1
A saudade
consome a saúde de qualquer um. Ela é capaz de destruir uma mente
sã e transformá-la num poço de depressão. Nada é como antes
depois da partida de um ente querido, ainda mais sendo esse ente
querido um filho o qual o pai era apaixonado. Fabrício, esse era o
nome do filho de Geraldo Braga, ex policial linha dura. Fabrício foi
sequestrado, torturado e morto por traficantes comandados por Orelha,
chefe de um grupo de bandidos. Dois anos já se passaram, mas parece
que foi ontem. Geraldo não vive mais. Já não viva desde quando foi
abandonado por sua mulher, mãe de Fabrício. Ele criou o garoto
sozinho. Quando estava de plantão, o garoto ficava sob os cuidados
de uma babá. Hoje, já aposentado, Mago, como é chamado, passa o
dia inteiro sentado e bebendo, chorando a morte de seu filho e amigo.
A tarde chega e
mais uma vez Geraldo dorme sentado no sofá. Ao lado dele, uma lata
de cerveja esquenta solitária sobre a mesa que comporta o telefone
fixo. A saliva escorre pelo canto da boca. Aos 50 anos, Mago exibe
uma barriga generosa, braços grossos e pescoço largo. Seus cabelos
grisalhos o deixam com mais idade. Mago, apelido da corporação. Ele
recebeu esse apelido pela bela mente que tinha numa investigação.
Graças a ele, todas as missões de busca e apreensão foram sucesso.
Com ele a frente da situação, todo grupo se tranquilizava, pois
sabia que tudo daria certo. Em quase 30 anos de polícia, Geraldo
perdeu apenas dois colegas e capturou mais de 15 bandidos. Bandidos
barra pesada, fora os pés de chinelo.
Perto das seis
da noite ele desperta depois de um pesadelo. Geraldo acorda
transpirando e ofegante. Olha para os lados e sente tudo girar. Ele
esfrega os olhos, pisca várias vezes e se levanta. Vai até a janela
e boceja. Coça a bunda por cima da calça e se espreguiça. Não
motivo para viver, ele não tem propósito, não há planos para o
futuro. Sem expectativa alguma de vida ele se dirige ao quarto. Abre
a gaveta e pega sua pistola.
- Diz ai minha
companheira de labuta. – fala olhando para a arma em sua mão. –
sem missão somos como soldados mortos. – com habilidade de poucos
ele a aponta para o espelho. Permanece assim durante algum tempo. –
separei você para acabar com a vida do desgraçado que acabou com a
vida de Fabrício, o que você acha? – silêncio. – você disse
que sim? É isso mesmo? Eu topo. – gira o corpo. A gora ele aponta
a pistola para o guarda roupa-estou com você minha amiga, essa
vingança é nossa.
2
Souza cerra os
punhos protegidos pelas luvas. Seu oponente se coloca em posição de
ataque.
- Vamos lá, me
derrube? – afronta o adversário.
Luís morde o
protetor e sem cerimônias avança com sequências rápidas de
cruzados. Com dificuldade o adversário tenta se proteger dos golpes.
Um dos socos o acerta na têmpora. O lutador negro, alto e musculoso
cai como uma palmeira com os olhos trocados. Souza, preocupado vai ao
seu auxílio.
- Tornado,
Tornado, você está bem?
- O que? – faz
expressão de dor. – sim, sim, cara, você está forte mesmo, me
apagou.
- Valeu. – o
ajuda a ficar de pé. – por hoje chega, semana que vem continuamos
com os treinos.
- Tudo bem. Cara
estou orgulhoso de você, nunca tive um aluno tão dedicado. – se
apoia no ombro de Souza.
- Eu é quem
agradeço, o boxe melhorou e muito a minha vida.
- Vamos tomar
alguma coisa gelada? – oferece Tornado.
- Cerveja?
- Pode ser.
***
O bar fica em
frente à academia de boxe de Tornado. O lugar é bem iluminado e
organizado. Professor e aluno, civil e policial, conversam sobre
diversos assuntos e o principal deles são as mulheres.
- Então você se
divorciou?
- Pois é, ela
quis assim, infelizmente. – se serve mais da cerveja.
- Cara, no meu
caso eu dispensei, ela era meio louca, possessiva, queria
exclusividade, cansei.
- E agora, está
morando sozinho?
- Sim e não.
- Sim e não?
Como assim?
Tornado rir
- Solteiro sim,
sozinho nunca. Estou com uma situaçãozinha, dá pra quebrar o
galho. E você? Não come alguém desde quando?
- Cara, pra falar
a verdade, não transo a alguns meses, estou meio que tenso com isso.
– diz constrangido.
- E a sua
assistente, me disseram que ela é uma gata.
- Não rola, com
a Márcia o profissionalismo vem em primeiro lugar.
O garçom chega
trazendo as batatas fritas.
- Luís, vejo nos
seus olhos que você ainda ama sua ex mulher, estou mentindo?
Quase ninguém
faz essa pergunta. Souza não está acostumado a ter esse tipo de
conversa. Essa veio de surpresa e de repente ele se ver tentado a
dizer que não. Mas, o sim vem à boca sem que ele percebesse.
- Faria de tudo
para tê-la mais uma vez, Suzana significa muito para mim.
- Imagino. –
espeta duas batatas crocantes com o palito. – você já disse isso
a ela?
- Sim, mas Suzana
é irredutível, o orgulho é mais forte que ela.
- Isso sim é
muito chato, orgulho.
3
O arroto sai mais
alto do que Geraldo esperava que saísse. Ele se desculpa com a
rapaziada e se serve mais de conhaque. A casa ficou pequena com tanto
homem sentado ao redor da mesa. Geraldo termina de explicar o plano
tendo a aprovação total de todos.
- Não tem como
dar errado. – diz o líder.
- O plano é
arriscado, apagar o chefe do tráfico do morro é algo suicida. –
Lúcio se levanta.
- Eu topo. –
confirma Abílio.
- Eu também. –
diz Marcão. – faz tempo que não declaro guerra a ninguém.
- Quando
executaremos o plano, Mago? – indaga Abílio.
- Amanhã. –
toma num só gole o conhaque sem fazer cara feia. – vou precisar
daquela sua metralhadora, Lúcio.
- Pode deixar, a
minha deliciosinha não cospe fogo a mais de cinco anos.
- Ótimo, agora
metem o pé, eu ligo pra vocês pela manhã.
Mais uma vez
Geraldo está sozinho, mas dessa vez ele está feliz. Se serve mais
do conhaque e o toma de um só vez. Vai até o quarto e pega a
pistola. Aponta para o espelho. Sorrir.
- Fabrício, meu
filho, amanhã o seu sangue será vingado, sua dor, sua agonia, sua
morte, tudo será consumado.
Tudo o que
Geraldo consegue ver e o seu reflexo no espelho de corpo inteiro. Um
homem vazio, sem esperança. A única coisa que o motiva a permanecer
vivo é a vingança. O amargo sabor da vingança. Ele puxa o gatilho
várias vezes e da boca sai o som de disparos. A gargalhada sai alta,
mas ele não se importa com isso.
***
O viciado chora,
grita, implora por sua integridade física, mas não adianta, Orelha
vai atira em sua mão daqui alguns instantes.
- Qual foi
Orelha, eu prometo que vou lhe pagar, cara.
- Seu canalha,
você já me deve e dessa vez não há perdão, eu não sou Jesus
para te perdoar.
- Por favor,
Orelha, não faça isso.
O viciado
raquítico é obrigado a esticar o braço e abrir a mão. Ele chora
copiosamente. Orelha com seu olhar frio, mira bem no centro da mão
mirrada do homem e dispara. O rapaz se ajoelha gritando de dor
escondendo a mão ferida entre as pernas.
- Se não me
pagar até amanhã vou atirar na outra, agora cai fora daqui.
O viciado corre
favela afora deixando rastro de sangue. Satisfeito com o que fez, o
chefe do tráfico sorrir acompanhado de seus comparsas que portam
fuzis e outras armas de grosso calibre. Orelha não pesa mais que 60
quilos, é mediano e tem a pele negra maltratada pelo sol. É
funkeiro legítimo e promove bailes que duram a noite toda na
comunidade. Sua principal característica é a crueldade com que ele
trata seus adversários ou moradores que desobedecem suas leis.
