sábado, 14 de julho de 2018

Poder Paralelo


1


        A saudade consome a saúde de qualquer um. Ela é capaz de destruir uma mente sã e transformá-la num poço de depressão. Nada é como antes depois da partida de um ente querido, ainda mais sendo esse ente querido um filho o qual o pai era apaixonado. Fabrício, esse era o nome do filho de Geraldo Braga, ex policial linha dura. Fabrício foi sequestrado, torturado e morto por traficantes comandados por Orelha, chefe de um grupo de bandidos. Dois anos já se passaram, mas parece que foi ontem. Geraldo não vive mais. Já não viva desde quando foi abandonado por sua mulher, mãe de Fabrício. Ele criou o garoto sozinho. Quando estava de plantão, o garoto ficava sob os cuidados de uma babá. Hoje, já aposentado, Mago, como é chamado, passa o dia inteiro sentado e bebendo, chorando a morte de seu filho e amigo.
         A tarde chega e mais uma vez Geraldo dorme sentado no sofá. Ao lado dele, uma lata de cerveja esquenta solitária sobre a mesa que comporta o telefone fixo. A saliva escorre pelo canto da boca. Aos 50 anos, Mago exibe uma barriga generosa, braços grossos e pescoço largo. Seus cabelos grisalhos o deixam com mais idade. Mago, apelido da corporação. Ele recebeu esse apelido pela bela mente que tinha numa investigação. Graças a ele, todas as missões de busca e apreensão foram sucesso. Com ele a frente da situação, todo grupo se tranquilizava, pois sabia que tudo daria certo. Em quase 30 anos de polícia, Geraldo perdeu apenas dois colegas e capturou mais de 15 bandidos. Bandidos barra pesada, fora os pés de chinelo.
          Perto das seis da noite ele desperta depois de um pesadelo. Geraldo acorda transpirando e ofegante. Olha para os lados e sente tudo girar. Ele esfrega os olhos, pisca várias vezes e se levanta. Vai até a janela e boceja. Coça a bunda por cima da calça e se espreguiça. Não motivo para viver, ele não tem propósito, não há planos para o futuro. Sem expectativa alguma de vida ele se dirige ao quarto. Abre a gaveta e pega sua pistola.
        - Diz ai minha companheira de labuta. – fala olhando para a arma em sua mão. – sem missão somos como soldados mortos. – com habilidade de poucos ele a aponta para o espelho. Permanece assim durante algum tempo. – separei você para acabar com a vida do desgraçado que acabou com a vida de Fabrício, o que você acha? – silêncio. – você disse que sim? É isso mesmo? Eu topo. – gira o corpo. A gora ele aponta a pistola para o guarda roupa-estou com você minha amiga, essa vingança é nossa.

2

    Souza cerra os punhos protegidos pelas luvas. Seu oponente se coloca em posição de ataque.
       - Vamos lá, me derrube? – afronta o adversário.
      Luís morde o protetor e sem cerimônias avança com sequências rápidas de cruzados. Com dificuldade o adversário tenta se proteger dos golpes. Um dos socos o acerta na têmpora. O lutador negro, alto e musculoso cai como uma palmeira com os olhos trocados. Souza, preocupado vai ao seu auxílio.
       - Tornado, Tornado, você está bem?
       - O que? – faz expressão de dor. – sim, sim, cara, você está forte mesmo, me apagou.
      - Valeu. – o ajuda a ficar de pé. – por hoje chega, semana que vem continuamos com os treinos.
       - Tudo bem. Cara estou orgulhoso de você, nunca tive um aluno tão dedicado. – se apoia no ombro de Souza.
       - Eu é quem agradeço, o boxe melhorou e muito a minha vida.
       - Vamos tomar alguma coisa gelada? – oferece Tornado.
       - Cerveja?
       - Pode ser.

***

     O bar fica em frente à academia de boxe de Tornado. O lugar é bem iluminado e organizado. Professor e aluno, civil e policial, conversam sobre diversos assuntos e o principal deles são as mulheres.
         - Então você se divorciou?
         - Pois é, ela quis assim, infelizmente. – se serve mais da cerveja.
       - Cara, no meu caso eu dispensei, ela era meio louca, possessiva, queria exclusividade, cansei.
         - E agora, está morando sozinho?
         - Sim e não.
         - Sim e não? Como assim?
Tornado rir
        - Solteiro sim, sozinho nunca. Estou com uma situaçãozinha, dá pra quebrar o galho. E você? Não come alguém desde quando?
        - Cara, pra falar a verdade, não transo a alguns meses, estou meio que tenso com isso. – diz constrangido.
         - E a sua assistente, me disseram que ela é uma gata.
         - Não rola, com a Márcia o profissionalismo vem em primeiro lugar.
         O garçom chega trazendo as batatas fritas.
        - Luís, vejo nos seus olhos que você ainda ama sua ex mulher, estou mentindo?
        Quase ninguém faz essa pergunta. Souza não está acostumado a ter esse tipo de conversa. Essa veio de surpresa e de repente ele se ver tentado a dizer que não. Mas, o sim vem à boca sem que ele percebesse.
         - Faria de tudo para tê-la mais uma vez, Suzana significa muito para mim.
         - Imagino. – espeta duas batatas crocantes com o palito. – você já disse isso a ela?
         - Sim, mas Suzana é irredutível, o orgulho é mais forte que ela.
         - Isso sim é muito chato, orgulho.


3

     O arroto sai mais alto do que Geraldo esperava que saísse. Ele se desculpa com a rapaziada e se serve mais de conhaque. A casa ficou pequena com tanto homem sentado ao redor da mesa. Geraldo termina de explicar o plano tendo a aprovação total de todos.
          - Não tem como dar errado. – diz o líder.
       - O plano é arriscado, apagar o chefe do tráfico do morro é algo suicida. – Lúcio se levanta.
         - Eu topo. – confirma Abílio.
         - Eu também. – diz Marcão. – faz tempo que não declaro guerra a ninguém.
         - Quando executaremos o plano, Mago? – indaga Abílio.
        - Amanhã. – toma num só gole o conhaque sem fazer cara feia. – vou precisar daquela sua metralhadora, Lúcio.
         - Pode deixar, a minha deliciosinha não cospe fogo a mais de cinco anos.
         - Ótimo, agora metem o pé, eu ligo pra vocês pela manhã.
      Mais uma vez Geraldo está sozinho, mas dessa vez ele está feliz. Se serve mais do conhaque e o toma de um só vez. Vai até o quarto e pega a pistola. Aponta para o espelho. Sorrir.
        - Fabrício, meu filho, amanhã o seu sangue será vingado, sua dor, sua agonia, sua morte, tudo será consumado.
      Tudo o que Geraldo consegue ver e o seu reflexo no espelho de corpo inteiro. Um homem vazio, sem esperança. A única coisa que o motiva a permanecer vivo é a vingança. O amargo sabor da vingança. Ele puxa o gatilho várias vezes e da boca sai o som de disparos. A gargalhada sai alta, mas ele não se importa com isso.

