sábado, 18 de março de 2017

Estado Terminal

Prólogo


    A mão trêmula fecha o registro do chuveiro com dificuldade. Enrolado na toalha o oriental se dirige até seu quarto onde estão suas roupas de ficar em casa. Suas pernas finas e flácidas esbarram nas quinas dos móveis e ele tropeça no pequeno tapete. Para se vestir, a dificuldade foi ainda maior. O oriental idoso puxa o ar para se manter de pé. Seu aspecto não é nada bom. Muito pelo contrário, ele parece está sofrendo um ataque. Bem lentamente, ele sai do quarto e cai na sala derrubando também a mesa de centro. O oriental, aparentando ter seus 65 anos, está morto.

1

     Mais um cigarro é aceso e outro copinho de café forte é apanhado. É assim o dia a dia do veterano policial Santos que trabalha no mesmo departamento há 30 anos. A barriga faz com que sua camisa de botão fique justa e o paletó amassado o deixa com a imagem de tiozão gente fina. Na verdade, Santos quer se aposentar e curtir o que lhe resta de vida. O sono que sente o atrapalha um bocado e para disfarçar ele se levanta e faz um curto alongamento. Os dias de plantão costumam ser agitados, mas, por incrível que pareça, esse foi atípico. Santos aproveita para ligar para seu médico.
     - Alô, doutor Jonas, aqui é o Santos, tem vaga pra mim amanhã? – pausa – Muito bem vou passar aí amanhã.
     Santos não anda nada bem de saúde há muito tempo, mas não procura auxílio médico. É teimoso por natureza. Ele volta para sua mesa lotada de papéis e começa a passar folha por folha. É quase fim de plantão quando um jovem policial chega com uma ocorrência.
     - Fala aí, Santos. Quer ir comigo?
     - Pra onde?
     - Briga de vizinhos, é mole?
     - Vamos lá.
     - Certo, mas eu dirijo.
     - O que você quer dizer com isso, que eu não sei dirigir?
     - Não, que você é muito devagar, só isso.

***

     O pau quebra numa pequena vila. Com a chegada dos policias a situação se acalma um pouco. Santos é o primeiro a descer e se mistura ao rebuliço.
      - Vamos lá pessoal, já chega de guerra; quero saber o que houve aqui? (Puxa a calça pra cima). Uma mulher bastante escandalosa até na maneira de se vestir começa a relatar os fatos.
      - Esse covarde pensa que esta vila é dele. Só pode ser. Ele faz o que bem entende aqui. 
     O acusado se defende.
      - É claro, se deixar vocês fazem bagunça. 
     Santos coça a careca.
     - Muito bem, quero saber o que houve? 
     A escandalosa toma a frente.
     - Ele reúne o bando dele na frente da vila e obriga a quem entra e a quem sai a pagar um pedágio. 
     Santos olha firme para o acusado.
     - É para melhorias meu chefe. – se defende o cara de pau.
     - Pelo jeito você anda gastando o dinheiro em outra coisa; não estou vendo melhoria alguma aqui. – Santos vai até a viatura e pega um bloco. – Olha só, isso é para você comparecer ao departamento policial, caso você não vá, serei obrigado a lhe enviar uma intimação.
      - Espera aí, de que sou acusado?
      - Extorsão, pode ser? – Entrega o papel.
      Admirado com a facilidade com que Santos resolveu a situação, o jovem policial o rasga em elogios.
      - Caramba velhinho você é demais. Foi rápido.
      - Tinha que ser, meu plantão acabou de acabar.
      
