segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Paredes | Capítulo quatro

 


O que é o poder? Dependendo de quem o tenha nas mãos, o poder pode ser algo altamente destrutivo não só para quem o detém, como para quem se encontra ao redor e dependa direta ou indiretamente dele. Sabrina Fialho é uma dessas pessoas as quais foram agraciadas com o poder e agora ninguém ousa tirá-lo dela. Ela se satisfaz ao ver gente fazendo das tropas coração só por um momento a seu lado. Isso a faz ter explosões de egos que minam seu ser.

Mas alguém pode perguntar: de onde veio essa “rainha”, quem a corou? E o seu reino, por um acaso encontra-se situado entre essas paredes apodrecidas? Sim! É exatamente isso. Sabrina governa nesse mundo onde às drogas, e o sexo livre estão sempre em pauta. Toni, seu principal súdito é o responsável por proporcionar todo o conforto e prazeres possíveis a ela e Sabrina confia muito nele.

— E às garotas? — perguntou enrolando um cigarro de maconha.

— Às colocamos no quarto e muito em breve elas estarão prontas.

Ela terminou de enrolar e o apertou. Toni sacou com agilidade o isqueiro do bolso da calça e o acendeu.

— E o garoto, qual é o nome dele mesmo? — sorveu uma boa quantidade de fumaça.

— Sérgio! Esse já está pronto. Houve uma resistência no início, mas agora ele está mais do que familiarizado.

— Ótimo! Quero que uma dessas garotas seja o prato dele. E quero que seja um show para todos.

— Como queira. — abaixou a cabeça.

Ao redor do “trono”, do lado direito, há uma dupla de meninas se agarrando, trocando beijos e carícias. Do lado esquerdo, aos pés de Toni, há um jovem caído com suas narinas sujas de cocaína. Seus olhos estão bem abertos, brilhantes e ele está praticamente imóvel. Seu estado inspira cuidados. Sabrina Fialho segue sentada assistindo a tudo como se nada estivesse acontecendo. Tudo normal entre aquelas paredes.

*

A não prática de exercícios físicos em conjunto com uma alimentação inadequada e fora de hora estão aos poucos matando Gilberto e agora mais do que nunca ele consegue sentir isso na pele. Caminhar por uma estrada onde boa parte do percurso é feito de cascalhos soltos e mato cortante por todos os lados faz com que o detetive dê razão a tudo que sua ex mulher falava durante o tempo em que ficaram casados. “Beto, você precisa sair desse sedentarismo, ele vai acabar te matando”. Elisabete estava coberta de razão.

Bem a sua frente, Carolina Rodrigues, diferente de seu parceiro, abre caminho por dentro do mato sem reclamar ou parar para buscar fôlego. Isso tem deixado Gil bem irritado.

— Aqui está bom! — falou Pedrosa se apoiando nos joelhos. — não vamos nos aproximar muito. Aqui será nosso ponto de observação.

Rodrigues, devidamente uniformizada zombou do estado do companheiro e depois decidiu embarcar de vez na operação.

— Esse tal de Toni Silva deve ser o contato direto, um tipo de aliciador. Deve rolar outras coisas além de drogas e bebidas lá dentro. Não acha?

— É bem provável. Algo me diz que, Sérgio Ornelas e Michele não estão lá dentro porque querem.

Rodrigues apertou os olhos.

— Estamos lidando mesmo com um caso de sequestro então? — ela voltou a olhar em direção a casa. — e o que estamos esperando?

— Eles nos darão uma brecha e é aí que entraremos com tudo. Eles não sabem que estamos aqui.

*

Michele estava agitada. Mais agitada do que o normal. A todo instante ela tentava saber o que se passava do outro lado olhando pelo buraco da fechadura e isso irrita demais aos outros encarcerados. Principalmente às recém chegadas.

— Eu preciso sair daqui. — falou olhando mais uma vez pela fechadura.

— Você pode até tentar sair do quarto, mas não passará da sala. — disse Sérgio.

— Como tem tanta certeza? — retrucou.

— Eu já tentei fugir e fui apanhado ainda na sala pelo Toni. Paguei caro por isso. — abaixou a cabeça.

A porta do quarto foi aberta. Toni e mais dois rapazes entraram com seus olhares fixos em Michele.

— A nossa rainha nos pediu um show e ela escolheu você, peitudinha.

Michele se encolheu no canto sendo protegida pelas duas recém chegadas.

— E você, meu rapaz. — se dirigiu a Sérgio Ornelas. — irá desvirgina-la. Fique feliz, você é o escolhido.

Meneando a cabeça o garoto se manteve calado. Toni e seus comparsas avançaram para mais próximo dele. Sérgio tremia dos pés a cabeça.

— Quer mesmo ter o fim que outros tiveram? — segurou em seu queixo. — está sentindo esse cheiro? São eles.

Sérgio chorou.

— Ótimo! Isso é um bom sinal. Agora vamos, todos vocês.

*

Sabrina trocava beijos suculentos com um de seus servos mais antigos visivelmente alucinados quando Toni se apresentou. Sem muito jeito para chamá-la o cabeludo resolveu esperar e apreciar aquela cena quente. A rainha abriu os olhos.