***

       O viciado chora, grita, implora por sua integridade física, mas não adianta, Orelha vai atira em sua mão daqui alguns instantes.
         - Qual foi Orelha, eu prometo que vou lhe pagar, cara.
      - Seu canalha, você já me deve e dessa vez não há perdão, eu não sou Jesus para te perdoar.
         - Por favor, Orelha, não faça isso.
       O viciado raquítico é obrigado a esticar o braço e abrir a mão. Ele chora copiosamente. Orelha com seu olhar frio, mira bem no centro da mão mirrada do homem e dispara. O rapaz se ajoelha gritando de dor escondendo a mão ferida entre as pernas.
        - Se não me pagar até amanhã vou atirar na outra, agora cai fora daqui.
       O viciado corre favela afora deixando rastro de sangue. Satisfeito com o que fez, o chefe do tráfico sorrir acompanhado de seus comparsas que portam fuzis e outras armas de grosso calibre. Orelha não pesa mais que 60 quilos, é mediano e tem a pele negra maltratada pelo sol. É funkeiro legítimo e promove bailes que duram a noite toda na comunidade. Sua principal característica é a crueldade com que ele trata seus adversários ou moradores que desobedecem suas leis.
          Certa vez, um homem que bateu na esposa por que bebeu demais foi espancada até quase a morte por ele e seu bando. O homem tem sequelas até hoje e anda com auxílio de muletas. Uma moradora que falou demais teve os cabelos raspados e as unhas das mãos arrancadas com alicate. Sem falar nos rivais quando são capturados. Orelha faz questão de andar com eles pela favela ostentando poderio antes de dá a sentença final. Um dos rivais de uma facção foi brutalmente assassinado com golpes de machado. Teve os membros superiores e inferiores cortados ainda vivo. Orelha é temido até por seus companheiros. A sua obsessão por se manter no controle é tanta que em alguns casos ele comete equívocos, como confundir um jovem pacato e estudioso com um rival.
         - Qual o seu nome pivete? – aponta a arma para o rapaz amedrontado.
         - Fa, Fabrício, por favor, não me mate.
         - Vamos dar uma volta. – empurra o garoto para o carro.
         O filho do ex policial Geraldo Braga é levado para o alto da mata. Ainda dentro do carro ele sofre terríveis torturas sendo obrigado a confessar aquilo que ele não é. No local onde seria sua morte, Fabrício sofre ainda mais com os cabos das armas e chutes violentos. Por fim Fabrício é morto com vários tiros na cabeça e sendo chamado de vacilão o tempo todo. Mais tarde Orelha tomou conhecimento de que havia cometido um engano, mas pouco se importou com isso.

4

          A conversa com seu instrutor de boxe foi legal, mas a parte em que tocaram no assunto Suzana bem que poderia ter ficado no esquecimento. Lembrar do grande amor de sua vida ainda lhe causa dor. Souza quase não pregou os olhos aquela noite. Das vezes em que conseguiu dormir, ele sonhou com Suzana e Jéferson e ele juntos novamente. Ao acordar e perceber que tudo não passou de um sonho, seus olhos se enchiam de águas e as lágrimas escorriam molhando o travesseiro. Do que adianta ser o melhor policial da cidade se não há com quem compartilhar esse mérito? Passar os dias sozinho num apartamento pequeno cheirando a solidão é bastante complicado. Sempre que está assim, Luís enfia a cara no trabalho e as coisas se complicam para os bandidos.
           Márcia chega a sua sala com um mandato de prisão. Com uma fome voraz de trabalho e até mesmo para esquecer a dor que sente na alma, Souza se levanta deixando seu café pra depois.
          - Assuma, eu vou só.
        A viatura dobra a esquina e dentro de alguns minutos Souza estará frente a frente com o suspeito. A casa é grande e tem pichações no muro e até mesmo nas paredes da própria residência. Souza saca a pistola. O silêncio diz tudo. A calmaria é um perigo. Toca o interfone duas vezes e quando vai para a terceira a voz metálica atende.
         - Bom dia, quero falar com Wilson Carlos, ele está?
         - Está falando com ele, quem é?
         - Luís Souza, da polícia, podemos conversar?
         - Vou abrir.
        A entrada até que é tranquila. É possível ver uma câmera de segurança a cima da porta principal, o maldito já havia me visto. Souza sobe alguns lances de escada quando Wilson Carlos aparece com um sorriso largo e cínico.
        - O que traz o famoso Souza a minha humilde residência?
        - Eu tenho um mandato, queira ficar de frente para a parede.
       Wilson é um pouco mais alto e forte. Usa uma barba mal aparada e tem olhos arregalados.
          - Sou inocente. – diz sorrindo se virando para a parede.
          - Cale-se. – Souza o revista. – está sozinho?
           - Agora estou com você.
           Luís enfia a mão entre as pernas de Wilson.
           - Gostou de sentir meus colhões entre seus dedos?
           - Se não calar essa boca eu prometo que eu te apago.
           - Posso saber ao menos do que sou acusado?
           - Trafico de drogas. – gira com truculência o corpo flácido de Wilson.
           - Espera ai, eu sou apenas um humilde universitário.
        - Você vende drogas no campus da faculdade, estamos de olho em você à quase dois meses, vem comigo.
       Um sujeito aparece agredindo Souza com um taco de beisebol. A pancada deixou o policial desnorteado. Wilson aproveitou para atacá-lo também.
           - Vamos matar esse negro safado Gutão. - vocifera Wilson Carlos.
          Vendo que será morto a pauladas e não podendo atirar, Souza resolve encarar os dois agressores. O que está com o taco de beisebol avança para acertá-lo no rosto. Luís se esquiva com precisão e o acerta na têmpora. O homem cai mais não apaga. Wilson mesmo mais lento desfere um soco que passa em branco. Souza acerta o queixo do gordo que tem o maxilar deslocado na hora. O grito do traficante é gutural. O outro se recupera e fica frente a frente com Luís.
           - Então. – Diz Gutão. – vem.
         Gingando pra cima do bandido, Souza consegue deixá-lo sem rumo. Gutão é baixo e troncudo, seu golpe passa perto do nariz do policial que sente o vento passar. Chega de conversa, hora de resolver logo isso. Souza acerta um cruzado de esquerda e outro de direita. Gutão vai ao chão apagado. Vendo que seu comparsa fora abatido, Wilson tenta fugir para os fundos.
            - Nem comece a correr gorducho, você está preso.

5

            O plano é perigoso, porém Mago está determinado. Ele dirige em alta velocidade o Toyota prata rumo à comunidade onde Orelha chefia. A seu lado seu fiel escudeiro Lúcio fumando seu cigarro fedorento. O plano é simples. Desarticular os que estão na linha de frente. Cercar as entradas e as saídas do morro. Subir a favela mandando chumbo grosso na vagabundagem e encontrar o chefe e matá-lo. Fim de história, vingança concluída.
            A caminho da comunidade o Toyota passa pela estrada beirando a praia onde Fabrício e ele costumavam frequentar. O garoto nadava como um peixe e ele nem tanto. Um final de semana era pouco para curtição de pai e filho. Depois da praia sempre havia um cinema com direito a um lanchinho no final. Um nó se forma na garganta do robusto ex policial. Ele se segura para não chorar.

***

         Já é possível ver a comunidade. Pipas no céu azul sem nuvens, roupas estendidas em varais improvisados, som alto, ruas com asfalto irregular, motos, muitas motos circulando. E poucas são as casas que mostram seu acabamento perfeito. Mago é o primeiro a descer. Olha para Lúcio que lhe devolve o olhar.
        - Vamos matar os que estão na linha de frente para facilitar nossa entrada. – ordena Geraldo.
          - Vamos deixar um grupo na mata caso eles fujam pra lá. – Lúcio joga fora o cigarro.
          - Ótimo, vamos começar então.

       Dois indivíduos na mesma moto passam devagar pelo beco estreito exibindo suas pistolas. O garupa aproveita para mexer com as garotas que pintam os cabelos na calçada quando o que conduz a motocicleta é alvejado com um tiro no peito. O menino que não tem mais do que 17 anos tomba derrubando seu parceiro para o lado. As meninas correm desesperadas. O garupa também corre, mas é morto com dois tiros pelas costas. O gol preto passa em alta velocidade com todos os vidros abertos.
            Um soldado com seu fuzil circula da extremidade da ponte a outra. Sem camisa e com a bermuda frouxa, o rapaz observa quem entra e quem sai do morro. Um tiro, uma morte. O bandido cai com fuzil e tudo no valão.
            O garoto que segura um rádio transmissor se desespera ao ver o Toyota subindo a rua e antes mesmo de se comunicar com os que estão na parte de cima ele é morto. Outros assim como ele são abatidos. Geraldo o Mago entra na favela passando por cima de tudo e de todos.