***

      Santos é deixado no portão de sua casa. Andando devagar o velho policial procura o molho de chaves no bolso do paletó. Santos mora sozinho. Não quis se casar, preferiu viver só com sua coleção de filmes do Bruce Lee. A casa é simples. Parece que não vê a cara de uma vassoura há dias. O quarto é pior que o restante da casa. O cheiro de mofo é impressionante. Ele arranca o paletó e o deixa no sofá. Vai até a geladeira e pega uma lata de cerveja e se joga na poltrona rasgada no encosto. Com apenas um único gole a cerveja ficou menos da metade. O arroto sai alto. A tosse em seguida também. Sua respiração é bastante ofegante, cansada. Preciso mesmo ver o doutor Jonas.
      No início de carreira, Santos era considerado o terror da bandidagem. Chefiou várias operações que colocaram na prisão vários chefões de tráfico de drogas. Já matou muito também e para conseguir o que queria até torturou. De santo, Santos não tinha nada.
      Hoje, velho, barrigudo e careca, o policial se limita em resolver pequenas ocorrências e serviços administrativos. Se sente só às vezes e quando acha que está entrando numa depressão, ele acende seu companheiro de anos, o cigarro. Mesmo com dificuldade, ele pega o celular barato do bolso do paletó e disca o número de Jô, sua eterna namorada.
       - Oi gata já cheguei, tem algum cliente para agora? Não? Então vem pra cá, o mesmo endereço de sempre. Ok, cem reais uma hora? Tudo bem!

2

      A noite foi uma loucura. Santos não se contentou em transar com a prostituta por uma hora e a pagou por mais duas. Jô é sua velha conhecida. Às vezes ela nem o cobra quando está de boa. Ela prefere cair naquela velha história: somos amigos que transam. O despertador faz o veterano pular do sofá onde “desmaiou”. Ao ver que já está em cima da hora, Santos se esquece da dor nas costas e recolhe suas roupas espalhadas pela sala. Chama o primeiro táxi que passa e ruma em direção ao consultório do doutor Jonas.

***

     Bastante imponente, Jonas, com seus cabelos prateados, examina Santos que boceja.
     - Que noite hein senhor Santos. (Abre os olhos do paciente e examina.)
     - Cara, foi uma loucura mesmo. Que garota. Ela igual a vinho, quanto mais velha melhor.
     - Namorada? (Aperta atrás das orelhas de Santos).
     - Não, biscate.
     - Ah, sim, programa, mas você se previne, não é?
     - Lógico, sou macaco velho doutor. – Jonas anota tudo em seu prontuário.
     - Veja bem. – Se senta. – Vou pedir alguns exames e o senhor os faça, por favor; não estou gostando dessa chiadeira no pulmão.
     - O senhor quem manda chefe.

***

    Determinado a cuidar da saúde, o velho policial faz todos os exames exigidos por doutor Jonas. Certo de que não há nada de grave com o seu único bem, Santos os entrega nas mãos do médico. Jonas olha cada um dos exames demoradamente enquanto Santos come as próprias unhas sem perguntar nada. O semblante do médico muda totalmente ao analisar o último e o olhar para o veterano é quase desesperador.
    - Santos, você não está nada bem. – Santos continua a cutucar as unhas. – Seus exames mostram que você tem uma séria doença e...
    - Sem rodeios doutor, sem rodeios, por favor.
    - Tudo bem, vamos lá. Você tem apenas três meses de vida.
    - Como assim? – Engole seco.
    - Pelos os meus cálculos você vai a óbito em três meses, sinto muito.
    - Você precisa me ajudar, Jonas.
    - E vou. Vou lhe passar alguns medicamentos, não perca a esperança.

***

    Três meses, o que fazer em três meses? Santos caminha pelas ruas movimentadas olhando no rosto de cada pessoa que sorri. Sente raiva, do que estão rindo? Da minha desgraça. Na mente um filme se passa. Os arrependimentos vem à tona. Porque não tive mulher, filhos, uma família? Para descansar, ele para num banco de praça e fica a refletir. Olha mais uma vez os exames e sente vontade de comê-los. Um sentimento macabro bate no peito. O sentimento de antecipar a tragédia. Ele coloca a mão no coldre e respira aliviado em lembrar que sua arma ficou em casa. Vou morrer em três meses. 
     Á noite, ele tem os piores pesadelos possíveis. Assustado e muito suado, ele pula da cama e vai até a cozinha pegar uma cerveja na geladeira. Toma num gole só. Santos ainda não chorou, mas isso não vai demorar acontecer. A vontade de ligar para Jô é incrível. Buscar consolo nos braços de uma prostituta. Vou morrer! Ele volta pra cama e tenta dormir mais não consegue. Já são duas horas da madruga e daqui a três horas ele precisa levantar para mais um plantão. Santos está condenado à morte. Na realidade ele já está morto. Assim pensa o velho policial.