— Estão todos prontos? — deu o último selinho no rapaz que dizia coisas sem sentido.

— Sim, senhora.

Ela limpou os cantos da boca retirando a saliva. Se acomodou na poltrona. Ajeitou os cabelos e piscou para Toni autorizando o início do espetáculo. Como um verdadeiro arauto o cabeludo anunciou o início do show.

— E com vocês, Sérgio Ornelas e Michele. Façam um círculo bem aqui.

Aos prantos a dupla de jovens foi conduzida ao centro do círculo sob os olhares sombrios de todos ao redor. Sabrina aplaudia e sorria em silêncio, uma imagem bem assustadora. Bruna e Letícia, às recém chegadas, não estavam acreditando no que estavam prestes a vislumbrar.

— Isso não pode acontecer. — falou Bruna a morena ao pé do ouvido da amiga.

— Por favor, amiga, não faça nada.

— Vou aproveitar que estão todos concentrados e cair fora, voltarei com ajuda.

Letícia a apertou no braço.

— Tá maluca, vai fugir por onde?

Bruna girou sutilmente o pescoço em direção a cozinha de onde vinha uma luz.

— Confie em mim, voltarei com ajuda. Agora solte meu braço.

Sérgio e Michele se abraçaram chorando juntos. Desde quando chegaram aquele lugar eles desenvolveram uma certa amizade e um prometeu proteger o outro. Lógico que tal aproximação foi notória até mesmo aos olhos do principal súdito de Sabrina que a deixou por dentro do que estava acontecendo. A rainha adorou a ideia de um show de sexo com amigos entre aquelas paredes.

— Não precisam ter pressa. — colocou Toni. — temos o dia todo.

Bruna havia dito bem. Todos estavam atentos ao que se desenrolava no centro da sala e sua saída do ambiente não foi percebida. Assim que alcançou o corredor que dá acesso a cozinha ela acelerou os passos. Como havia imaginado, existia sim uma porta e ela se encontrava entre aberta. Ao tocá-la a mesma rangeu fazendo o coração da morena bombear ainda mais sangue. Já do lado de fora, sentindo a brisa fresca acariciar seu rosto, Bruna, ao olhar para seu lado direito onde há uma casinha supostamente onde são guardadas às ferramentas e material para limpeza, seu coração bateu ainda mais forte ao ver um sujeito sentado na raiz de uma mangueira dormindo. Imediatamente ela deu a volta seguindo para a frente da casa. Bastante ofegante e vislumbrando o lugar que dará no caminho por onde chegou com Letícia e Toni, o mesmo a surpreendeu lhe apontando uma pistola.

— Saindo assim sem avisar?

 

 

 


sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Paredes | Capítulo Três

 


Traição é um ato tão nojento, tão sujo, que há quem acredite que possa ser passado de pai para filho. Uma maldição que se não for quebrada, gerações inteiras podem ser assoladas por esse terrível mau. Gilberto deixou o estacionamento do colégio com o coração disparado depois do telefonema de sua ex mulher o pedindo que fosse aonde eles até certo tempo atrás chamavam de lar dos Pedrosa. O que ela quer agora, terminar de jogar às coisas na minha cara?

Estaria ele fadado a essa maldição até a sua saída desse mundo? Seu filho Gerson também será mais um que destruirá sua vida conjugal por um rabo de saia? O que vem sentindo na pele Gil não deseja nem para o seu mais terrível inimigo. O carro parou na calçada. Na tentativa de controlar seu nervosismo ele contou de um a dez e desceu. Bete o aguardava do lado de fora do prédio. Sua expressão não era nada amistosa.

— Oi? — Gilberto manteve a distância.

— Prometo não tomar muito o seu tempo.

— Tudo bem. Vamos subir?

— A Carla está com as amigas resolvendo coisas da apresentação na escola e o Gerson jogando no quarto com dois coleguinhas, então...

— Você quer ir para algum lugar mais reservado?

Elisabete andou em direção ao veículo do ex marido.

— Vamos. Eu te falo no caminho.

Minutos depois lá estavam os dois caminhando lado a lado e em silêncio pelos caminhos estreitos do parque de Cabo Verde onde nos finais de semana ou feriados famílias inteiras passam o dia entre piqueniques e a prática de esportes. A cada cinquenta metros há bancos de madeira pintados de branco e um bebedouro ao lado. Por ser meio de semana e nem ser um dia festivo, o lugar encontra-se vazio e silencioso. Os ex casados pararam perto de uma amendoeira e ali ficaram. Bete não parecia muito a vontade, vez por outra ela olhava para ambas as direções do parque. Gil era a tensão em pessoa. De repente ele viu a mão dela vindo em direção ao seu rosto e se chocando contra ele. O tapa o deixou sem rumo por alguns segundos.

— Posso saber o que significa isso? — perguntou esfregando o local da agressão.

— Nossa! Que alívio, que sensação. Alma lavada.

Pedrosa tentava ao máximo processar o porque da agressão e mesmo enfurecido ele se manteve com a guarda baixa. Quando seus pensamentos ficaram em ordem ele a olhou nos olhos e não viu um pingo sequer de arrependimento.

— O que foi isso, Bete? — perguntou com mansidão.

