terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Em Decomposição - Vida de ferro




1

            Transpirando, sujo, cansado e com algumas feridas, essas são as condições do ex policial militar Alberto que vasculha o terreno em busca de abrigo. Já é quase noite, seu estômago reclama de fome e ele se quer conseguiu um roedor que seja. Suas roupas estão pegajosas e sua barba crescida lhe dão aspecto de mais velho, porém sua idade não passa dos 40.
           agente Alberto Tavares, policial durão. Com ele vagabundo não tinha vez. Hoje, diante dessa epidemia que destruiu o mundo inteiro ele não passa de um sobrevivente. A mochila em suas costas está cheia de frutas podres e uma garrafa pelo meio de água. Ele perdeu noção do tempo. Não sabe qual dia da semana é. Seu relógio de pulso parou desde quando o apocalipse aconteceu. Sua esposa, a professora de educação infantil Dora foi devorada por zumbis dentro do colégio. Foi uma cena dura de se ver. O grande amor de sua vida com as vísceras expostas. Alberto teve que atirar em sua cabeça para não ver Dora se transformar numa morta viva. Ali seu mundo havia ruido. Quando tudo ficou ainda pior, ele resolveu seguir sozinho, sem grupo, apenas sua arma, um trinta e oito e um facão, eliminando zumbis a sua frente.
          O terreno está vazio. Alberto olha para o céu alaranjado e depois para o monte de ferro velho entulhado no canto. Ele pensa em fazer do terreno baldio uma pequena fortaleza com restos de carros. Isso levaria dias, mas ele conseguiria. Alberto puxa a arma do coldre e começa a caminhar. No tambor do trinta e oito três balas. Ele segue. O coração acelerado ele sente bater na garganta. A testa molha mais uma vez e com as costas da mão ele limpa o suor. Chegando mais para o meio do terreno ele escuta grunhidos vindos dos carros enferrujados. Ele se prepara para o confronto. Dois zumbis enfurecidos aparecem loucos por cérebro fresco. A mira perfeita de Alberto esfacela o primeiro na cabeça. O outro rosna e tem o mesmo destino.
           - Malditos! - balbucia.

2

        Alberto sobe até atingir o último carro empilhado. Da li ele consegue ver os arredores.
            - Aqui será o ponto de observação. - fala para ele mesmo.
         Saindo do canto esquerdo uma zumbi caindo aos pedaços rosna e baba um líquido denso preto. Ela avista Alberto que puxa o facão e espera sua subida.
            - Vem, desgraçada.
           O ex policial divide a cabeça da morta em metades. O sangue podre suja ainda mais suas roupas, coisa que ele odeia. Ele se recompõe quando escuta o motor de uma moto. A arma é sacada e ele se esconde. O motoqueiro para em frente ao terreno e retira o capacete.
            - Já lhe vi, pode aparecer, sou do bem.
            Alberto permanece escondido prendendo a respiração.
            - Sou gente boa, me chamo José Carlos, mas pode me chamar de Juca.
          Ele entra no terreno. Suas roupas típicas de motociclista já estão empoeiradas e a águia bordada atrás da jaqueta perdeu a cabeça e uma das asas.
             - Vamos lá cara, aqui está cheio de zumbis, eu posso ajudar.
             - Parado, fique onde está.
        Alberto aparece ao lado do estranho com o cano da arma enterrado em sua têmpora. O motoqueiro paralisa diante da habilidade do ex policial.
             - Uau, como fez isso?
             - Cala a boca e me entregue sua arma.
             - Não tenho arma. - diz com os braços erguidos.
             - Não tem. - chuta a canela de Juca de leve. - levante a perna da calça, devagar.
             Um trinta e dois, bem escondido na meia.
             - Nossa, pelo visto você era policial, acertei?
             - Cale-se e vamos entrando.
             - Cara, relaxa, sou do bem, só quero…
             - Quantos zumbis já matou?
             Juca dá de ombros.
             - Um bom número, perdi as contas.
             - O que você era antes de tudo acabar? - Alberto continua apontando sua arma.
           - Cara, já pode parar com essas ameaças, sou um cara do bem, eu era dono de uma banca de jornais e motociclista nas horas de folga.
             Alberto consegue ver verdade nos olhos de Juca e baixa o trinta e oito.
             - Certo, mas por enquanto sua arma ficará comigo, certo?
           - Certo! - coloca as mãos na cintura. - bom, vai me contar o que faz aqui ou não?
            - Cansei de fugir, por isso vou construir aqui o meu espaço, farei uma fortaleza usando a lataria desses carros.
           - Bom, creio eu que vá precisar de ajuda, bom, aqui estou eu, serei seu ajudante.
       Em meses Alberto consegue sorrir do homem com pinta de nordestino a sua frente. O ex policial limpa o suor da testa e olha para ele.
            - Tem comida? - pergunta o agente.
            - Na moto tenho dois ratos, vamos assá-los?
            - Feito!