3

     Mais um copo de café e mais um cigarro é aceso. Santos já não vê graça nas coisas, nas piadas de seus colegas de departamento, nada. Passa e repassa os papeis dos casos. Ao passar mais uma folha ele vê que um caso foi arquivado e chama atenção da moça responsável por guardar os casos arquivados.
      - Me desculpe a distração seu Santos, quer que eu o guarde?
     - Não, deixe que eu mesmo faço isso.
     Enquanto se dirige à seção dos arquivos, Santos dá mais uma olhado no caso. Doutor Koga, cientista japonês é encontrado morto em sua residência. Caso arquivado por falta de provas. Santos dá meia volta e se senta e começa a ler folha por folha. Depois de vinte minutos lendo, ele fecha a pasta. Ótimo, vou desarquivar esse caso e pelo menos terei meu último ato digno nessa minha porcaria de vida. Vou resolver esse caso.

***

      Sem ser visto, Santos pega uma viatura e se dirige à casa do doutor Koga. Ainda abalado pela terrível notícia, ele corta caminho para chegar mais rápido ao local. Só tenho três meses de vida. Distraído, ele quase antecipa a sua partida da terra ao brecar próximo do para choque de um caminhão. Mais alguns metros e ele chega enfim à residência do doutor Koga.
      - O japa tinha dinheiro. – Limpa o suor debaixo do queixo com o polegar. O lugar está interditado, mas sem se preocupar ele arrebenta a faixa de isolamento e passa arrastando seu surrado sapato. Coloca as luvas e abre o portão. Passa pelo pequeno jardim ainda em tempo de ver lindos pássaros rodeando as flores. Pena que daqui a três meses não verei mais esse maravilhas. O cansaço de repente o assola e ele é obrigado a parar por alguns instantes. De branca a pele fica corada e ele passa muito mal. Um mal estar terrível. Seu coração acelera e ele pensa que vai morrer ali mesmo, antes dos três meses como Jonas havia dito. Sua visão fica turva e ele se escora na parede da varanda.

***

     Recuperado do terrível mal estar, Santos abre devagar a porta. O cheiro de coisas guardadas o faz espirrar. Odeia poeira e lugares fechados. Pouco a pouco ele vai imaginando os acontecimentos. Segundo o que leu, Koga foi encontrado morto no tapete. Oriental é encontrado morto, possível envenenamento, mas por falta de provas o caso foi arquivado. Mas uma dúvida ronda sua mente policial: Se foi descartada a hipótese de suicídio, por que então arquivaram o caso?
      O policial vai até o quarto, nada de anormal. Vai até a cozinha, nada também. Decidido a desvendar o caso, ele sai da casa e resolve investigar a fundo a vida do doutor Koga. De volta ao departamento, ele abre a página do google. Makoto Koga, nascido em Tóquio, Japão. Grande cientista criador de diversos medicamentos considerados milagrosos. Esse fato chamou muito a atenção de Santos. Ele continua. Atualmente está desenvolvendo um novo remédio. Franze o cenho. Que medicamento será esse? A morte do cientista ainda não foi postada na página. Santos clica onde há o nome do laboratório onde Koga trabalhava e confirma o endereço. Anota tudo em seu pequeno bloco e abre a página do site do tal laboratório; o que vê é algo de primeiro mundo. Santos fica sabendo pelo site que Koga era sócio do laboratório. Isso ele anota também. Permanece alguns longos minutos conferindo e depois vai à opção de histórico e o limpa.

***

     Termina mais um plantão e como já era esperado, Santos não aceita o convite para tomar Chopp. Alguns de seus colegas de profissão estranham o comportamento do veterano. Ele jamais negou um convite desses.
     - Qual foi, Santos, está doente? – Santos achou melhor ainda não revelar o seu problema e preferiu insistir em negar o convite.
     Dentro da viatura ele burla a lei e fala ao telefone com Jô, sua prostituta preferida. Marca um novo encontro em sua humilde residência.
     - Estou estressado!
     A noite foi regada a sexo e muita loucura. E o que é melhor, Santos não precisou pagar pelos momentos de puro prazer. Com um casal comum, Jô e Santos dormiram agarradinhos de conchinha.

