Questão
de Honra
Prólogo
Felipe
está nervoso, nervoso até demais para um jovem como ele requisitado
por todos na faculdade. Finalmente, depois de dois longos anos sem
namorar ele marcou com Letícia na ponte do canal as três da tarde
de um sábado de muitas nuvens. Ele termina de roer os últimos
pedaços de unha do polegar quando a menina desce do táxi sorrindo
para ele.
-
Oi! - Letícia o abraça deixando a marca do batom vermelho nos
lábios de seu novo namorado.
-
Oi!
Sem
muitos rodeios eles se beijam ao som do motor do táxi que acelera
saindo de cena. Felipe e Letícia. Com certeza esse casal será o
centro das atenções na universidade onde estudam. O beijo termina
mas o gosto do chiclete de morango permanece vivo na boca do ruivo.
-
Quer comer alguma coisa? - Felipe pergunta?
-
Quero, mas não agora, que tal ficarmos ali, olhando aqueles
pássaros?
-
Não sabia que gostava de animais?
-
Sou admiradora número um desses seres. Então vamos descer?
-
Vamos.
Para
chegar a margem do canal é preciso descer por uma escada estreita
feita de concreto. Como um bom cavalheiro Felipe ajuda a menina loira
natural a descer os poucos degraus até o gramado. Outro beijo e mais
uma vez o estudante de Física sente o doce da boca de Letícia. O
clima vai esquentando e quando dão por si eles estão deitados no
gramado não se importando para quem olha lá de cima da ponte.
Letícia está de olhos fechados e quando os abre ela vê algo
estranho no canto embaixo da ponte.
-
O que é aquilo? - para de beijar.
-
O que?
-
Ali, bem perto da estrutura da ponte, parece um embrulho, será algum
animal morto? - Letícia começa a andar na direção da estrutura.
-
Espere. - estufa o peito. - eu vou na frente.
A
cada passo a tensão vai aumentando. Mesmo sendo o sujeito mais
descolado da faculdade, Felipe nunca deixou de lado o seu lado
covarde. O medo o quase faz gritar. Se estivesse sozinho ele jamais
ousaria em chegar perto daquilo. Mas Felipe precisa impressionar sua
nova namorada, mostrar que ela tem um homem de verdade ao lado.
De
repente um odor os atinge com força. A menina coloca as mãos na
boca e Felipe cospe algumas vezes. Eles chegam perto. Perto o
suficiente para ver que não se trata de um animal, mas sim um
cadáver enrolado num lençol.
-
Ai, meu Deus! - resmunga o futuro Físico.
-
Vamos chamar a polícia, vamos, já, agora.
1
O
canal principal está lotado com pessoas aglomeradas em cima da
ponte. Lá embaixo no gramado a polícia isolou os acessos com fitas
amarelas. O trânsito ali perto ficou complicado e o barulho das
buzinas ensurdecem quem é obrigado a estar ali. O casal Felipe e
Letícia acompanham o trabalho dos agentes quando uma viatura
descaracterizada para e um policial negro de calça social preta e
camisa polo cinza desce caminhando rapidamente. Luís Souza desce a
pequena escada até o gramado e cumprimenta os colegas ali presentes.
-
Boa tarde pessoal, o que temos aqui?
-
Garota negra envolvida em lençóis, adolescente, treze anos
aproximadamente, morta com um corte profundo no pescoço. - resume um
PM.
-
Quem encontrou o corpo? - Souza olha para os lados.
-
Aquele casal ali. - aponta para Felipe e Letícia. - segundo a moça
eles estavam perto da escada quando viram o corpo.
Nesse
momento peritos deixam o local.
-
E ai? - indaga Souza.
-
E ai que eu tenho quase certeza que a vítima sofreu violência
sexual.
-
Estupro seguido de morte. - enterra as mãos nos bolsos da calça.
-
Ou vice-versa, somente com exames mais aprofundados vou poder saber.
-
Posso dar uma olhada antes de levá-la?
-
Você quem manda.
Esse
tipo de crime costuma mexer e muito com o detetive. Durante esses
anos em que está na polícia, Luís já se deparou com
monstruosidades capazes de fazer congelar a espinha dorsal. Vinte
metros o separa do cadáver e seu coração dá saltos dentro do
peito. Ele se agacha e afasta o plástico preto descobrindo o rosto
infantil da pobre menina. Souza engole seco.
-
Jesus!
Ele
permanece ali olhando o corpo e imaginando o tamanho do sofrimento de
seus pais quando souberem da notícia. Quanta dor. Como pai ele é
capaz de sentir o peito rasgar com o sofrimento de perder um filho.
Márcia toca em seu ombro e ele não esboça reação.
-
Temos a identificação, quer ver?
-
Diz! - fala com voz sumida.
-
Luciana Mendonça, 13 anos, moradora de uma comunidade aqui perto,
quer ir lá?
Souza
se levanta com uma expressão mista. Tristeza e raiva dão as ordens
no momento. Ele volta a olhar para o corpo e depois para sua
assistente.
-
Sim, mais antes vamos colher informações com o casal, venha comigo.
Felipe
está mais nervoso que Letícia. Todo esse clima e a grande
movimentação de homens uniformizado e exibindo armas deixou o jovem
estudante com os nervos a flor da pele. Seu corpo estremece ao ver
aproximação do melhor agente da cidade. Vendo o estado em que seu
namorado se encontra, Letícia toma a frente.
-
Boa tarde! - diz Souza.
-
Oi!
-
Podemos conversar um pouco?
A
conversa não demorou muito. Márcia anotou todo o depoimento do
casal em seu bloquinho. Souza ouviu atentamente cada detalhe relatado
por Letícia. Lá trás o corpo é retirado do canto do canal por
dois funcionários da defesa civil. Pessoas que assistiam o trabalho
começam a gritar pedindo por justiça. Alguns mais exaltados foram
contidos por PMs. Souza deixa o local determinado em colocar o
desgraçado na cadeia o mais rápido possível. Sua assistente conduz
a viatura rumo a casa dos Mendonça.
2
A
comunidade onde reside os pais de Luciana não é pacificada por
conta disso os detetives foram obrigados a se encontrarem com a
família em outro lugar. Souza não consegue esconder sua tensão. Os
Mendonça são pessoas humildes. O pai, um senhor magro e com barba
por fazer é o primeiro a entrar saber da morte violenta da filha. O
choro é compulsivo e foi preciso ampará-lo. Em seguida a mãe foi
notificada e mais uma vez os agentes entraram em ação.
-
Ai meu Deus, minha Luciana. - lamenta seu Francisco.
-
O que faremos agora Chico, sem a nossa Lu? - soluça a mãe.
Souza
abaixa a cabeça e toma fôlego.
-
Se preferirem podemos voltar outra hora.
Dona
Lúcia Mendonça de repente deixa o marido de lado e se volta para o
detetive. Seus olhos vermelhos e úmidos deixa claro o sentimento que
a corrói. Justiça.
-
Faremos o que for necessário para que esse porco apodreça na
cadeia.
-
Isso mesmo. - completa Francisco. - senhor Souza, queremos esse
sujeito preso, que a justiça seja feita.
-
Tudo bem, vamos conversar então.
Os
agentes os levaram para um lugar mais reservado. Um café bar que
Souza costuma frequentar. O clima piora acada instante, como se uma
rocha os esmagasse. Quatro xícaras de café foram servidas. Dona
Lúcia chora o tempo inteiro e seu Francisco mal consegue tomar o
café. Com toda paciência os policiais aguardam seus
restabelecimentos. Realmente a dor é quase visível. Lúcia Mendonça
olha para o chão do bar e começa a falar.