3

          No dia seguinte debaixo de um sol forte os dois dão início a construção. Juca e Alberto vão aos poucos dando formas a fortaleza e depois de uma semana ela já tem uma torre de observação e dois alojamentos.
        - Alberto, você ainda não falou qual será o nome da fortaleza. - pergunta cavando.
        - Eu estava pensando em algo como Iron Life, o que acha?
        - Hum, vida de ferro, gostei, Iron Life, sob a liderança de Alberto Tavares.
     Mais uma semana se passou e a Iron Life já está quase pronta com dezenas de abrigos. Alberto está sentado dentro de seu escritório enquanto Juca monta guarda na torre. Ele olha para a rua ao lado quando duas moças se aproximam.
         - Auto lá. - anuncia Juca apontando o trinta dois.
     - Calma, somos pessoas de bem, essa é minha irmã Amanda e eu me chamo Mônica.
         - Mônica e Amanda, o que querem?
         - Abrigo, comida, água. - responde Amanda.
         - Tudo bem, vou falar com meu líder, vou abrir o portão.
      Minutos depois Mônica e Amanda estão diante de Alberto numa conversa de negócios.
       - Bom, aqui em Iron Life tentaremos recomeçar esse mundo, vocês estão dispostas?
        - Sim, claro que sim. - diz Mônica.

        - Bom, sejam bem-vindas a Iron Life. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Em Decomposição



1

         Desanimado e abatido, esse é o estado em que se encontra o chefe da nação ao subir pela última vez ao palanque de onde fará seu discurso. Uma pequena e otimista multidão aguarda as sagradas palavras do presidente. Barba por fazer, cabelos precisando ser aparados e penteados e voz trêmula. Garcia despeja um balde de água fria em seu povo.
       - Não há mais recursos, lamento em informar. - faz uma longa pausa, talvez segurando o choro. - achamos que poderíamos controlar a situação, mas, ela foi maior que nós. - pigarreia. - eu, Alberto Garcia, não serei mais o presidente da república, serei mais um sobrevivente entre vocês. Perdi minha mulher vítima dessa praga do inferno. Meu filho está desaparecido a um mês e pra ser sincero, acho que foi morto, por isso suspendi as buscas. O último contato que fizemos com o estrangeiro foi desanimador, a praga é mundial e já há países inteiros dominados. Por isso venho até vocês, pedir para que lutem, lutem até o fim, não permitam que o nosso país seja dominado, lutem.
         Aos poucos a multidão vai se dispersando. Alberto Garcia se declara ex presidente e seus asseclas o abandonam. Não há mais governo, nem polícia e nem exército. Tudo foi extinto. Ele entra em seu carro pela primeira vez sem segurança e sem trânsito. Para onde estará indo? Ele olha para a paisagem e tudo que vê é lixo acumulado, lojas saqueadas, carros enguiçados na pista e algumas pessoas clamando por ajuda. Mas que ajuda? Ninguém virá buscá-los. O ex presidente acelera ganhando a direção do centro da cidade.