***

            Enquanto o coro come solto lá em baixo, Orelha transa com duas meninas menores de idade. A festinha diurna é regada à cerveja, energéticos e é claro drogas. Uma das meninas está visivelmente fora de si dançando como louca seminua. A outra troca beijos pra lá de molhados com o traficante. De repente alguém bate na porta com força.
           - Estou ocupado agora. – vocifera.
           - Se liga Orelha, a favela está sendo invadida.
         A menina sentada no colo do bandido voa pelos ares quando ele se levanta procurando sua bermuda.
          - Cai fora as duas, mete o pé.
         Orelha abre a porta e imediatamente um soldado entra suando frio e se atropelando nas palavras.
          - Temos que sair daqui cara, eles já mataram mais de quinze nossos.
          - Eles quem? Os canas?
          - Sei lá, vamos embora e rápido.
          Não há tempo a perder. Orelha pega sua arma. Veste uma regata e foge para a mata. Lá em baixo mais um marginal é morto. Lúcio, Abílio, e Marcão botam pra quebrar pra cima dos vermes. Os moradores vivem horas de puro pânico. O comércio local fechou as portas. Os ambulantes se abrigam como podem e até agora nada da polícia chegar, ninguém ousa chamá-la.
           Dois traficantes pulam desastrosamente um murro. Um deles tem a calça agarrada pelo vergalhão da coluna. Abílio ao ver aquilo rir junto com seu companheiro. A arma é sacada, e em seguida a cabeça do bandido é esfacelada.
           - E o outro?
           - Calma. – Abílio cospe. – galinha de casa não se corre atrás.
          Na mata Geraldo aguarda a fuga dos malditos. Ele e mais dez homens. A vista daquele lugar é maravilhosa. É possível ver toda cidade de ponta a ponta. Lúcio chama no rádio.
           - Nosso serviço aqui já zerou, Nada do Orelha até agora.
           - Tudo indica que ele está vindo para cá. – olha ao redor das árvores.
           - O que faremos agora?
           - Fiquem de guarda, daqui a pouco darei novas instruções.
           - Copiado, aguardando então.
***

          Na frente vai o bucha do soldado mirando seu fuzil para tudo que se move. Logo atrás o chefe quase urinando nas calças. A subida castiga quem está fora de forma. Ainda sob os efeitos da cocaína, Orelha mal consegue ver o que está a sua frente.
          - Vamos parar para descansar chefe?
        - Você está maluco. – Orelha sussurra. – temos que chegar na comunidade aliada antes do anoitecer. Vamos.
           - Caramba, ela fica depois daquelas montanhas lá.
           A voz de Geraldo soa entre as árvores fantasmagóricas.
           - Vamos poupar esse trabalho todo.
           Sem perceber os bandidos param de respirar. Cerca de dez homens aparecem apontando suas armas. O soldado mija nas calças chorando. Orelha irritado se rende.
          - Ótimo, bem como eu imaginei. – Mago olha para o rapaz choramingando. – meu papo não é com você. – atira na cabeça do vagabundo. Orelha não acredita no que seus olhos estão vendo.
           - Quem são vocês?
           - Isso não importa, agora se levanta, temos conta a acertar.
          - Veja bem, lá em baixo no meu barraco tem grana, muita grana, podemos negociar essa parada?
           - Disso já sabemos, o nosso negócio aqui não é grana e sim você.
Orelha franze a testa.
          - Pois é, você matou meu filho. Sequestrou, torturou e o matou, vai acontecer o mesmo com você agora.
           O rosto do traficante fica transtornado.
           - Ai, chefe, pode esculachar, perdi mesmo.

           Lúcio e Abílio tomam cerveja que um ambulante deixou para trás na hora da invasão. O issopô estava cheio de latas de refrigerante, cerveja e garrafas de água mineral. Depois de meia hora Mago chama no rádio.
             - Estou descendo com o pacote.

           Mago anda pelas ruas estreitas da comunidade exibindo a cabeça de Orelha. Tudo é visto pelos moradores. O sangue ainda escorre. Ao se juntar com os companheiros a festa é grande. Muitos tiros para o alto são dados.
            - Satisfeito agora, Mago? – pergunta Lúcio.
            - Nasci de novo. – olha para a cabeça de Orelha.
            - O que fará com esse merda? – Abílio cospe.
           - Isso aqui é o meu troféu, quem proporcionou isso foi Fabrício, meu filho, eu dedico essa vitória a ele. – mais tiros.
         - A única preocupação é que outros como ele virão e dominarão a favela. – Marcão comenta.
             - Isso não acontecerá, a turma do Mago a partir de hoje é dona da comunidade.
             - Está falando sério, Geraldo? – indaga Abílio.
             - Muito sério. – olha para as casas humildes. – isso aqui agora é meu.

6

            A captura do traficante que atrapalhava a vida de quem realmente queria estudar na faculdade, rendeu a Souza mais elogios e é claro a permanência no topo como o melhor policial da cidade. Para ele tudo não passou de um cumprimento de dever de um defensor da lei. Para os colegas, a prisão de Wilson Carlos e seu comparsa era algo quase que um sonho para todo o departamento. Luís Souza termina de fechar os relatórios esclarecendo sobre a prisão do traficante quando Márcia entra informando sobre uma suposta invasão da comunidade do Farol.
            - Uma invasão? – Souza entrelaça os dedos e se declina na cadeira.
            - Especula-se de que traficantes rivais tenham invadido para tomar a venda de drogas. – se acomoda a frente do chefe. – você se lembra quando estivemos fazendo uma operação lá?
          - Claro, havia um mandato de prisão para o chefe, esqueci o nome dele agora. – estala os dedos.
           - Orelha!
         - Isso, Orelha, esse cara é escorregadio demais, já executou alguns de nossos colegas com requintes de crueldade.
          - Pois é. Então, esse mesmo Orelha está desaparecido, desde a invasão dos rivais ele não é visto.
           - Quero uma investigação minuciosa quanto a isso, quero saber o que houve realmente.
           - Certo chefe.

***

           O presidente da associação de moradores da comunidade do Farol treme na base diante da figura de Mago e seus homens. No lugar onde ele deveria está ocupando, Mago legisla suas regras.
          - Se liga meu chapa, eu sou da paz, alias. – abre os braços. – nós somos da paz, se a galera seguir direitinho a cartilha do Mago aqui, eu lhe garanto que ninguém sairá machucado, você consegue entender?
             - Sim!
            - A partir de hoje, eu, o Mago, é o dono da favela do Farol, e você, continuará a ser o nosso presidente, tudo bem?
            - E como será o meu proceder? – pergunta gaguejando.
         - O mesmo, porém, antes de tomar qualquer decisão eu quero ficar sabendo. – se levanta e fica frente a frente com Antônio. – se liga Antônio, o Farol é meu, ou seja, padarias, lanchonetes, bares, barraquinhas de doce que ficam na porta de colégios, lojinhas de roupas, gás, TV por assinatura, serviço de internet, cooperativas, tudo agora pertence ao Mago. Reúna toda essa galera e deixe isso claro para eles, certo?
           - Farei isso imediatamente. – engole seco.

***

         A sala abafada da associação está apinhada de pessoas, cada uma mais humilde que a outra. A careca negra de Antônio transpira bastante antes do anúncio. Todos estão nervosos, a ponde de um ataque.
         - Atenção pessoal, a comunidade hoje tem novo dono, Geraldo Braga, ou melhor, Mago, vou passar bem devagar as suas exigências.
          Antônio passa a lista. As reações são simultâneas e semelhantes. Revolta, esse é o tom em cada rosto e olhar. A reunião termina em silêncio e em silêncio todos saem da sala. Viver sob os domínios de traficantes é claro que é algo ruim. Viver sob ameaça constante de ex militares que na mão grande tomaram a comunidade também não deve ser nada fácil. A entrada dos milicianos na favela do Farol não garante tranquilidade e vida folgada para os moradores. Eles terão que seguir uma cartilha dura e caso não a cumpram correrão sério risco de morte ou represaria contra membros da família. à lei dentro do Farol agora é assim e “ai” daquele que não a cumprir.