-
O sonho dela era ser médica voluntária em nossa comunidade.
Francisco e eu já havíamos acertado como iriamos pagar os estudos
dela.
-
Quanta nobreza por parte de alguém tão jovem. - diz Márcia
emocionada.
-
Nossa filha era de outro mundo. - Francisco toma o café. - certa vez
ela viu um gatinho quase morto na rua. Ela o pegou, levou para casa,
cuidou dele, comprou os remédios e o gato está lá, vivo, até
hoje. - volta a chorar. - quem seria capaz de fazer isso com ela,
quem?
Souza
une os dedos e pigarreia antes de perguntar.
-
Os senhores sabem se ela tinha algum namoradinho, ou admirador? Ou
até mesmo algum desafeto?
-
Nossa filha era um anjo. - Lúcia fecha a expressão. - quero ver
quem fez isso com Luciana na cadeia.
A
conversa não foi lá muito produtiva e Souza entende. Perder um
filho da maneira como os Mendonça perderam é algo surreal. Márcia
e ele partem para o I.M.L depois que o legista lhes mandou uma
mensagem. Vendo que seu superior ainda remói os últimos
acontecimentos ela preferiu tomar a direção da viatura.
-
Isso chama-se prevenção, certo?
-
Como queira! - volta a olha para frente.
Na
parte de fora o Instituto Médico Legal da cidade é algo
simplesmente futurístico. Logo na entrada há um jardim com bancos
pintados de branco onde as pessoas aguardam as liberações. Lá
dentro o ambiente é um só, morte. Sinceramente Souza odeia ter que
vir a este lugar lúgubre. Os corredores gelados e a pintura o deixam
com uma ligeira tonteira. A sala do legista fica no final e ele já
os aguarda na porta.
-
Vamos entrando pessoal.
O
corpo nu de Luciana repousa gelado sobre a mesa de aço já
costurado. Douglas, o legista não faz rodeios e já lança as
terríveis novidades aos agentes.
-
A menina foi estuprada, e foi mais de uma vez.
-
Merda! - resmunga Luís.
-
A coitada ainda era virgem, deve ter sofrido muito. - aponta para a
vagina.
-
Conseguiu colher algum material do assassino? - Márcia dá a volta
na mesa.
-
Não, sem espermas, ele pode ser um monstro mas não é burro.
Deixar
aquele lugar foi como renascer para Souza. Ver o corpo da adolescente
durante aqueles minutos foi torturante. A investigação ainda não
começou e o nível de estresse do detetive já está nas alturas.
Ele precisa urgente de uma cerveja ou algo parecido. Depois de deixar
sua assistente perto de casa ele parte para seu apartamento onde
algumas latas as aguarda na geladeira. O dia de amanhã será ainda
pior, assim presume o detetive.
3
Se
há alguma coisa no mundo que me deixa irado é a falsidade das
pessoas. Elas fingem o tempo todo. Fingem que gostam de você quando
na realidade querem te ver morto. Eu sei bem o que é isso, vivi e
senti isso na pele, é doloroso demais. Prometi a mim mesmo que um
dia me vingaria e quer saber de uma coisa? Eu ainda não me dei por
satisfeito. Quero mais, muito mais. Tento ser igual aos
outros, viver no mesmo ambiente, mas, não consigo ser como eles.
Minha natureza me impulsiona para o assassino que há dentro de mim.
Permito que ele assuma minha alma e meu espírito, dando espaço ao
meu corpo de castigar a outro sem piedade. Foi assim com ela e será
assim com outras.
Souza
chegou primeiro que Márcia ao departamento deixando a todos atônitos
com o caso Luciana. Ele exige respostas. Será uma questão de honra
dá uma resposta a população que cobra as autoridades justiça. No
começo da manhã uma pequena multidão criou um motim na saída da
comunidade. Foi preciso a intervenção da PM no local. Os
manifestantes pediam a mais empenho e os mais exaltados foram
contidos com bombas de efeito moral e balas de borracha.
O
agente entra em sua sala tomando seu habitual cafezinho quando
sua assistente também entra trazendo novidades embaixo do braço
literalmente.
-
Luís, bom dia, temos imagens de Luciana antes de ser morta.
Souza
engasga com a nova.
-
Está esperando o que, coloque logo isso.
As
imagens mostram a linda menina andando lado a lado com um homem
também negro perto da ponte. Os
dois parecem bastante íntimos. Conversam e para num dos bancos e
permanecem ali por alguns minutos. O homem gesticula bastante
enquanto que Luciana apenas o observa. Depois disso eles voltam a
caminhar até saírem do campo de visão da câmera.
-
Quem cedeu as imagens? - Souza pergunta.
-
Perto da ponte do canal há uma pequena loja de artigos para o lar,
foram ele quem nos cedeu.
-
Já sabemos quem é o homem?
-
Sim, Armando Mendonça, tio de Luciana.
Será
que Luciana fez a estatística ficar ainda maior quanto aos assuntos
de pedofilia? Estudos apontam que na maioria dos casos de abusos
contra crianças ou adolescentes, o agressor pertence a família.
Souza e Márcia voam para a casa dos Mendonça. Tudo isso ainda soa
com estranheza para o detetive. Algo diz que esse caso ainda tem
muito o que apresentar. Luís Souza torce para que ele esteja errado,
só dessa vez.
Para
entrar na comunidade os agentes precisaram se disfarçar. Márcia
vive seus momentos de senhora Souza andando de mãos dada com seu
chefe. Quem por eles passa pensa em se tratar de um casal de
namorados indo visitar um parente. A casa é simples com os tijolos a
mostra e janelas enferrujadas. Quem os recebe é seu Francisco com
uma aparência um pouco melhor do que a primeira vez.
-
O que houve? - indaga o pai de Luciana.
-
Armando Mendonça, ele é seu irmão? - Luís solta a mão da
parceira.
-
Sim, o que tem ele? - franze a testa.
-
Luciana esteve com ele ante de ser morta, podemos conversar lá
dentro?
Ainda
atordoado Francisco conduz os policiais até o interior da casa.
Realmente a precariedade é
algo assustador. A impressão é que se um vento soprar um pouco mais
forte, é capaz de levar toda a casa sem dificuldade.
-
Como era o relacionamento do seu irmão com sua filha, seu Francisco?
- Márcia pergunta.
-
Quando Armando passava aqui, Luciana era só carinho com o tio, eles
se gostavam muito, nunca vi uma pontinha de maldade por parte do meu
irmão.
-
Onde seu irmão mora? - Souza cruza os braços.
-
Aqui mesmo na favela, posso pedir que ele dê um pulo até aqui.
-
Por favor.
A
felicidade escolhe quem ela vai presentear, disso eu
tenho certeza. Seria possível um ser humano viver o tempo todo
infeliz? Eu costumo dizer que sim, é possível. Basta apenas ela
canalizar essa infelicidade e desembocar em cima de alguém. E esse
alguém não precisar ser seu inimigo necessariamente. No meu
caso eu gosto de ver, sentir, tocar e saborear antes do golpe fatal.
Isso sim é prazer.
Armando
Mendonça, um sujeito humilde de olhar triste e de fala tranquila.
Souza analisa o comportamento do tio de Luciana não deixando passar
nada.
-
Ela era minha sobrinha amada, só isso que tenho a dizer.
-
Quando foi a última vez em que esteve com ela? - Márcia aguarda a
resposta.
-
Não lembro. - olha para o chão.
-
Tem certeza? - Souza tranca os dentes.
-
Desde quando eu soube do acontecido minha mente não anda nada boa,
me desculpe.
Francisco
olha para o irmão e depois para o detetive que não tira os olhos
dele.