Certa vez, um
homem que bateu na esposa por que bebeu demais foi espancada até
quase a morte por ele e seu bando. O homem tem sequelas até hoje e
anda com auxílio de muletas. Uma moradora que falou demais teve os
cabelos raspados e as unhas das mãos arrancadas com alicate. Sem
falar nos rivais quando são capturados. Orelha faz questão de andar
com eles pela favela ostentando poderio antes de dá a sentença
final. Um dos rivais de uma facção foi brutalmente assassinado com
golpes de machado. Teve os membros superiores e inferiores cortados
ainda vivo. Orelha é temido até por seus companheiros. A sua
obsessão por se manter no controle é tanta que em alguns casos ele
comete equívocos, como confundir um jovem pacato e estudioso com um
rival.
- Qual o seu nome
pivete? – aponta a arma para o rapaz amedrontado.
- Fa, Fabrício,
por favor, não me mate.
- Vamos dar uma
volta. – empurra o garoto para o carro.
O filho do ex
policial Geraldo Braga é levado para o alto da mata. Ainda dentro do
carro ele sofre terríveis torturas sendo obrigado a confessar aquilo
que ele não é. No local onde seria sua morte, Fabrício sofre ainda
mais com os cabos das armas e chutes violentos. Por fim Fabrício é
morto com vários tiros na cabeça e sendo chamado de vacilão o
tempo todo. Mais tarde Orelha tomou conhecimento de que havia
cometido um engano, mas pouco se importou com isso.
4
A conversa com seu
instrutor de boxe foi legal, mas a parte em que tocaram no assunto
Suzana bem que poderia ter ficado no esquecimento. Lembrar do grande
amor de sua vida ainda lhe causa dor. Souza quase não pregou os
olhos aquela noite. Das vezes em que conseguiu dormir, ele sonhou com
Suzana e Jéferson e ele juntos novamente. Ao acordar e perceber que
tudo não passou de um sonho, seus olhos se enchiam de águas e as
lágrimas escorriam molhando o travesseiro. Do que adianta ser o
melhor policial da cidade se não há com quem compartilhar esse
mérito? Passar os dias sozinho num apartamento pequeno cheirando a
solidão é bastante complicado. Sempre que está assim, Luís enfia
a cara no trabalho e as coisas se complicam para os bandidos.
Márcia chega a sua
sala com um mandato de prisão. Com uma fome voraz de trabalho e até
mesmo para esquecer a dor que sente na alma, Souza se levanta
deixando seu café pra depois.
- Assuma, eu vou
só.
A viatura dobra a
esquina e dentro de alguns minutos Souza estará frente a frente com
o suspeito. A casa é grande e tem pichações no muro e até mesmo
nas paredes da própria residência. Souza saca a pistola. O silêncio
diz tudo. A calmaria é um perigo. Toca o interfone duas vezes e
quando vai para a terceira a voz metálica atende.
- Bom dia, quero
falar com Wilson Carlos, ele está?
- Está falando
com ele, quem é?
- Luís Souza, da
polícia, podemos conversar?
- Vou abrir.
A entrada até que
é tranquila. É possível ver uma câmera de segurança a cima da
porta principal, o maldito já havia me visto. Souza sobe
alguns lances de escada quando Wilson Carlos aparece com um sorriso
largo e cínico.
- O que traz o
famoso Souza a minha humilde residência?
- Eu tenho um
mandato, queira ficar de frente para a parede.
Wilson é um pouco
mais alto e forte. Usa uma barba mal aparada e tem olhos arregalados.
- Sou inocente. –
diz sorrindo se virando para a parede.
- Cale-se. –
Souza o revista. – está sozinho?
- Agora estou com
você.
Luís enfia a mão
entre as pernas de Wilson.
- Gostou de sentir
meus colhões entre seus dedos?
- Se não calar essa
boca eu prometo que eu te apago.
- Posso saber ao
menos do que sou acusado?
- Trafico de drogas.
– gira com truculência o corpo flácido de Wilson.
- Espera ai, eu sou
apenas um humilde universitário.
- Você vende drogas
no campus da faculdade, estamos de olho em você à quase dois meses,
vem comigo.
Um sujeito aparece
agredindo Souza com um taco de beisebol. A pancada deixou o policial
desnorteado. Wilson aproveitou para atacá-lo também.
- Vamos matar esse
negro safado Gutão. - vocifera Wilson Carlos.
Vendo que será
morto a pauladas e não podendo atirar, Souza resolve encarar os dois
agressores. O que está com o taco de beisebol avança para acertá-lo
no rosto. Luís se esquiva com precisão e o acerta na têmpora. O
homem cai mais não apaga. Wilson mesmo mais lento desfere um soco
que passa em branco. Souza acerta o queixo do gordo que tem o maxilar
deslocado na hora. O grito do traficante é gutural. O outro se
recupera e fica frente a frente com Luís.
- Então. – Diz
Gutão. – vem.
Gingando pra cima
do bandido, Souza consegue deixá-lo sem rumo. Gutão é baixo e
troncudo, seu golpe passa perto do nariz do policial que sente o
vento passar. Chega de conversa, hora de resolver logo isso. Souza
acerta um cruzado de esquerda e outro de direita. Gutão vai ao chão
apagado. Vendo que seu comparsa fora abatido, Wilson tenta fugir para
os fundos.
- Nem comece a
correr gorducho, você está preso.
5
O plano é
perigoso, porém Mago está determinado. Ele dirige em alta
velocidade o Toyota prata rumo à comunidade onde Orelha chefia. A
seu lado seu fiel escudeiro Lúcio fumando seu cigarro fedorento. O
plano é simples. Desarticular os que estão na linha de frente.
Cercar as entradas e as saídas do morro. Subir a favela mandando
chumbo grosso na vagabundagem e encontrar o chefe e matá-lo. Fim de
história, vingança concluída.
A caminho da
comunidade o Toyota passa pela estrada beirando a praia onde Fabrício
e ele costumavam frequentar. O garoto nadava como um peixe e ele nem
tanto. Um final de semana era pouco para curtição de pai e filho.
Depois da praia sempre havia um cinema com direito a um lanchinho no
final. Um nó se forma na garganta do robusto ex policial. Ele se
segura para não chorar.
***
Já é possível ver
a comunidade. Pipas no céu azul sem nuvens, roupas estendidas em
varais improvisados, som alto, ruas com asfalto irregular, motos,
muitas motos circulando. E poucas são as casas que mostram seu
acabamento perfeito. Mago é o primeiro a descer. Olha para Lúcio
que lhe devolve o olhar.
- Vamos matar os que
estão na linha de frente para facilitar nossa entrada. – ordena
Geraldo.
- Vamos deixar um
grupo na mata caso eles fujam pra lá. – Lúcio joga fora o
cigarro.
- Ótimo, vamos
começar então.
Dois indivíduos na
mesma moto passam devagar pelo beco estreito exibindo suas pistolas.
O garupa aproveita para mexer com as garotas que pintam os cabelos na
calçada quando o que conduz a motocicleta é alvejado com um tiro no
peito. O menino que não tem mais do que 17 anos tomba derrubando seu
parceiro para o lado. As meninas correm desesperadas. O garupa também
corre, mas é morto com dois tiros pelas costas. O gol preto passa em
alta velocidade com todos os vidros abertos.
Um soldado com seu
fuzil circula da extremidade da ponte a outra. Sem camisa e com a
bermuda frouxa, o rapaz observa quem entra e quem sai do morro. Um
tiro, uma morte. O bandido cai com fuzil e tudo no valão.
O garoto que segura
um rádio transmissor se desespera ao ver o Toyota subindo a rua e
antes mesmo de se comunicar com os que estão na parte de cima ele é
morto. Outros assim como ele são abatidos. Geraldo o Mago entra na
favela passando por cima de tudo e de todos.