— Você é o pior ser humano da face da terra, Beto. — os olhos começaram a umedecer. — você foi morar com ela.

Outra surpresa e em sequência outra confusão mental. Gil estava pasmo, como as notícias voam.

— Quem lhe contou isso?

— Não interessa. Seja homem e fale a verdade. — o tom de voz de Bete começara a se alterar.

— Fala baixo, por favor! Quem lhe contou realmente não me interessa. O que de fato importa é: por que me trouxe aqui, para me agredir?

Elisabete mergulhou numa crise de choro tão comovente que contagiou ao investigador. Bete queria parar mas era maior e mais forte do que ela. O mal foi acreditar que, o  esbofeteando a dor, a mágoa, o ressentimento passariam instantaneamente, mas o efeito foi contrário.

— Me leve de volta pra casa.

*

O lugar é uma galeria onde há mais centros de jogos eletrônicos do que qualquer outra coisa. E aonde há modernidade, ali também há um volume expressivo de jovens. Prato cheio para um aliciador como Toni Silva. Especialmente hoje ele veio mais atraente que nós outros dias. Cabelos negros soltos, camisa preta de mangas compridas, porém dobradas na altura dos cotovelos. Calça jeans e sapatênis marrom. O cara estava irresistível. Ele olhava, ou fingia olhar algo em seu telefone quando duas meninas de no máximo dezesseis anos passaram esbanjando beleza e sensualidade a todos os presentes. Toni as marcou e em seguida foi atrás. Para não dar pinta ele parou em um certo ponto da loja de artigos femininos e simulou estar interessado em algumas maletas completas de maquiagem. Uma das garotas passou e ele a abordou.

— Com licença! Qual dessas você levaria?

— Não sei! Talvez essa. — apontou para a mais cara.

— Nossa, mas o valor é alto.

Nesse ínterim a outra se juntou aos dois e ali Toni lançou todo o seu poder de persuasão as fazendo acreditar que realmente ele estava ali para a compra do produto. Uma hora depois de levá-las para lanchar e jogar conversa fora o bonitão deixava o estabelecimento feliz por obter mais uma “pescaria” com sucesso e põe sucesso nisso. Conseguir duas presas nunca foi tão fácil.

— Para onde vamos agora? — perguntou a mais morena.

— Vou levá-las para uma viagem alucinante. — abriu a porta do carro.

— Tem certeza, eu não curto drogas. — retrucou a loira.

— E quem falou em drogas? O meu lance é drinks, gata. Entra aí, pode confiar.

Elas embarcaram no Fiat Punto preto de Toni sendo observadas bem de longe por Gil Pedrosa que já havia anotado a placa e até batido algumas fotos. Tudo isso feito, ele ligou para Rodrigues.

— Localizei o Toni.

Tem certeza?

— Tudo leva a crer que sim. Já te enviei às fotos. Vou precisar de apoio.

Positivo! Estou vendo elas aqui e é bem parecido com o desenho que temos. Te encontro aonde?

— Eles estão saindo. No caminho lhe mando minha localização.

No aguardo.

*

O veículo de Toni deixou a avenida principal e entrou numa via sentido zona de mata de Cabo Verde. Dez minutos depois o carro quebrou para uma estrada de barro e parou cinco minutos após adentrar a imensidão verde.

— O que aconteceu, por que paramos aqui? — questionou a morena.

— A partir desse ponto temos que seguir a pé. — Toni desligou o motor do carro e desceu.

— Hum! Não estou gostando nada dessa história. — continuou a morena.

— Ah, para de ser chata, já estamos aqui mesmo. Vamos.

A outra olhou para Toni Silva e deu de ombros. O trio seguiu estrada a cima até chegarem em uma casa abandona com suas paredes bem deterioradas.

— Chegamos! — comemorou Toni com os braços abertos.

— O que, chegamos aonde, é aqui que você mora? — outra vez a moreninha.

Toni começava a perder a paciência com ela, mas de forma alguma ele demonstrou isso.

— Não! Claro que não. Aqui é aonde me divirto com meus melhores amigos.

A cada passo dado a casa se mostra cada vez mais sombria e intrigante. No alto do que um dia fora uma varanda há o ano de sua construção: 1920. Bota tempo nisso. Às duas mocinhas não se desgrudavam imaginando que tipo de gente viveu ali e como era viver nos anos vinte. Ao subirem os cinco degraus da escada que leva a porta de entrada Toni girou nos calcanhares e às advertiu.

— Vocês estão prestes a vislumbrar o maior reino já constituído entre essas paredes, meninas. Peço que contenham seus olhares e evitem tecer algum comentário estamos entendidos?

Assentiram simultaneamente.

— Ótimo! — com os nós dos dedos o cabeludo tocou cinco vez na madeira bruta da porta.

Aos poucos a porta foi se abrindo e lá de dentro uma mistura horrenda de odores fez com que uma das garotas fosse acometida por fortes náuseas.

— Sem manifestações desse tipo, por favor, recomponha-se. — abriu passagem.