-
O que você conversavam na ponte do canal no dia da morte dela? - o
tom de voz de Souza agora é mais incisivo.
-
Eu já falei, não me lembro, eu estou muito abalado com tudo isso. -
chora.
-
Senhor Armando. - começa
Márcia. - temos imagens suas,
junto com sua sobrinha no dia e local onde ela foi encontrada morta,
como o senhor explica isso?
Francisco
fecha o semblante para o irmão.
-
Você a matou, seu desgraçado. - tenta agredir o irmão. Souza o
impede.
-
Calma, vamos com calma, seu Armando, o senhor terá que vir conosco.
4
A
notícia da prisão preventiva do tio de Luciana causou um verdadeiro
reboliço no meio da comunidade. Houve até tentativa de linchamento.
Mas também houve quem o defendesse com unhas e dentes. Dona Lúcia e
seu Francisco estão inconformados com a tragédia que os assolou. No
caminha para o departamento Souza ainda não foi capaz de abrir a
boca deixando sua assistente curiosa. Se ela o conhece bem, Luís
Souza ainda não se deu por satisfeito. Em todos esses anos
trabalhando juntos, ela jamais o viu tão concentrado num caso. É um
baita de um profissional.
A
chegada ao departamento foi tumultuada. Toda a imprensa local
aguardava aos empurrões a parição do tio assassino da adolescente.
Foi preciso montar um esquema forte de segurança para que a viatura
entrasse. Lá dentro Armando ainda tentava se defender.
-
Pelo amor de Deus, eu não matei minha sobrinha.
-
Vamos apurar isso, seu Armando. - diz Souza.
A
viatura entra por trás onde há uma entrada para os funcionários.
Algemado e cabisbaixo, Armando é conduzido até o interior do
departamento. Ao chegarem no corredor principal, dois policiais se
encarregam de levá-lo até a sala de detenção. Souza e Márcia
seguem para suas salas em silêncio.
Um
grupo de jovens se divertem enquanto que Tiago se mantém destacado
lendo seu livro de física atentamente. As risadas parecem não
incomodá-lo, nem mesmo as piadinhas com seu nome. Ele apenas olha
por trás dos óculos gigantes e não sorrir. Um dos colegas se
aproxima.
-
Grande Tiago, sempre lendo. - se senta ao lado.
-
Nosso conhecimento é algo intangível, ninguém jamais poderá
tirá-lo de você.
-
Você sempre foi assim?
-
Assim como? - fecha o livro.
-
Assim, esquisitão, estudioso…
-
Meu nobre amigo, esse tipo de indagação deixa claro que a busca por
uma vida mais culta não faz parte de seu cotidiano, não é?
-
Não, de fato não. - sorrir sem graça.
-
Certo, e o que você pretende ser daqui uns dez anos? - Tiago olha
fixo para o jovem colega.
-
Se tudo dê certo, espero estar formado e trabalhando naquilo que me
formei, eu acho.
-
Você espera chegar aos píncaros somente com esse pensamento
diminuto e medíocre?
-
Opa, pega leve meu chapa. - se levanta.
-
Está vendo, nem a verdade você aguenta ouvir, quanto mais se
formar. - se levanta, pega sua mochila e vai embora. - faça-me o
favor.
Tiago
Carvalho, rapaz branco de aspecto nerd. Na faculdade ele é vítima
de zombaria devido ao estilo de vida que leva. Seus cabelos ondulados
dificilmente são cortados e suas roupas largas fora de moda também
ajudam a aumentar a popularidade do esquisitão da universidade. De
uma coisa ninguém duvida, Tiago é um gênio. Sua inteligência é
capaz de causar admiração e ódio a todos. Sabe aquele tipo de
garoto que passaria numa prova para a Nasa? Esse alguém, com
certeza, é Tiago Carvalho. O que mais intriga aos colegas de
universidade é justamente o passado ou a realidade de Tiago. Ele não
se abre e quando é questionado ele prefere se isolar e enfiar a cara
num livro. Esse é Tiago Carvalho.
5
Armando
aguarda chorando a chegada de Souza a sala de interrogatório. Ele se
encontra algemado na mesa de inox e a seu lado um PM reclamando da
vida. Souza entra sem bater.
-
Valeu Roberto. - o policial passa pelo agente sem falar nada.
-
Seu Souza, acredite em mim, eu não matei minha sobrinha.
-
Não. E o que fazia com ela lá na ponte do canal? - puxa a cadeira.
-
Estávamos conversando sobre o futuro.
-
Como assim. - se inclina. - o senhor havia dito que não se lembrava
desse dia.
O
acusado abaixa a cabeça.
-
Sabe o que acontece com estupradores na cadeia? - se ajeita na
cadeira. - se tornam mulheres. São molestados e até mortos pelos
carniceiros lá dentro.
Armando
volta a chorar. Dessa vez um choro mais contido.
-
Se você confessar que estuprou e matou Luciana, ou seja, sua
sobrinha, eu posso mover os pauzinhos e te livrar das mãos dos
selvagens.
Depois
de alguns segundos de silêncio, o tio da adolescente olha no olhos
de Souza. Realmente foi um olhar diferente, quase tranquilizador. O
detetive aguarda ansioso pelo o que virá depois disso.
-
Eu amava minha sobrinha, de verdade, queria que ela se formasse em
medicina. Eu tenho uma foto dela do dia em que ela passou do ensino
fundamental para o médio, foi uma tarde emocionante. Meu irmão
Francisco era puro orgulho. Saímos do salão e fomos comemorar
comendo pizza. - os olhos voltam a ficar marejados. - eu a amava
demais. - ele puxa o ar e volta a olhar para Souza. - policial,
prenda quem fez isso com Luciana.
Enquanto
dirige sozinho seu carro particular, Souza pensa em tudo o que ouviu
de Armando e teme em saber da possibilidade de ter havido uma
injustiça. Seus instintos estão lhe alertando para algo. Por isso
ele decide voltar a cena do crime, sozinho.
Minutos
depois ele está lá olhando para a ponte do canal e refaz o possível
caminho que Luciana fez com seu assassino. O lugar está quase vazia.
Depois do acontecido as pessoas vem evitando de circular por ali.
Luís desce a escada e chega até onde a menina foi encontrada. Ele
olha para as águas turvas e depois para a estrutura da ponte. O
gramado parece um tapete e o seu verde é brilhante. O detetive tenta
imaginar como é o local a noite. Souza observa os postes. Dependendo
da iluminação, o lugar é um prato cheio para um bandido cometer
seus crimes. Souza chega a conclusão de que Luciana foi deixada ali
e isso ajuda muito.
Ninguém
até hoje soube me explicar o que é o amor. Pensando nisso tirei
minhas próprias conclusões; o amor é algo insuportável e
destrutivo. Um amor na dose certa é bom, mas quando as coisas fogem
do controle, ele é capaz de tudo, até matar. Foi o que eu fiz, a
matei. Eu a amava. Eu só queria uma retribuição. Ela me forçou a
isso. Foi mais forte do que eu. O pior disso tudo é que a vontade
ainda não cessou. A sede permanece em seu nível máximo. Eu sei bem
no que me transformei.
6
A
comunidade em peso compareceu ao sepultamento de Luciana. Choro e
revolta. Alguns vieram com camisas que mostram o sorriso encantador
da menina que tinha um sonho. Outros erguem placas pedindo o fim da
violência. A imprensa faz a cobertura colhendo depoimentos dos
amigos e familiares. Souza e Márcia apenas observam.
-
Agora com certeza Armando Mendonça ficará na cadeia. - diz Márcia.
-
Tudo leva a crer que sim. - enterra as mãos no bolso.
-
Caso encerrado? - a assistente olha para o chefe.