7

         A van com sua lataria amassada e algumas janelas faltando vidro para abruptamente fora do ponto para o desembarque de alguns passageiros. Mago junto com Abílio e Lúcio pedem para que o motorista desça por alguns minutos.
          - Calma pessoal, eu só vou bater um papo com eu parceiro aqui.
         Desconfiado o motorista desce olhando na cintura de Mago uma pistola.
          - E ai, até agora quantos passageiros você fez?
          - Pô, estou na minha segunda viagem, uns 50, acho.
          - Essa van é tua?
          - Sim!
       - Era tua você quis dizer, agora ela é minha. – pega o maço de cigarro no bolso da camisa. – todo o transporte alternativo dessa linha agora pertence ao Mago, ou seja, eu. – acende o cigarro. – você costuma trabalhar até que horas mais ou menos?
          - Até as 20h. – responde tremendo.
        - Acho que você terá que fazer hora extra, por que 70% das passagens ficarão comigo, certo?
          - 70%?
          - Sim, alguma objeção? – solta a fumaça na cara do motorista.
          - Não, tudo bem.
        - Bom garoto, agora vá, não quero meus passageiros esperando. – bate várias vezes no ombro largo do rapaz.

***

        Enquanto isso cobradores a serviço de Mago passam pelo comércio fazendo cobranças indevidas e para os que ainda não pagam à ordem é para forçá-los nem que para isso usem a violência. O dono de uma humilde pensão é chamado no portão. O mesmo atende.
         - Boa tarde meu senhor, viemos cobrar pela segurança de seu estabelecimento.
        O homem negro, magro e de meia idade fecha o semblante.
          - Olha bem para a minha cara, vê se eu vou dar algum dinheiro para vocês.
          - É para o seu próprio bem meu senhor. – insiste Marcão.
         - Eu trabalho duro para conseguir viver, minha aposentadoria não dá nem para os meus remédios, agora se me dão licença tenho muito o que fazer. – entra batendo com o portão.
Marcão anota o endereço e segue para o próximo “cliente”.

***

         O velho Jurandir termina de ensacar suas compras. Agradece a caixa do supermercado e sai do estabelecimento segurando firme as sacolas. O seu fusca 1969 o espera na porta. Com cuidado ele coloca as compras no banco traseiro. Depois de algumas tentativas o fusca creme pega ruidosamente.
     Na estrada que dá acesso à comunidade um Toyota o corta. Jurandir xinga palavrões terríveis. O veículo maior reduz a velocidade até ficar lado a lado com o fusca. A janela do carona abre e o cano do fuzil aparece cuspindo fogo arrebentando com o carro e o seu condutor. O fusquinha perde a direção e bate com força no poste. O Toyota segue seu rumo estrada afora. Enquanto isso a esposa do velho Jurandir o aguarda para os preparativos da pensão. O que ela não sabe é que seu velho o qual está casada há 39 anos jamais voltará para a casa.

***

       A favela do Farol nunca esteve tão calma, tão em paz. Mago e seus homens realmente dominaram aquele local outrora tão hostil e violenta. As rondas são feitas quase que constantemente. Ninguém se atreve a falar nada. As opiniões se diverge. Alguns estão adorando, outros detestando. O que era apenas uma vingança se tornou algo rentável. Geraldo tem faturado bastante com o transporte alternativo e internet. O próximo passo é a TV por assinatura.
      Na reunião que acontece na casa que era de Orelha na parte alta do morro, Mago organiza sua “empresa” ao lado de seus cães de guarda, Abílio, Lúcio e Marcão.
     - Temos aqui mil reais da internet. – Abílio joga as notas de dois de cinco e de vinte na mesa. Conferindo o dinheiro das vans ele faz o seguinte comentário.
      - Estou pensando em expandir meus negócios.
      - Como assim? – indaga Marcão batendo a cinza do cigarro.
      - Quero dominar outras comunidades. – coloca um bolinho de dinheiro num saco de pano. – quero deixar cada um de vocês responsáveis por favela que dominarmos.
Abílio engole seco.
     - Geraldo, não seria muito arriscado, quero dizer, o plano de início seria vingar a morte de seu filho e agora a conquista de novas terras, quem você está pensando que é Alexandre o grande? – todos riem menos Mago que continua a contar o dinheiro.
        - Lúcio! – o mesmo arqueia as sobrancelhas.
        - Diga!
        - Conseguiu o tratamento para o seu garoto naquele hospital de gente rica?
        - Sim, por que?
        - Com o seu salário de policial aposentado você conseguiria?
        - Lógico que não.
        Mago e Abílio se encaram por alguns segundos e o mesmo entende o recado.
         - O nosso país, o nosso estado está cheio de vagabundos a começar pelo presidente. Nós somos os xerifes, alguém tem de dar um jeito nessa bagunça e ninguém trabalha de graça, se eles querem segurança é preciso pagar por essa segurança. Enquanto estamos aqui, contando nossa grana, outras comunidades sofrem com o tráfico, são garotos e garotas aliciadas por bandidos e só quem pode dar um jeito nisso somos nós, a turma do Mago.

8

       Souza e Márcia acompanham a retirada do corpo de Jurandir do fusca. Um PM se aproxima trazendo os documentos do cadáver.
          - Detetive Luís Souza, prazer em conhecê-lo.
          - Todo meu policial, o que temos aqui?
         - Segundo testemunhas a vítima foi executada, um carro grande com carroceria parou ao lado e disparou várias vezes.
         - E onde está essa testemunha? – Márcia segura os documentos com um lenço.
         - Sumiu, foi embora.
         - Tudo bem. – Souza olha ao longo da estrada. – a família já foi informada?
         - Sim, o senhor Jurandir era morador da favela do Farol que fica aqui perto.
         - Favela do Farol? – Souza aperta os olhos.
         - Sim!
         - Lembrei, onde houve uma invasão de traficantes rivais.
        - Essa mesmo, por falar nisso. – continua o PM. – o clima está bastante estranho, o chefe do trafico sumiu, ninguém sabe onde se meteu.
       - Isso mesmo. – Márcia olha para Souza. – andei sondando por lá e ninguém sabe de nada.
         Souza olha para baixo e comenta.
        - Isso está me cheirando a milicianos.
         - Milicianos! – afirma Márcia.
        - Só pode. – Souza coloca as mãos na cintura. – temos que investigar a fundo o que anda acontecendo por lá, as pessoas humildes que ali habitam não podem mais ficar sob a tirania de um grupo paramilitar. O estado deve e vai entrar lá.

***

       Um dos donos de cooperativa de transporte alternativo discute fervorosamente com outro sobre a questão da baixa porcentagem que fica para empresa.
       - Temos que dar um fim nisso senão seremos dominados totalmente pelo Mago e sua turma.
           - Mas o que se há de fazer? Ele tem homens a seu dispor, homens armados e perigosos, estamos impotentes perante essa situação.
           - O jeito é sonegar. – bate na mesa.
           - Sonegar?
           - Isso mesmo, não iremos mais repassar os 70% das passagens.

***

         O rapaz treme diante da face fechada de Geraldo que reconta o dinheiro. O silêncio dentro da sala é torturante.
             - Cadê a outra parte do dinheiro? – a voz de Mago soa ameaçadora.
           - Seu Mago, eu não sei, eu sou apenas o cara que entrega. – o rapaz sua por todos os poros.
             Mago se levanta. Saca sua arma e aponta para as partes íntimas do jovem.
            - Cadê o dinheiro? – grita.
           - Eu não sei, eu juro, não me mate, por favor. – chora.
            Lúcio entra e se inteira do assunto.
           - Vamos dar uma surra nesse otário. – sugere o capataz.
           - Isso mesmo, você vai servir de lição para os outros, chama Marcão.
           Marcão é um negro com quase dois metros de altura, forte, musculoso e gosta de bater. Junto com Lúcio ele espanca o pobre rapaz que grita a cada golpe recebido. Mago apenas observa. Se diverte com o sofrimento alheio. A sessão de tortura termina vinte minutos depois com o rapaz desacordado.
            - Jogue água na cara dele que ele volta. – Mago cospe. – quando ele acordar deixe-o ir embora.