Nicotina, maconha e carne apodrecida, sem falar da escuridão e o abafamento. Essas coisas eram quase palpáveis ali dentro. A verdadeira antessala do inferno. Quando seus olhos se adaptaram ao breu foi possível constatar a presença de pessoas amontoadas ao redor de uma poltrona onde há algo ou alguém acomodado. Toni, sem pedir licença pisoteou algumas pessoas como se elas fossem tapete até conseguir se aproximar de quem estava na poltrona.

— Temos visita minha rainha.

A mais morena estreitou bem os olhos e viu que se tratava de uma mulher usando drag e rosto minúsculo.

— Rainha? — estranhou a mais clara.

Toni se afastou do “ trono” e andou apressadamente tropeçando nos corpos deitados naquele chão nojento e às repreendeu duramente.

— A rainha Sabrina detesta que façam esses tipos de comentários, pelo visto vocês não entenderam minhas recomendações, não é?

— Podemos saber o que está acontecendo aqui? — vociferou a morena.

Nesse momento a porta de entrada logo atrás delas foi fechada trazendo ao ambiente a sensação de estar literalmente no inferno. Às duas garotas se agarram aos gritos irritando ao súdito de Sabrina que as tomou pelos braços.

— Já chega desse espetáculo. Venham comigo agora.

— Para onde vai nos levar? — questionou a morena.

— Eu já estou cansada de vocês. — disse bem perto do seu rosto.

Imediatamente alguns dos que estavam presentes ali na sala saíram em auxílio a Toni Silva conduzindo aos empurrões as meninas até um outro cômodo onde o mau cheiro era ainda pior que o da sala.

— Meu Deus, o que tem aqui dentro? — cuspiu.

— Vocês ficarão quietinhas aqui enquanto eu converso com nossa rainha.

A morena tentou resistir ao cárcere porém sofreu uma agressão no rosto que, devido ao breu ela não soube se defender, muito menos soube quem a agrediu. Elas foram jogadas dentro daquele lugar imundo de chão molhado e paredes frias. Se arrependimento matasse...

 

 


quinta-feira, 9 de novembro de 2023

PAREDES | CAPÍTULO DOIS

 


A conversa com o adolescente foi demorada, arrastada e por vezes até enfadonha, mas era necessário ouvi-lo com atenção. Ao seu final o detetive tinha anotado em seu caderninho um nome chave. Toni. Dudu parecia um pouco mais aliviado.

— Obrigado por cooperar com o trabalho da polícia, meu jovem.

— O senhor promete encontrar o meu amigo? — agora a voz de Eduardo era pastosa.

— Farei o que estiver ao meu alcance.

— Ele só queria curtir, ficar doidão. Serginho não é má pessoa. — declarou de cabeça baixa.

Sob os olhares da diretora, Gil Pedrosa levantou-se abotoando seu paletó.

— Como eu disse, você cooperou bastante. O próximo passo é ir atrás desse tal Toni, eu tenho quase certeza que ele nos levará a Sérgio. — se virou para a mulher atrás da mesa. — obrigado pelo seu tempo, diretora Sofia.

— Disponha. Apareça quando quiser.

Quem é Toni, como ele é? Dudu não o conseguiu descrever com precisão, disse apenas que trata-se de um sujeito de cabelos cumpridos e só. Quantos jovens de cabelos cumpridos há em Cabo Verde? Dezenas, centenas? Assim fica difícil. Gil voltou para o departamento mais esperançoso, agora ele tem um nome na linha de investigação. Um avanço e tanto. Ao  sentar-se em sua cadeira, Rodrigues o surpreendeu jogando uma caixa de papelão sobre a mesa.

— Dimas mandou lhe entregar.

Pedrosa o xingou em pensamento.

— Ah, valeu!

— Em que pé estamos? — a policial cruzou os braços.

— Acabei de conversar com o coleguinha do rapaz desaparecido e consegui um nome. Toni. — tirou a caixa de cima da mesa. — é familiar pra você?

Rodrigues jogou o peso do corpo para a perna direita.

— Eu estou ocupada agora, mas posso dar uma olhada pra você depois.

— O que seria da minha carreira se não fosse você?

— Me deve uma cerveja. — saiu.

Gilberto se viu hipnotizado com o balançar do quadril largo da agente. Ah se ela me desse bola! Foi preciso se estapear para que sua atenção se voltasse para o caso em curso. Pedrosa acredita que Toni abrirá às portas e não só Sérgio Ornelas como outros serão libertos. Enquanto isso não acontece o jeito é fazer com que às coisas aconteçam. Como? Trabalhando.

*

Bete chegou aos quarenta e sete anos de idade do jeito que imaginou que seria. Bonita, em forma e o que é melhor, independente. Ela só não contava em ser mais um número na lista das mulheres que amargam uma traição. Sua decepção é gigantesca. Gilberto não tinha o direito de fazer o que fez com ela. Ele tinha tudo, casa limpa, roupa lavada, uma mulher dedicada ao lar e aos filhos, sexo duas vezes por semana. Nada faltava para ele. Cachorro! Pensou descascando batatas. Bete tenta se fazer de forte mas só ela e o travesseiro sabe o que acontece todas as noites antes de dormir.

Às batatas descascadas e cortadas foram parar dentro da panela com água quente. No cardápio de hoje haverá purê ao molho, uma das refeições mais frequentes na época de recém casada. Pela primeira vez ela almoçará essa comida sem a presença de Gil. O que esperar disso? Saudade ou raiva? E se não for nenhuma das duas coisas? Só pagando pra ver.

