terça-feira, 13 de julho de 2021

Noite Vermelha

 


Noite

Vermelha

 

Outubro de 2019 às 22:47. Aldeia de Todos os Santos.

Gritos. Súplicas. Pavor. Mordidas vorazes e muito, mas muito sangue jorrando. Em meio ao suplício dos seres humanos ali com suas carnes laceradas, uma voz grave, feminina, fazendo ecoar sua gargalhada nojenta banhada a sangue quente, parece melodiar. Ela gosta do que vê, se nutri daquilo. Ao ver que uma criança sobreviveu ao mortal ataque de seus demônios, ela mesma se encarregou de por fim ao sofrimento do infante. Pobre garoto. Chora ao ver que um de seus bracinhos não está mais ali, não poderá mais brincar de carrinho feito de lata de leite em pó. Ele chora porque dói, ele chora procurando seu pai e sua mãe e também porque viu sua irmã sendo decapitada por um deles na sua frente. A dona da risada maligna pousou lentamente logo atrás do garoto. Caminhou arrastando seu vestido de noiva pelo chão barrento manchado pelo sangue que escorre do menino.

— Pestinha!

Suas unhas entraram no crânio do garoto. Seu gritinho é de cortar o coração.

— Aonde pensa que vai?

O menino não respondeu, apenas treme o corpo inteiro. O ser diabólico só parou quando suas unhas se encontraram com o osso. O menino sentiu a morte chegando. Ela o ergueu sem esforço algum e o mordeu. O reflexo da mordida foi tão forte que separou a cabeça do restante do corpo. O sangue ela bebeu. Estava delicioso. Feito isso ela jogou os restos mortais do menino junto aos demais cadáveres. Uma voz a chamou atenção.

— Vanizi?

Na mesma hora ela se virou e lhe prestou honra.

— Minha senhora!

— Nosso trabalho aqui já terminou.

— Ainda havia um sobrevivente, senhora, mil desculpas. — se ajoelhou.

Luamar sorriu ao ver o gesto de sua súdita e acariciou seus cabelos longos e ruivos.

— Ficarás em meu quarto hoje, amada, o que acha?

— Será uma honra, senhora.

Suas asas se abriram e ambas levantaram voo de mãos dadas.

 

Época atual.

Clóvis deixou a base de comando sozinho dirigindo o jipe. Suado, cansado, e principalmente respirando ódio, ele foi até um dos postos avançados. Parou o veículo de qualquer maneira e desceu pisando forte no asfalto com seu coturno surrado. O soldado de serviço na entrada abriu o portão.

— Alguma alteração durante a noite, soldado?

— Não, tenente.

Clóvis entrou e subiu às escadas correndo. Lá em cima, na torre, outro soldado monitora parte da estrada.

— Temos um trabalho a ser feito. — disse Clóvis tirando do bolso da farda um mapa, todo rabiscado com tinta vermelha. — dormimos no ponto, ela atacou outra vez.

— Merda! — esbravejou o soldado.

— Coloca merda nisso. Luamar quer fazer com o mundo o mesmo que fez em Todos os Santos. Não vou deixar. Partiremos essa noite. — abriu o mapa em cima do teclado do computador.

Antes de falar o rapaz pigarreou.

— Senhor, estamos em quantos. Me desculpa por perguntar.

Pego de surpresa, o tenente olhou para a janela com um sol fritando lá fora.

— Não muito. — respondeu entre os dentes. — no último conflito às baixas foram absurdas.

O soldado também abatido olhou para o superior e depois para o mapa.

— Luamar é poderosa.

Tenente Clóvis teve que admitir.

— Muito! — soltou a respiração. — muito bem. Atacaremos a gruta usando granadas. Quero a ponto cinquenta posicionada bem aqui. Temos que agir rápido senão estaremos perdidos.

— Senhor, e quem vai entrar na gruta?

Clóvis dobrou o mapa e o guardou no mesmo bolso da farda.

— Eu. Eu quero ter o prazer de entrar lá e cravar uma estaca no peito daquela vadia do inferno. — desapareceu descendo às escadas.