***

        No ponto final das vans que fica na entrada da comunidade alguns dos donos da cooperativa aguardam a volta de Lino. A demora atormenta a todos.
           - Viu, eu falei que não era uma boa ideia sonegar o dinheiro dos caras, com certeza eles mataram o Lino lá em cima.
            - Calma, veja, acho que é ele vindo.
          Lino aparece no ponto com ferimentos no rosto e cabeça. Ele mal consegue ficar em pé. Imediatamente os dois vão em seu socorro.
          - Eles me espancaram e o Mago falou que quer o dinheiro senão vai matar geral.
         Ele se olham. Levam o rapaz para o hospital.

9

      Souza veste seu colete a prova de balas ainda dando instruções aos policiais que participaram da operação. Ele sabe do risco que é entrar numa comunidade. O detetive conta com dez viaturas fora os carros blindados. A imprensa faz cobertura a todo o momento com flashes ao vivo. O secretário de segurança responde uma a uma as perguntas do jornalista na porta do departamento.
        - Senhor secretário, é verdade que há milicianos dominando a favela do Farol, o senhor pode afirmar isso?
         - Não, estou enviando o agente Souza ao local apurar os fatos.
      - Secretário. – chama uma jornalista. – estamos ao vivo e o nosso apresentador está perguntando se essa operação tem como fim a captura do traficante Orelha?
         - Não posso afirmar nada, tudo o que sabemos que esse tal Orelha está desaparecido há dias, os nossos agentes entrarão na comunidade e, com certeza, voltaram com um resultado satisfatório.
        Enquanto isso, Souza entra na viatura e parte para a comunidade do farol.
      - Já sabem o que fazer, há uma grande possibilidade de conflito hoje, não encararemos bandidos comuns, milicianos sabem atirar, são ex policiais, por isso todo cuidado é pouco.

***

        Geraldo Mago anda de um lado para outro segurando sua pistola. Marcão e Lúcio armados com metralhadoras aguardam a decisão do chefe. Mago abre a janela. Dá uma tragada no cigarro já pela metade.
           - Não vamos recuar, não vamos. – balbucia Mago. – temos que encarar.
           - Geraldo, quem está a frente da operação é o Luís Souza, cara, vamos cair fora.
         - Vai você Marcão, está se borrando de medo. – vocifera Mago. – temos que proteger nossa comunidade a qualquer custo. – pega o rádio. – atenção, Souza está chegando, ele é o alvo principal, acabem com ele.

***

        Souza dispensou sua pistola e se apossou de um fuzil. Sua viatura guia outras. O clima é de pura tensão. A comunidade é logo à frente. O policial dirige em alta velocidade e mesmo distante é possível ouvir disparos.
          - Estão atirando, cuidado. – informa Souza pelo rádio.
       Duas viaturas entram na favela e o corre corre de moradores se transforma numa confusão generalizada. Uma gritaria infernal. Mulheres recolhendo seus filhos, comércio fechando as portas, ambulantes se abrigando como podem e tiro comendo solto.
           A turma do Mago não dá refresco para os agentes da lei. A metralhadora de Marcão faz da lataria da viatura uma peneira obrigando o recuo. Abílio se esconde com mais cinco dentro de uma loja e expulsa os proprietários e funcionários. O que era uma loja de roupas infantis agora servirá de abrigo para milicianos. Uma viatura passa e é atacada com vários disparos. Dois policias são gravemente feridos. O para-brisa do carro ficou destruído. Mesmo sangrando os agentes conseguem sair abaixados.
            - Souza, precisamos de resgate. – fala um policial atingido no braço.
           A troca de tiros é intensa e fica pior a cada minuto. Para os policiais, a vida dos civis é algo inegociável. Souza e seu grupo se esforça para manter a integridade física dos moradores. Quanto aos milicianos o que importa realmente é marcar território, deixar sua marca, nem que para isso eles tenham que destruir vidas inocentes. Mago não está preocupado com os outros e nem com ele próprio. Tudo o que ele quer é mostrar poder, mostrar que pode.
          Mais uma chamada no rádio, mais agentes feridos. Luís precisa tomar uma decisão rápida antes que seja tarde demais.
              - O poder de fogo deles nem se compara ao nosso. Droga.
              - Vamos manter a resistência? – pergunta um PM.
              - Não há como resistir, vamos recuar. – informa Souza via rádio.
         Mago venceu a batalha. Do alto da favela ele vê as viaturas batendo em retirada. Estranhamente ele não comemora. Mas seus comparsas sim. Abílio, Marcão e Lúcio dão brados.
           - O que estão comemorando? – vocifera Mago.
           - Qual foi Geraldo, expulsamos Souza do morro. – fala Marcão.
         - Até parece que vocês não conhecem Souza, ele vai voltar e temos que nos preparar para isso. – coloca sua pistola no coldre. – quero atenção máxima a partir de hoje. – entra em sua casa.

10

         Ubiracir espera seu melhor agente terminar de socar a mesa. Souza não se conforma em ter recuado. O secretário de segurança apoia os cotovelos na mesa e entrelaça os dedos.
         - Meu querido, você fez o que era certo no momento.
         - Merda! – soca mais uma vez.
       - Escute, Luís, temos quatro PMs internados com ferimentos craves e nem sabemos se sobreviverão, deixe que eu falo com a imprensa sobre a operação.
          Márcia entra na sala e logo de cara percebe o clima.
         - Souza, puxei a ficha dos milicianos, você está lidando com Geraldo Braga, ou melhor, o Mago. – joga a ficha na mesa. – ele é um ex policial, quando estava na ativa liderou várias operações de sucesso. Segundo informações, ele invadiu a comunidade do Farol, matou o chefe do tráfico e expulsou os outros, tudo isso por vingança.
         Souza analisa a ficha.
        - Vingança!
        - Isso mesmo, Orelha, sequestrou, torturou e matou o filho de Mago.
        - Sabe-se o motivo? – pergunta Ubiracir.
        - Engano, Fabrício Braga foi confundido com um rival.
     - Mais que droga. – Souza anda em direção a janela. – ele já conseguiu seu objetivo, vingou a morte do filho.
    - É meu caro. – começa Ubiracir. – coração do homem é terra que ninguém anda.         Precisamos retomar o controle da situação, mas para isso, precisamos de você calmo. – se levanta e ajeita a gravata. – tem meu apoio em qualquer decisão que tomar. – sai deixando Márcia e Souza.
        - O que faremos, senhor? – Márcia guarda a ficha na pasta.
         - Ligue para Itamar.

***

         Aparentemente a normalidade volta a fazer parte da vida dos moradores da favela, só aparentemente. Em cada saída Mago mandou que instalasse câmeras de segurança. Seus homens agora circulam pelas ruas ostentando um poderio armado. Para a compra de novas armas o chefe resolveu investir pesado. As cooperativas terão que pagá-lo 90%. Quem se opuser será morto. A vida se tornou mais difícil. A cada dia é possível ver pessoas saindo quase que às escondidas nos caminhões de mudança.
        Sozinho, em seu “escritório” Mago bebe e fuma olhando as imagens dos monitores. Ao se lembrar de Fabrício seu coração sangra. Um amigo, um companheiro. Desde quando sua esposa o abandonou, Geraldo Braga fez de seu único rebento seu porto seguro. Aquela noite foi terrível. Chovia bastante e Fabrício chorava por causa de cólicas. Mara, já não aquentava mais ouvir o choro do bebê.
        - Geraldo, pra mim já chega, estou indo embora. – fala com os olhos marejados.
         - Como assim indo embora, e o garoto? – vocifera ninando o filho no colo.
          - Cara, eu não nasci para ser mãe, ele me estressa, acho melhor você criá-lo.
         Mara cruzou a porta deixando um pai sem chão e um bebezinho desamparado. Cada vez que Geraldo se lembra disso, é como se tivesse acontecendo naquele momento. A ferida ainda sangra, dói. Ele toma mais um gole do licor e dá mais uma tragada no cigarro. Seus capangas entram se bater o deixando nervoso.
        - Um bando de ignorantes, a mãe de vocês não deu educação?
         - Sai dessa Mago. – diz Abílio. – queremos saber quando vamos nos reunir para planejar a invasão da próxima favela?
       - Preciso pensar. No momento estou preocupado com Souza no meu pé. Precisamos acabar com a folga dele.
          - Souza não vai voltar. – Fala Lúcio. – ele fugiu como um cachorro assustado.
       - Não conte com isso. – se serve de mais licor. – ele é esperto, está tramando algo. Temos que matá-lo.