-
Fazer o que, essas pessoas precisam de uma resposta.
Definitivamente
o ambiente funesto de um cemitério mexe com o detetive. Mesmo
distante do local do sepultamento ele sente o peso e dor do luto dos
familiares de Luciana. Ela era tão jovem, tão cheia de energia, ela
só queria fazer do mundo um lugar mais leve. Ao ver seu Francisco
abraçar o caixão o nó na garganta aperta e vem em sua mente
Jéferson, seu filho. Que sensação horrível. Que dor é essa que
não cessa jamais. Uma ferida que não cicatriza. A perda de um filho
é a mais dura punição que um ser humano pode sofrer.
O
caixão com o corpo jovial de Luciana Mendonça é sepultado. Sua mãe
sofre um desmaio repentino. Seu Francisco é amparado por amigos.
Enquanto a urna é baixada os aplausos ecoam por todo o cemitério.
Souza pigarreia. Sua assistente percebe que seu líder está
sofrendo, por isso ela resolve envolvê-lo, mesmo que seja apenas um
chegar mais perto. De soslaio Souza vê o carinho de Márcia e
resolve retribuir. E eles ficam ali. Ela segurando no braço dele
sentindo o calor do aconchego.
Dentre
tantos alunos conversando e outros trocando mensagens pelo celular,
um se mostra interessado na matéria lançada no quadro. Tiago
Carvalho copia rapidamente todas as informações e depois sai de
sala rumo a biblioteca. Ali ele passa alguns minutos procurando um
livro que lhe trará as respostas do questionário. Finalmente ele
encontra e volta para a sala. Aquilo não é uma universidade, é um
antro de animais, assim pensa ele voltando para o seu lugar. Mesmo
com o barulho ele consegue se concentrar. Aos poucos ele vai
respondendo uma a uma das questões.
O
professor, um sujeito obeso volta do banheiro depois de uma dor de
barriga repentina e se joga em sua cadeira. Com sua voz potente e
grave o mestre cobra o dever lançado no quadro.
-
Muito bem, quero crer que todos já estejam com o trabalho pronto.
-
Ah, Aluísio, vamos deixar esse trabalho para semana que vem, vamos?
- sugere um aluno.
-
Infelizmente não posso atender ao seu pedido meu caro, semana que
vem já teremos a nossa avaliação, por tanto, quero o seu trabalho
em minha mesa em dez minutos.
-
Professor, já posso entregar o meu? - vocifera Tiago.
A
sala de repente se transformou num cemitério tamanho o silêncio.
-
Ótimo, Tiago, deixa seu trabalho aqui.
A
genialidade de Tiago causa ao mesmo tempo raiva e admiração. A
matéria é difícil, a aula do professor Aluísio é chata e mesmo
assim Tiago consegue se destacar. No intervalo como é de praxe Tiago
se isola do restante. Agarrado aos livros ele procura seu cantinho
para pôr a matéria em dia. Enquanto ele passa mentalmente tudo o
que foi falado durante a aula, um cheiro doce invade suas narinas e
ao olhar lado ele contempla Luísa.
-
Oi! - ela diz.
-
Oi?
-
Atrapalho?
-
Não. Em que posso ser útil? - fecha o livro.
-
Nada, gostaria apenas de expor minha admiração por você. Posso me
sentar?
-
Sim, claro, desculpe a falta de delicadeza.
-
Tiago, em que consiste a sua inteligência?
Tiago
não consegue esconder o riso.
-
Veja bem minha nobre colega, não há mistério algum, existe apenas
uma enorme vontade de saber e uma incrível paixão por estudar. O
que falta nessa galera é justamente isso, esforço, estudo, entende?
-
Uau!
Tiago
fica encantado com os olhos negros noite da jovem e de repente seu
coração da sinais de alerta. Duas coisas podem estar acontecendo,
ou ele está se apaixonando por ela ou algo de muito errado está por
vir. Ele não sabe distinguir direito. A conversa segue e Luísa joga
todo o seu charme contra o jovem que aos poucos vai sedendo ao
encanto.
-
O que vai fazer depois da aula? - Luísa cruza as pernas.
-
Bom, estava pensando em ir a livraria do shopping e…
-
Posso ir com você?
-
Adoraria!
A
justiça deu a resposta que a população exigia. Armando Mendonça
em breve será levado para a penitenciaria e cumprirá sua pena por
estupro seguido de morte de sua própria sobrinha. Caso encerrado.
Souza volta para seu apartamento a noite e tudo o que ocupa sua mente
é o fato de algumas peças não estarem se encaixando. Depois do
banho ele se joga no sofá segurando uma lata de cerveja. Toma alguns
goles e depois pega seu celular e liga para seu filho que mora no
interior do estado.
-
Oi filho, como vão as coisas?
-
Oi pai, tudo em ordem, você vem passar o final de semana com a
gente?
-
Filho, isso vai depender de sua mãe, você sabe muito bem o que ela
pensa disso tudo.
-
Poxa pai, queria tanto que o senhor voltasse a viver com a gente.
-
Esse também e o meu desejo filho, mas infelizmente as coisas nem
sempre são do jeito que a gente quer.
-
Tudo bem, pai, o senhor ainda assim é o melhor.
-
Você não sabe como é bom ouvir isso. Boa noite filhão.
-
Valeu pai!
A
conversa com o filho parece que deu um novo gás a Souza. Ele se
levanta e vai até a janela. A cidade ainda se prepara para dormir.
Ele disca o número de Márcia que atente no primeiro toque.
-
Oi!
-
Armando Mendonça é inocente.
7
Sentir
o corpo dela estremecendo a cada toque meu foi algo esplendoroso. Seu
suor, sua voz já rouca de tanto pedir por ajuda, foi demais. Naquela
hora os sentimentos mais puros desse planete se foram, tudo o que eu
queria era me deleitar.
Souza
estava de folga e mesmo assim fez questão de comparecer ao
departamento junto com Márcia. Na sala do detetive os dois resolvem
reabrir o caso Luciana.
-
Temos que conseguir uma nova conversa com Armando, tenho certeza de
que ele está escondendo algo. - Souza mexe algumas pastas.
-
Luís, já era, o cara será levando para a penitenciaria.
-
Pense comigo, Luciana já estava morta quando foi deixada no canal.
Precisamos rever as gravações, depois investigarmos a fundo as
amizades de Luciana e ai sim, Armando. Faremos tudo isso hoje. Traga
as fitas de vídeo.
Com
mais calma a dupla de investigadores observam as imagens da ponte do
canal. Souza e Márcia, lado a lado diante do monitor olhando o vai e
vem das pessoas durante alguns minutos até a aparição de Luciana e
seu tio. Armando gesticula bastante. Luciana apenas permanece de
cabeça baixa. O vestido florido da menina de apenas 13 anos lhe dão
contornos de uma mulher já feita. Realmente uma linda negra. Eles
param perto da pequena grade da escada quando Luciana resolve falar
algo.
-
Consegue ler os lábios dela? - pergunta Souza.
-
Não dá, a distância não permite.
Armando
faz um gesto. Ele coloca a mão nas costas da sobrinha que
imediatamente se afasta. Isso deixa o detetive arrepiado. O que de
fato estaria rolando naquela conversa? Por alguns segundo Luís fecha
os olhos. E se eu estiver errado? Se realmente o tio estuprou a
sobrinha e depois a matou?
-
Já chega, Márcia, vamos conhecer os amigos de Luciana.
Ir
a faculdade deixou de ser algo religioso para ser prazeroso. Tiago
pela primeira vez se arrumou de fato. Penteou os cabelos e se
perfumou. Na entrada ele busca pela menina branca de cabelos
compridos e negros. Ele caminha com sua capanga marrom pendurada no
ombro passando pelo pátio. Luísa conversa com outra menina perto do
chafariz.