*

Carolina Rodrigues é dona de um rosto comprido e comum. Tirando o corpo que é um verdadeiro espetáculo ambulante a céu aberto, a policial morena escura de cabelos negros, lisos, sempre bem ajustados num coque milimetricamente bem feito, passa despercebida por qualquer um. Na verdade, Carolina está mais para uma empregada doméstica — com todo o respeito possível a essa profissão — do que para uma agente da lei. Sem muita paciência, porém concentrada, Rodrigues tem nas mãos alguns boletins de ocorrência que simplesmente foram negligenciados pelo colega de trabalho. Ela até fez menção de levar o fato ao conhecimento do tenente, mas por ser uma mulher imponente e possuir uma certa moral no departamento, Carolina decidiu ela mesma chamar atenção de Dimas.

— Quando não estou a fim de trabalhar eu fico em casa. — falou balançando os boletins.

— Do que você está falando, índia?

— Vai a merda, meu nome é Rodrigues, pare de me chamar de índia.

Dimas engoliu a seco o sanduíche de mortadela.

— Mas você tem traços indígenas...

— Nove pessoas desaparecidas e você teve a coragem de fechar os olhos pra isso, Dimas? Que espécie de policial você é?

Os papéis foram parar no colo do agente branco e calvo.

— Rodrigues, veja bem. Eu não os abandonei, simplesmente eu fui incumbido de outros casos que mereciam mais atenção...

— Todo e qualquer caso merece nossa atenção, oficial, em qual escola você aprendeu isso?

Silêncio.

— Pode deixar. O Pedrosa já assumiu o caso e está se saindo muito bem, diga-se de passagem.

Um policial fardado chamou por Rodrigues na recepção.

— Aquela moça falou que sua filha não apareceu em casa ainda . Cadê o Gil?

*

Nervosa. Mãos trêmulas. Atropelando as palavras. Esse é o estado da mulher a frente de Gilberto que já não sabe o que fazer com nesta situação. Ter um filho ou filha desaparecido deve ser algo desesperador e nessa hora ele sentiu vontade de ligar para Carla e Gerson.

— Me perdoe, detetive, sou uma mulher que criou uma menina sozinha e...

— Entendo perfeitamente. A senhora estava dizendo que sua filha andava envolvida com um rapaz? Eles estavam namorando?

— Um dia antes do seu desaparecimento nós tivemos uma conversa bastante aberta e ela me disse que não. Dei graças a Deus, Michele só tem dezessete anos e o rapaz pareceu-me ser mais velho.

— A senhora chegou a vê-lo?

— Sim! Muito bonito por sinal, mas não me inspirou confiança.

Gil Pedrosa sentia um excitação crescer dentro dele.

— Como era esse rapaz?

— Magro e com os cabelos compridos.

Toni?

— A senhora seria capaz de reconhecê-lo em qualquer lugar dentro ou fora de Cabo Verde?

— Sim! — voltou a chorar. — o senhor acha que ele tem alguma coisa a ver com o sumiço da minha filha?

Se levantou.

— Me acompanhe.

A mãe de Michele foi levada a presença do desenhista. Na sala onde são computados todos os B.Os Gil e Rodrigues se esforçam na busca por alguém por vulgo Toni que já tenha ficha. Por ser um pouco mais habilidosa e também mais simpática ao progresso, Carolina assumiu uma das máquinas e se pôs a fazer as buscas impressionando ao colega de farda.

— Creio que seja um pouco tarde o ingresso num curso de informática. Não acha?

— Você deveria tomar vergonha na cara e aceitar a modernidade. — seguia digitando.

— Já transou essa semana, Rodrigues?

Gilberto mal consegue ver o movimento dos dedos da agente tamanha é a sua agilidade.

— Sim! Duas vezes, porque a pergunta? — deu um rápido clique numa das pasta.

— Hum! Sério, namorado novo? — se inclinou para ler o conteúdo do documento na tela.

— Pra que homens quando se tem brinquedinhos.

Pedrosa ficou boquiaberto com a declaração, mas não deu sequência ao assunto. Nada do que leu chamou sua atenção naquele arquivo. Ele voltou a sala do desenhista que já tinha nas mãos o rosto do principal suspeito. Ele o entregou para Rodrigues.

— Lhe parece familiar?

Carolina olhou demoradamente para o desenho e balançou a cabeça.

— Não, mas é melhor do que nada.

— Verdade! Tire uma cópia e fique com ela. Tenho que voltar ao colégio de Sérgio Ornelas.

*

O papel com o desenho do rosto de um homem cabeludo de aproximadamente vinte anos foi empurrado em cima da mesa em direção a Eduardo que mais uma vez se mostrava assustado.

— Esse é o Toni? — Gil não tirava os olhos dele.

Sofia a diretora da escola também encontrava-se tensa olhando para ambos.

— Sim!

— Sabe aonde eu posso encontrá-lo?

Dudu olhou para o chão.

— Como eu falei antes, seu amigo Sérgio pode estar correndo perigo e esse sujeito. — apontou para a imagem. — pode ser o ponto chave, então, se você puder colaborar com a investigação...

