos passa o dedo na foto empoeirada de Glória em cima do túmulo.
- Bom dia meu anjo, feliz dia dos namorados, trouxe flores. - as deixa perto da cruz. - pois é, cinco anos sem você, cinco dias dos namorados sem sentir seu cheiro. Passamos pouco tempo juntos, mas valeu a pena cada minutos. Sinto sua falta, mas estou bem, queria que soubesse disso. - limpa as lágrimas. - eu já vou indo. Fique em paz.

Marcos deixa o cemitério e antes de entrar no carro ele alisa a aliança que reflete a luz fraca do sol. FIM

Meu ex

Um ano, apenas um ano sem ele. O motivo do nosso rompimento eu já nem lembro mais. Por mais que eu me esforce, não consigo me lembrar. Tudo o que sei é que a saudade bate forte machucando minha alma. As tardes de Sábado nunca mais foram as mesmas. Quando passo em frente ao shopping, me recordo dos momentos felizes que passamos ali. Compras, cinema e lanches. As noites de Domingo estão vazias e sem graça sem as piadas dele. O meu quarto se tornou um deserto sem a presença do meu Nando. Como esquecer tudo isso? Como deixar morrer momentos primorosos. O gosto do beijo já não sinto mais. Um ano sem ver aquele rosto cumprido de barba rala. 365 dias sem ouvir o “eu te amo” toda vez que nos despedíamos pelo telefone. Preciso me acostumar com a ideia de que Nando é uma página virada em minha vida. Infelizmente.

Doze de junho, dia dos namorados e eu aqui sem o abraço de Nando. Saio de casa e ando de pressa mesmo sem pressa. De cabeça baixa tudo que ouço é o som dos meus sapatos em contato com o asfalto. De repente levanto minha cabeça e dobrado a esquina vejo Nando vindo trazendo na mão esquerda meia dúzia de flores. Meu coração vem a boca e minha cabeça gira como um tornado. Diminuo o passo e sinto meu rosto queimar. Um ano depois. Nossa, ele cortou os cabelos e acho que tirou o aparelho dos dentes também. Está muito bonito. Faltando alguns metros para o impacto, ele dobra e entra em outra rua, mas antes disso ele acena rapidamente para mim. O que fazer? As flores não eram minhas.

Eu tento, juro que tento resistir em parar para ver quem é a nova namorada de Nando. Não resisto. Paro na esquina e vejo Fernando entregando as flores para uma menina que veio morar no bairro a pouco tempo. Chega, é muito torturante para mim assistir ao beijo. Antes que ele aconteça vou andando. Não chego a dar vinte passos quando escuto um “psiu”. Olho e é Nando atrás de mim com aquele mesmo sorriso safado de sempre.
- Oi? - digo.
- Como tem passado?
- Bem, e você? - pergunto entre os dentes.
- Ralando bastante. Você está indo para o curso não é?
- Sim, e por falar nisso estou em cima da hora. - nos olhamos. Encho os pulmões de ar e pergunto. - como vai o namoro? - Nando franze o cenho para mim.
- Namoro?
- Isso, namoro!
- Não estou namorando.
- Ué, e aquelas flores na sua mão, você as deu para a Gabi da outra rua, não foi? - Nando sorrir.
- Eu só as entreguei, estou fazendo um bico na floricultura como entregador hoje.

Sem graça me despeço de Nando. Que vergonha! FIM




sexta-feira, 10 de junho de 2016

A viagem do Medo

O terminal ferroviário costuma ficar deserto aquela hora da noite, ainda mais no inverno gélido da Europa. É possível contar nos dedos de uma mão as pessoas que ali esperam a chegada da composição. Enfiado em seu sobretudo preto está Antony, um cidadão pálido de cabelos lisos e bem cortados. Sem barba e sem bigode, Tony como é conhecido, faz o coração de qualquer donzela derreter. A cada respiração vapores saem de suas narinas e boca. O frio é infernal às quatro da manhã.

Os grandes olhos verdes e boca bem desenhada o deixam mais semelhante à pintura de um grande artista. Bonito, essa é a definição de Antony. Finalmente a composição chega quebrando o silêncio sepulcral da estação. As portas se abrem e Antony entra. Ele ocupa um acento preferencial para idosos, obesos e mulheres grávidas ou com crianças de colo. As portas se fecham. O trem dá a partida. Ainda está escuro, só é possível ver as luzes passando como borrões. Mesmo estando de luvas, Antony sente frio nas mãos. Uma senhora de aproximadamente 70 anos senta no banco a sua frente e começa a fazer crochê chamando a atenção do belo homem.

A velha continua a fazer sua arte quando uma crise de tosse a tira a concentração. Em seu pescoço cria-se uma veia grossa. Os olhos de Antony de verde se tornam vermelhos. Suas unhas crescem e ele saliva. Sim, Antony é um vampiro. Ele precisa se controlar para não voar no pescoço da senhora e sugar todo o seu sangue. Finalmente a velha para de tossir dando paz ao noturno.

Antony precisa chegar ao seu destino antes do amanhecer. Só de pensar na luz do dia ele se arrepia dos pés a cabeça. Novamente ele volta a se distrair com a paisagem. Uma menina de feições delicadas curiosamente se senta ao lado do vampiro. Antony se mostra impaciente e tenta não dar importância.
      - Oi! – a voz da menina é baixa e rouca.
      - Oi! – assim mesmo, seco.
      - Bastante frio não acha?
      - Um pouco. – continua com os olhos fixos na janela.
      - Pra onde está indo? – essa pergunta faz Antony bufar.
      - Quem quer saber?
      - Joana, prazer.
      - Antony.
      - Bonito nome, assim como você.
      - O que você quer menina? – Antony altera o tom de voz.
      - Que você coloque a mão aqui. – aponta para os seios. Antony fez o que você leitor fez agora, franziu a testa.
      - Isso é alguma brincadeira?
      - Não, falo sério, eu apostei com algumas amigas que eu convenceria você de colocar a mão nos meus seios, todas elas te acham um gato. – finalmente Antony sorrir.
      - Essas coisas só acontecem comigo, é só isso mesmo?
      - Só isso.
Antony sente que seu café da manhã será antecipado, Joana além de muito apetitosa é muito nova, isso indica sangue novo na parada.
      - Tudo bem então.
 A velha para de fazer crochê e contempla um homem apalpar os seios de uma menina, e na frente de todos. Que falta de respeito.

Antony sente em sua mão enorme os seios pequenos e duros. Seus caninos começam a crescer dentro da boca. De repente o vampiro solta um grito agudo e atormentador. Rapidamente ele retira a mão dos peitos da menina. Joana rir. Ele olha para sua mão e ela está queimada. A queimadura tem uma forma de cruz. A menina abre a blusa e além de mostrar o par de seios médios, ela mostra também o crucifixo com a imagem de Cristo nela.
        - Me ajude! – Antony solta grunhidos e sua mão começa a derreter.
A senhora fica apavorada ao ver tal cena. Joana rir e seu rosto toma feições de uma anciã de quase mil anos.
        - Vanuzzia, sua bruxa ordinária, como me encontrou?
        - Lembra, quando me colocaram na fogueira e eu jurei voltar para me vingar de você seu miserável, muito bem, se passaram 600 anos mais eu te encontrei, agora você vai para o inferno se juntar aos seus.

O corpo de Antony vai se deteriorando aos poucos assustando a pobre velha que não acredita no que seus olhos estão vendo. O cheiro é nauseante. A composição para na plataforma e Vanuzzia desce sorrindo, feliz por completar sua vingança. Ela olha para trás e só o que vê são as roupas pretas do vampiro fumegante. FIM