4

     Pela manhã ele deixou sua “namorada” no ponto de ônibus e partiu para o laboratório onde doutor Koga trabalhava. Mesmo fora de serviço, ele preferiu ir de terno e gravata. É longe o lugar, mas Santos está focado, afinal, ele só tem três meses para resolver o seu último caso.
     Na metade da manhã, ele chega e fica pasmo com a construção colossal. Algum peixe grande financia isso! Desce do carro e se dirige à cancela onde há um guarda.
     - Bom dia. Gostaria de falar com o diretor do laboratório.
     - Quem é o senhor? – Pergunta educadamente o guarda.
     - Santos, policial Santos.
     - Um momento, por favor. – O guarda magrelo digita alguns números e aguarda. – Do que se trata policial?
     - Caso Koga. – O guarda franze a testa e repete a informação.
     - O senhor César irá recebê-lo, senhor. – Aperta o botão deixando o caminho livre.

***

     Dentro da recepção do laboratório, Santos fica ainda mais impressionado com a construção. Realmente é algo de primeiro mundo. Tudo muito limpo e organizado. Vidros temperados por todos os lados e a iluminação é impecável. Algo futurístico. A mocinha que vem recebê-lo tem o coque bem ajustado e puxado, deixando seu belo rosto como de uma gueixa.
     - Por aqui, senhor.
     - Obrigado.
     Ao contrário do que Santos estava esperando, César é um homem baixo e com pinta de nerd. Atendeu ao velho policial como um típico homem dos anos 1920.
    - Como vai meu querido policial, aceita uma xícara de café?
    - Aceito.
    - Em que posso ajudá-lo?
    - Koga. Gostaria de saber o que ele estava desenvolvendo aqui em seu laboratório?
    - Como o senhor deve saber esse laboratório não é só meu, Koga e eu éramos sócios, demos nosso sangue para construir tudo isso aqui.
    - E é claro com a ajuda de alguém penso eu? 
      César deixa de lado toda a sua postura ereta.
    - Aonde o senhor que chegar, senhor Santos?
    - Muito bem, quero desvendar o mistério que ronda a morte desse importante cientista. Porque abafaram um caso que deveria repercutir no mundo inteiro. Não vou sossegar enquanto não colocar o responsável na cadeia. 
      Sentindo que Santos fala sério, César resolve contribuir.
    - Depois do café irei levá-lo ao local onde Koga trabalhava.
    - Fico muito agradecido.
    O que Santos viu depois disso ele só havia visto no cinema. César passa um cartão no que seria uma fechadura e digita algum tipo de código. Com um silvo a porta se abre deixando escapar um ar gélido. O primeiro a entrar é César seguido de Santos. Automaticamente as luzes se acendem cegando momentaneamente o velho policial. O cheiro de éter com produtos de limpeza se misturam fazendo os olhos lacrimejarem.
     - Koga estava desenvolvendo um milagre aqui, eu acho.
     - Um milagre? Fale mais sobre isso.
     - Ele havia dito que queria dar esperança aos doentes terminais. – Santos engole seco. – Não sei se ele conseguiu concluir. Imagine o bem que isso ira fazer a humanidade. Doentes terminais sendo curados.
     - Vocês ganhariam bastante dinheiro. 
       Mais uma vez César se despoja de sua postura.
     - Não sei aonde o senhor quer chegar com esses comentários, policial Santos, mas saiba de uma coisa, Koga e eu não somos capitalistas ao extremo. Queríamos sim ser bem sucedidos, mas isso não vem em primeiro lugar, somos cientistas, queremos o bem estar da humanidade, isso sim é a prioridade, entendeu?
    - Sim. Bom, vamos voltar ao caso. Posso dar uma olhadinha por aí?
    - Como quiser.
    Atento a cada detalhe, Santos nem precisou do auxílio de sua pequena lanterna. O lugar já é bastante iluminado. Passados alguns minutos de silêncio, César faz um comentário.
    - Se o doutor Koga morreu em casa, não seria melhor o senhor averiguar lá também?
    - Já fiz isso.
    - Koga morreu do coração, policial.
    - É o que dizem. – Coloca as luvas. – Tenho lá minhas dúvidas.
    - O senhor acha que ele foi mesmo envenenado?
    - Meu faro nunca me enganou.
    César entrelaça os dedos e espera que Santos termine seu trabalho. Ainda olhando o balcão onde o cientista fazia boa parte de seus experimentos quase que milagrosos. Ao entrar no laboratório do amigo e sócio, César esperava se emocionar, mas não tanto.
    - Koga queria dar esperança aos doentes terminais, esse era seu maior sonho. Nos últimos tempos, ele se trancava aqui e passava o dia inteiro. 
       Santos estava abaixado olhando os fundos da bancada quando ouviu isso.
    - Então ele concluiu sua experiência?
    - Acho que sim.
    - Tem certeza de que não sabe de nada doutor?
      César se mostra impaciente com as colocações do policial.
    - Meu caro policial, devo lembrar que eu o recebi de boa vontade em minha empresa, exijo o mínimo de consideração. 
      Santos olha fixo nos olhos do cientista e retira as luvas.
    - Bom – faz uma pausa – sendo assim, termina aqui minha visita senhor César. Passar bem. (Estende a mão.)
    - O senhor também. Minha secretária irá te acompanhar até a saída.  (Aperta com força a mão do policial.) 