— Eu tentei convencer o Sérgio de não ir com ele, mas...

— Ir pra onde?

— O Toni nos convidou pra ir com ele até um lugar distante da cidade. Ele disse que poderíamos ficar doidões o dia inteiro sem perturbação dos nossos pais ou da polícia. Eu não topei, mas o Sérgio sim. — se entristeceu. — promete trazer meu amigo de volta?

Gilberto trocou olhares com Sofia que mexia nos cabelos.

— Só me diga quais os lugares mais prováveis da cidade onde eu posso encontrá-lo.

Pedrosa estava explodindo de alegria por dentro e quase externando isso ao abrir a porta do HB20 no estacionamento do colégio. Ele tem agora não somente o rosto do suspeito, mas também o local por aonde ele circula. Vamos que vamos. Ao ocupar o banco do motorista seu telefone tocou. Bete.

 


quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Paredes | Capítulo um

 


PAREDES

 

A recepção do departamento de polícia de Cabo Verde é uma verdadeira feira com gente andando, falando, brigando e xingando horrores. Jorge e Dulce Ornelas abriram caminho entre os presentes chegando aflitos ao balcão onde uma policial fala quase que aos berros no telefone.

— Com licença, policial, nosso filho está desaparecido... — Jorge bem que tentou falar.

Bastante imponente, a policial o pediu que aguardasse com um gesto rápido com a mão livre. Dulce interveio.

— Moça, por favor. Meu filho está desaparecido há três dias. Já não aguentamos mais de tanta agonia.

O telefone voltou para o gancho de uma forma bem delicada para dizer ao contrário.

— Sou toda ouvindo. — abaixou os óculos de leitura.

— Meu filho, Sérgio Ornelas, não voltou para casa depois da escola. Isso tem três dias. Nos ajude. — Jorge estava chorando.

Sem hesitar a policial solicitou a presença de um policial disponível. Na porta do DPCV surgiu um homem negro de meia idade, cabelos e cavanhaque brancos vestido com um blazer preto já bastante usado.

— Acompanhem aquele policial ali.

Já no interior do departamento onde ainda era possível ouvir os burburinhos da confusão formada na recepção, o casal foi acomodado nas cadeiras perto da mesa onde numa pequena placa há escrito o nome de seu dono. Gilberto Pedrosa.

— Bom dia! Desculpem a celeuma lá na entrada e também a Rodrigues, ela é uma boa pessoa, mas infelizmente não consegue trabalhar com essa gama de informação. Em que posso ser útil?

Dulce foi acometida outra vez por uma onda de choro e por isso Jorge precisou tomar a frente.

— Nosso filho, Sérgio, está desaparecido há três dias. Ele não voltou para casa depois da escola.

Enquanto o pai fazia seu relato, Gil Pedrosa anotava tudo em um minúsculo caderno de brochura e capa marrom. Dulce, já recomposta, olhou e achou engraçado um homem daquele tamanho possuir um objeto tão desproporcional ao seu tamanho.

— Muito bem. — começou Gil. — infelizmente, senhor Ornelas, o seu relato não diz muita coisa. Vou precisar de mais informações. Prometo iniciar essa investigação imediatamente. — abriu a primeira gaveta. — esse é o meu cartão. Quero que ligue pra mim caso haja alguma novidade. Tudo bem? E não se preocupem. Manterei os senhores informados a cada avanço.

— Muito obrigada, investigador Pedrosa. — Dulce guardou o cartão no sutiã.

*

Às 18 horas o DPCV já havia esvaziado bastante e Gil Pedrosa tomava sua oitava xícara de café com leite analisando alguns documentos em sua mesa. Com esse, já somam dez desaparecimentos em um pouco mais de quinze dias. Seu alerta foi acionado. Rodrigues andava em direção ao banheiro quando foi abortada pelo detetive.

— Você sabia disso?

— Do quê? — arqueou uma das sobrancelhas.

— Nove pessoas desaparecidas e agora mais um. Como assim?

Rodrigues bufou dando de ombros.

— Vou fazer xixi e já conversamos sobre isso.

Enquanto aguardava a volta da colega de profissão, Gil recebeu uma ligação. O nome que apareceu na tela do celular o deixou entristecido.

A que horas você vem? Eu não tenho a noite toda não. — falou Elisabete com rompante.

— Bete, calma, tá. Eu devo passar aí amanhã.

Mais que inferno. Você disse que passaria HOJE.

— Calma, Bete. Não precisa gritar. Não vou poder passar aí hoje. Apareceu um caso de última hora...

Tá bom, tá bom. Amanhã que horas então?

— Às nove. Fechado?

Tarde demais. Elisabete já havia desligado. Gil se recostou na cadeira. Fechou os olhos. Inspirou e expirou profundamente. Quando os abriu Rodrigues olhava condescendentemente para ele.

 Já vi tudo. — colocou às mãos na cintura.

— Pois é. Eu mereço.

Silêncio.

— Veja bem, Pedrosa. Sobre essas pessoas desaparecidas, quem estava a frente do caso era o Dimas e você conhece muito bem como o Dimas é, não gosta de ter trabalho e por isso...