2

              - Estou com fome. - anuncia Amanda pela décima vez.
              - Eu também e nem por isso estou enchendo o saco. - reponde Mônica.
              - Posso sair para procurar? - vai até a janela.
            - Claro que não, saia da janela alguém pode nos ver. - diz a irmã mais velha e mal humorada.
            - Mais que droga, Mônica, eu estou menstruada, você poderia ser mais sensível.
           - Amanda, não deixe as coisas mais difíceis ainda, tudo bem, quando escurecer um pouco mais eu vou procurar pra você. Tente dormir.
            - Certo.
          Amanda se joga na cama de casal desarrumada e se encolhe. Mônica observa sua irmã adolescente em posição fetal e se lembra de quando ela era apenas um bebê. Lá fora o vento balança as árvores amenizando um pouco a situação. Mônica aos poucos vai se aproximando da janela quando dois sujeitos passam numa moto. Ela se abaixa. Eles passam direto.
              - Bandidos desgraçados.
           Ela volta até o quarto e percebe que Amanda já dorme. Ela vai até a cozinha. Mesmo acima do peso ela consegue subir no banquinho para alcançar a lata que está em cima do armário. Mônica abre o recipiente onde há alguns biscoitos recheados com a validade vencida. A ex estagiária devora alguns e desce. Vai até a janela. Tudo calmo, hora de buscar suprimentos.

3

               A rua está deserta. A noite é sem lua e com algumas nuvens. Mônica segura na mão direita um punhal. Um grunhido é ouvido e seu coração gela.
                 - São eles, meu Deus.
              Ela se camufla entre o lixo acumulado. Dois zumbis passam exalando um forte odor. Mônica precisou se controlar para não vomitar os biscoitos. O perigo passou. Em silêncio ela sai e vai para o meio da rua. O que outrora era um bairro de classe média, agora não passa de uma lixeira gigante. Ela alcança um portão já aberto.                Tudo escuro, nenhum movimento. Passo a passo Mônica vai até a janela. Quando se prepara para pular, alguém a toca nas costas.
                - Não grite, fique quieta, a mais deles vindo nessa direção. - avisa um sujeito segurando uma pistola.
              Desesperada a mulher olha para ele. Um outro homem aparece com um facão. Ambos escondem os rostos com camisas.
               - Você tem comida, moça? - pergunta o do facão.
               - Não, é o que vim procurar. - responde gaguejando.
               - Também estamos com fome, vamos levá-la para o grupo.
               - Qual grupo? - dá um passa para trás.
               - Se der mais um passo eu te mato.
               - Por favor, deixe-me ir.
           - Se liga gorda, meu amigo e eu estamos com fome, porém mais ainda para transar, se você puder nos ajudar, ai quem sabe.
              - Isso mesmo, vai tirando a calcinha ai, vai.
             Mônica deixa uma lágrima cair e engole seco. Ela pensa em Amanda que ficou dormindo. Pensa em seus pais que se transformaram em zumbis e pensa em Rogério, seu namorado que foi morto.
               - Pode ser os dois, ao mesmo tempo?
               - Hum, você é taradinha, ou o que, prefere dupla penetração?
               - Será rápido? - chora.
               - Seremos. - responde o outro do facão.
              Ela abaixa a cabeça. Enxuga as lágrimas. Respira fundo e olha para o bandido a sua frente.
               - Vamos nessa.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Como a Chuva (Série completa)



Como a Chuva
Série de cotidiano


O Fim”


    Ana Célia, mulher dedicada, profissional de sucesso em seu ramo. Mãe de dois filhos já na fase da adolescência. Moradora de um dos bairros mais nobres da cidade. Ana Célia está passando por um período complicado na vida de qualquer ser humano. O divórcio vem machucando e de deixando marcas profundas de ambas as partes. Seu marido, o advogado Marcos Mendes também vem sofrendo com toda essa situação. Felipe e Laura, os filhos, estão perdidos e se questionam o tempo todo.
      - Bom dia! - diz Marcos friamente para a esposa que lê o jornal na bancada da copa.
        - Bom dia! - devolve.
        - Vai precisar de alguma coisa? - pega a garrafa térmica e se serve do café.
        - Como o que? - Ana Célia não tira os olhos do jornal.
        - Sei lá, dinheiro ou o cartão.
     - Tenho que pagar o colégio das crianças, melhor dinheiro. - fecha o jornal e começa a subir as escadas.
     - Tudo bem. Será que podemos conversar mais tarde? - coloca duas gotas do adoçante.
        - Qual o assunto? - para no meio da escada segurando o corrimão.
        - Você sabe, Ana, temos que resolver a nossa situação…
        - Marcos, agora não, estou atrasada, mais tarde nos falamos, sim?
        - Tudo bem.