***
Enquanto o coro
come solto lá em baixo, Orelha transa com duas meninas menores de
idade. A festinha diurna é regada à cerveja, energéticos e é
claro drogas. Uma das meninas está visivelmente fora de si dançando
como louca seminua. A outra troca beijos pra lá de molhados com o
traficante. De repente alguém bate na porta com força.
- Estou ocupado
agora. – vocifera.
- Se liga
Orelha, a favela está sendo invadida.
A menina sentada no
colo do bandido voa pelos ares quando ele se levanta procurando sua
bermuda.
- Cai fora as duas,
mete o pé.
Orelha abre a porta
e imediatamente um soldado entra suando frio e se atropelando nas
palavras.
- Temos que sair
daqui cara, eles já mataram mais de quinze nossos.
- Eles quem? Os
canas?
- Sei lá, vamos
embora e rápido.
Não há tempo a
perder. Orelha pega sua arma. Veste uma regata e foge para a mata. Lá
em baixo mais um marginal é morto. Lúcio, Abílio, e Marcão botam
pra quebrar pra cima dos vermes. Os moradores vivem horas de puro
pânico. O comércio local fechou as portas. Os ambulantes se abrigam
como podem e até agora nada da polícia chegar, ninguém ousa
chamá-la.
Dois traficantes
pulam desastrosamente um murro. Um deles tem a calça agarrada pelo
vergalhão da coluna. Abílio ao ver aquilo rir junto com seu
companheiro. A arma é sacada, e em seguida a cabeça do bandido é
esfacelada.
- E o outro?
- Calma. – Abílio
cospe. – galinha de casa não se corre atrás.
Na mata Geraldo
aguarda a fuga dos malditos. Ele e mais dez homens. A vista daquele
lugar é maravilhosa. É possível ver toda cidade de ponta a ponta.
Lúcio chama no rádio.
- Nosso serviço
aqui já zerou, Nada do Orelha até agora.
- Tudo indica que
ele está vindo para cá. – olha ao redor das árvores.
- O que faremos
agora?
- Fiquem de guarda,
daqui a pouco darei novas instruções.
- Copiado,
aguardando então.
***
Na frente vai o
bucha do soldado mirando seu fuzil para tudo que se move. Logo atrás
o chefe quase urinando nas calças. A subida castiga quem está fora
de forma. Ainda sob os efeitos da cocaína, Orelha mal consegue ver o
que está a sua frente.
- Vamos parar para
descansar chefe?
- Você está
maluco. – Orelha sussurra. – temos que chegar na comunidade
aliada antes do anoitecer. Vamos.
- Caramba, ela fica
depois daquelas montanhas lá.
A voz de Geraldo soa
entre as árvores fantasmagóricas.
- Vamos poupar esse
trabalho todo.
Sem perceber os
bandidos param de respirar. Cerca de dez homens aparecem apontando
suas armas. O soldado mija nas calças chorando. Orelha irritado se
rende.
- Ótimo, bem como
eu imaginei. – Mago olha para o rapaz choramingando. – meu papo
não é com você. – atira na cabeça do vagabundo. Orelha não
acredita no que seus olhos estão vendo.
- Quem são vocês?
- Isso não
importa, agora se levanta, temos conta a acertar.
- Veja bem, lá em
baixo no meu barraco tem grana, muita grana, podemos negociar essa
parada?
- Disso já
sabemos, o nosso negócio aqui não é grana e sim você.
Orelha franze a
testa.
- Pois é, você
matou meu filho. Sequestrou, torturou e o matou, vai acontecer o
mesmo com você agora.
O rosto do
traficante fica transtornado.
- Ai, chefe, pode
esculachar, perdi mesmo.
Lúcio e Abílio
tomam cerveja que um ambulante deixou para trás na hora da invasão.
O issopô estava cheio de latas de refrigerante, cerveja e garrafas
de água mineral. Depois de meia hora Mago chama no rádio.
- Estou descendo
com o pacote.
Mago anda pelas
ruas estreitas da comunidade exibindo a cabeça de Orelha. Tudo é
visto pelos moradores. O sangue ainda escorre. Ao se juntar com os
companheiros a festa é grande. Muitos tiros para o alto são dados.
- Satisfeito agora,
Mago? – pergunta Lúcio.
- Nasci de novo. –
olha para a cabeça de Orelha.
- O que fará com
esse merda? – Abílio cospe.
- Isso aqui é o
meu troféu, quem proporcionou isso foi Fabrício, meu filho, eu
dedico essa vitória a ele. – mais tiros.
- A única
preocupação é que outros como ele virão e dominarão a favela. –
Marcão comenta.
- Isso não
acontecerá, a turma do Mago a partir de hoje é dona da comunidade.
- Está falando
sério, Geraldo? – indaga Abílio.
- Muito sério. –
olha para as casas humildes. – isso aqui agora é meu.
6
A captura do
traficante que atrapalhava a vida de quem realmente queria estudar na
faculdade, rendeu a Souza mais elogios e é claro a permanência no
topo como o melhor policial da cidade. Para ele tudo não passou de
um cumprimento de dever de um defensor da lei. Para os colegas, a
prisão de Wilson Carlos e seu comparsa era algo quase que um sonho
para todo o departamento. Luís Souza termina de fechar os relatórios
esclarecendo sobre a prisão do traficante quando Márcia entra
informando sobre uma suposta invasão da comunidade do Farol.
- Uma invasão? –
Souza entrelaça os dedos e se declina na cadeira.
- Especula-se de que
traficantes rivais tenham invadido para tomar a venda de drogas. –
se acomoda a frente do chefe. – você se lembra quando estivemos
fazendo uma operação lá?
- Claro, havia um
mandato de prisão para o chefe, esqueci o nome dele agora. –
estala os dedos.
- Orelha!
- Isso, Orelha, esse
cara é escorregadio demais, já executou alguns de nossos colegas
com requintes de crueldade.
- Pois é. Então,
esse mesmo Orelha está desaparecido, desde a invasão dos rivais ele
não é visto.
- Quero uma
investigação minuciosa quanto a isso, quero saber o que houve
realmente.
- Certo chefe.
***
O presidente da
associação de moradores da comunidade do Farol treme na base diante
da figura de Mago e seus homens. No lugar onde ele deveria está
ocupando, Mago legisla suas regras.
- Se liga meu chapa,
eu sou da paz, alias. – abre os braços. – nós somos da paz, se
a galera seguir direitinho a cartilha do Mago aqui, eu lhe garanto
que ninguém sairá machucado, você consegue entender?
- Sim!
- A partir de hoje,
eu, o Mago, é o dono da favela do Farol, e você, continuará a ser
o nosso presidente, tudo bem?
- E como será o meu
proceder? – pergunta gaguejando.
- O mesmo, porém,
antes de tomar qualquer decisão eu quero ficar sabendo. – se
levanta e fica frente a frente com Antônio. – se liga Antônio, o
Farol é meu, ou seja, padarias, lanchonetes, bares, barraquinhas de
doce que ficam na porta de colégios, lojinhas de roupas, gás, TV
por assinatura, serviço de internet, cooperativas, tudo agora
pertence ao Mago. Reúna toda essa galera e deixe isso claro para
eles, certo?
- Farei isso
imediatamente. – engole seco.
***
A sala abafada da
associação está apinhada de pessoas, cada uma mais humilde que a
outra. A careca negra de Antônio transpira bastante antes do
anúncio. Todos estão nervosos, a ponde de um ataque.
- Atenção
pessoal, a comunidade hoje tem novo dono, Geraldo Braga, ou melhor,
Mago, vou passar bem devagar as suas exigências.
Antônio passa a
lista. As reações são simultâneas e semelhantes. Revolta, esse é
o tom em cada rosto e olhar. A reunião termina em silêncio e em
silêncio todos saem da sala. Viver sob os domínios de traficantes é
claro que é algo ruim. Viver sob ameaça constante de ex militares
que na mão grande tomaram a comunidade também não deve ser nada
fácil. A entrada dos milicianos na favela do Farol não garante
tranquilidade e vida folgada para os moradores. Eles terão que
seguir uma cartilha dura e caso não a cumpram correrão sério risco
de morte ou represaria contra membros da família. à lei dentro do
Farol agora é assim e “ai” daquele que não a cumprir.
