1
Quatro
da manhã. Enquanto muitos dormem ou acordam para mais um dia de
labuta, ele aguarda o momento certo de começar o que planejou a
dias. Em meio a penumbra daquele corredor apertado, úmido e
fedorento ele se espreme tentando manter sua respiração controlada.
Sidnei Lessa, esse é o seu nome, um sujeito magro, careca e de olhos
azuis penetrantes. Sidnei olha para o relógio em seu pulso e depois
para a joalheria que fica do outro lado da rua. No céu somente
estrelas e nuvens. A brisa fria da madrugada ainda lhe causa um certo
arrepio. Sidnei sente que está perdendo tempo e tudo o que ele quer
são as joias e nada mais. A dias ele vem estudando aquela maldita
loja e será hoje que ele sairá de lá um pouco mais rico.
O
ladrão sai do beco. Olha para a rua e espera que um carro passe em
alta velocidade não respeitando o sinal vermelho. Para não ser
identificado ele coloca sua máscara e entra em outro beco estreito.
Com muito cuidado ele verifica se há câmeras de segurança. Não
há, caminho livre. Ele caminha até os fundos do beco onde há uma
velha escada de ferro com seus degraus enferrujados. Sidnei é um
homem magro, pesa no máximo 60 quilos. Sim, os degraus suportarão
seu peso, por isso ele inicia a subida até seu objetivo, uma janela
com sua armação de alumínio.
Último
degrau, sua testa transpira por baixo da máscara. Altura nunca foi o
forte de Sidnei. Pronto, resta apenas ele se esticar até alcançar o
beiral da janela e ele estará lá dentro. O esforço é monstruoso,
Sidnei sente os músculos de sua lombar se estendendo ao máximo. Sua
mão consegue segurar em algo firme o suficiente para sustentar seu
corpo. Tremendo ele se dependura no beiral até pegar impulso para
ficar de pé nele.
-
Ufa!
Sidnei
abre a janela. Olha para baixo e sente uma leve tonteira. Sem maiores
dificuldades ele entra. O lugar é uma espécie de refeitório. O
cheiro de assepsia faz suas narinas arderem. Tudo está em silêncio.
Estranhamente Sidnei sente medo. O lugar é amplo com mesas e
cadeiras organizadas. Ele anda no escuro. O ladrão não gosta de
lanternas. Uma porta, entre aberta, melhor ter cuidado. Ele passa por
ela e se depara com um corredor. Mais escuro ainda, melhor encarar,
as joias merecem o esforço. No final do corredor mais uma porta, uma
única porta. Seu coração manda um alerta. A mão com luva segura
na maçaneta e a gira. Um estalido anuncia sua abertura. Sidnei olha
lá dentro e tudo está vazio, hora de começar a trabalhar.
A
sala é pequena, Sidnei imagina ser o lugar onde os funcionários
descansam depois do almoço, será por ali que ele ganhará a loja.
Devido a escuridão ele demora um pouco a ver um tipo de portinhola
que fica atrás do sofá. Vamos lá, hora de se apertar um pouco. Ele
vai entrando e o cheiro de urina de rato vem ao seu encontro.
-
Droga.
Mais
um pouco e ele estará dentro da joalheria. Mais dois quilos e Sidnei
não conseguiria passar por ali. Pronto, enfim a loja. Cansado, com o
corpo doendo mas feliz, Sidnei contempla a joalheria. Realmente é
bonita, mesmo no escuro. A três dias ele esteve ali observando cada
canto, cada detalhe. Sem se importar com as câmeras ele passa pelo
salão em busca da sacola. Ele passa por uma e dá o dedo do meio
para ela. Jamais os policiais descobrirão sua identidade, jamais.
Por fim a sacola preta no canto perto do banheiro para funcionários,
mas antes vale fazer mais uma observação. Sidnei vai até a caixa
de disjuntores e desliga toda a energia da loja. Ele anda até o
salão e começa a retirar as peças e sem cerimônias ele as lança
dentro da sacola. Lindas, cada uma mais bonita que a outra, todas
agora pertencem a ele.
Cinco
minutos depois Sidnei se encontra saindo pelo mesmo buraco pelo qual
entrou. Ali mesmo no beco ele troca de roupas. Calça jeans, camisa
polo, boné e a sacola pendurada pelos ombros. Sim, está um pouco
pesada, mas nada que um táxi não resolva. Sidnei está com sorte,
assim que saiu do beco passou um e mais que rápido ele assovia.
-
Bom dia meu jovem. - diz o taxista, um sujeito já idoso. - para
onde?
-
Para o centro, por favor.
2
Pela
manhã a joalheria está cheia, não de clientes, mas sim de
policiais e peritos. Um agente vestido com um blazer preto sem
gravata observa atentamente as imagens das câmeras de segurança ao
lado do proprietário. Cabelos cortados a máquina, barba grande e
pele parda, Paulo Alves só aguarda o momento para confirmar o que
ele já suspeitava.
-
Viu, sabia que era ele, filha da mãe. - cruza os braços.