— É! Ele deixou o caso de lado. Mas o pior não é isso? Ninguém se manifestou até agora. Pode deixar. O paizão aqui vai assumir. Quero que me passe tudo.

— Pode deixar.

*

Que sensação estranha sentida pelo agente ao estacionar e olhar para o prédio onde outrora era o seu endereço até algumas semanas atrás. Antes de descer do veículo, Gilberto deu uma olhada no espelho percebendo o quanto envelhecera desde então. Mas ele também sabe que, se há algum culpado nessa história, esse alguém é ele e por isso todo o sofrimento que vem vivendo ele vem suportando sem reclamar um instante sequer.

Apenas um toque na campainha. Essa era sua marca registrada sempre que chegava do plantão. A porta foi aberta por Carla sua filha mais velha.

— E aí, lindona. — a beijou na cabeça.

— Oi, pai.

— Aonde está seu irmão? — Gil permaneceu parado na porta.

— Foi para a explicadora. O senhor vai ficar parado aí?

Bete surgiu na sala segurando um aparelho de TV de vinte quatro polegadas olhando friamente para o policial.

— Ele só veio buscar a TV dele, filha. Toma.

Um nó foi formado na garganta do detetive ao segurar o aparelho e também ao ver Elisabete dando às contas para ele.

— Não demore, Carla, você ainda precisa terminar de ajeitar seu quarto. — disse sumindo da vista dos dois.

— É melhor eu ir.

— O senhor já arrumou um lugar para morar?

Cabisbaixo, Gilberto meneou positivamente a cabeça.

— O papai precisa ir agora, filha.

Voltou a beija-la.

De volta ao carro antes de virar a chave, Gil se estapeou algumas vezes se auto punindo. Seu rosto ardia enquanto olhava para a TV no banco de trás pelo retrovisor. Pouco a pouco a ficha tem caindo e a consciência da perda de sua família vem ficando cada vez mais evidente para ele. Uma vida inteira foi trocada por instantes de prazer sem amor. Só um idiota seria capaz de uma coisa dessas. Ele virou a chave de seu HB20 branco 2016 e partiu para a residência dos Ornelas.

*

— Sente-se, detetive. O senhor quer alguma coisa? Acabei de passar um café. — disse Dulce ainda com o rosto inchado de tanto chorar.

— Aceito. — ocupou a ponta da poltrona.

— Puro ou com leite?

— Com leite se não for abusar.

— Imagina.

Fotos. Fotos da família reunida. Elas estão por toda parte. Isso mexe demais com o policial que precisou ser forte mais uma vez. Eu destruí a minha.

— Prontinho, investigador.

— Ah, sim. Obrigado.

Dulce também trouxe uma caneca de café puro para ela. Antes que Pedrosa perguntasse ela justificou a ausência de seu marido.

— Jorge é autônomo, então...

— É brabeza. — deu um gole. — e o Sérgio, como ele é? Filho único, pelo que sei?

 Dulce estava impressionada com o poder de dedução do detetive.

— O senhor tem filhos adolescentes?

Gil anuiu lembrando-se de Carla.

— Então o senhor já deve imaginar o que passamos. Sérgio nos últimos tempos nos deu muito trabalho quanto às várias horas agarrado no celular ou no computador. Às notas na escola caíram vertiginosamente. Jorge o proibiu de jogar durante a semana.

A próxima pergunta talvez causasse um certo desconforto na dona de casa, mas não importa. Trata-se de uma investigação policial e qualquer informação tem peso de ouro.

— Algum problema com drogas ou outras coisas ilícitas?

Dulce abaixou a cabeça. De repente seu rosto se ruborizou.

— Certa vez achamos maconha na gaveta de roupas dele. Foi terrível. Jorge o ameaçou dizendo que o expulsaria de casa. Os dois brigaram feio.

— Brigaram, como assim, chegaram às vias de fato? — se ajeitou na poltrona.

— Não, mas faltou pouco.

Deixando a caneca vazia sobre a mesa de centro, Gilberto mudou o rumo das perguntas tirando a mulher daquela situação embaraçosa.

— E as amizades dele, conhece algum amigo, Sérgio tem namorada?

— Já teve. Dei graças a Deus quando eles romperam. Às notas só pioraram depois do surgimento daquela menina.

Silêncio.

— Quem aparece aqui, de vez em quando é um tal de Dudu. Colega de escola.

— Sabe o nome completo desse Dudu, onde ele mora?

— Infelizmente não. Só sei que são da mesma classe.

Gil retirou do bolso interno do paletó o seu caderninho de anotações, o mesmo que usou na delegacia. Dulce sentiu vontade de rir.

— Muito bem, dona Dulce, por enquanto é isso. — terminou de escrever. — o trabalho só está no início, então... espero que confie na instituição.

— Claro que confio.

*

Gil mentiu para sua filha quando a mesma o perguntou se ele já havia arrumado um lugar para morar. Na verdade o investigador tem se virado dormindo dentro do carro e isso o vem deixando com dores terríveis nas costas. Voltando para o DPCV a fim de iniciar de fato o trabalho, Luana lhe veio a mente. Sem pensar duas vezes ele ligou para ela.

Sim?

— Está fazendo o quê?

Preparando o meu almoço, porque?