7
A van com sua lataria
amassada e algumas janelas faltando vidro para abruptamente fora do
ponto para o desembarque de alguns passageiros. Mago junto com Abílio
e Lúcio pedem para que o motorista desça por alguns minutos.
- Calma pessoal, eu
só vou bater um papo com eu parceiro aqui.
Desconfiado o
motorista desce olhando na cintura de Mago uma pistola.
- E ai, até agora
quantos passageiros você fez?
- Pô, estou na
minha segunda viagem, uns 50, acho.
- Essa van é tua?
- Sim!
- Era tua você quis
dizer, agora ela é minha. – pega o maço de cigarro no bolso da
camisa. – todo o transporte alternativo dessa linha agora pertence
ao Mago, ou seja, eu. – acende o cigarro. – você costuma
trabalhar até que horas mais ou menos?
- Até as 20h. –
responde tremendo.
- Acho que você
terá que fazer hora extra, por que 70% das passagens ficarão
comigo, certo?
- 70%?
- Sim, alguma
objeção? – solta a fumaça na cara do motorista.
- Não, tudo bem.
- Bom garoto, agora
vá, não quero meus passageiros esperando. – bate várias vezes no
ombro largo do rapaz.
***
Enquanto isso
cobradores a serviço de Mago passam pelo comércio fazendo cobranças
indevidas e para os que ainda não pagam à ordem é para forçá-los
nem que para isso usem a violência. O dono de uma humilde pensão é
chamado no portão. O mesmo atende.
- Boa tarde meu
senhor, viemos cobrar pela segurança de seu estabelecimento.
O homem negro,
magro e de meia idade fecha o semblante.
- Olha bem para a
minha cara, vê se eu vou dar algum dinheiro para vocês.
- É para o seu
próprio bem meu senhor. – insiste Marcão.
- Eu trabalho duro
para conseguir viver, minha aposentadoria não dá nem para os meus
remédios, agora se me dão licença tenho muito o que fazer. –
entra batendo com o portão.
Marcão anota o
endereço e segue para o próximo “cliente”.
***
O velho Jurandir
termina de ensacar suas compras. Agradece a caixa do supermercado e
sai do estabelecimento segurando firme as sacolas. O seu fusca 1969 o
espera na porta. Com cuidado ele coloca as compras no banco traseiro.
Depois de algumas tentativas o fusca creme pega ruidosamente.
Na estrada que dá
acesso à comunidade um Toyota o corta. Jurandir xinga palavrões
terríveis. O veículo maior reduz a velocidade até ficar lado a
lado com o fusca. A janela do carona abre e o cano do fuzil aparece
cuspindo fogo arrebentando com o carro e o seu condutor. O fusquinha
perde a direção e bate com força no poste. O Toyota segue seu rumo
estrada afora. Enquanto isso a esposa do velho Jurandir o aguarda
para os preparativos da pensão. O que ela não sabe é que seu velho
o qual está casada há 39 anos jamais voltará para a casa.
***
A favela do Farol
nunca esteve tão calma, tão em paz. Mago e seus homens realmente
dominaram aquele local outrora tão hostil e violenta. As rondas são
feitas quase que constantemente. Ninguém se atreve a falar nada. As
opiniões se diverge. Alguns estão adorando, outros detestando. O
que era apenas uma vingança se tornou algo rentável. Geraldo tem
faturado bastante com o transporte alternativo e internet. O próximo
passo é a TV por assinatura.
Na reunião que
acontece na casa que era de Orelha na parte alta do morro, Mago
organiza sua “empresa” ao lado de seus cães de guarda, Abílio,
Lúcio e Marcão.
- Temos aqui mil
reais da internet. – Abílio joga as notas de dois de cinco e de
vinte na mesa. Conferindo o dinheiro das vans ele faz o seguinte
comentário.
- Estou pensando em
expandir meus negócios.
- Como assim? –
indaga Marcão batendo a cinza do cigarro.
- Quero dominar
outras comunidades. – coloca um bolinho de dinheiro num saco de
pano. – quero deixar cada um de vocês responsáveis por favela que
dominarmos.
Abílio engole
seco.
- Geraldo, não
seria muito arriscado, quero dizer, o plano de início seria vingar a
morte de seu filho e agora a conquista de novas terras, quem você
está pensando que é Alexandre o grande? – todos riem menos Mago
que continua a contar o dinheiro.
- Lúcio! – o
mesmo arqueia as sobrancelhas.
- Diga!
- Conseguiu o
tratamento para o seu garoto naquele hospital de gente rica?
- Sim, por que?
- Com o seu salário
de policial aposentado você conseguiria?
- Lógico que não.
Mago e Abílio se
encaram por alguns segundos e o mesmo entende o recado.
- O nosso país, o
nosso estado está cheio de vagabundos a começar pelo presidente.
Nós somos os xerifes, alguém tem de dar um jeito nessa bagunça e
ninguém trabalha de graça, se eles querem segurança é preciso
pagar por essa segurança. Enquanto estamos aqui, contando nossa
grana, outras comunidades sofrem com o tráfico, são garotos e
garotas aliciadas por bandidos e só quem pode dar um jeito nisso
somos nós, a turma do Mago.
8
Souza e Márcia
acompanham a retirada do corpo de Jurandir do fusca. Um PM se
aproxima trazendo os documentos do cadáver.
- Detetive Luís
Souza, prazer em conhecê-lo.
- Todo meu policial,
o que temos aqui?
- Segundo
testemunhas a vítima foi executada, um carro grande com carroceria
parou ao lado e disparou várias vezes.
- E onde está essa
testemunha? – Márcia segura os documentos com um lenço.
- Sumiu, foi embora.
- Tudo bem. –
Souza olha ao longo da estrada. – a família já foi informada?
- Sim, o senhor
Jurandir era morador da favela do Farol que fica aqui perto.
- Favela do Farol? –
Souza aperta os olhos.
- Sim!
- Lembrei, onde
houve uma invasão de traficantes rivais.
- Essa mesmo, por
falar nisso. – continua o PM. – o clima está bastante estranho,
o chefe do trafico sumiu, ninguém sabe onde se meteu.
- Isso mesmo. –
Márcia olha para Souza. – andei sondando por lá e ninguém sabe
de nada.
Souza olha para
baixo e comenta.
- Isso está me
cheirando a milicianos.
- Milicianos! –
afirma Márcia.
- Só pode. –
Souza coloca as mãos na cintura. – temos que investigar a fundo o
que anda acontecendo por lá, as pessoas humildes que ali habitam não
podem mais ficar sob a tirania de um grupo paramilitar. O estado deve
e vai entrar lá.
***
Um dos donos de
cooperativa de transporte alternativo discute fervorosamente com
outro sobre a questão da baixa porcentagem que fica para empresa.
- Temos que dar um
fim nisso senão seremos dominados totalmente pelo Mago e sua turma.
- Mas o que se há
de fazer? Ele tem homens a seu dispor, homens armados e perigosos,
estamos impotentes perante essa situação.
- O jeito é
sonegar. – bate na mesa.
- Sonegar?
- Isso mesmo, não
iremos mais repassar os 70% das passagens.
***
O rapaz treme diante
da face fechada de Geraldo que reconta o dinheiro. O silêncio dentro
da sala é torturante.
- Cadê a outra
parte do dinheiro? – a voz de Mago soa ameaçadora.
- Seu Mago, eu não
sei, eu sou apenas o cara que entrega. – o rapaz sua por todos os
poros.
Mago se levanta.
Saca sua arma e aponta para as partes íntimas do jovem.
- Cadê o dinheiro?
– grita.
- Eu não sei, eu
juro, não me mate, por favor. – chora.
Lúcio entra e se
inteira do assunto.
- Vamos dar uma
surra nesse otário. – sugere o capataz.
- Isso mesmo, você
vai servir de lição para os outros, chama Marcão.
Marcão é um negro
com quase dois metros de altura, forte, musculoso e gosta de bater.