-
O que vai ser daqui pra frente detetive? - pergunta o dono da
joalheria. - o meu prejuízo já ultrapassa dois milhões.
-
Ele é escorregadio, mas um dia ele vai dar um mole, confie no
trabalho da polícia senhor Lair.
*
Sidnei
volta para a cidade um pouco mais rico. Na mesma sacola uma boa soma
em dinheiro vivo pela venda das joias no mercado negro. Dentro do
táxi ele sorrir olhando a paisagem. Até que o trabalho como ladrão
profissional não é tão ruim. Um pouco mais rico, um pouco mais
soberbo. Ele abre a sacola e lá está o fruto de seu esforço, notas
de cinquenta e de cem, novinhas, ele rir alto causando estranheza ao
motorista.
-
Não liga não meu chefe, sou estranho assim mesmo.
O
táxi passa em frente a joalheria. Foi preciso Lessa colocar a mão
na boca para não soltar sua diabólica gargalhada. Lá está ela
cheia de agentes se acotovelando e uma fita amarela restringindo a
entrada. Que cena gloriosa. Valeu a pena todo o esforço. Sidnei
Lessa, filho de Dirceu Lessa, o velho teria orgulho dele? Ele acha
que sim. Vamos em frente o dia só esta começando. Fim.
Nível
Máximo 2
1
Como
ele adora a noite, para Sidnei ela é o melhor período do dia, ela
jamais deveria dar lugar a luz do sol. Lessa agora está parado
olhando para aquela mansão. Em sua mão direita a máscara, na outra
sua inseparável sacola. Ele consulta o horário.
-
Hora de trabalhar.
A
mansão pertence ao um famoso político. Os muros altos com câmeras
de segurança em pontos estratégicos demonstram que lá dentro deve
haver uma bela soma em dinheiro vivo e é claro joias. Ele atravessa
a rua daquele condomínio. Com habilidade de poucos ele sobe no muro.
Claro que além das câmeras há também uma cerca com sisteme
elétrico. Sidnei olha ao redor e não percebe a existência de
cachorros. A barra está limpa. O ladrão pula no jardim e rola para
junto de uma pequena árvore. Começando a transpirar, Sidnei abre a
sacola e saca sua arma, um trinta e oito. O bandido coloca sua
máscara e se rasteja até perto da garagem. Aparentemente nenhum
movimento dentro da mansão. Bom sinal.
Sidnei
só pensa nas joias, ou na grana, essa é a sua ambição, sua
motivação. Antes de ser um ladrão ele era apenas um repositor de
supermercado, um pobre miserável que tinha que esperar todo um mês
para ganhar um salário de fome. Ele cansou, cansou das broncas, do
patrão, do chefe, de todos. Agora ele é bem sucedido, o dinheiro é
ilícito, mas para ele tá valendo.
A
garagem está fechada, péssimo sinal. Ele faz a volta e encontra uma
pequena janela perto da piscina. Com cuidado e agilidade de um gato e
chega até a tal janela e a força. Ela cede. Ele força mais um
pouco e ela abre. Legal. Sidnei olha para trás, parece ter ouvido um
barulho. Rapidamente ele passa pela janela. Lá dentro parece ser um
quartinho onde colocam as coisas já sem uso como computador,
vassouras, cadeiras e outras tralhas. Muita poeira e isso é péssimo
para um alérgico. Sidnei segura o máximo os espirros.
-
Nossa!
2
Agora
Lessa está na cozinha da mansão. O silêncio é sepulcral. O cômodo
é gigante, tudo em aço inox, realmente uma beleza. Sidnei escorre
até a sala. Aonde deve estar o cofre com a grana e as joias? Na sala
há uma enorme estante com livros e enciclopédias. Uma TV de quase
cinquenta polegadas, sofá de forro branco, tudo maravilhoso. Cadê o
cofre? De repente as luzes se acendem. Sidnei só teve tempo de se
esconder atrás das cortinas. Seu coração vem a boca. Lá está
ela, a mulher do político, linda, um encanto de mulher. O que ela
veio fazer na sala a essa hora?
Realmente
a esposa do deputado é um espetáculo. Claro, ela é mais jovem que
ele alguns anos. Sidnei saliva ao vê-la naqueles trajeis de dormir.
Ela volta da cozinha com um copo de água. A menina boceja e bebe.
Linda. Para a surpresa do ladrão, um sujeito coberto de músculos
vestindo apenas uma cueca box também aparece na sala. Ele a segura
por trás.
-
O que foi, não consegue dormir? - questiona o rapaz.
-
Só vim pegar água.
-
Vamos subir. - a beija na nuca.
-
Só vou terminar de beber minha água.
O
casal começa a trocar beijos molhados e barulhentos. O musculoso
começa a despir a mulher do deputado ali mesmo na sala. Que cena.
Ela tem os seios apalpados.
-
Vamos subir. - por fim ela não resiste.
O
caminho mais uma vez está livre para o ladrão. De volta a escuridão
Sidnei continua a procurar o cofre. Nada foi encontrado na sala. Ele
sobe as escadas e já é possível ouvir o ruido da cama e os gemidos
da mulher do deputado. Nada como uma bela transa numa bela mansão.