Teles ficou ali, parado, pensando em tudo que viu e ouviu. Ele confia em Clóvis, sabe de seu potencial. Assim como muitos, Teles também perdeu pessoas que amava no genocídio em Todos os Santos há dois anos. O soldado reconhece o superioridade do tenente, mas ainda assim ele é um homem, tem seus temores e falhas. O mundo foi acometido por esse mal vindo das profundezas e até hoje ninguém sabe ao certo como combatê-lo. Crucifixo? Alho? Estaca ou água benta? Tudo isso funciona, mas os inimigos são poderosos e parecem brotar da terra. Teles voltou a monitorar, porém, dessa vez com um pouco mais de esperança depois da visita inesperada do tenente.

 

*

 

Vanizi realiza em sua senhora um sexo oral daqueles de fazer qualquer um puxar os lençóis da cama. Ela é muito boa nisso. Luamar chegou ao clímax apertando a cabeça da vampira com às coxas.

— Uau!

Vanizi sorri.

— Peço Alencar para se juntar a nós?

— Não. — fechou o baby Doll branco transparente. — preciso dele forte. Os humanos já devem estar se preparando para outro ataque a gruta. Aquele Clóvis é mesmo teimoso.

Vanizi se levantou e se vestiu com o roupão.

— Ele é o coração da tropa, precisamos acerta-lo. Clóvis é apenas um homem, mas já exterminou muito de nós.

Luamar ajeitou os travesseiros e se deitou.

— Vou deixar que Alencar faça esse trabalho. Feche a porta quando sair.

— Sim, senhora.

Vanizi, a segunda mulher no comando, a noiva de Luamar. Jovem, bonita, possui olhos grandes cinzentos e uma boca, ah, que boca! Ela deixou a dependência da líder e caminhou pelo corredor escuro indo direto ao setor de comando. Alencar está deitado, olhos fechados e ao lado do caixão uma taça com sangue já coagulado.

— Como vai, capitão?

O vampiro abriu os olhos e ao ver que se tratava da ruiva, abriu um sorriso contagiante.

— Olá! Como foram as coisas por lá?

Vanizi se jogou no sofá sorrindo.

— Há, a nossa senhora é uma mulher maravilhosa. Sou uma privilegiada.

Alencar levitou e pousou no centro da sala. Vanizi ficou a admira-lo e não é por menos. O líder da segurança da gruta tem um físico de dar inveja a qualquer fisiculturista premiado. Seu corpo moreno escuro é uma verdadeira aula de anatomia sem falar no rosto cumprindo e quadrado. Vanizi sempre foi louca por ele, mas nunca quis admitir isso.

— Mas e você, gosta do que faz?

A vampira cheirou às mãos.

— Bom. Pelo menos ela cheira bem.

Ambos caíram na gargalhada, mas logo o assunto saiu da informalidade. Alencar precisa manter o lar da imperatriz dos vampiros seguro, precisa manter a tropa em alerta contra o exército humano e principalmente contra Clóvis. O último ataque foi um sucesso. Sangue fresco a vontade. Todo o santuário foi abastecido e para isso houve o sacrifício de dezenas de vidas naquele bairro.

— Clóvis tentará de tudo para uma nova invasão a gruta. Deixarei sentinelas dentro e fora. A ordem é destroçar até os ossos.

— Nosso inimigo não é só forte, é inteligente também, não se esqueça disso. Luamar confia no seu trabalho, mas...

Alencar cruzou os braços e arqueou às sobrancelhas.

— Mas o que?

— Mas nada. — se levantou. — só estou dizendo que Clóvis é perigoso e está com ódio.

— Pode deixar, minha cara, farei ele enfiar esse ódio todo na bunda dele. — riu.