***

       Tornado parte pra cima do Souza que está desconcentrado. O cruzado de esquerda do professor o acerta em cheio o levando a lona.
         - O que houve Luís? – fala com o protetor na boca.
          - Foi mal. – se levanta. – não consigo tirar a operação da cabeça.
          - Eu vi na TV. O que deu errado?
        - Cara, eu nem deveria está levando esse papo com você, mas, preciso desabafar. Tive que recuar, os milicianos eram mais fortes e estavam em maior número. Estou com quatro agentes no hospital.
         - Nossa!
         - Pois é, recuar para mim é quase perder.
         - Você nunca passou por isso não é?
        - Acho que estou mal acostumado. Sempre venci e agora ter que encarar a derrota está sendo difícil pra mim.
         - Mas você não perdeu e quem disse que para vencer é preciso de muito? Para vencer é preciso ter estratégia meu amigo, agora vamos treinar. – Tornado volta a por o protetor na boca.
          - Valeu!

11

         Alto, esbelto e muito bonito, assim é Itamar, investigador de polícia. A seu lado o corpulento Nunes, também investigador. Márcia discretamente olha para o sujeito sentado na cadeira conversando com Souza que também não fica atrás no quesito beleza.
             - Se você quiser podemos convocar Miller e Gilmar. – diz Itamar.
             - Ótimo. – bate com a caneta na mesa. – com eles o time estará completo.
            - Mas, Souza. – fala Nunes. – não somos poucos para uma operação tão arriscada?
           - Eu não quero quantidade, eu quero qualidade. Chamei vocês aqui por que conheço o histórico de cada um. Para vencer não é preciso muito e sim estratégia.
           - Meu querido. – Itamar se levanta. – pode contar comigo. – estende o braço.
           - Eu também estou nessa. – se junta a eles num aperto de mão coletivo.
          Depois que Nunes e Itamar foram embora, Márcia em fim abriu a boca para opinar.
        - Que tal fazer uma pesquisa de campo, estudar a geografia da comunidade, ver os pontos de fuga e também onde fica o quartel-general de Mago?
            - Acho ótimo. – vai até a máquina de café. – o que você achou?
           - Dos seus amigos?
           - Sim. – completa o copinho com mais café puro. – quer um?
         - Quero um cappuccino. – cruz as pernas. – bom, achei providencial a convocação, temos mesmo que unir forças contra esse tipo de crime.
         - Sabe quando você sente uma atmosfera diferente, sabe aquela sensação de algo muito bom está para acontecer? – Márcia da de ombros. – isso mesmo, vamos expulsar Mago e seus homens do Farol.

***

        Com a investida da polícia na favela, Mago intensificou também o rigor quanto à arrecadação. Passou a punir os devedores sem ao menos lhes dar uma segunda chance. Todo o dinheiro ele tem investido em armas para o próximo assalto, ou seja, tomada da próxima comunidade. Geraldo pretende expandir seus “negócios” conseguindo administrar o maior número possível de favelas do estado. Seus fornecedores chegam de todos os cantos do país aterrissando em terreno nacional pelas pistas clandestinas.
         As armas são caras. O poder de fogo de cada uma é algo cinematográfico. Fuzis, metralhadoras de fabricação russa, pistolas e até granadas. Um verdadeiro arsenal de guerra. Abílio, Marcão e Lúcio dão suporte ao chefe e estão com ele quase que vinte quatro horas. São homens cruéis, forjados nas ruas perigosas manchadas de sangue. Homens que foram adotados pela violência. Suas vidas não mais pertence a eles mesmo e sim ao sistema que os engole e faz deles seres renegados e marginalizados pela sociedade.
            - Certifique-se se as entradas da favela estão sendo vigiadas devidamente. – Mago grita ao rádio. – não podemos dar mole a essa altura do campeonato. – desliga o aparelho.
             - Me diga uma coisa Geraldo. – Marcão termina de montar um fuzil. – você agora é o cara mais procurado pela polícia, o que fará daqui pra frente com essa fama?
         - Não estou nem um pouco preocupado com isso e acho que vocês também não deveriam ficar. Quero que foquem em nosso objetivo.
             - Souza? – conjetura Lúcio.
            - Também. Quero que fiquem atentos a tudo. A calmaria é nossa inimiga, vocês foram militares e sabem do que estou falando, então não percam o foco fiquem em alerta o tempo todo.
           - Tudo bem. – Abílio se levanta do sofá. – vamos à guerra.

***

            Sentados na mesa de costas para a rua estão Itamar e Nunes. Do outro Miller e Gilmar. Nas extremidades estão Souza e Márcia que vez por outra lança seu olhar para Itamar que ainda não se deu conta que está sendo observado.
         - Na realidade o que você está propondo é que deixemos de ser policiais. – diz Miller.
         - Isso mesmo.
         - O que Ubiracir acha disso? – indaga Nunes.
         - Ele me apoia. – reponde olhando para Márcia.
        - Contaremos também com o batalhão de operações especiais. – enquanto Souza falava o garçom chega com os pedidos. – eles nos apoiarão por terra e no céu. – completa.
          - E nós? – Gilmar é o primeiro a se servir dos petiscos de frango e peixe.
          - Vamos para o combate também. – Souza belisca o frango empanado.
          - Tudo certo. – Miller se serve do arroz. – já mapeou toda a comunidade?
         - Sim, temos todas as rotas de fuga, esconderijos e os possíveis pontos onde eles possam nos atacar sem serem vistos.
          - Usaremos o fator surpresa a nosso favor então? – Itamar entrelaça os dedos.
          - Pessoal. – Nunes pede a palavra. – e quanto à flor do grupo, o que será dela?
          Todos os olhares vão para Márcia que ruboriza várias vezes.
         - Márcia nos dará apoio também e se preciso for ela vai para o combate. – Souza limpa a boca.

12

           Mais um chute e o corpo do homem cai no chão como uma árvore. Sangrando pelo nariz e boca o sujeito tenta se levantar sob os olhares de seus agressores. Mago o segura pelo colarinho e o soca no nariz, enquanto que Abílio o chuta nas costas. O rapaz geme alto quando sua costela é fraturada.
           - Eu não estou para brincadeira, cadê a grana das vans? – grita Mago.
           - Pode esculachar, eu gastei tudo.
          Geraldo se levanta.
          - Abílio, amarre esse otário e me traga a barra de ferro.
          - Boa meu chefe.
         Depois de alguns minutos o sujeito está amarrado com as mãos para trás. Os pés também foram fortemente amarrados com cordas. Lúcio, Marcão e Abílio assistem a sessão de tortura sem expressão alguma nos rostos. Mago castiga. Quando a vítima não grita é possível ouvir o barulho dos ossos quebrando com as pancadas. Que forma dolorosa de morrer. Mago bate firme. Uma gota de sangue acerta os óculos de Marcão que não se dar o trabalho de limpar. A respiração do ex policial se torna pesada e ruidosa. Mesmo sabendo que o homem já está morto ele não para de bater. A barra de ferro sofreu uma leve avaria. Seus comparsas mudam de expressão ao verem a atitude do chefe. Lúcio engole seco que vê o crânio se rachando. Abílio coça o pescoço quando Mago rir alto ao ver a massa se misturando ao pó do chão. Marcão é o único que deixa o local resmungando algo.
           Exausto Mago cai quase que ao lado do corpo desfigurado. O peito subindo e descendo mostra o quanto foi duro matar. Seus amigos o deixaram sozinho, ele e o cadáver do motorista de van. O rapaz tinha apenas vinte anos e uma filha. Trabalhava durante o dia e estudava a noite. Sonhava em se tornar um juiz. Agora tudo que sobrou dele foi um corpo esmigalhado.