-
Oi, posso falar com você?
A
menina não move um músculo para responder.
-
Agora não dá.
-
Eu gostaria de saber se leu o livreto que lhe emprestei. - sorrir.
-
Ah, sim. - abre a mochila e retira o livro enrolado. - toma, não
tive tempo de lê-lo.
-
É assim que você trata as coisas dos outros? - pega o livro.
-
Tiago, não vê que estou conversando agora?
Foi
como um tiro a queima roupa. O desprezo de Luísa destruiu o coração
do CDF em milhões de pedaços. Aos poucos ele vai se afastando e
desenrolando o livreto. Realmente ela mal tocou no livro. Mais um
fora para a coleção. Quase se arrastando, Tiago chega ao jardim com
um nó na garganta. Ele se deita no gramado e faz de sua capanga seu
travesseiro. Ali ele contempla o céu com algumas nuvens imaginando
uma longa e gostosa noite de amor com ela, Luísa, a menina de olhos
como a noite. Vez por outra ele se culpa por ser tao ingênuo, como
pode se apaixonar assim, claro que ela estava tirando uma com a sua
cara. Fez papel de idiota. Ele não se conforma. O som estridente do
sinal informando o início do primeiro tempo soa. Pesadamente ele se
levanta arrastando sua capanga pelo gramado.
Foi
difícil mais em fim a menina magra, branca de cabelos trancados
topou conversar com Souza e Márcia numa praça perto da comunidade.
Laura era amiga de Luciana e não consegue imaginar que tal coisa
aconteceu.
-
Você conhecia a família dela? - Souza pergunta.
-
Um pouco. - mexe nos cabelos.
-
Esse “pouco” que você diz, pode nos dizer algo? - Márcia olha
para a menina.
-
A mãe, o pai e até o tio, Armando, não acredito que tenha sido
ele.
-
E por que? - Souza entrelaça os dedos.
-
Porque ele a amava. - uma lágrima finalmente desce.
-
Laura, sinto que você tem mais a dizer, é verdade? - Luís olha
para sua assistente.
-
Nós eramos a dupla LL, tínhamos planos. - chora soluçando.
O
clima ficou insuportável, principalmente para Souza. Ao ver Laura
desmanchando ele quase desaba também.
-
Me diga uma coisa, Laura, Luciana tinha algum namorado?
O
choro cessa e olhar fica perdido. Laura limpa as lágrimas e depois
olha para o detetive. Hesitante ela demora a responder, mas Souza já
sabe a resposta.
-
Ela andava envolvida com um carinha, sim.
-
Era de conhecimento dos pais dela? - Márcia puxa o bloco.
-
Não! - balança a cabeça ao responder
-
E por que? - pergunta calmamente Souza.
-
O cara era mais velho.
-
Muito mais velho? - Márcia aguarda para anotar.
-
Não muito, mas que ele era maior de idade, isso era.
-
Sabe o nome dele? - Souza arqueia as sobrancelhas.
8
A
vida é realmente uma caixinha de surpresas. Um dia você acha que
pode tocar no céu, já no outro você se acha um lixo. E tudo isso
devido a sua incrível capacidade de se deixar levar por um
sentimento passageiro, a paixão. Foi assim da primeira vez, eu me
apaixonei por ela, porém não tive o sentimento retribuído. Por
isso, tudo em minha droga de vida termina assim, todos os que amo se
vão.
Sua
respiração é semelhante à de um animal enfurecido. Tiago não
sabe o por que de está andando tão pela calçada. Seu rosto
ruborizado demostra seu total descontrole emocional. Um homem
apaixonado age dessa forma, sem freio, sem barreira. Ele passa por
sua lanchonete predileta sem tomar conhecimento da nova promoção do
sanduíche. Seu olhar é penetrante. Tudo o que escuta ao redor não
passa de burburinhos. As pessoas, os carros, as árvores e tudo mais
se transformam em borrões fantasmagóricos. Cego e surdo até uma
voz firme de comando penetra fundo e ele para.
-
Tiago Carvalho, podemos bater
um papinho? - Souza surge a seu lado.
Sem
saber muito o que fazer e o que dizer, Tiago olha e vê Luísa se
distanciando. Agora ele sabe o por que de estar correndo. Ele
volta a olhar o sujeito negro com um distintivo da polícia pendurado
no pescoço e depois para a mulher gordinha bonita bem aseu lado.
-
Qual o assunto?
-
Luciana Mendonça. - diz Márcia.
-
Pode ser outra hora, eu estou…
-
Nada disso. - Souza se coloca a frente dele. - quero conversar com
você agora mesmo.
Armando
Mendonça é deixado numa
cela separada de outros detentos. O lugar é um esgoto. Não há
circulação de ar, é abafado e úmido. Encolhido no canto, ele
escuta o barulho de seus futuros colegas. É possível ouvir gritos
de dor e de desespero. Ser
humano algum merece viver nessas condições. Dois guardas da largura
de armários passam correndo segurando cassetetes. Em seguida urros
de dor ecoam. Armando se levanta e se agarra a grade. Os dois agentes
espancam um homem até quase matar. Depois arrastam seu corpo pelo
corredor até a enfermaria. Armando sente seu corpo formigar ele
volta a se agachar no canto da cela.
-
Gostaria muito em poder
ajudar meu caro policial, mas não vejo como. - Tiago se ajeita na
cadeira da lanchonete.
-
Simples, me diga qual era o seu relacionamento com Luciana Mendonça.
O
jovem universitário faz sinal de espera para os detetives.
-
Luciana Mendonça? - aperta os olhos.
-
Isso, negra, bonita, elegante, morava numa comunidade. - Souza se
mostra impaciente.
-
Esse nome não me é estranho.
A
paciência de Márcia também está por um fio.
-
Vou pedir algo para beber, quem sabe refresca sua memória.
-
Se for possível, gostaria de um chá, por favor. - ao
ver a expressão do investigador o rapaz se intimida. - adoro o chá
daqui, só isso.
-
Sinto que você quer me enrolar, ou eu estou errado senhor Tiago?
-
Droga! - abaixa a cabeça. - bom, eu realmente tive um pequeno caso
com essa pessoa a qual o senhor se refere.
-
E ai?
-
E ai que acabou, faz algum tempo que não a vejo.
-
Você sabia que ela foi morta? - Souza se inclina para próximo
de Tiago.
-
O que? - franze a testa. - como assim?
-
Morta, vitima de estupro, foi jogada como um animal embaixo da ponte
do canal, você não lê jornais ou assiste televisão?
-
Sinceramente, não, não,
prefiro livros. - olha para o lado da porta de saída. - meu Deus,
que mundo violento, por isso o sumiço dela.
-
Tiago, você teve algo a mais com ela?
Márcia
chega com dois sucos e uma xícara de chá.
-
O senhor sabe né, sempre rolava alguma coisa, uma mãozinha aqui,
outra ali…
-
O que o detetive quer dizer é se vocês transavam. - Márcia crava
seus olhos negros no garoto.
-
Ela nunca permitiu. Sempre foi o meu desejo, mas ela jamais permitiu.
- engole o nó formado na garganta.
-
Quanto tempo vocês ficaram
juntos? - Souza segura o copo de suco de caju.
-
O tempo com Luciana passava rápido demais, sinceramente eu não
parei para contar.
-
Não lhe incomodava o fato dela ser mais nova que você? - Márcia
parece aborrecida.
-
Não. - expira. - fato era,
nós nos amávamos, e isso bastava. - ele olha para ambos os agentes.