    Ana Célia chega na empresa maquiada e muito bem vestida, mas o olhar é visivelmente decaído. Ela ocupa sua mesa, liga o computador e imediatamente começa a trabalhar. No mês passado ela foi premiada como a melhor contadora da empresa. Sua dedicação já lhe rendeu elogios e também diversos desafetos. Para Ana Célia, o trabalho ultimamente tem servido como distração. Em meia hora ele despachou documentos que estavam se acumulando em sua mesa desde a semana passada. Assim que o trabalho dá uma trégua seus pensamentos não são outros. Marcos não sai de sua cabeça. Apesar de tudo ela o ama, porém, o que ele fez não há remédio que possa curar.

         - Não tem jeito mesmo? - pergunta Maurício.
      - Acho que não, já era, Ana já não é mais a mesma. - diz Marcos digitando no celular.
         - Você ainda mora com ela?
        - Sim. - deixa o aparelho sobre a mesa. - é um clima horrível, a gente quase não se fala.
         - E Felipe e Laura, como estão lidando com isso?
        - Bom. Felipe é durão, mas Laurinha é dengosa, está sofrendo mais que todos nós.
Maurício se levanta e ajeita a gravata.
        - Sinto muito por tudo o que está acontecendo com você, brother, qualquer coisa é só me ligar.
        - Tudo bem. - aperta a mão do amigo. - vamos trabalhar.

       Felipe é um garoto esperto, inteligente e atraente. É amigo inseparável de Ninja, um garoto oriental que se mudou a pouco tempo para o condomínio. Juntos eles curtem videogame, livros e conteúdos de internet. No momento eles conversam sobre a situação em que os pais de Felipe vivem. Ninja tenta consolar seu amigo.
      - Você precisa ser forte, cara, eu também passei por isso e não morri. - aperta o ombro do amigo.
     - Pois é, eu só estou preocupado com minha irmã, ela com certeza não está segurando a barra.
         - Quer que eu vá conversar com ela? - Ninja bate no peito.
         - Claro que não, eu te conheço, você quer uma oportunidade de ficar sozinho com Laura, isso sim. - empurra o amigo que sorrir.

       Laura caminha sem rumo pela praça distraída com seu fone enterrado nos ouvidos. A música serve como alento e ela curte cada nota tocada. Diante da barraquinha de churros ela para e observa um casal passando de mãos dadas. As recordações são cruéis e arrancam lágrimas da bonita menina. Laura se parece muito com Ana Célia até mesmo fisicamente. Ela pede um churros, mas mal sente o gosto da iguaria. Ela sente falta de Douglas, ela sente falta da Malu. Ela sente falta dos pais.

        A noite as coisas costuma piorar. Apenas Ana e as crianças jantam. O silêncio é ruim, a comida por mais deliciosa que esteja desce com gosto amargo. Ana olha para os filhos e quebra o silêncio.
          - Comprei sorvete, vamos tomar assistindo ao documentário?
          - Do que fala o documentário? - indaga Laura enrolando o macarrão no garfo.
          - Fala sobre a vida no Egito antigo, vocês vão gostar.
          - Eu topo. - diz Felipe.
          - E o pai, ele também vai assistir? - Laura olha para mãe.
          Ana Célia entrelaça os dedos.
          - Se ele quiser...
          - Vocês vão mesmo se separar? - Felipe solta o talher.
         - Vamos deixar esse assunto pra depois, vamos. - se levanta. - quem quer sorvete?
Os irmãos se olham como se buscassem respostas no olhar do outro. Hoje nada disso importa, uma casa grande cheia de conforto, celulares de última geração, roupas caras e liberdade pra fazer o que quiser. Tudo o que os adolescentes querem são respostas. Um a um os filhos de Ana vão deixando a mesa de jantar. A contadora premiada deixa o pote de sorvete de lado e passa a limpar as lágrimas que mais uma vez lubrificam seus olhos. Ela volta a guardar o sorvete no congelador, logo ela que ama passas ao rum.