***

    A visita ao laboratório não foi nada produtiva. Santos sai de lá com a pulga atrás da orelha. Será que César esta escondendo algo? Será que ele está envolvido na morte de Koga? Essas perguntas estão fixas em sua velha mente de policial. Agora ele corre contra o tempo. Ao saber que o cientista estava desenvolvendo um medicamento que poderia salvar sua vida, Santos mais do que nunca quer resolver esse caso e quem sabe usufruir dos benefícios desse milagroso remédio. O cansaço começa a bater, mas ele ainda quer voltar na casa do cientista. Quem sabe ele deixou algo escapar a sua visão, seu faro de detetive. Antes de estacionar, ele liga para doutor Jonas informando ao médico os sinais de cansaço. O mesmo pede para que Santos vá a seu consultório. Sem condições alguma de trabalhar, Santos se dirige para o consultório.

***

    Transpirando bastante, Santos espera sentado Jonas voltar com um medicamento.
     - Muito bem Santos, ainda acho que você deveria parar com as atividades na polícia.
     - Ainda não doutor.
     - Posso saber por quê?
     - O senhor é meu médico, então posso confiar no senhor. – Jonas se acomoda na cadeira. – Estou no caso Koga, o cientista que foi morto, supostamente envenenado. Quero resolver esse caso antes de morrer, e vou.
     - Admiro sua disposição, e sinceramente outro em seu lugar já estaria trancado num quarto esperando o fatídico dia. – Se levanta. – Pensando nisso, vou mudar sua medicação.
     - Obrigado doutor.
     Jonas entrega nas mãos do policial um frasco.
     - Esse vai aliviar o cansaço e lhe dar mais disposição, se quiser pode tomá-lo agora.
     - Muito bom.

5

     Curiosamente Santos passou muito mal naquela noite. Passou a noite em claro, mas pela manhã ele estava novinho em folha. Parecia um garoto no auge de seus quinze anos. Ao olhar o calendário, ele se entristece e percebe que ainda precisa correr muito para ter quem sabe o remédio que poderá curá-lo. O mês da descoberta da doença já se foi, agora restam apenas dois. Mais do que resolver o caso, ele quer sua vida de volta e isso ele vai buscar.
     Ao chegar ao departamento, ele faz uma verdadeira pesquisa sobre a vida do cientista. Ele olha em artigos e revistas antigas e busca na internet algo que possa ajudá-lo. Nada. Koga realmente foi um cientista bastante renomado, desenvolveu remédios e ajudou pessoas do mundo inteiro. O nome do doutor César também aparece em boa parte da pesquisa como coadjuvante. Como ele mesmo diz, seu faro nunca o enganou, ele sente que Koga foi assassinado. Santos fecha os olhos, quem sabe orando, pedindo ajuda aos céus. O tempo passa e ele ali, sentado em sua velha companheira de trabalho, a mesa.