- se me dão licença, toda essa conversa me fez mal, já posso ir?
-
Você não está detido, Tiago. - Márcia aponta o caminho da saída.
-
Obrigado!
Assim
que Tiago sumiu de vista os detetives se entre olham.
-
O que achou? - Souza cruza os braços.
-
Temos que ficar de olho nele.
9
Droga
de vida. As vezes, pra não dizer sempre, penso em dar fim a isso
tudo. Mas, logo em seguida algo me impulsiona e eu sigo adiante. Por
que fui fazer isso? Em que tipo de ser humano me tornei? Um monstro
impiedoso, um demônio sem noção? O jeito agora é dissimular para
me livrar desse inferno.
Armando
é acordado com um balde de água gelada. O sonho foi interrompido de
forma abrupta e seu coração vem a boca. Dois guardas dão
gargalhadas devido ao seu estado.
-
Estava sonhando com amenina que você estuprou? - diz o mais alto.
-
O que? - indaga Armando atordoado.
-
Ficamos sabendo que vossa majestade estuprou e matou a própria
sobrinha. - bate com o cassetete na palma da mão.
-
Eu não fiz isso. - tenta se levantar.
-
Seu lugar é junto deles. - o mais baixo aponta para o corredor.
-
Pelo amor de Deus, eu não fiz nada, sou inocente.
-
Todos eles dizem a mesma
coisa, sabia? - o mais alto
se inclina. É possível sentir seu hálito podre da manhã.
-
O que vão fazer comigo?
-
Lhe dar as boas vindas. - aplica um forte soco. - estuprador.
Armando
é espancada e insultado ao mesmo tempo por dois ursos usando
cassetetes. Seus berros ecoam naquela cela pequena e abafada. Seu
sangue respinga no chão enquanto as risadas dão o tom da seção de
espancamento. Dez minutos. Dez
longos minutos de surra dura até
o franzino homem perder a consciência. Os algozes param de descer a
madeira somente quando o corpo de Armando se torna flácido.
-
Legal, vamos deixá-lo ai. - diz o mais baixo ofegante e salpicado de
sangue.
Tiago
passou a noite em claro. Seus olhos vermelhos mostram o quanto a
noite o castigou. Sua mente foi totalmente tomada por uma força
chamada Luísa. Sua paixão por ela fez o universitário esquecer o
que houve no passado com Luciana. Ele se levanta, coloca os óculos e
abre a gaveta do criado-mudo. De dentro do móvel ele retira uma foto
de Luciana. Uma foto não muito boa, mas
que contém o sorriso iluminado da menina. Ele interrompe o
sentimento voltando a depositar a foto na gaveta. Já chega dessas
frescuras, hora de encontrar outro amor.
Dificilmente
Tiago anda de bicicleta, raras foram as vezes em que ele passeou com
o veículo de duas rodas. Hoje o momento pede urgência. Ele sabe
mais ou menos onde sua amada reside. Mesmo morrendo de medo dos
carros que buzinam freneticamente no trânsito pesado, ele pedala
incansavelmente. Sobe rua, desce rua, dobra esquina, seque em frente
e pronto. Finalmente a rua onde Luísa mora. Uma região de classe
média com a maioria das casas possuindo mais de um andar. Olhando
com mais cuidado é possível ver câmeras de segurança em pontos
estratégicos. Tiago tem certeza, ela mora nessa rua, mas em qual
casa? Ele acha melhor esperar.
Armando
acorda e tudo o que sente é dor. Sua cabeça estala e sua visão
está turva. Um filete de sangue escorre de sua testa. Molhado,
humilhado e sem forças ele mal consegue se arrastar. Por todo o seu
corpo há hematomas e quando tosse dói, dói muito. Qualquer barulho
é motivo para ele se assuste.
Armando olha ao redor tentando encontrar algo que possa cessar sua
dor. Não a dor física. Sua alma grita por socorro. Ele vive um
conflito interno intenso o
qual o lado da morte diz que ele não conseguirá conviver com essa
dor. Armando volta a chorar até soluçar. Ele já está morto.
“Quem
espera sempre alcança” essa ditado popular pela primeira vez fez
sentido para Tiago. Depois de alguns minutos aguardando, lá está
Luísa, deslumbrante como sempre, linda, capaz de fazer um homem como
Tiago se arrastar a seus pés. Logo o coração se acelera e ele tem
palpitações. As dúvidas começam a surgir de imediato. Qual será
a reação dela? Por que as mulheres são tão complicadas? De
uma coisa Tiago tem certeza, o “não” ele já tem. O que custa se
aproximar e falar tudo o que sente? Ele toma fôlego e vai.
-
Oi, Luísa?
-
Ah, oi, Tiago. - continua andando.
-
Posso falar com você um minuto?
-
Tem que ser agora? Estou atrasada para o grupo de estudo.
-
Juro que serei rápido. - une as mãos.
-
Ótimo! - para.
-
Estou gostando de você.
A
menina olha nos olhos de Tiago prendendo o riso.
-
Fala sério, Tiago.
-
Eu nunca falei tão sério em toda minha vida, estou apaixonado por
você.
-
Esqueça, sem chance, você é muto esquisito. - sai andando.
-
E o que foi aquilo lá na faculdade? - aperta os olhos.
-
Eu estava tirando uma com a sua cara, só isso. - aperta o passo.
-
Você me feriu, sabia. - engole seco. - me feriu.
Luísa
não olha para trás deixando Tiago despedaçado. Puxaram
seu tapete, tiraram seu chão. Ele quase perde o equilíbrio ao
tentar andar. Ele monta na bicicleta chorando quando de repente seu
pranto cessa.
-
Chorar é para os fracos. - diz para ele mesmo.
Souza
e Márcia passam de carro na rua principal ainda em tempo de vê-lo
pedalando como um louco.
-
Onde será que ele vai? - Souza no banco do carona.
-
Quem seria aquela menina?
-
Uma namorada nova, sei lá.
-
Você acha mesmo que foi ele? - Márcia não olha para seu chefe.
-
Por enquanto estamos tirando a história a limpo. - Luís olha para o
GPS. - vamos atrás dele.
A
dor física não se compara a dor da alma. Ela castiga mesmo, sem
piedade. Meu Deus, por que dói tanto? O senhor não me responde por
que? Estou a ponto de cometer outra loucura e até agora nada do
Senhor me responder. Muito bem. Quem cala consente. Vamos enfrente.
10
Gemendo
e tremendo, Armando consegue rasgar sua camisa. As lágrimas ensopam
seu rosto magro e sofrido. Ele consegue fazer um laço e passá-lo no
pescoço. Hora de pôr fim a sua existência. Uma existência nada
agradável. Ainda jovem ele foi espancado por engano. Foi confundido
com um marginal. Os dias em que ficou internado foram os piores. Ele
questionou sua fé em Deus e sua existência. Afinal, qual foi a
intensão de Deus em colocá-lo na terra? Para sofrer?
Ele
olha e vê a ponta de um cano. Um bom lugar para se enforcar. Judas,
é assim como ele se sente, um Judas. O apóstolo traiu a Jesus e ele
está aponto de trair a vida. Fim de história. Armando se pendura.
Sua mão segura firme o cano e a camisa enrolada no pescoço aguarda
o momento em que irá estrangulá-lo. O tio de Luciana solta o cano e
seu corpo cai. Fim da linha.