Junto com Lúcio ele espanca o pobre rapaz que grita a cada golpe
recebido. Mago apenas observa. Se diverte com o sofrimento alheio. A
sessão de tortura termina vinte minutos depois com o rapaz
desacordado.
- Jogue água na
cara dele que ele volta. – Mago cospe. – quando ele acordar
deixe-o ir embora.
***
No ponto final das
vans que fica na entrada da comunidade alguns dos donos da
cooperativa aguardam a volta de Lino. A demora atormenta a todos.
- Viu, eu falei que
não era uma boa ideia sonegar o dinheiro dos caras, com certeza eles
mataram o Lino lá em cima.
- Calma, veja, acho
que é ele vindo.
Lino aparece no
ponto com ferimentos no rosto e cabeça. Ele mal consegue ficar em
pé. Imediatamente os dois vão em seu socorro.
- Eles me
espancaram e o Mago falou que quer o dinheiro senão vai matar geral.
Ele se olham. Levam
o rapaz para o hospital.
9
Souza veste seu
colete a prova de balas ainda dando instruções aos policiais que
participaram da operação. Ele sabe do risco que é entrar numa
comunidade. O detetive conta com dez viaturas fora os carros
blindados. A imprensa faz cobertura a todo o momento com flashes ao
vivo. O secretário de segurança responde uma a uma as perguntas do
jornalista na porta do departamento.
- Senhor
secretário, é verdade que há milicianos dominando a favela do
Farol, o senhor pode afirmar isso?
- Não, estou
enviando o agente Souza ao local apurar os fatos.
- Secretário. –
chama uma jornalista. – estamos ao vivo e o nosso apresentador está
perguntando se essa operação tem como fim a captura do traficante
Orelha?
- Não posso
afirmar nada, tudo o que sabemos que esse tal Orelha está
desaparecido há dias, os nossos agentes entrarão na comunidade e,
com certeza, voltaram com um resultado satisfatório.
Enquanto isso,
Souza entra na viatura e parte para a comunidade do farol.
- Já sabem o que
fazer, há uma grande possibilidade de conflito hoje, não
encararemos bandidos comuns, milicianos sabem atirar, são ex
policiais, por isso todo cuidado é pouco.
***
Geraldo Mago anda
de um lado para outro segurando sua pistola. Marcão e Lúcio armados
com metralhadoras aguardam a decisão do chefe. Mago abre a janela.
Dá uma tragada no cigarro já pela metade.
- Não vamos
recuar, não vamos. – balbucia Mago. – temos que encarar.
- Geraldo, quem
está a frente da operação é o Luís Souza, cara, vamos cair fora.
- Vai você
Marcão, está se borrando de medo. – vocifera Mago. – temos que
proteger nossa comunidade a qualquer custo. – pega o rádio. –
atenção, Souza está chegando, ele é o alvo principal, acabem com
ele.
***
Souza dispensou
sua pistola e se apossou de um fuzil. Sua viatura guia outras. O
clima é de pura tensão. A comunidade é logo à frente. O policial
dirige em alta velocidade e mesmo distante é possível ouvir
disparos.
- Estão atirando,
cuidado. – informa Souza pelo rádio.
Duas viaturas
entram na favela e o corre corre de moradores se transforma numa
confusão generalizada. Uma gritaria infernal. Mulheres recolhendo
seus filhos, comércio fechando as portas, ambulantes se abrigando
como podem e tiro comendo solto.
A turma do Mago
não dá refresco para os agentes da lei. A metralhadora de Marcão
faz da lataria da viatura uma peneira obrigando o recuo. Abílio se
esconde com mais cinco dentro de uma loja e expulsa os proprietários
e funcionários. O que era uma loja de roupas infantis agora servirá
de abrigo para milicianos. Uma viatura passa e é atacada com vários
disparos. Dois policias são gravemente feridos. O para-brisa do
carro ficou destruído. Mesmo sangrando os agentes conseguem sair
abaixados.
- Souza,
precisamos de resgate. – fala um policial atingido no braço.
A troca de tiros é
intensa e fica pior a cada minuto. Para os policiais, a vida dos
civis é algo inegociável. Souza e seu grupo se esforça para manter
a integridade física dos moradores. Quanto aos milicianos o que
importa realmente é marcar território, deixar sua marca, nem que
para isso eles tenham que destruir vidas inocentes. Mago não está
preocupado com os outros e nem com ele próprio. Tudo o que ele quer
é mostrar poder, mostrar que pode.
Mais uma chamada
no rádio, mais agentes feridos. Luís precisa tomar uma decisão
rápida antes que seja tarde demais.
- O poder de fogo
deles nem se compara ao nosso. Droga.
- Vamos manter a
resistência? – pergunta um PM.
- Não há como
resistir, vamos recuar. – informa Souza via rádio.
Mago venceu a
batalha. Do alto da favela ele vê as viaturas batendo em retirada.
Estranhamente ele não comemora. Mas seus comparsas sim. Abílio,
Marcão e Lúcio dão brados.
- O que estão
comemorando? – vocifera Mago.
- Qual foi
Geraldo, expulsamos Souza do morro. – fala Marcão.
- Até parece que
vocês não conhecem Souza, ele vai voltar e temos que nos preparar
para isso. – coloca sua pistola no coldre. – quero atenção
máxima a partir de hoje. – entra em sua casa.
10
Ubiracir espera
seu melhor agente terminar de socar a mesa. Souza não se conforma em
ter recuado. O secretário de segurança apoia os cotovelos na mesa e
entrelaça os dedos.
- Meu querido,
você fez o que era certo no momento.
- Merda! –
soca mais uma vez.
- Escute, Luís,
temos quatro PMs internados com ferimentos craves e nem sabemos se
sobreviverão, deixe que eu falo com a imprensa sobre a
operação.
Márcia entra na
sala e logo de cara percebe o clima.
- Souza, puxei a
ficha dos milicianos, você está lidando com Geraldo Braga, ou
melhor, o Mago. – joga a ficha na mesa. – ele é um ex policial,
quando estava na ativa liderou várias operações de sucesso.
Segundo informações, ele invadiu a comunidade do Farol, matou o
chefe do tráfico e expulsou os outros, tudo isso por vingança.
Souza analisa a
ficha.
- Vingança!
- Isso mesmo,
Orelha, sequestrou, torturou e matou o filho de Mago.
- Sabe-se o
motivo? – pergunta Ubiracir.
- Engano,
Fabrício Braga foi confundido com um rival.
- Mais que droga.
– Souza anda em direção a janela. – ele já conseguiu seu
objetivo, vingou a morte do filho.
- É meu caro. –
começa Ubiracir. – coração do homem é terra que ninguém anda. Precisamos retomar o controle da situação, mas para isso,
precisamos de você calmo. – se levanta e ajeita a gravata. – tem
meu apoio em qualquer decisão que tomar. – sai deixando Márcia e
Souza.
- O que faremos,
senhor? – Márcia guarda a ficha na pasta.
- Ligue para
Itamar.
***
Aparentemente a
normalidade volta a fazer parte da vida dos moradores da favela, só
aparentemente. Em cada saída Mago mandou que instalasse câmeras de
segurança. Seus homens agora circulam pelas ruas ostentando um
poderio armado. Para a compra de novas armas o chefe resolveu
investir pesado. As cooperativas terão que pagá-lo 90%. Quem se
opuser será morto. A vida se tornou mais difícil. A cada dia é
possível ver pessoas saindo quase que às escondidas nos caminhões
de mudança.
Sozinho, em seu
“escritório” Mago bebe e fuma olhando as imagens dos monitores.
Ao se lembrar de Fabrício seu coração sangra. Um amigo, um
companheiro. Desde quando sua esposa o abandonou, Geraldo Braga fez
de seu único rebento seu porto seguro. Aquela noite foi terrível.
Chovia bastante e Fabrício chorava por causa de cólicas. Mara, já
não aquentava mais ouvir o choro do bebê.
- Geraldo, pra
mim já chega, estou indo embora. – fala com os olhos marejados.
- Como assim indo
embora, e o garoto? – vocifera ninando o filho no colo.
- Cara, eu não
nasci para ser mãe, ele me estressa, acho melhor você criá-lo.