***

       Em casa ele fica a pensar se não estaria dando murro em ponta de faca. Será que realmente Koga morreu de um ataque do coração como afirmam por aí. Santos sai da janela e pega o celular. Procura na agenda o número de Jô. Quando vai discá-lo, ele desiste. Estou com problemas demais para transar.  O fantasma da morte volta a sondá-lo. E por fim ele chora depois de muito tempo. A última vez em que derramou lágrimas foi quando viu seu parceiro ser morto a sangue frio numa operação de risco. Por um milagre ele sobreviveu. Agora ele precisa do mesmo milagre que o salvou da última vez. Daqui a dois meses deixarei essa vida. Sem sono, sem fome, sem ter como resolver o caso, provavelmente seu último caso. O mal estar volta e ele se lembra do remédio prescrito pelo doutor Jonas. E por falar em Jonas, Santos vê a necessidade de voltar ao consultório, pois o mal estar só tem piorado desde a última visita.

***

      - Quer dizer que você continua a passar mal. – Jonas coça o queixo.
      - Muito, ontem passei muito mal. 
        Jonas vai até o armário e pega mais um frasco.
      - Vou pedir novos exames. – Escreve – Tome esse remédio, vai acabar com o mal estar.
      Voltando para casa, Santos toma dois comprimidos e pensa em como seria bom se fosse o tal remédio do cientista japonês. A realidade é horrorosa. A iminente morte selou seu destino. Mais do que prender o assassino de Koga, Santos quer a cura e em seu coração ele sabe que Koga concluiu o remédio.

6

      Jonas conversa calorosamente com alguém no celular. Gesticula bastante.
      - O senhor tinha que ter me avisado isso antes agora terei que tomar medidas drásticas. – O telefone do consultório toca. – Preciso desligar. Paciente me ligando.
      Jonas passa a mão nos cabelos prateados e atende.
      - Doutor Jonas...
      - Jonas, estou passando mal, o que faço?
      - Calma, Santos, o que está sentindo?
      - Sinto que vou apagar a qualquer momento.
      - Tudo bem. Quantos comprimidos você está tomando?
      - Um ou dois.
      - Se você tomar três isso vai passar, tome três, eu já estou passando aí.
      Santos desliga o telefone. 
      Jonas volta a ligar de seu celular.
      - Acho que já resolvi.

***

       Depois de uma hora Jonas chega à casa de Santos. O seu nervosismo é quase palpável. Bate na porta. Bate mais uma vez e mexe na maçaneta. A porta não está trancada. O médico entra e para na sala. Ninguém. Vai até à cozinha. Ninguém também. Corre até o quarto e contempla Santos caído na cama. Anda apressado na direção do homem caído e coloca a mão com as luvas em seu pescoço. Morto. O médico gira a cabeça careca e uma espuma clara sai do nariz do velho policial. Jonas abre sua pasta e pega um pequeno frasco e espalha os comprimidos pela cama e chão. Pega no bolso da calça o celular e faz uma ligação.
       - Cheque mate!
       Jonas sai da casa com mais pressa do que entrou. Dá a partida no Sandero e sem fazer alarme sai com o veículo. Ao chegar à estrada ele acelera e depois de rodar alguns longos minutos ele chega ao laboratório de César que o recebe em sua luxuosa sala.
       - Tem certeza de que acabou mesmo com aquele velho idiota?
       - Claro, igualzinho fiz com Koga, fui envenenando aos poucos.
       - Muito bom, mais um fora do nosso caminho. (César termina de digitar no computador.)
       - Você tinha que ter me avisado antes, desde o dia em que ele esteve aqui e se ele descobre nosso esquema, César?
       - Eu queria brincar um pouco com ele, mais quando vi que ele estava falando sério resolvi colocar você em ação. – César entrelaça os dedos. – agora me diga, Santos realmente iria morrer em três meses como você falou? 
          Jonas ri e confirma.
       - Sou médico antes de tudo César, claro que o velho estava condenado, eu apenas antecipei o seu final.
       - Me diz outra coisa, você tem o remédio de Koga!
       - Sim, por quê?
       - Ele realmente cura os pacientes?
         Jonas para de rir.
       - Koga era maluco, porém genial. Claro que cura.
       - Só espero que ninguém mais tente desmascarar nosso esquema. Você precisa continuar vendendo nossos remédios para seus pacientes.
       - Imagine se Koga tivesse conseguido patentear um remédio desses, iria destruir nossos planos, a nossa fonte de renda vem das vendas de nossos remédios feitos aqui. – gesticula Jonas.
       César concorda com Jonas. Todo o laboratório é mantido com o dinheiro dos remédios que Jonas recomenda aos seus pacientes nos consultórios espalhados pelo país. Na época, César, Koga e Jonas se juntaram na intenção de abrirem seu próprio negócio. Makoto Koga sempre foi o mais centrado, seu objetivo era ajudar a humanidade. Já César e Jonas queriam enriquecer a qualquer custo. Montaram o laboratório já com dinheiro ilícito. Jonas e César monopolizavam tudo, os pacientes eram obrigados a comprar remédios do laboratório. Claro que Koga não concordava com isso.