         Ana Célia está deitada em posição fetal. Ela não consegue dormir. Será mais uma noite onde os pensamentos a torturarão. Dois toques na porta e o seu coração vem a boca.
         - Posso entrar? - pergunta Marcos.
         Hesitante a contadora permite sua entrada.
         - Podemos ter aquela conversa? - ele para na frente da porta.
         - Que horas são? - finge bocejar.
         - Quase onze.
         - Por mim…
        Marcos se acomoda na pontada cama. Ele ainda está vestido com seu terno preto, o mesmo que Ana Célia lhe presenteou no seu aniversário de 46 anos. Antes de falar o advogado pigarreia e olha para ela. Ana Célia é uma mulher bonita. No auge de seus 48 anos, ela ostenta uma beleza natural de dar inveja. Ana sempre gostou de usar cabelos compridos, mas de uns tempos pra cá ela adotou o curto e tingiu de loiro.
        - Sei que você está machucada, ferida, mas, eu acho que as coisas não se resolvem dessa forma.
        - Não. - se ergue. - e como então?
       - Bom, vamos nos dar mais uma chance, afinal são quase trinta anos de história. - retira o paletó.
        - Trinta anos de incertezas, você quis dizer, não é?
        - Ana, por favor, pense nas crianças, será que elas vão entender tudo isso?
        Ana se senta na cama como um chinês.
     - Se coloque no meu lugar, apenas uma vez, eu digo pra você que viajarei a trabalho, você pensa que sua esposa está trabalhando quando na realidade ela está de piranhagem.
        - Ana, eu realmente fui a trabalho, eu toda a minha equipe, inclusive a Barbara.
        A expressão de Ana muda radicalmente ao ouvir o nome Barbara.
        - Sim, a “peituda”, só de ouvir esse nome meu sangue ferve de ódio.
    - Eu já te falei que não aconteceu nada entre ela e eu, fomos resolver algo importante, só isso.
        - Por que não levou o Maurício, vocês não são amigos?
        Marcos passa as mãos nos cabelos grisalhos se mostrando impaciente.
        - Ana, pelo amor de Deus, você quer mesmo fazer isso?
        - Pra mim esse nosso casamento já deu, Marcos, chega.

       Doutor Marcos Mendes entra no quarto para hóspedes arremessando seu paletó e puxando a gravata. Ele ainda não está acreditando que a mulher de sua vida está dando um ponto final na história. Uma história linda onde tudo foi conquistado com muito suor e lágrimas. Passar as noites sem Ana a lado na cama será uma realidade cruel. Ele se joga na cama de solteiro e fecha os olhos por um momento. Seus pensamentos o leva ao passado, num dia pra lá de especial pra ser mais exato. Num dia quando o padre os declarou casados. Um dia onde a igreja ficou repleta de flores e de pessoas. Ana Célia e Marcos, casados, quem diria. Um dia em que o novel casal saiu do templo sob uma chuva de arroz rumo a felicidade. Isso tudo ficou lá trás, num lugar escondido de todos. Hoje tudo é diferente. Hoje o sol não nasceu com o mesmo brilho para ambos.

Buscando respostas”


      Nunca foi tão doloroso. Nunca foi tão estranho. Uma família que outrora estruturada, cercada de conforto e união, hoje está caindo aos pedaços, cada um pro seu canto. Ana Célia sai de casa para mais um dia de trabalho antes de Marcos que permanece sentado tomando seu café e olhando para o vazio. Duas semanas sem o beijo de boa noite, duas semanas sem o sexo gostoso, duas semanas sem Ana, dói demais. Seu filho mais velho aparece na cozinha com a mochila nas costas olhando para o pai.
           - Bom dia pai!
           - Fala filhão, como passou a noite?
           - Não consegui dormir direito, fiquei pensando. - pega um pão e o corta.
           - Sei que está sendo difícil toda essa situação pra vocês, mas…
         - Pai. - passa margarina no pão. - você um dia me falou que tínhamos que lutar pelos nossos sonhos, cuidar do que já possuímos, e no entanto, você e a mamãe estão desistindo um do outro, me explique isso, por favor.
         Marcos abaixa a cabeça. Realmente ele não sabe o que responde ao filho. Logo ele, que passou conselhos preciosos ao garoto que até então tinha o pai como espelho.
         - Tudo bem, meu filho, você está certo, porém quero que saiba que há coisas que acontecem na vida que são inevitáveis, como essas por exemplo.
          - Não consigo ver isso como inevitável, pai, isso tem a ver com escolhas.
          - As vezes não temos escolhas.
        Silêncio, de ambas as partes. Felipe termina de tomar seu café da manhã enquanto seu herói permanece ali, calado, inerte, indefeso.
          - Benção, pai!
          - Deus abençoe, filho.

