Observando
Thalma Marques
Eu não me
lembro muito bem como cheguei aqui, só sei dizer que, quando abri os olhos ela
já estava lá. Dona Thalma para alguns e para outros da família apenas Thalma. O
único que a chama carinhosamente de Thalminha é um sujeito boa pinta que pelo
menos duas vezes na semana aparece por aqui.
Thalma
Marques é o que podemos chamar mulher típica brasileira da melhor qualidade.
Quarenta e cinco anos, presumo eu. Boa forma. Fã de Yôga e de corridas matinas
diárias. Pelo que eu entendi ouvindo certas conversas, Thalma é profissional na
área das ciências exatas. Contadora talvez. Boa mãe e boa esposa, acredito eu.
Ela e João pouco se falam, diferente de quando o tal sujeito que a visita duas
vezes na semana aparece por aqui. Com ele Thalma fala. Fala até demais. Sorrir,
solta gargalhadas e quando dou por mim, lá estão eles agarrados aos beijos no
sofá.
Certo
ocasião, João e ela quase que chegam às vias de fato. Ele encontrou algo do
outro rapaz no quarto e o céu desabou na cabeça de ambos. Thalma gritava feito
uma desesperada o pedindo que a perdoasse, tudo isso na frente das crianças que
choravam o tempo todo. Essa noite foi de assustar qualquer um. Eu só sei que
tudo ficou bem. Os filhos foram dormir e eles se amaram naquele mesmo sofá.
Volto a
dizer: eu não sei como vim parar aqui, então resolvi explorar um pouco mais.
Numa tarde quente de verão, após caminhar, Thalma voltou para casa com suas
roupas de ginástica molhadas de suor. Ela estava sozinha em casa, por isso não
se importou em tirá-las ali mesmo no meio da sala. Foi a coisa mais linda e
sedutora que já vi. Thalma nua é ainda mais sensacional do que vestida. Penso
eu que todas devem ser assim. Ela foi para o banheiro. Fiz um esforço e
caminhei sem fazer barulho até a porta. Lá estava ela, toda molhada, até os
cabelos estavam encharcados pela água do chuveiro. Graças aos céus o vidro do
box não embaçou tanto e eu pude vislumbrar daquela obra de arte.
Antes dela
fechar o registro, eu corri para o meu lugar habitual e a aguardei sair. Ela
entrou no quarto envolvida numa toalha pequena, cobrindo somente a parte de
baixo. Thalma abriu o armário e pegou o aparelho de barbear de João. Ergueu o
braço esquerdo e o passou na axila. Fez o mesmo com o outro braço. Depois ela
usou esse mesmo aparelho para tirar os pelos da parte de baixo. Que curioso!
Enquanto ela fazia tal tarefa o celular tocou.
— Eu já
falei para não me ligar, o João tá no meu pé. Calma, eu já estou me arrumando.
Vai dando entrada aí, eu chego em vinte minutos.
Thalma
terminou sua higiene. Perfumou-se. Se vestiu e saiu. Tudo ficou em silêncio por
um logo tempo até a chegada das crianças da escola. Em seguida João chegou
também fazendo a mesma pergunta.
— Cadê a
mãe de vocês?
— Não
sabemos, papai.
Que coisa
chata! João pegou uma garrafa no armário da cozinha de um líquido dourado e a
tomou direto no gargalo deixando-a pela metade. Ele andava pela casa trocando
as pernas e falando coisas do tipo: hoje ela não me escapa. Os meninos foram
para o quarto jogar e João permaneceu na cozinha aguardando a chegada da
esposa.
A porta da
cozinha se abriu. Era ela. Ao vê-la, João tomou posse de uma faca e partiu para
cima da mulher desferindo golpes violentíssimos contra ela. Na tentativa de se
proteger das estocadas, Thalma colocava os braços na frente, mas de nada
adiantou. Seus membros foram fatiados sem piedade. Por dentro eu gritava
pedindo por socorro assim como seus filhos. Mesmo caída e com a respiração
fraca, João não cessava com as punhaladas tanto no peito como no pescoço. Seu
rosto se transformou em uma máscara escarlate devido aos jatos de sangue que
escapavam das feridas no pescoço. Enquanto a furava, ele a xingava dos piores
nomes e ela coitada, só emitia grunhidos como de um suíno. João só parou quando
sua mão molhada pelo sangue escorregou o levando a se cortar.
—
Desgraçada.
Ele saiu de
casa do jeito que estava. Sujo de sangue. Os filhos correram com medo para o
quarto e lá se trancaram. Thalma exalava seus últimos suspiros caída no chão.
Fiz uma força absurda e andei até seu corpo. Olhei em seus olhos já sem luz,
sem vida e tentei fecha-los. Não consegui. Senti a temperatura do sangue
escorrendo no chão, senti o cheiro. Thalma parou de respirar. Morreu de olhos
abertos direcionados a mim. Eu ainda lamentava a sua partida quando ouvi o
ruído da porta do quarto das crianças se abrindo. Não havia tempo de sair dali
correndo. Deitei-me junto ao corpo de Thalminha, em meio ao seu sangue.
Chorando bastante, o filho mais velho caminhou em nossa direção e contemplou a
mãe morta.
— Mamãe,
levanta.
O outro
juntou-se ao irmão também em prantos.
— Veja,
Joãozinho, ela pegou aquele boneco que aquela mulher estranha te deu na escola.
FIM.