Mara cruzou a
porta deixando um pai sem chão e um bebezinho desamparado. Cada vez
que Geraldo se lembra disso, é como se tivesse acontecendo naquele
momento. A ferida ainda sangra, dói. Ele toma mais um gole do licor
e dá mais uma tragada no cigarro. Seus capangas entram se bater o
deixando nervoso.
- Um bando de
ignorantes, a mãe de vocês não deu educação?
- Sai dessa Mago.
– diz Abílio. – queremos saber quando vamos nos reunir para
planejar a invasão da próxima favela?
- Preciso pensar.
No momento estou preocupado com Souza no meu pé. Precisamos acabar
com a folga dele.
- Souza não vai
voltar. – Fala Lúcio. – ele fugiu como um cachorro assustado.
- Não conte com
isso. – se serve de mais licor. – ele é esperto, está tramando
algo. Temos que matá-lo.
***
Tornado parte pra
cima do Souza que está desconcentrado. O cruzado de esquerda do
professor o acerta em cheio o levando a lona.
- O que houve
Luís? – fala com o protetor na boca.
- Foi mal. –
se levanta. – não consigo tirar a operação da cabeça.
- Eu vi na TV. O
que deu errado?
- Cara, eu nem
deveria está levando esse papo com você, mas, preciso desabafar.
Tive que recuar, os milicianos eram mais fortes e estavam em maior
número. Estou com quatro agentes no hospital.
- Nossa!
- Pois é, recuar
para mim é quase perder.
- Você nunca
passou por isso não é?
- Acho que estou
mal acostumado. Sempre venci e agora ter que encarar a derrota está
sendo difícil pra mim.
- Mas você não
perdeu e quem disse que para vencer é preciso de muito? Para vencer
é preciso ter estratégia meu amigo, agora vamos treinar. –
Tornado volta a por o protetor na boca.
- Valeu!
11
Alto, esbelto e
muito bonito, assim é Itamar, investigador de polícia. A seu lado o
corpulento Nunes, também investigador. Márcia discretamente olha
para o sujeito sentado na cadeira conversando com Souza que também
não fica atrás no quesito beleza.
- Se você quiser
podemos convocar Miller e Gilmar. – diz Itamar.
- Ótimo. – bate
com a caneta na mesa. – com eles o time estará completo.
- Mas, Souza. –
fala Nunes. – não somos poucos para uma operação tão arriscada?
- Eu não quero
quantidade, eu quero qualidade. Chamei vocês aqui por que conheço o
histórico de cada um. Para vencer não é preciso muito e sim
estratégia.
- Meu querido. –
Itamar se levanta. – pode contar comigo. – estende o braço.
- Eu também estou
nessa. – se junta a eles num aperto de mão coletivo.
Depois que Nunes e
Itamar foram embora, Márcia em fim abriu a boca para opinar.
- Que tal fazer uma
pesquisa de campo, estudar a geografia da comunidade, ver os pontos
de fuga e também onde fica o quartel-general de Mago?
- Acho ótimo. –
vai até a máquina de café. – o que você achou?
- Dos seus amigos?
- Sim. – completa
o copinho com mais café puro. – quer um?
- Quero um
cappuccino. – cruz as pernas. – bom, achei providencial a
convocação, temos mesmo que unir forças contra esse tipo de crime.
- Sabe quando você
sente uma atmosfera diferente, sabe aquela sensação de algo muito
bom está para acontecer? – Márcia da de ombros. – isso mesmo,
vamos expulsar Mago e seus homens do Farol.
***
Com a investida da
polícia na favela, Mago intensificou também o rigor quanto à
arrecadação. Passou a punir os devedores sem ao menos lhes dar uma
segunda chance. Todo o dinheiro ele tem investido em armas para o
próximo assalto, ou seja, tomada da próxima comunidade. Geraldo
pretende expandir seus “negócios” conseguindo administrar o
maior número possível de favelas do estado. Seus fornecedores
chegam de todos os cantos do país aterrissando em terreno nacional
pelas pistas clandestinas.
As armas são
caras. O poder de fogo de cada uma é algo cinematográfico. Fuzis,
metralhadoras de fabricação russa, pistolas e até granadas. Um
verdadeiro arsenal de guerra. Abílio, Marcão e Lúcio dão suporte
ao chefe e estão com ele quase que vinte quatro horas. São homens
cruéis, forjados nas ruas perigosas manchadas de sangue. Homens que
foram adotados pela violência. Suas vidas não mais pertence a eles
mesmo e sim ao sistema que os engole e faz deles seres renegados e
marginalizados pela sociedade.
- Certifique-se se as
entradas da favela estão sendo vigiadas devidamente. – Mago grita
ao rádio. – não podemos dar mole a essa altura do campeonato. –
desliga o aparelho.
- Me diga uma coisa
Geraldo. – Marcão termina de montar um fuzil. – você agora é o
cara mais procurado pela polícia, o que fará daqui pra frente com
essa fama?
- Não estou nem um
pouco preocupado com isso e acho que vocês também não deveriam
ficar. Quero que foquem em nosso objetivo.
- Souza? – conjetura
Lúcio.
- Também. Quero que
fiquem atentos a tudo. A calmaria é nossa inimiga, vocês foram
militares e sabem do que estou falando, então não percam o foco
fiquem em alerta o tempo todo.
- Tudo bem. – Abílio
se levanta do sofá. – vamos à guerra.
***
Sentados na mesa de
costas para a rua estão Itamar e Nunes. Do outro Miller e Gilmar.
Nas extremidades estão Souza e Márcia que vez por outra lança seu
olhar para Itamar que ainda não se deu conta que está sendo
observado.
- Na realidade o que
você está propondo é que deixemos de ser policiais. – diz
Miller.
- Isso mesmo.
- O que Ubiracir acha
disso? – indaga Nunes.
- Ele me apoia. –
reponde olhando para Márcia.
- Contaremos também
com o batalhão de operações especiais. – enquanto Souza falava o
garçom chega com os pedidos. – eles nos apoiarão por terra e no
céu. – completa.
- E nós? – Gilmar
é o primeiro a se servir dos petiscos de frango e peixe.
- Vamos para o
combate também. – Souza belisca o frango empanado.
- Tudo certo. –
Miller se serve do arroz. – já mapeou toda a comunidade?
- Sim, temos todas as
rotas de fuga, esconderijos e os possíveis pontos onde eles possam
nos atacar sem serem vistos.
- Usaremos o fator
surpresa a nosso favor então? – Itamar entrelaça os dedos.
- Pessoal. – Nunes
pede a palavra. – e quanto à flor do grupo, o que será dela?
Todos os olhares vão
para Márcia que ruboriza várias vezes.
- Márcia nos dará
apoio também e se preciso for ela vai para o combate. – Souza
limpa a boca.
12
Mais um chute e o
corpo do homem cai no chão como uma árvore. Sangrando pelo nariz e
boca o sujeito tenta se levantar sob os olhares de seus agressores.
Mago o segura pelo colarinho e o soca no nariz, enquanto que Abílio
o chuta nas costas. O rapaz geme alto quando sua costela é
fraturada.
- Eu não estou para
brincadeira, cadê a grana das vans? – grita Mago.
- Pode esculachar, eu
gastei tudo.
Geraldo se levanta.
- Abílio, amarre
esse otário e me traga a barra de ferro.
- Boa meu chefe.
Depois de alguns
minutos o sujeito está amarrado com as mãos para trás. Os pés
também foram fortemente amarrados com cordas. Lúcio, Marcão e
Abílio assistem a sessão de tortura sem expressão alguma nos
rostos. Mago castiga. Quando a vítima não grita é possível ouvir
o barulho dos ossos quebrando com as pancadas. Que forma dolorosa de
morrer. Mago bate firme. Uma gota de sangue acerta os óculos de
Marcão que não se dar o trabalho de limpar. A respiração do ex
policial se torna pesada e ruidosa. Mesmo sabendo que o homem já
está morto ele não para de bater. A barra de ferro sofreu uma leve
avaria. Seus comparsas mudam de expressão ao verem a atitude do
chefe. Lúcio engole seco que vê o crânio se rachando. Abílio coça
o pescoço quando Mago rir alto ao ver a massa se misturando ao pó
do chão. Marcão é o único que deixa o local resmungando algo.