***

Domingo 06:30h

        Sobre a mesa os distintivos. Nos coldres as pistolas. No pátio as viaturas que darão apoio e na mente um único pensamento, vitória. Souza termina de colocar seu colete aprova de balas quando Ubiracir chega junto com o capitão das forças especiais.
         - Tudo pronto?
         - Sim, partiremos. – consulta o relógio. – em dez minutos.
         - Esse é o capitão Alves.
         - Prazer detetive Souza.
         - Todo meu capitão, já ouvi falar de seu trabalho, parabéns.
       Alves é um homem negro totalmente careca, corpo de boxeador e tem um rosto bastante intimidador.
        - Obrigado, estamos sob suas ordens.
        Itamar vocifera de dentro da viatura.
        - Vamos, estamos atrasados. – diz com o barulho do motor atrapalhando.
        - Souza, rapazes, boa sorte, livre aquelas pessoas das garras de Mago. – Ubiracir ajeita os óculos.
           O comboio atravessa o portão da garagem do departamento de polícia. As primeiras viaturas são as das operações especiais. Veículos grandes e pretos e na porta o símbolo lúgubre, uma caveira. Capitão Alves e seu batalhão junto com os outros investigadores se empenham e ambos estão num único propósito. Nem a imprensa sabe ao certo o que pode acontecer. Tudo ainda é um mistério. Souza dirige uma das viaturas, a seu lado Itamar consulta mais uma vez o mapa da comunidade. O investigador fez questão de colocar sua velha touca preta e de pintar o rosto. De vez em quando Souza rir dos trajes de seu velho amigo.
           - Quem você pensa que é, o Rambo?
           - Que nada, nasci para guerrear.
          - O efeito surpresa está a nosso favor. – diz Souza dirigindo acima de 80 quilômetros. – se perdermos isso a operação não passará de mais uma incursão sem sentido.
          - Por isso enviaremos o apoio aéreo depois, quando tudo estiver dominado.
          - Certo!

13

Comunidade do Farol, 07:55 da manhã.

           As viaturas passam em alta velocidade deixando para trás rastro de poeira e também de medo e apreensão. Informantes de Mago que estão espalhados nas imediações da comunidade sacam seus rádios atualizando ao chefe. Imediatamente os homens de Geraldo se preparam para o iminente confronto.
            - Souza está de volta e não está sozinho, agora o assunto é sério rapaziada, fogo neles.
          As primeiras viaturas das forças especiais entram na favela sob fogo pesado. Alves com seu olhar mais frio que uma pedra de gelo não se intimida com os disparos, mesmo por que a blindagem do veículo lhe dá essa segurança. Seu maior lema é não revidar logo de cara. É preciso deixar o adversário cansado e confuso. A rua principal da comunidade é ocupada pouco a pouco por viaturas pretas. Algumas delas seguem por ruas secundárias. Os marginais, mesmo sem entender continuam atirando.
         - Souza. – diz Alves pelo rádio. – aguardando ordens.
         - Segue o plano capitão, temos que ocupar a área.
          - Vamos avançar então.
          - Perfeito!
          Visto de cima, a polícia ocupa o lugar pelas laterais não permitindo nenhuma fuga em massa. Tudo foi cuidadosamente planejado, nada pode sair errado. Não muito longe dali o helicóptero aguarda novas instruções caso algo saia do controle. O batalhão das forças especiais abre caminho para a entrada dos investigadores ao sim o confronto começa.

***

          Nunes logo de cara derruba um sujeito armado com duas pistolas. Dois fogem para se abrigarem numa mureta mais são mortos por homens de Alves.
           - Vamos limpar ponto por ponto entenderam? – grita Itamar pelo rádio.
           - Copiado! – Afirma Alves.
         De repente vários disparos de metralhadora são ouvidos obrigando a viatura guiada por Souza a dá marcha ré em alta velocidade.
           - Merda!
          Dois homens portando armas de grosso calibre estão em cima de uma laje atirando sem cessar.
           - Alves, agora é com vocês. – ordena Itamar.
           - Certo!
     Com dois gestos rápidos de braço Alves conduz a tropa de desce das viaturas. Estrategicamente os policiais se espalham pelas ruas estreitas da favela. Um dos agentes com um rifle e mascara ninja ocupa a cobertura de uma casa ainda em construção.
          - Fantasma um posicionado. – informa Alves a Souza.
          - Prossiga com o plano.
         Fantasma um consegue localizar os dois marginas com metralhadora no alto da laje.
         - Alvo localizado, Fantasma Um aguardando ordens.
       - Entendido Fantasma um, quando quiser e puder, alvo à frente, fogo à vontade. – orienta Alves.
         Os homens continuam atirando quando um deles tem o crânio perfurado. O companheiro ao lado com o rosto respingado pelo sangue se assusta ao ver o corpo do amigo caindo como uma mangueira.
             - Atiradores! – ao terminar de falar é morto também.
           Dentro da viatura Souza é avisado que a área foi tomada e que eles podem seguir com a invasão.

***

            Mago e Abílio estão descendo o morro quando são informados que a comunidade está sendo tomada e que alguns de frente já foram abatidos.
          - Mago, temos que sair daqui.
          - Nada disso, vamos encarar esses caras, quero a cabeça de Souza.
        A troca de tiros apavora os moradores que estão abrigados em seus lares. Mais um ponto é tomado pelo batalhão de Alves que por onde passa deixa corpos estirados no asfalto. Um rapaz recém-aliciado pelo grupo de Mago é capturado por homens de Alves e obrigado a confessor onde o líder está.
        - Eu não sei, eu juro que não sei.
        - Coloco ele no saco.
       Um pequeno saco plástico é colocado com truculência na cabeça do rapaz o sufocando até quase a morte. A agonia do homem só termina quando Alves ordena.
         - Então meu jovem, cadê o Mago?
        Buscando ar com os olhos arregalados o miliciano não consegue responder. Um forte tapa o faz despertar.
          - Eu não sei de nada. – vocifera.
          - Que pena, vai voltar para o saco. – diz Alves com os braços cruzados.
        Mais uma vez a cabeça do jovem foi coberta pelo saco. Desta vez a falta do oxigênio o fez desmaiar. Ele é acordado a base de tapas e socos no rosto.
        - Vai ser pior para você garoto, confesse. – Alves o segura pelo pescoço. Nesse meio tempo Souza e Itamar chegam já intimidando o prisioneiro.
         - Vamos lá cara. – fala Souza chutando forte a costela. – eu não tenho o dia inteiro, onde está o Mago?
         - Você não pode me matar, os policiais não podem matar prisioneiros.
         Souza o faz levantar com brutalidade.
         - Eu não sou mais um policial.
         Diante dessa declaração de Souza o rapaz engole seco. O cano da pistola é pressionado contra a têmpora.
         - Qual o seu nome? – indaga Itamar.
         - Adriano! – responde gaguejando.
        - Adriano, é melhor você falar, para o seu próprio bem. – recomenda Alves.
         - Tudo bem, tudo bem, o Mago fica no alto do morro, ele está lá a essa hora.
         - Muito bem. – joga o rapaz no chão. – vamos subir.