***
       - O que vocês estão fazendo não estava em nossos planos. – vocifera Koga.
       - Fale baixo Makoto, ninguém precisa saber. – César fala tranquilamente.
       - Você concorda com isso, Jonas? – Jonas não responde. – Vou denunciá-los.                             Finalmente Jonas se manifesta.
       - Makoto não seja burro, o esquema é seguro.
       - Estou passando mal, com licença. – Sai batendo a porta. César e Jonas ficam em silêncio. Koga sai da sala decidido a desenvolver um medicamento milagroso e destruir o esquema dos dois.
       - Criar uma medicação milagrosa, isso vai acabar com meu negócio. – diz César.
       - Sim, está na hora de você e Jonas pararem com essa porcaria de monopólio.
         Isso acende a fúria de César.
       - Louco!
       Koga se afasta do grupo e passa a agir sozinho. Sabendo que Koga irá denunciá-los, César recomenda a morte do cientista a Jonas.
       - Pode deixar comigo.
        Koga era um cientista genial, mas também muito ingênuo. Nas reuniões com César e Jonas, ele era envenenado sem saber. Jonas conseguiu trocar seus remédios por um que o foi matando aos poucos.
       - Se ele não fosse tão burro, poderia estar aqui conosco. – comenta César.
       - Pois é. Agora o que foi feito foi feito. Vamos continuar com o esquema. Alguma outra recomendação?
       - Sim. – Entrelaça os dedos. – Quero que você...
        

sexta-feira, 10 de março de 2017

Em Decomposição - Capturados



        Andar pelo pântano a noite foi uma péssima ideia. Ainda mais com pouca munição. Os sapatos estão cobertos pelo lodo e o cheiro do gás entope o nariz. O trio caminha a passos regulares mata a dentro a mais ou menos uma hora. A frente do grupo está Matias segurando seu facão afiado.
            - Tenho sede. - resmunga Carlos.
            - Temos pouca água, aguente firme. - rebate Matias.
            - Matias, onde vamos acampar essa noite? - Jorge pergunta.
          Pergunta difícil. Matias não consegue ver um bom lugar para que todos possam dormir em segurança. Ele olha ao redor e só vê árvores.
            - Vamos em frente, acharemos um lugar.

           Mais à frente, onde passa um pequeno fio de água entre as pedras o grupo vê um baú de caminha abandonado. Matias, Jorge e Carlos comemoram o achado. Resta saber se é realmente seguro. O líder organiza o pequeno grupo. Cada uma pega uma ponta do baú. Jorge saca sua pistola e Carlos seu rifle de atirador. Matias permanece com o facão erguido. Eles circundam o baú e tudo está limpo.
            - Ufa, graças a Deus hoje podemos dormir sossegados. - diz Jorge.
          - Temos mais um trabalho a fazer. - completa Matias. - abrir o baú e ver o que tem dentro, em suas posições.