Exausto Mago cai
quase que ao lado do corpo desfigurado. O peito subindo e descendo
mostra o quanto foi duro matar. Seus amigos o deixaram sozinho, ele e
o cadáver do motorista de van. O rapaz tinha apenas vinte anos e uma
filha. Trabalhava durante o dia e estudava a noite. Sonhava em se
tornar um juiz. Agora tudo que sobrou dele foi um corpo esmigalhado.
***
Domingo 06:30h
Sobre a mesa os
distintivos. Nos coldres as pistolas. No pátio as viaturas que darão
apoio e na mente um único pensamento, vitória. Souza termina de
colocar seu colete aprova de balas quando Ubiracir chega junto com o
capitão das forças especiais.
- Tudo pronto?
- Sim, partiremos.
– consulta o relógio. – em dez minutos.
- Esse é o capitão
Alves.
- Prazer detetive
Souza.
- Todo meu capitão,
já ouvi falar de seu trabalho, parabéns.
Alves é um homem
negro totalmente careca, corpo de boxeador e tem um rosto bastante
intimidador.
- Obrigado, estamos
sob suas ordens.
Itamar vocifera de
dentro da viatura.
- Vamos, estamos
atrasados. – diz com o barulho do motor atrapalhando.
- Souza, rapazes,
boa sorte, livre aquelas pessoas das garras de Mago. – Ubiracir
ajeita os óculos.
O comboio atravessa
o portão da garagem do departamento de polícia. As primeiras
viaturas são as das operações especiais. Veículos grandes e
pretos e na porta o símbolo lúgubre, uma caveira. Capitão Alves e
seu batalhão junto com os outros investigadores se empenham e ambos
estão num único propósito. Nem a imprensa sabe ao certo o que pode
acontecer. Tudo ainda é um mistério. Souza dirige uma das viaturas,
a seu lado Itamar consulta mais uma vez o mapa da comunidade. O
investigador fez questão de colocar sua velha touca preta e de
pintar o rosto. De vez em quando Souza rir dos trajes de seu velho
amigo.
- Quem você pensa
que é, o Rambo?
- Que nada, nasci
para guerrear.
- O efeito surpresa
está a nosso favor. – diz Souza dirigindo acima de 80 quilômetros.
– se perdermos isso a operação não passará de mais uma incursão
sem sentido.
- Por isso
enviaremos o apoio aéreo depois, quando tudo estiver dominado.
- Certo!
13
Comunidade do Farol, 07:55 da
manhã.
As viaturas passam
em alta velocidade deixando para trás rastro de poeira e também de
medo e apreensão. Informantes de Mago que estão espalhados nas
imediações da comunidade sacam seus rádios atualizando ao chefe.
Imediatamente os homens de Geraldo se preparam para o iminente
confronto.
- Souza está de
volta e não está sozinho, agora o assunto é sério rapaziada, fogo
neles.
As primeiras
viaturas das forças especiais entram na favela sob fogo pesado.
Alves com seu olhar mais frio que uma pedra de gelo não se intimida
com os disparos, mesmo por que a blindagem do veículo lhe dá essa
segurança. Seu maior lema é não revidar logo de cara. É preciso
deixar o adversário cansado e confuso. A rua principal da comunidade
é ocupada pouco a pouco por viaturas pretas. Algumas delas seguem
por ruas secundárias. Os marginais, mesmo sem entender continuam
atirando.
- Souza. – diz
Alves pelo rádio. – aguardando ordens.
- Segue o plano
capitão, temos que ocupar a área.
- Vamos avançar
então.
- Perfeito!
Visto de cima, a
polícia ocupa o lugar pelas laterais não permitindo nenhuma fuga em
massa. Tudo foi cuidadosamente planejado, nada pode sair errado. Não
muito longe dali o helicóptero aguarda novas instruções caso algo
saia do controle. O batalhão das forças especiais abre caminho para
a entrada dos investigadores ao sim o confronto começa.
***
Nunes logo de
cara derruba um sujeito armado com duas pistolas. Dois fogem para se
abrigarem numa mureta mais são mortos por homens de Alves.
- Vamos limpar
ponto por ponto entenderam? – grita Itamar pelo rádio.
- Copiado! –
Afirma Alves.
De repente vários
disparos de metralhadora são ouvidos obrigando a viatura guiada por
Souza a dá marcha ré em alta velocidade.
- Merda!
Dois homens
portando armas de grosso calibre estão em cima de uma laje atirando
sem cessar.
- Alves, agora é
com vocês. – ordena Itamar.
- Certo!
Com dois gestos
rápidos de braço Alves conduz a tropa de desce das viaturas.
Estrategicamente os policiais se espalham pelas ruas estreitas da
favela. Um dos agentes com um rifle e mascara ninja ocupa a cobertura
de uma casa ainda em construção.
- Fantasma um
posicionado. – informa Alves a Souza.
- Prossiga com
o plano.
Fantasma um
consegue localizar os dois marginas com metralhadora no alto da laje.
- Alvo localizado,
Fantasma Um aguardando ordens.
- Entendido
Fantasma um, quando quiser e puder, alvo à frente, fogo à vontade.
– orienta Alves.
Os homens
continuam atirando quando um deles tem o crânio perfurado. O
companheiro ao lado com o rosto respingado pelo sangue se assusta ao
ver o corpo do amigo caindo como uma mangueira.
- Atiradores! –
ao terminar de falar é morto também.
Dentro da viatura
Souza é avisado que a área foi tomada e que eles podem seguir com a
invasão.
***
Mago e Abílio
estão descendo o morro quando são informados que a comunidade está
sendo tomada e que alguns de frente já foram abatidos.
- Mago, temos que
sair daqui.
- Nada disso,
vamos encarar esses caras, quero a cabeça de Souza.
A troca de tiros
apavora os moradores que estão abrigados em seus lares. Mais um
ponto é tomado pelo batalhão de Alves que por onde passa deixa
corpos estirados no asfalto. Um rapaz recém-aliciado pelo grupo de
Mago é capturado por homens de Alves e obrigado a confessor onde o
líder está.
- Eu não sei, eu
juro que não sei.
- Coloco ele no
saco.
Um pequeno saco
plástico é colocado com truculência na cabeça do rapaz o
sufocando até quase a morte. A agonia do homem só termina quando
Alves ordena.
- Então meu
jovem, cadê o Mago?
Buscando ar com os
olhos arregalados o miliciano não consegue responder. Um forte tapa
o faz despertar.
- Eu não sei de
nada. – vocifera.
- Que pena, vai
voltar para o saco. – diz Alves com os braços cruzados.
Mais uma vez a
cabeça do jovem foi coberta pelo saco. Desta vez a falta do oxigênio
o fez desmaiar. Ele é acordado a base de tapas e socos no rosto.
- Vai ser pior
para você garoto, confesse. – Alves o segura pelo pescoço. Nesse
meio tempo Souza e Itamar chegam já intimidando o prisioneiro.
- Vamos lá cara.
– fala Souza chutando forte a costela. – eu não tenho o dia
inteiro, onde está o Mago?
- Você não pode
me matar, os policiais não podem matar prisioneiros.
Souza o faz
levantar com brutalidade.
- Eu não sou mais
um policial.
Diante dessa
declaração de Souza o rapaz engole seco. O cano da pistola é
pressionado contra a têmpora.
- Qual o seu nome?
– indaga Itamar.
- Adriano! –
responde gaguejando.
- Adriano, é
melhor você falar, para o seu próprio bem. – recomenda Alves.
- Tudo bem, tudo
bem, o Mago fica no alto do morro, ele está lá a essa hora.
- Muito bem. –
joga o rapaz no chão. – vamos subir.
14
Mago desce as
escadas que dão acesso à parte baixa da comunidade armado até os
dentes com outros comparsas. Sua mente gira em torno de proteger o
lugar e se manter como chefe. Ele deseja estabelecer outro governo,
outro poder. Ficar acima do estado, essa é a sua sina, sua vontade.