 

*

 

Tenente Clóvis, militar exemplar, patriota, guerreiro incansável na luta contra os noturnos. Antes do surto o qual foi chamado de invasão V, o tenente seguia com sua vida normal de chefe de família. Clóvis tinha uma esposa, dois anos mais nova do que ele e uma filha de três anos. Ana tinha problemas e não conseguia engravidar, precisou passar por uma série de tratamentos até a boa notícia encher de alegria o coração de amigos e familiares. Luísa chegou trazendo novos rumos para a jovem família Lopes. O tenente fez planos juntamente com sua esposa de ter mais um filho quando tudo aconteceu. Não deu tempo. Aliás, tudo foi tão rápido que até homens preparados como Clóvis não tiveram tempo de reação. Os vampiros surgiram sugando e matando. As jugulares foram rompidas. Pessoas normais se transformaram em seres das trevas. Pessoas boas, amáveis, gente como Ana. Foi terrível. Sua amada se juntou ao exército de noturnos e...

— Ana, sempre te amarei.

Foi o que Clóvis falou quando a viu se reduzir ao monte de cinzas incandescente. O militar jurou para ele mesmo que, enquanto houvesse nele vida, se empenharia em combater essa raça infernal.

Junto com mais dois soldados ele entrou no setor de serralheria e caminharam lado a lado até onde às barras de aço estão estocadas. Não há muitas, mas é o que se tem no momento.

— Nosso material bélico não será o bastante, então sugiro que usemos armas brancas. — disse o tenente.

— Que tal lanças? — completou o soldado mais próximo.

— Exatamente. Assim podemos acerta-los durante o voo. — limpou o pó das mãos. — em quanto tempo teremos as armas?

— Em três horas, no máximo quatro, senhor.

— Ótimo. Façam em duas horas e meia. — saiu.

 

*

 

O dia terminou. Foi um dia de sol forte, abafado, com direito a pele pegajosa. Clóvis saiu de sua sala usando uma farda de combate. Seu rosto magro estava pintado com as cores do exército. Antes de falar ele ajeitou sua boina e vislumbrou a tropa. Quanta responsabilidade nas mãos de um só homem. O peso disso tudo ele só sentiu agora.

— Nossa casa foi destruída e invadida por seres superiores. E o que nos resta fazer? Sim. O combate é o que nos resta e isso faremos. Em 2019 centenas de vidas do vilarejo de Todos os Santos foram dizimadas por Luamar e seus demônios. Assim como muitos aqui, eu tinha parentes lá. Foram mortos. Eu não sei vocês, mas eu quero vingança. Não há outra palavra. Vingança. — berrou.

Cinquenta homens gritando e erguendo suas armas. Brados de guerra ecoam nas paredes daquele pátio gigantesco.

— Vamos lá! — ordenou Clóvis.

 

Um vampiro entrou na gruta carregando uma mulher que acabara de capturar na estrada. Ele a trouxe como forma de oferenda a sua senhora. A moça se encontra desmaiada e tem os dois braços machucados.

— Minha senhora, trago-lhe essa jovem em sinal de minha total devoção a ti.

— Hum, o que temos aqui. — se levantou da cama.

Luamar é um espetáculo a céu aberto. Linda, cabelos negros, quase azuis, lábios finos e um corpaço. Tudo nela chama atenção. Tudo nela é exagerado. Bunda grande, seios fartos, quadril largo. Enfim. Uma gostosura de fêmea.

— Ela ainda respira. — olhou para o vampiro. — obrigada. Você receberá sua recompensa por esse feito. Já pode sair.

A jovem foi deixada no chão. Com um gesto de mão, a vampira imperatriz a fez flutuar. A mulher acordou em pleno voo.

— Jesus Cristo! — gritou.

Luamar tapou os ouvidos e se irritou.

— Maldição!

— Eu clamo, por favor, me deixe ir.

Desconcentrada a noturna fez com que sua prisioneira caísse de uma altura de dois metros. O corpo produziu um barulho surdo ao bater no chão. Sentindo uma forte dor no braço devido a queda, a mulher ainda tentou fugir, mas foi aprisionada por uma energia sinistra produzida por Luamar que se manifestava através de suas mãos. Ela não consegue mover um músculo sequer.

— Você foi oferecida a mim. Entenda, minha querida. Nós, os seres mais poderosos já dominamos o seu mundo. Acostume-se com isso.

A vampira afastou os cabelos da prisioneira do pescoço e salivou ao ver a veia pulsante. Imediatamente seus dentes cresceram e sua aparência passou da beldade para a satânica num toque de mágica. A mordida foi profunda. Luamar sorvia a vida da garota enquanto que a mesma lutava entre espasmos agoniantes.