         Carlos aponta seu rifle para as portas do baú enquanto que Matias e Jorge as abrem. Quando Jorge terminou a contagem de um a três as portas foram abertas emitindo um forte ruído.
             - Droga, isso pode ter atraído os zumbis. - lamentou Matias.
         A caixa de metal está vazia. Matias saca sua pequena lanterna para olhar o interior e tudo o que ele vê são baratas. Carlos se coloca em posição de guarda olhando para a floresta escura.
             - Estão ouvindo isso?
             - O que? - pergunta Jorge.
             - Rosnados.
          - Deve ser um ou dois, a gente dá conta. - diz matias retirando a mochila das costas. - eu vou ficar de guarda durante duas horas, depois o Carlos e em seguida você, Jorge, tudo bem?
             - Certo! - Jorge confere a munição da pistola.
           Nesse momento cerca de 60 zumbis aparecem. Carlos anuncia a chegadas dos mortos-vivos gritando. Matias engole seco e pega seu facão. A briga é feia. Três contra um exército de mordedores. Jorge sempre foi bom atirador. Aos poucos ele vai eliminando os mortos acertando as cabeças. Carlos atira e se abriga entre as árvores. Matias vai fatiando com violência todos os monstros que estão a frente. Suas roupas já estão sujas pelo sangue negro e o cansaço começa a bater.

              O confronto desigual segue. A munição de Jorge acabou, resta apenas ele usar suas habilidades como lutador para destruir os mortos. Fazendo uso do karatê ele vai derrubando, socando e quebrando. Num pequeno intervalo entre um zumbi e outro ele consegue ver uma madeira solta perto do baú.
              - Opa, vamos lá.
            As balas do rifle de Carlos estão perto de acabar, por isso ele utiliza um pequeno punhal que achou. O homem é um pouco lento, mas vai dando conta do recado.
               - Venham, seus desgraçados. - vocifera.
             Matias está visivelmente destruído, mas não se entrega. Ele precisa sobreviver, ele precisa encontrar um abrigo melhor para ele e seus companheiros de labuta. Matias luta com três mortos ao mesmo tempo. Sem perceber ele vai se afastando do ponto de partida e quando se dá conta, está perto do rio cercado por mortos-vivos furiosos. O facão gruda no crânio do zumbi desarmando o ex gerente de banco que cai indefeso.
              - Merda! - grita.

              Sem ter muito o que fazer, Carlos e Jorge se juntam na luta.
              - Cadê o Matias? - indaga Carlos furando o olho do morto.
             - Cara, esquece o Matias, ele já era. - responde afundando a madeira no alto da cabeça do zumbi que desaba.
            - Vamos sair daqui, e rápido, estamos cercados. - Carlos corre em direção as bananeiras quando um grupo de zumbis o cerca.
Sem ter como ajudar o amigo, Jorge continua lutando. Enquanto chuta o rosto já destruído do zumbi ele olha para ver se Carlos conseguiu se salvar, mas, tudo o que consegue ver é o movimento das folhas das bananeiras.

             Amanheceu. Aos poucos a porta do baú vai se abrindo e Jorge aparece olhando ao redor da mata. O cheiro de corpos podres é insuportável. Ele cospe duas vezes e sai com a madeira nas mãos. Sozinho, sem água, sem comida e sem seus amigos. O sujeito vai pulando os cadáveres até chegar nas bananeiras. O que Jorge vê é um monte de pedaços de corpos e vísceras espalhadas. Ele limpa as lágrimas quando escuta um grunhido. A seu lado um zumbi pela metade caído. O homem chuta com ódio várias vezes a cara do bicho que insiste em mordê-lo no pé.
             - Vai pagar pelo que fez com meus amigos. - o último golpe explodiu o crânio do morto.

            Depois de algum tempo Jorge consegue achar a estrada. Muito exausto ele cai no acostamento. Ele permanece ali quase que inconsciente quando escuta o barulho de motor. Seus olhos estão quase fechando e uma picape preta empoeirada para e dois homens descem.
              - Esse aqui está quase morto, vamos matá-lo logo.
            - Não. - diz o rapaz que está no volante. - coloque ele junto com os outros na carroceria.
             Jorge é praticamente arremessado e cai em cima de outro. Criando forças para abrir os olhos, Jorge consegue identificar Matias a seu lado balbuciando algo. Ele olha para a parte de trás da carroceria e vê Carlos amarrado, ferido e desmaiado.
             - Quem são esses caras? - Jorge pergunta.
             - Seremos mortos, amigo.