— Posso passar aí, rapidinho? — reduziu ao passar por uma lombada.

Sério, assim, no meio do dia?

— Nós não iremos transar, prometo não forçar a barra.

Eu te conheço, Gilberto, conheço bem essa conversinha.

Parou num cruzamento aguardando a abertura do sinal.

— Estou falando sério, gata. Preciso falar com você.

Aí, aí, aí. Tá bom. Vem.

A equitação é uma das posições sexuais preferida do casal. Tanto para Luana como para Gil, transa perfeita é aquela em que há olho no olho. Ao chegar ao clímax pela segunda vez, a vendedora de loja de sapatos perdeu as forças caindo sobre o corpo do policial que a acompanhou na explosão do prazer.

— Sou uma trouxa mesmo, cai na sua conversa fiada. — disse ofegante.

— Não diga isso. — riu.

Luana tirou seu peso de cima do agente rolando para o canto da cama.

— O que quer conversar comigo?

— Posso passar um tempo aqui?

Luana prendeu a respiração não acreditando no que acabara de ouvir.

— Passar um tempo aqui, nesse barraco? — cobriu os seios.

— Quitinete.

— Que seja. Por que você não aluga um apartamento pra você, seu salário na polícia é razoável.

— Em breve estarei fazendo isso. É só por um tempo mesmo até às coisas se ajustarem. — se sentou.

A vendedora ficou em silêncio olhando pro nada. Gil acariciou sua perna por baixo do lençol.

— Não se sinta culpada. Se há alguém inocente nessa história, esse alguém é você. O errado sou eu.

— Às vezes tento me colocar no lugar de sua ex mulher. Como é mesmo o nome dela?

Pedrosa expirou.

— Bete.

— Não deve ser nada fácil ser traída e...

Gilberto se pôs de pé.

— Posso ou não ficar aqui por um tempo?

Ela colocou a ponta do dedo mínimo na boca processando a proposta.

— Claro que pode, mas promete não encher meu saco e nem bagunçar meu barraco?

Gil deitou-se sobre ela a beijando no pescoço lhe propondo outra coisa.

— Não se preocupe com o aluguel, esse mês é por minha conta.

— Ah, sendo assim. Então me possua.

*

Acordar e perceber que a seu lado Elisabete já não se encontra mais, não por que ela acordou primeiro para ir a academia ou simplesmente desceu para preparar o café mais cedo, mas sim porque o seu relacionamento com ela definitivamente acabou, deixou o coração do detetive partido em milhares de pedaços. Gilberto é um homem grande e a cama de Luana não é lá essas coisas, ela não comporta muito bem duas pessoas ao mesmo tempo, mas é melhor do que nada ou dormir no carro. Luana seguia dormindo com parte de seu corpinho exposto o que fez com que o policial sentisse vontade de transar naquele momento. Segura sua onda, tigrão. O dever lhe chamou e ele prontamente o atendeu.

*

A escola particular aonde Sérgio Ornelas estuda não é a das mais caras de Cabo Verde, tão pouco a mais requisitada, porém possuí uma fachada atraente com sistema de segurança eficiente e o que é mais importante, é um colégio bilíngue. Gilberto certamente matricularia Carla e Gerson na instituição.

Ao ouvir o falatório dos alunos vindo do pátio, Gil lembrou-se mais uma vez do casal de filhos. A saudade apertou pra valer. Ele não conseguiu segurar o choro. Aonde você estava com a cabeça, cara? Voltou a se estapear. Quando se uniu a Elisabete ele prometeu para ele mesmo que ela seria o suficiente para ele em tudo, porém Gilberto não contava com Luana e tem pagado caro por isso.

— Droga! — desembarcou.

Já na sala da diretora ainda sendo devorado por seus arrependimentos e também pelos olhares não tão discretos da mulher sentada atrás daquela mesa enorme de madeira bruta, Pedrosa aguarda a chegada de Eduardo França.

— Mandou me chamar dona Sofia?

Dudu é um garoto alto, bastante magro com marcas de acne por todo o rosto.

— Sim! Esse é o detetive Gilberto Pedrosa. Entre e sente-se.

Assustado, o menino ocupou a cadeira a esquerda do agente.

— Como vai, Eduardo?

— De boas!

— Você e o Sérgio Ornelas são amigos a muito tempo?

Disse que sim com a cabeça.

— Quando esteve com ele pela última vez?

Dudu desviou o olhar para a janela.

— Ele está desaparecido há quatro dias. Você sabia disso?

Gil percebeu um ar de surpresa em seu semblante.

— Não acharia estranho um cara que eu julgo ser meu amigo desaparecer por tanto tempo e eu sequer me preocupo com isso?

Dudu já não tinha mais aquela expressão de antes, aos poucos ela vai cedendo espaço para a tristeza e preocupação.

— Cara, me ajude a salvar seu amigo. Ninguém tem falado, mas há outras pessoas desaparecidas e eu tenho certeza que há uma ligação entre os casos.

Sofia tentou intervir.

— Detetive, por favor, sem pressão.

— E então, Eduardo? Seu amigo Sérgio pode estar correndo perigo.

— Ah, que se dane. — falou entre os dentes. — eu vou falar.