— Mudei de ideia. — deixou o corpo de sua vítima cair outra vez. — gostei de você, do seu cheiro. Você me será bastante útil aqui na gruta. Vamos, querida, levante-se para uma nova vida.

Seguindo as ordens de sua senhora, a nova noturna se ergueu com seus olhos amarelos e caninos crescidos. Ela se prostou ante ao poderio da Imperatriz que lhe concedeu sua maldição.

— Agora vá se juntar ao restante. Temos uma batalha vindo por aí.

 

*

 

A gruta. A casa de Luamar e Cia. Vista de longe não chega a causar tanto pânico, porém de perto é possível sentir toda carga maligna vinda de lá. Tenente Clóvis ficou de pé no jipe. Pegou seu binóculo. Ficou um certo tempo olhando. Teles aguardava o próximo passo a ser dado na condução do veículo. Na verdade ele não gostaria de estar ali. Ninguém. Nem mesmo Clóvis. O mundo foi infestado por vampiros e algo precisa ser feito, mas todos sabem que é uma luta desigual. Clóvis finalmente falou.

— Teles, chame o pelotão sul, avise que é para atirar na torre. Vamos tirar deles qualquer comunicação.

— Sim, senhor.

Um foguete foi lançado. O vampiro que lá estava foi incendiado juntamente com a torre. Outro foguete disparado com destino ao muro lateral. A explosão fez voar pedaços de alvenaria por todos os lados. Cinco noturnos saíram da parte de cima da gruta voando a uma velocidade absurda. A ponto cinquenta foi acionada.

— Acabe com essas pragas, agora. — disse o líder do pelotão sul.

O poder de fogo da arma intimida, mas mesmo assim os demônios seguiram com o ataque. O da ponta foi rasgado ao meio espalhando seus órgãos no ar.

— Um já foi de ralo.

Os militares posicionados em pontos estratégicos auxiliaram o grupo atirando com fuzis e automáticas. Mais um vampiro atingido. O braço esquerdo foi arrancado o fazendo perder o controle do voo. O bicho caiu arrebentando o crânio no asfalto. Um soldado saiu da formação sacando seu facão. Ele transpassou o demônio no tórax e foi atacado por outro. Ele ainda tentou se defender, mas seu rosto foi cortado várias vezes ficando com lacerações profundas. Por fim a vampira cortou seu pescoço o levando a morte.

— Droga! — gritou o líder. — vem vindo mais.

Entre esses mais, Alencar. Gesticulando, gritando, aterrorizando sem hesitação os bravos soldados. Sim, a briga é desigual demais. Os homens são atacados com uma violência incontrolável.

— Tenente, venha pra cá. O Alencar está aqui.

Clóvis terminou de ouvir a mensagem já transpirando.

— Vamos lá soldado.

— O senhor ouviu bem? É o Alencar quem está lá.

— Ouvi sim, hoje será de igual para igual. — mostrou ao soldado seu trunfo.

O jipe partiu deixando nuvem de poeira para trás. Clóvis pegou suas duas pistolas e se preparou para entrar na guerra, mas antes vale uma curta prece.

— Vale-me nessa hora, Deus. Amém!

Dois vampiros vindo na direção do carro militar.

— Pise fundo, Teles.

Clóvis ficou de pé. Atirou ao mesmo tempo com as duas pistolas. O noturno da direita foi alvejado e caiu. O outro passou ao lado da viatura. O tenente girou o corpo e puxou o gatilho. Às costas do ser sofreu cinco furos que o levou a se chocar contra o poste.

— Segue! — falou.

O combate é sangrento. Alencar tem nas duas mãos cabeças e sobrevoa dando rasantes no campo adversário. O capitão da guarda de Luamar lançou uma delas contra um soldado que se preparava para atirar contra ele. O militar foi atingido no rosto e desmaiou provocando o riso do vampiro.

— Minha mira está cada vez melhor.

A outra cabeça ele a lançou na estrada vendo a chegada de Clóvis.

— Um presente de boas vindas ao tenente.