       Na hora do intervalo, Laura preferiu ficar sozinha. Enquanto degusta um sanduíche ela pensa no clima em sua casa, no que se transformou o seu lar. Antes, Laura era puro sorriso, dengos e briguinhas com seu irmão. Ela lembra bem de quando Felipe perdeu a paciência e a machucou no braço. Laura foi correndo mostrar o ferimento ao pai que imediatamente puniu o irmão. Em seguida Marcos sentou com ela e pediu uma explicação. Diante do argumento do pai que é um advogado bastante eloquente ela confessou que o irritou. Claro que Laura também foi punida. No primeiro momento ela se viu injustiçada, mas entendeu depois. Seu pai agiu de forma correta.
Ela se recorda também dos passeios aos finais de semana. Praia, campo, parques e tudo mais. O sorriso de sua mãe era o que mais a encantava. Hoje ela se questiona, seria tudo aquilo fachada? Minha mãe e meu pai eram realmente um casal feliz? A adolescente tenta espantar esses pensamentos, porém eles teimam em permanecer. Serginho, seu colega de classe a surpreende chegando por trás e tapando seus olhos.
           - Adivinha quem é?
           A menina não está para brincadeira, mas aceita.
           - Com essa voz de taquara rachada, só pode ser você, Serginho.
           - Mais que droga. - se senta ao lado. - e então, o que tá rolando?
           - Esse lance dos meus pais se separando está me deixando maluca.
          - Bom, você sabe que minha mãe está no segundo casamento e confesso que até hoje não vou com a cara do sujeito.
           - E como você faz para administrar isso? - morde o sanduíche.
           - Olha, eu uso a indiferença como arma. Ele também me trata da mesma forma.
           - Pois é, no meu caso, eu não sei se minha mãe se casaria de novo. - ela abaixa a cabeça. - eu não quero ir para casa hoje.
           - Se quiser pode passar a tarde na minha, sem problema.
           - Obrigado, Sérgio.

        Quando o assunto é trabalho, o mundo pode cair ao seu redor, Ana Célia faz questão de deixar os problemas em casa. Ainda na parte da manhã ela resolveu duas questões que estavam pendentes a alguns meses. Somente na hora do almoço foi que ela relaxou um pouco. Na saída para o restaurante ela foi surpreendida por Guilherme, dono da empresa no elevador.
           - Dona Ana Célia.
           A mulher arregala os olhos ao ver o poderoso chefão frente a frente.
           - Senhor Guilherme, o senhor por aqui?
        - Vim conhecer a tão falada Ana Célia, a mulher que mais resolve pepinos em minha empresa, está indo almoçar?
           - Sim. - gagueja.
           - Ótimo, vamos almoçar juntos então.
           Ana engole seco.

Um lar em ruínas”

     Ana Célia perdeu a fome diante da proposta do presidente da empresa onde trabalha.
         - Você é uma ótima funcionária, Ana, merece uma melhora, o que acha?
         - Não sei o que dizer.
         - Apenas aceite.

      O almoço termina e agora Ana Célia não é mais uma simples funcionária, Guilherme a promoveu para um cargo de chefia dentro da empresa. Seu salário também dobrou. Ela volta para firma ainda anestesiada e sendo observada pelos outros colegas. Se tudo estivesse bem em sua vida sentimental, ela ligaria agora para Marcos contando a bela novidade. Ela volta ao trabalho com mil coisas se passando em sua cabeça.