Suas
pernas estão doendo, mas a sua raiva é o combustível certo para
que ele continue pedalando e cortando os carros. Enquanto segue pela
avenida Tiago se recorda das recomendações de sua mãe que sempre
dizia para ele andar na calçada. Hoje em dia tudo isso ficou para
trás. Um homem com seus sentimentos feridos se transforma num animal
sem domínio de existência. Entre soluços e até alguns gritos, o
universitário pedala e pedala ignorando a dor nos joelhos. Tiago sai
da avenida e ganha uma rua secundária pouco movimentada. Luísa vem
vindo segurando sua bolsa. Ele desce da bicicleta e caminha até um
monte de lixo. Com os pés ele revira as sacolas até encontrar o que
tanto procurava. Uma garrafa. Sem hesitar ele a quebra no meio fio e
aguarda a chegada da menina.
-
Como chegou tão rápido? -
Luísa se espanta.
-
Digamos que sou dotado de super poderes.
-
Lá vem ele com esse papo, com licença. - começa a andar.
-
Você falou sério?
-
Sim!
-
Essa é a sua última palavra? - uma nuvem negra deixa o rosto de
Tiago transtornado.
-
Sim!
Engolindo
seco Tiago revela a garrafa de vodca quebrada.
-
Vem comigo, sem gritar e sem fazer gracinha.
-
Ficou louco? - gesticula.
-
Sim, muito louco, agora suba na bike, agora.
Luísa
está pálida e treme bastante. Tiago pedala e sabe muito onde está
ainda. Seus grunhidos de ódios são baixas, porém a menina consegue
ouvi-los.
-
Para onde está me levando? - chora.
-
Não interessa, cale a boca.
Ele
segue por uma rua de paralelepípedo e depois por outra sem asfalto.
Ele alcança outro bairro chegando a uma região de mata.
-
Desça.
-
Onde vamos? - pergunta gemendo.
-
Anda! - vocifera.
Luísa
vai na frente. Atrás ele admira o belo corpo da princesa. Ele se
pega salivando de desejo por ela. Seria ele um louco ou apenas um
sujeito com seus sentimentos feridos? O caminho fica cada vez mais
difícil devido as pedras e poeira. Tiago olha ao redor e vê um
monte de árvores.
-
Será ali! - aponta com a garrafa quebrada.
-
Será ali o que?
-
Siga em frente.
Souza
desce do carro furioso olhando para todos os lados. Márcia pede que
ele entre e se acalme. Muito contrariado ele volta para o interior do
veículo.
-
Como pode, uma bicicleta ser mais rápida do que um carro.
-
Está dizendo que a culpa foi minha?
-
Esquece, vamos por essa aqui. - aponta para a principal.
O
lugar ao qual Tiago se refere é cheio de mato que dificulta a
visibilidade de quem olha de longe, lugar perfeito para quem deseja
cometer qualquer tipo de atrocidade. Luísa continua gemendo e para
ao lado de uma árvore.
-
Podemos conversar?
-
Lógico, estou sempre aberto a diálogos. - muda a expressão.
-
Preciso me desculpar com você, não era minha intensão te ferir. -
chora.
-
Você não foi a primeira, Luísa, e, com certeza, não será a
última.
-
Eu, eu, posso te ajudar a contornar essa situação, vamos sair dela
juntos.
Tiago
olha nos olhos de Luísa e solta uma gargalhada assustadora.
-
Como assim, agora você quer me comprar, é?
-
Não, não é isso, eu só
quero…
-
Sim, já sei o que você quer, mas agora não importa. - passa a
língua nos lábios. - tire a roupa e venha aqui.
A
menina aperta os olhos.
-
O que?
-
Isso mesmo, quero fazer sexo com você e não me obrigue a usar isso.
- ergue a garrafa quebrada.
-
Não! - se afasta.
-
Como assim, não?
-
Não farei isso, prefiro morrer. - grita.
Tiago
sente o sangue ferver em suas veias. Ele anda até perto de Luísa.
-
Sua vagabunda! - a esbofeteia. - tire a roupa, se não cravo isso em
seu pescoço, anda logo.
O
carro dirigido por Márcia chega a uma rua de
asfalto precário. O detetive desce e saca sua arma.
-
Aonde vai? - Márcia olha para o lado.
-
Aquele moleque não deve ter ido longe, vou seguir por essa rua, a
pé.
-
Quais as recomendações?
-
Você fique aqui e me chame pelo rádio caso aconteça qualquer
coisa.
Souza
segue rua acima. O lugar é feio. As casas são humildes ainda com a
alvenaria exposta. As crianças brincam perto de uma vala que é puro
esgoto a céu aberto. Um descaso total e vergonhoso. Logo na parte de
cima há uma saída onde dará
para a mata. Luís anda mais um pouco e topa com uma cerca caindo aos
pedaços. Ele a pula e sua calça se enrosca no arame farpado. Um
palavrão e nada mais. Pronto. Ele consegue se livrar da armadilha.
11
Aos
pouco a luz branca vai invadindo seus olhos e ele é obrigado a
fechá-los novamente. Onde estou? Outra
vez ele abre os olhos e logo a dor toma conta de seu corpo por
inteiro. Onde estou? De repente uma mulher vestida de branco e com
estetoscópio pendurado no pescoço aparece.
-
Oi?
-
Onde estou?
-
Enfermaria da penitenciária. Você sabe seu nome?
-
Armando!
-
Senhor Armando fique calmo,
daqui a pouco alguém vem falar com o senhor.
-
O que aconteceu comigo? - pergunta tentando se erguer.
-
Fique deitado. - a enfermeira é incisiva.
Assim
que a mulher se afasta, Armando força a sua mente a lembrá-lo do
que houve naquela cela úmida e abafada. Alguns minutos depois ele
molha o travesseiro com suas lágrimas. Tudo é muito injusto.
Armando olha ao seu redor e tudo o que vê são grades com suas
pinturas descascadas ou desbotadas. Será ali que ele passará os
últimos dias de sua vida. Um guarda e um sujeito de jaleco branco
entram na enfermaria.
-
É esse o paciente? - pergunta o de jaleco.
-
Sim senhor. - responde o guarda mal encarado.
-
Nos deixe a sós.
Cansada,
humilhada e machucada, tanto por dentro como por fora. Luísa
desistiu de lutar e tudo o que resta é sentir a boca quente e úmida
de Tiago lambendo seu pescoço. Ali, deitada naquele chão imundo com
um monstro em cima dela, a universitária sente sua dignidade ir por
água a baixo. Um pesadelo para qualquer mulher. Enquanto tem sua
calça aberta violentamente, Luísa chora bastante a ponto de
salivar.
-
Não faça isso, Tiago, por favor. - geme.
Ele
finge não escutar e rasga sua peça íntima tocando em sua parte
genital. Num ato de puro ímpeto ela fecha as pernas enlouquecendo
seu violador.
-
Abra as pernas, vadia.
-
Não!
A
mão de Tiago cresce diante de seu rosto e o acerta em cheio quase
quebrando o nariz. Ela ainda resiste, mas um outro forte golpe a faz
perder os sentidos. Luísa
mergulha na escuridão deixando seu corpo nas mãos de um monstro
pavoroso.
De
repente ela abre os olhos. Tiago não está mais ali a violentando.
Ela está suja. Sua parte genital está pegajosa. Logo uma onda de
pavor cresce dentro dela. “Só falta o desgraçado ter me
engravidado”. Num salto ela se levanta. Procura por Tiago e sua
bicicleta. Não os vê. Hora de fugir, procurar ajuda, tomar um banho
agora é sua prioridade. Luísa caminha sem saber para onde ir até
que ela escuta passos. Será Tiago? Ela para e espera. Os passos vão
se aproximando e a vontade de gritar só aumenta. Mil
coisas passam por sua cabeça. Será um animal? Nada pode ser pior
que Tiago. Os barulhos dos passos estão a segundos dela. Luísa
fecha os olhos e abre a boca para gritar quando uma voz grave invade
seus ouvidos.