 

Dentro da gruta Vanizi e Luamar olham pela janela. A noite está bela como sempre. Um vento fraco faz bailar as plantações levemente. Isso deixa a vampira chefe encantada.

— Sei o que está pensando. — disse andando até a cama.

Vanizi seguiu olhando para fora.

— Alencar, não é? Você o ama.

A vampira ruiva abaixou a cabeça.

— Não tenha medo de confessar isso a sua senhora. O amor é um gesto nobre. Ele vai destruir o tenente e juntos iremos comemorar, aqui, nessa cama. Colocaremos a cabeça do Clóvis bem ali. — apontou para a penteadeira.

— Os seres humanos são fracos, mas não podemos subestimá-los. Clóvis está cheio de ódio e isso pode ser perigoso demais. Devo ir até lá?

— De um voto de confiança ao capitão, Vanizi. Ele é forte e experiente o bastante. Agora me sirva uma taça de vinho.

 

*

 

Teles parou o jipe. Junto com o tenente eles entraram de vez no combate. O soldado se armou com uma sete meia dois, além de granadas. Se ele está com medo? Sim, mas não apavorado. Ele confia em seu superior o bastante para saber que o mesmo lutará para mantê-lo vivo. Perto onde eles desceram há vampiros escondidos nas árvores.

— Atire! — berrou Clóvis.

Os bichos foram atingidos sem chance de defesa. Incrível como que Clóvis consegue localizá-los. Parece até que consegue fareja-los. Há mais vindo do meio do mato alto. Teles lançou duas granadas que explodiram os corpos os deixando em pedaços.

— Aquele miserável do Alencar está por perto. — sacou o binóculo.

— O senhor viu a cabeça?

O tenente abaixou o material que tinha em mãos. Por um instante ele se entristeceu. É uma causa perdida? Ele sabe que se continuar perdendo homens nessa velocidade, não restará outra alternativa a não ser a rendição.

— Claro que vi. Confira sua munição, soldado, há mais vindo.

Sim! Clóvis tinha razão. Havia mais, muito mais vindo e entre muitos o capitão. Clóvis vs Alencar, o confronto do século. Ao vê-lo, o militar não perdeu tempo. Foi gasto todos os pentes no noturno. Nenhuma bala o atingiu.

— Olá, tenente. Saiba de uma coisa. Durante um confronto, a raiva e o ódio só atrapalham.

Clóvis recarregou as duas pistolas enquanto o vampiro discursava. O tenente se encontrava cego e surdo. A raiva e o ódio são exatamente os combustíveis que o movem. Isso jamais pode faltar num conflito atípico feito esse.

— Você nunca fecha essa boca? — mirou e atirou.

Numa guerra não há diálogo com o inimigo. Não existe negociação. Ambos estão ali para matar e também estão dispostos a morrer. Clóvis é um sujeito treinado e conhece bem as entranhas de um combate, sabe como funcionam às coisas. Alencar está ali para matá-lo e só em o jeito é sobreviver e proteger a tropa.

— Atenção tropa. Atirem todos de uma vez.

A ordem foi passada. O pelotão tem a cara do líder e todo exemplo carrega. Dizem que o emprego da força bruta num combate não faz tanta diferença, que o que prevalece mesmo é a técnica. Clóvis acaba de jogar tudo isso por terra. Contra vampiros não há regra certa. Todos os homens foram orientados a atirar para sobreviver. É preciso se manter vivo. Encurralado devido a tantos disparos, o capitão de Luamar foi obrigado a recuar, mas foi surpreendido por Clóvis.

— Acelere, Teles.

Clóvis está de volta ao jipe segurando um tipo de lança com uma granada fixada. Um trunfo. Alencar esta ocupado perseguindo um soldado que grita feito um louco. Teles afundou o pedal do acelerador com o coturno. É agora ou nunca. Hora de dar uma resposta a altura ao genocídio no vilarejo de Todos os Santos. O tenente tirou o pino da granada. Usando de uma força absurda ele lançou a arma branca que entrou com tudo no peito musculoso de Alencar. O noturno não esperava por isso. Há pânico no olhar do demônio, algo jamais visto antes.