         Barbara, uma mulher exuberante, capaz de atrair olhares por onde passa. Ela, a pivô da destruição do matrimônio do advogado Marcos Mendes. Linda, morena de cabelos longos e negros como a noite e exageradamente maquiada. Barbara invade a sala de Marcos jogando sensualidade contra um homem já destruído.
          - Nunca mais me procurou, por que? - senta e cruza as pernas.
          - Não tenho passado os melhores dias desde a nossa viagem.
          - Sua mulherzinha lhe expulsou de casa, foi?
           Ruborizado, o advogado para de escrever e a fuzila com os olhos.
          - Mulherzinha? Mulherzinha é você que não chega aos pés dela.
         - Ah, agora a mulherzinha sou eu? Na hora em que fico pulando em seu colo na cama você não diz isso.
        - Barbara, por favor, vá embora, tenho muita coisa pra fazer hoje, por favor, me deixe em paz.
         A mulher se levanta, recolhe sua bolsa.
         - Vai me ligar? - ela pergunta.
         - Não sei. - volta a escrever.
         - É claro que vai, você sempre me liga. - sai batendo a porta.

        Laura está abraçada ao amigo e ambos se beijam trancados no quarto do rapaz. O clima vai esquentando a adolescente se deixa levar pelos beijos e amassos. Aos poucos Sérgio vai levantando sua blusa apalpando os pequenos seios. Ele sente que a menina quer recuar então ele joga ainda mais pesado com ela dizendo coisas agradáveis em seu ouvido. Laura amolece e quando vê ela tem um homem deitado por cima dela. Claro que ela não planejou sua primeira vez nessas condições, mas quem se importa? Laura permite que Serginho tire sua virgindade ali, em plena tarde.

        O jantar é simples. Ana Célia e seus dois filhos jantam em silêncio. De repente Marcos chega e Laura por fim abre um sorriso.
        - Oi, princesa. - beija a testa da filha. - fala filhão.- aperta a mão do filho. - boa noite. Mal olha para Ana.
          - Pai, jante conosco. - pede Felipe.
          - Poxa filho, bem que o pai queria, mas…
          - Eu lhe preparo um prato, sente-se. - dispara Ana surpreendendo a todos. - tenho algo a dizer.

Sem volta”

        O silêncio volta a ser o centro das atenções e junto com ele as apreensões. Marcos retira lentamente o paletó e o coloca no encosto da cadeira. É a primeira vez em semanas que Ana lhe prepara o prato. Ele se junta aos filhos que aguardam o que será dito pela mãe.
       A comida fumegante é colocada na frente do advogado que prende a respiração. Dependendo do que será dito, será a última vez que ele sentirá o cheiro da comida deliciosa de seu quase ex esposa. Ana Célia parece gostar do mistério que criou e por isso ela se estende em fazer mais um prato para ela. Imponente ela se senta a mesa e todos os olhares se voltam para ela, principalmente os de Marcos que não suportando mais o mistério rompe o silêncio.
        - Ana, por favor…
    - Bom, o assunto vocês já sabem crianças, o pai de vocês e eu estamos nos divorciando e dessa vez é oficial.
       - Tem certeza mãe? - Felipe engole seco.
       - Sim, tenho, não suportarei mais ficar ao lado de uma pessoa que não me respeita.        - Ana Célia lança um olhar gélido para Marcos. - tenho uma outra notícia.
        O mistério volta a tomar conta da mesa de jantar dos Mendes.
      - Fui promovida no trabalho e hoje me encontro na posição de chefia. - ninguém esboça reação. - hoje sou uma mulher independente e bem-sucedida, realizada profissionalmente, e pretendo permanecer assim.
       - Mãe... - Laura não consegue completar a sua fala.
       - Essa é a sua última palavra? - Marcos se quer tocou na comida.
       - Sim! - Ana Célia foi bastante incisiva.
       - Ok. - o advogado se levanta, pega seu paletó e sua maleta e se retira.
       Se o clima estava pesado, agora ficou sufocante, insuportável. Ao ver o casamento dos pais se dissolver bem na hora do jantar foi um golpe forte para os adolescentes. Marcos pegou o caminho da rua e Ana assumiu de vez sua independência. Antes de chegar à avenida principal ele saca o celular e disca o número de Barbara que atende no primeiro toque.
        - Você sempre liga, não falei!

Fim