Claro que ele não deixará que um detetive estrague seus planos. Ele
lutou muito para chegar até aqui. Abílio, Marcão e Lúcio, seus
cães de guarda veem logo atrás conspirando contra sua decisão de
bater de frente com a polícia. Isso é praticamente suicídio.
- Geraldo, qual o
próximo passo? – Abílio pergunta.
- Devemos fazer
de tudo para guardar esse lugar, não podemos entregar de mão
beijada, eu não quero ir para a cadeia.
- Você ouviu
bem, Souza não veio sozinho, o batalhão das operações especiais
veio com ele. – Lúcio toma a frente.
- Temos que
manter a resistência até o fim. Vocês estão comigo ou não?
Ele se olham por
alguns instantes.
- Vamos em
frente. – Marcão toca no ombro do chefe. – parceiro até o fim.
***
Mais uma parte da
comunidade é tomada. Souza e seu grupo segue avançando favela a
dentro. Mais um atirador foi solicitado, fantasma dois. Na outra
parte da cidade Miller e Gilmar esperam a ordem de decolar com o
helicóptero. Passando um pouco mais da metade da favela Souza pede
cuidado aos seus comandados.
- Essa é a zona
vermelha, daqui pra frente todo cuidado é pouco.
- Mago está
cercado, sufocamos ele. – diz Itamar.
De repente um
disparo, um corpo no chão. Itamar cai sangrando no peito. Os agentes
se dividem dando cobertura para a retirado do ferido. Souza o arrasta
até um poste.
- Itamar?
- Mais que droga,
conseguiram me acertar.
- Você vai ficar
bem, vou lhe tirar daqui.
Alves e seu grupo
dão cobertura. Souza ajuda seu amigo a se levantar passando o seu
braço por seus ombros. Sentindo dores terríveis Itamar é colocado
ao lado de uma viatura.
- Souza, me deixe
aqui, ficarei bem.
- Tem certeza?
- Claro que tenho.
Vá!
Enquanto isso mago
finalmente dá as caras atirando firme. Alves foi obrigado a recuar
com seus homens.
- Nessa favela
quem manda é o Mago. – dispara mais vezes.
Fantasma um tenta
localizar o alvo, porém ele está coberto pelas casas.
- Fantasma dois,
consegue ver o alvo?
- Negativo,
fantasma um.
Dois agentes de
Alves foram mortos nessa troca de tiros. Os corpos ainda permanecem
no local. Uma granada é lançada abalando as estruturas das casas.
Souza pela primeira vez se vê preocupado com a integridade física
dos moradores.
- Nunes, temos que
rever os planos, eles não nos dão chance.
- Temos que
avançar. – vocifera.
- Pessoas
inocentes pagaram por isso.
- É por elas que
estamos aqui, vamos avançar.
Mais uma granada é
lançada e explode junto a um carro que também explode ferindo a
mais um policial. Mago rir por mais essa façanha.
- Quem manda aqui
sou eu, Souza.
Marcão saca mais
uma granada, retira o pino e recebe um tiro no peito. Cai perto do
artefato e se arrasta, porém em vão. Seu corpo é feito em pedaços.
Fantasma dois comemora ao ver seu alvo exterminado. Ao saber que
Marcão já não existe, Mago aumenta ainda mais a sua fúria.
- Seus merdas,
sumam daqui. – grita a plenos pulmões.
Sentindo que o
adversário se encontra fora de controle, Souza aproveita para
solicitar o helicóptero.
- Miller, vem,
agora.
Lúcio vê o
descontrole do chefe diante da morte do Marcão.
- Mago, vamos
fugir para a mata.
- Nada disso,
fique em seu lugar a lute, fogo neles.
O barulho ruidoso
do motor do helicóptero soou como uma música infernal aos ouvidos
dos milicianos. Os rasantes os deixam sem estabilidade. Alves faz
gestos e mais gestos pedindo à tropa que não cessem de contra
atacar. Abílio sobe a fim de ter uma visão melhor. Fantasma um tem
ele na mira. Abílio também tem seu alvo, Souza terá sua cabeça
esfacelada por ele.
- Chega dessa
brincadeira. – lambe os lábios.
O tiro é
certeiro. O corpo vai ao chão sem vida. O sorriso mostra o triunfo
de um exímio atirador. Fantasma um abate Abílio com perfeição.
- Mago – Lúcio
chama atenção do líder. – Abílio já era vamos sair daqui.
- Jamais, fique
aqui é lute.
- Não seja tolo
Geraldo, seremos mortos, não está vendo?
Se abrigando
entre caçambas de lixo, Geraldo se recorda de Fabrício e de todo o
por que de estar ali. Vingança. Duas covas sendo feitas. Duas
mortes. Ele não quer passar seus dias numa cadeia fria, assombrado
pelos demônios do passado e nem do presente. Seus olhos úmidos
percorrem todo o horizonte de conflito. Por um momento ele vê seu
último companheiro abaixado o olhando. O medo pela primeira vez o
deixa sem norte, sem rumo, sem esperança. De repente esse último
comparsa, amedrontado pelas circunstancias ao redor, aponta sua arma.
O alvo, Geraldo, o Mago.
- O que está
fazendo seu idiota?
- Me desculpe
cara, não vou morrer aqui.
Lúcio dispara
duas vezes acertando o peito de Mago. O pai de Fabrício cai
esparramado, mas ainda vivo. A morte é a única certeza do ser
humano, fora isso ele não tem certeza de nada. Caído naquele chão
sujo pelo seu próprio sangue, Geraldo reflete em sua vida que daqui
a alguns segundo chegará ao fim. Na verdade a vida valia mais a pena
quando Fabrício existia. A morte não o deixa com medo, ele morreu
junto com seu filho naquele fatídico dia. O que ele tem feito desde
então foi perambular e atormentar a vida alheia.
Reunindo suas
últimas forças ele consegue ver Lúcio erguendo os braços e se
rendendo. Covarde, frouxo. A visão vai ficando turva e ele
sente o frio da morte chegar. Uma voz familiar ecoa em seus ouvidos.
Esse já era, foi para o saco, não adianta chamar ambulância.
A voz de Alves foi a última voz que Geraldo ouviu em vida.
15
Os últimos
milicianos foram capturados. Aos poucos a calmaria vai alcançando os
becos da favela. Só o que resta é o cheiro de pólvora no ar. Souza
se junta a Alves.
- Então, o que
achou? – Alves pergunta.
- Missão
concluída com sucesso.
- E o
investigador, vai ficar bem?
- Já foi levado
para o hospital. – Souza olha para o corpo de Mago no chão. –
esse é o fim de todos os que se opõe a lei, o estado.
Lúcio é algemado
e colocado na viatura.
- Aquele terá uma
bela história pra contar. – diz Alves.
***
Na sala de reunião
Ubiracir termina seu discurso elogiando a atuação dos agentes
perante o governador.
- Não devemos
esquecer dos que perderam a vida nessa incursão, eles serão
lembrando pela bravura, homens que verdadeiramente honraram o que se
refere servir e proteger.
Ao lado de Souza,
também vestido de terno e gravata, está Nunes bastante sério e
concentrado. Márcia se encontra do outro lado da mesa e acompanha
com atenção tudo que é dito pelo secretário de segurança.
Na
confraternização, um pouco mais à vontade os agentes conversam
tomando vinho e champanhe.
- Uma pena Itamar
não poder vir, ele adora vinho. – comente Souza.
- Só terá alta
daqui a dois dias. – afirma Márcia.
- Temos que fazer
um trabalho de prevenção. – continua Souza. – não podemos
deixar que grupos como o de Mago assuma e faça o que bem entender,
vou trabalhar em conjunto com outras forças e tentar manter o estado
nas comunidades.
- Boa meu chefe.
– Márcia toma um gole do champanhe.
Ubiracir chega
sem ser percebido e toca no ombro de Luís.
- Hora da
coletiva para a imprensa, quer vir comigo?
- Não obrigado,
prefiro ficar nos bastidores, não me dou muito bem com microfones.
- Fizeram um bom
trabalho. – aperta a mão do detetive. – parabéns.
Fim