— Essa não!

Seu corpo escultural já começava a se desfazer em cinzas quando o artefato explodiu espalhando centelhas por toda parte. Brados são ouvidos e entre eles berros, uivos e lamentações por parte dos bichos. Teles brecou veículo e desceu portando seu fuzil. Clóvis permaneceu em pé no jipe.

— Eu não estou acreditando, destruímos o Alencar. — olhou para o tenente.

— Bater em retirada. Vamos.

 

*

 

Vanizi beija o pescoço de Luamar. Enquanto proporciona prazer a imperatriz, algo lhe diz que tudo fugiu do controle. Ela para com as carícias e olha para a janela.

— O que foi? — Luamar abriu os olhos.

— Algo aconteceu. — saiu de cima da vampira.

Vanizi correu até a janela a tempo de ver um bando de noturnos voltando para a gruta. Ela vestiu o roupão e saiu do quarto.

— Vanizi, espere. — vociferou a líder.

Dessa vez não foi possível obedecer tal ordem, a ruiva sentia que algo havia acontecido e o que é pior, com Alencar. Ao invés de andar ela foi até a saída da gruta voando, sentindo um nó se formando na garganta. Um dos combatentes pousou e se ajoelhou perante a vice líder.

— Tivemos uma baixa irreparável, minha senhora.

Às lágrimas finalmente desceram.

— O capitão Alencar foi destruído por Clóvis.

O rosto belo de Vanizi deu lugar a face satânica. Suas asas foram abertas e em meio ao seu choro ensurdecedor ela levantou voo. Na mesma hora outra criatura a derrubou. Era Luamar transformada numa espécie de morcego gigante.

— Volte para a gruta, agora.

— Mas, senhora, eu consigo dar conta do Clóvis.

— É uma ordem, ou quer passar a eternidade aprisionada?

Vanizi voltou ao normal e aterrissou.

— Eu sei que você o amava, mas às coisas não funcionam desse jeito. Você terá sua chance de arrancar o coração do tenente, mas por hora vamos deixá-lo em paz.

Ordens são ordens. Vanizi não entendeu muito bem a decisão de sua senhora, mas a acatou. Mesmo destruída por dentro e transbordando de irá, a vampira voltou para dentro da gruta ao lado de Luamar que a abraçou.

— Prometo com todas as minhas forças que a partida de Alencar será vingada e você fará parte disso. Tudo bem? — falou segurando em seu rosto.

— Sim, senhora.

— Ótimo. Volte para o meu aposento. — Se voltou para os outros súditos que voavam na entrada da gruta. — A batalha acabou. Por hora os deixaremos em paz. Voltem para suas posições.

Na mesma hora ouve-se as batidas das asas e o farvalhar da vegetação ali perto.

 

*

 

Toda a base está em festa. Desde a tomada dos noturnos Clóvis não contemplava tamanha alegria no rosto de seus homens. Bravos soldados. Os únicos que ficaram e abraçaram a causa junto com ele. Enquanto eles comemoram cantando canções do exército, o tenente apenas os observa em pé, de braços cruzados no canto perto da janela. Ele sabe que essa foi somente uma batalha vencida em meio a uma guerra, mas disso todos eles sabem. Alencar é página virada. O império maldito virá com força total e todos precisam estar preparados. Teles chegou trazendo um copo de conhaque.

— Beba, tenente, hoje pode.

— Vou seguir seu conselho. — pegou o copo. — os homens estão felizes.

— Pois é. Desde o acontecimento lá em Todos os Santos eu não os vejo assim.

— É. — tomou um gole.

— O senhor está bem, tenente?

— Estou. — engoliu o restante da bebida e entregou o copo ao soldado. — vou para o gabinete. Assuma o comando. Amanhã pela manhã temos instruções.

— Sim, senhor. — bateu continência.

Teles o conhece bem e sabe que ele não está falando a verdade. Uma retaliação pesada está vindo por aí e o tenente sabe disso. Porém, o que vale é que o sangue derramado dos inocentes lá no vilarejo não foi em vão, os humanos unidos superam qualquer força diabólica. O trabalho só começou.