-
Menina, o que faz aqui?
Ela
abre os olhos e contempla um homem negro, meio calvo e com um
distintivo no pescoço.
-
Me ajude!
-
Me diga o que aconteceu com você! - Souza se espanta.
-
Acho que fui estuprada. - gagueja.
-
O que?
-
Foi o Tiago.
-
Merda! - Souza saca o rádio e entra em contato com Márcia. - ele
ágil outra
vez.
Armando
está sentado na cama da enfermaria com um olhar perdido enquanto que
o psicólogo aguarda uma reação de seu paciente. Mais uma vez o
doutor tenta extrair algo do condenado.
-
Então, senhor Armando, por que quis colocar fim em sua vida?
-
Sou inocente.
-
Isso o senhor já falou. Tenho certeza de que há algo a mais lhe
torturando.
-
Luciana! - sussurra.
-
O que? - levanta a sobrancelha.
-
Eu não a matei, nós estávamos conversando, apenas conversando, o
meu sentimento por ela excedia o amor de tio e sobrinha, eu, eu
admito.
-
O senhor estava apaixonado por sua sobrinha, é isso? - anota tudo
numa prancheta.
-
Sim! - a lágrima escorre. - e
quando ela me disse que estava se relacionando com um rapaz mais
velho, eu perdi o chão, o ciúme veio como fogo em palha seca, me
consumiu. Foi justamente naquele lugar onde ela foi encontrada morta.
-
Por que não disse isso para a polícia?
-
Vergonha, muita vergonha. Imagine, eu, um velho magro feioso
gostando de uma menina de
treze anos e ainda mais, minha sobrinha.
-
Creio que seja um pouco tarde
para entrar com recurso, mas de qualquer forma, fica aqui registrada
a nossa conversa.
Ao
tentar guiar a bicicleta por uma estrada coberta de pedras e barro,
Tiago perde o equilíbrio e se esborracha machucando os joelhos. O
tombo foi feio. O universitário se levanta amaldiçoando
Deus e o mundo. Verifica se o seu veículo sofreu alguma avaria e
depois volta a pedalar. Antes disso ele escuta o barulho de um motor.
-
O que é isso?
Fazendo
um giro com o corpo ele consegue ver ao longo da estrada um carro
vindo em alta velocidade. Assustado ele se esforça para pedalar. O
sangue dos ferimentos escorrem chegando ao tênis. Aos pouco sua
respiração vai ficando mais alta. Tiago infarta ao ver que precisa
encarar mais uma subida.
-
Vamos, vamos, suba. - olha para trás.
Dentro
do carro Souza transpira de raiva ao ver o criminoso subindo e quase
sumindo de sua vista. Ele
pisa fundo deixando poeira para trás. O detetive sente que o caso
pode ter um final trágico. Ele respira fundo. Olha para sua arma e
segue em frente. Os pneus fazem um barulho estrondoso deixando Tiago
apavorado.
-
Tiago Carvalho, pare, você está preso. - fala ao megafone.
O
rapaz não obedece e segue subindo o morro. Luís Souza acelera o
carro e tenta mais uma vez fazer contato.
-
Tiago, não complique mais as coisas, vamos conversar.
Tiago
alcança o cume e percebe que se enfiou numa rua sem saída e tudo o
que resta é um abismo. Ele para e solta a bicicleta.
-
Ok, você venceu, estou aqui.
O
motor do carro é desligado. Souza desce segurando sua pistola e
olhando para o garoto.
-
Podemos conversar? - pergunta Souza.
-
Seja rápido. - se aproxima da beirada.
-
Não faça besteira, você jovem ainda, eu posso te ajudar.
-
Claro que não, ninguém pode me ajudar.
-
Tiago,vou abaixar minha arma, certo. - Luís deixa a pistola no chão
rochoso.
-
Muito engraçado vocês agentes da lei, nos perseguem o tempo todo e
quando finalmente nos alcançam, querem conversar como se fossemos
melhores amigos, quer que eu ligue e peça uma pizza?
-
Não quero que você faça besteira.
-
Essa vida é mesmo uma droga. No início você descobre que sua mãe
forçou um aborto e que seu pai era um bêbado e drogado. Você é
jogado num esgoto junto com outros lixo como você. Cresci e resolvi
tomar um rumo diferente de minhas origens. Até que conheci a
felicidade, Luciana era minha única felicidade e,
no entanto, ela me
decepcionou por isso pagou com a própria vida. Conheci Luísa e ela
puxou meu tapete, me fez acreditar que o amor dela por mim era
verdadeiro. Não, ela apenas
me usara como chacota. Eu deveria ter acabado com ela. Jurei para mim
mesmo que ninguém mais me faria de idiota.
-
Venha, vamos cuidar desses ferimentos. - Souza estica o braço.
-
Você não ouviu uma palavra minha não é.
Rápido,
inesperado. Tiago pula deixando o agente com o coração na mão. Ele
ainda tenta correr mais o jovem some de sua vista rumo a morte. O
barulho de seu corpo se chocando com o chão é surdo e assustador.
Souza olha sacando do bolso seu celular.
-
Uma ambulância, por favor.
12
Márcia
atende Luísa na saída da rua quando a ambulância passa. Assustada
a universitária comenta.
-
Meu Deus, o que houve?
Logo
atrás Souza para o carro e desce.
-
Fim da linha para ele? - Márcia lamenta.
-
Não! - abaixa a cabeça.
-
Ele pulou do morro. - diz Luísa.
-
Sim, mas não morreu, felizmente, quebrou as duas pernas e alguns
dentes, teve arranhões, mas vai sobreviver.
-
Bom, e agora? - Luísa se apoia no carro.
-
Primeira coisa a se fazer é tirar o inocente da cadeia. - Luís olha
para Márcia.
Com
a morte da filha o tempo parece ter parado. Seu Francisco ainda não
consegue dormir sem o efeito do remédio e dona Lúcia passou a ser
uma mulher calada e indiferente aos outros problemas. A casa ficou
grande demais sem as risadas e as músicas da adolescente. No quadro
a princesinha exibe seu brilho inocente e encantador. Dói demais
contemplar aquele passado estampado no quadro. Francisco se corrói
por dentro em saber que o assassino de sua filha é seu irmão. Como
ele pode fazer isso? A que ponto chegamos. Na cozinha Lúcia termina
de passar o café e o coloca no copo para seu marido.
-
Francisco, vem tomar café.
Em
silêncio os dois tomam da bebida de
sabor peculiar quando um ronco de motor interrompe o marasmo. Lúcia
não faz questão de saber do que se trata, prefere continuar tomando
seu café da tarde em paz. Alguém bate palma no portão e sem muita
vontade seu Francisco se levanta e olha pela janela.
-
É aquele detetive.
-
O seu Souza? - Lúcia se ergue.
-
Ele mesmo.
Com
as pernas trêmulas e o coração palpitando os dois vão de encontro
a sou que ajuda Armando a sair de dentro da viatura.
-
O que ele faz fora da cadeia? - Lúcia se abraça ao marido.
-
Senhor e senhora, cometemos uma injustiça e temos que repará-la.
Tudo
foi esclarecido. Demorou um pouco mais Armando Mendonça está outra
vez integrado a família. O abraço dos irmãos deixou Luís Souza
mexido. Antes de ir ele ainda se junta para tomar do café fresco. O
brinde proposto por Souza foi, ao um inocente livre. Todos concordam.
Com
as duas pernas enfaixadas e curativos no rosto e braços, Tiago fita
o teto branco gelo do hospital e se esforça para balbuciar algumas
palavras, ele não consegue restando apenas seus pensamentos.
Droga
de vida. Nem para tirá-la eu presto!