14

          Mago desce as escadas que dão acesso à parte baixa da comunidade armado até os dentes com outros comparsas. Sua mente gira em torno de proteger o lugar e se manter como chefe. Ele deseja estabelecer outro governo, outro poder. Ficar acima do estado, essa é a sua sina, sua vontade. Claro que ele não deixará que um detetive estrague seus planos. Ele lutou muito para chegar até aqui. Abílio, Marcão e Lúcio, seus cães de guarda veem logo atrás conspirando contra sua decisão de bater de frente com a polícia. Isso é praticamente suicídio.
            - Geraldo, qual o próximo passo? – Abílio pergunta.
          - Devemos fazer de tudo para guardar esse lugar, não podemos entregar de mão beijada, eu não quero ir para a cadeia.
         - Você ouviu bem, Souza não veio sozinho, o batalhão das operações especiais veio com ele. – Lúcio toma a frente.
         - Temos que manter a resistência até o fim. Vocês estão comigo ou não?
         Ele se olham por alguns instantes.
         - Vamos em frente. – Marcão toca no ombro do chefe. – parceiro até o fim.

***

        Mais uma parte da comunidade é tomada. Souza e seu grupo segue avançando favela a dentro. Mais um atirador foi solicitado, fantasma dois. Na outra parte da cidade Miller e Gilmar esperam a ordem de decolar com o helicóptero. Passando um pouco mais da metade da favela Souza pede cuidado aos seus comandados.
           - Essa é a zona vermelha, daqui pra frente todo cuidado é pouco.
          - Mago está cercado, sufocamos ele. – diz Itamar.
         De repente um disparo, um corpo no chão. Itamar cai sangrando no peito. Os agentes se dividem dando cobertura para a retirado do ferido. Souza o arrasta até um poste.
          - Itamar?
          - Mais que droga, conseguiram me acertar.
          - Você vai ficar bem, vou lhe tirar daqui.
         Alves e seu grupo dão cobertura. Souza ajuda seu amigo a se levantar passando o seu braço por seus ombros. Sentindo dores terríveis Itamar é colocado ao lado de uma viatura.
          - Souza, me deixe aqui, ficarei bem.
          - Tem certeza?
          - Claro que tenho. Vá!
        Enquanto isso mago finalmente dá as caras atirando firme. Alves foi obrigado a recuar com seus homens.
         - Nessa favela quem manda é o Mago. – dispara mais vezes.
         Fantasma um tenta localizar o alvo, porém ele está coberto pelas casas.
         - Fantasma dois, consegue ver o alvo?
         - Negativo, fantasma um.
          Dois agentes de Alves foram mortos nessa troca de tiros. Os corpos ainda permanecem no local. Uma granada é lançada abalando as estruturas das casas. Souza pela primeira vez se vê preocupado com a integridade física dos moradores.
        - Nunes, temos que rever os planos, eles não nos dão chance.
        - Temos que avançar. – vocifera.
        - Pessoas inocentes pagaram por isso.
        - É por elas que estamos aqui, vamos avançar.
        Mais uma granada é lançada e explode junto a um carro que também explode ferindo a mais um policial. Mago rir por mais essa façanha.
           - Quem manda aqui sou eu, Souza.
          Marcão saca mais uma granada, retira o pino e recebe um tiro no peito. Cai perto do artefato e se arrasta, porém em vão. Seu corpo é feito em pedaços. Fantasma dois comemora ao ver seu alvo exterminado. Ao saber que Marcão já não existe, Mago aumenta ainda mais a sua fúria.
           - Seus merdas, sumam daqui. – grita a plenos pulmões.
          Sentindo que o adversário se encontra fora de controle, Souza aproveita para solicitar o helicóptero.
           - Miller, vem, agora.
           Lúcio vê o descontrole do chefe diante da morte do Marcão.
           - Mago, vamos fugir para a mata.
           - Nada disso, fique em seu lugar a lute, fogo neles.
         O barulho ruidoso do motor do helicóptero soou como uma música infernal aos ouvidos dos milicianos. Os rasantes os deixam sem estabilidade. Alves faz gestos e mais gestos pedindo à tropa que não cessem de contra atacar. Abílio sobe a fim de ter uma visão melhor. Fantasma um tem ele na mira. Abílio também tem seu alvo, Souza terá sua cabeça esfacelada por ele.
            - Chega dessa brincadeira. – lambe os lábios.
         O tiro é certeiro. O corpo vai ao chão sem vida. O sorriso mostra o triunfo de um exímio atirador. Fantasma um abate Abílio com perfeição.
             - Mago – Lúcio chama atenção do líder. – Abílio já era vamos sair daqui.
             - Jamais, fique aqui é lute.
             - Não seja tolo Geraldo, seremos mortos, não está vendo?
           Se abrigando entre caçambas de lixo, Geraldo se recorda de Fabrício e de todo o por que de estar ali. Vingança. Duas covas sendo feitas. Duas mortes. Ele não quer passar seus dias numa cadeia fria, assombrado pelos demônios do passado e nem do presente. Seus olhos úmidos percorrem todo o horizonte de conflito. Por um momento ele vê seu último companheiro abaixado o olhando. O medo pela primeira vez o deixa sem norte, sem rumo, sem esperança. De repente esse último comparsa, amedrontado pelas circunstancias ao redor, aponta sua arma. O alvo, Geraldo, o Mago.
            - O que está fazendo seu idiota?
           - Me desculpe cara, não vou morrer aqui.
         Lúcio dispara duas vezes acertando o peito de Mago. O pai de Fabrício cai esparramado, mas ainda vivo. A morte é a única certeza do ser humano, fora isso ele não tem certeza de nada. Caído naquele chão sujo pelo seu próprio sangue, Geraldo reflete em sua vida que daqui a alguns segundo chegará ao fim. Na verdade a vida valia mais a pena quando Fabrício existia. A morte não o deixa com medo, ele morreu junto com seu filho naquele fatídico dia.              O que ele tem feito desde então foi perambular e atormentar a vida alheia.
Reunindo suas últimas forças ele consegue ver Lúcio erguendo os braços e se rendendo. Covarde, frouxo. A visão vai ficando turva e ele sente o frio da morte chegar. Uma voz familiar ecoa em seus ouvidos. Esse já era, foi para o saco, não adianta chamar ambulância. A voz de Alves foi a última voz que Geraldo ouviu em vida.

15

           Os últimos milicianos foram capturados. Aos poucos a calmaria vai alcançando os becos da favela. Só o que resta é o cheiro de pólvora no ar. Souza se junta a Alves.
               - Então, o que achou? – Alves pergunta.
               - Missão concluída com sucesso.
               - E o investigador, vai ficar bem?
              - Já foi levado para o hospital. – Souza olha para o corpo de Mago no chão. – esse é o fim de todos os que se opõe a lei, o estado.
              Lúcio é algemado e colocado na viatura.
               - Aquele terá uma bela história pra contar. – diz Alves.

***

             Na sala de reunião Ubiracir termina seu discurso elogiando a atuação dos agentes perante o governador.
                - Não devemos esquecer dos que perderam a vida nessa incursão, eles serão lembrando pela bravura, homens que verdadeiramente honraram o que se refere servir e proteger.
           Ao lado de Souza, também vestido de terno e gravata, está Nunes bastante sério e concentrado. Márcia se encontra do outro lado da mesa e acompanha com atenção tudo que é dito pelo secretário de segurança.
           Na confraternização, um pouco mais à vontade os agentes conversam tomando vinho e champanhe.
           - Uma pena Itamar não poder vir, ele adora vinho. – comente Souza.
           - Só terá alta daqui a dois dias. – afirma Márcia.
          - Temos que fazer um trabalho de prevenção. – continua Souza. – não podemos deixar que grupos como o de Mago assuma e faça o que bem entender, vou trabalhar em conjunto com outras forças e tentar manter o estado nas comunidades.
            - Boa meu chefe. – Márcia toma um gole do champanhe.
            Ubiracir chega sem ser percebido e toca no ombro de Luís.
            - Hora da coletiva para a imprensa, quer vir comigo?
            - Não obrigado, prefiro ficar nos bastidores, não me dou muito bem com microfones.
            - Fizeram um bom trabalho. – aperta a mão do detetive. – parabéns.

Fim