Bem a frente um corredor e nesse corredor um quadro pendurado. Com
certeza o cofre está atrás do quadro. O ladrão afasta a moldura e
lá está. Muito bom.
Sidnei
anda até a porta do quarto que se encontra entreaberta e contempla
uma clássica cena de sexo explícito. O clima é tão gostoso que o
casal não percebe a presença de Sidnei ali.
-
Muito bonito hein? - diz o ladrão apontando seu trinta e oito.
Muito
apavorado o rapaz desengata da mulher e ela solta um gritinho.
-
O que você quer? - pergunta ela.
-
Adivinha?
-
Por favor cara, não me mate. - implora o rapaz.
-
Cale a boca, se fizerem exatamente o que eu mandar, ninguém sairá
ferido ou morto.
-
Leve tudo o que precisar. - fala a mulher.
-
Quero o segredo do cofre, agora.
-
Eu, eu não sei.
Sidnei
enterra o cano da arma na nuca do rapaz e inicia uma contagem.
-
Um, dois, três.
-
Calma, por favor. - grita a mulher. - posso me vestir?
-
Não, eu quero o segredo do cofre, já.
-
Por favor. - começa a chorar.
-
Quatro, cinco…
-
Tá bom, tá bom, vamos lá.
A
esposa do político na frente. Logo atrás dela o sujeito que treme
dos pés a cabeça. Os dois estão nus. Sidnei continua apontando seu
trinta e oito para a cabeça do amante. Agora eles estão frente a
frente com o cofre. O ladrão olha para a mulher e com um gesto
rápido de cabeça ele ordena que ela comece a abri-lo. Não é
tarefa fácil lembrar de combinações de um cofre, ainda mais quando
se tem uma arma apontada para você. Com as mãos suando e trêmulas,
a mulher do deputado vai girando e voltado até que um estalo indica
sua abertura.
-
Pronto, está tudo ai, dinheiro, documentos e joias, minhas joias. -
diz chorando.
-
Fique quieta sua vagabunda.
O
amante não esboça reação.
-
Vamos, coloquem tudo dentro da sacola, vamos.
3
Cinco
minutos depois Sidnei está saindo da mansão carregando sua sacola.
A noite já é alta e assim que ele chega na rua o ladrão corre para
uma outra rua mais escura e deserta. Ali ele troca de roupa e
continua a andar apressadamente até uma via de mais movimento. Assim
que ele chega no acostamento um táxi vem passando e ele sinaliza.
-
Por favor?
-
Boa noite, para onde vamos meu chefe? - pergunta o taxista um homem
barbudo.
-
Vamos voltar para o centro. - abre a porta traseira.
-
Você quem manda.
*
O
carro da polícia faz a curva e breca. Dele descem dois apressados
agentes. Paulo Alves faz sinal para que todas as ruas sejam fechadas.
Na entrada da mansão a esposa do deputado chora copiosamente ao lado
esposo.
-
Boa noite senhor deputado.
-
Boa noite detetive Alves, vamos entrando.
Paulo
entra na mansão admirado com a beleza do lugar.
-
Conte-me como tudo aconteceu senhora Rafaela
É
claro que Rafaela pulou a parte em que estava transando com seu
amante. Paulo Alves ouviu e anotou tudo. Depois de olhar o cofre ele
se reuniu com sua equipe.
-
Sidnei Lesse agiu outra vez. Roubou cerca de vinte mil em dinheiro e
quase cem mil em joias, temos que enjaular esse vagabundo, vamos.
Sidnei
está deitado em meio a várias notas de cem. Ele sorrir e as joga
para alto. Naquele quarto de hotel ele esbanja felicidade. Mais um
bom trabalho realizado. Até quando isso pode durar? Isso ele não
sabe, ele não é do tipo de pessoa que pensa muito no futuro, tudo
que Lessa quer é vivenciar o presente dissolutamente. Dentro da
sacola as joias brilham aguardando o momento de serem vendidas.
Sidnei Lessa, quando você imaginaria que seria um ladrão? Que
jamais passaria por necessidade outra vez. O seu mundo são as joias,
o seu mundo é o risco, o nível máximo do perigo.
Ele
se levanta e anda até a janela. O dia vem despontando, quebrando o
manto negro da noite. Será um dia muito agradável, dia de sol. Ele
volta a sorrir e se recorda de seu pai, aquele homem cuja as mãos
eram cobertas de calos e unhas apodrecidas. Trabalhava todos os dias
e mesmo assim não conseguiu dar uma vida digna a família. Morreu
trabalhando, não aproveitou a vida. Pobre diabo. Sidnei faz questão
de espalhar os pensamentos voltando para a cama. O sono começa a
bater forte, mas antes ele junta todo o dinheiro e o organiza dentro
da sacola junto com as joias. Tudo pronto. Ele programa o despertador
para as dez horas e se joga na cama já dormindo. Bons sonhos,
ladrão. Fim
Nível
Máximo 3
O
departamento de polícia nunca esteve tão agitado, tão movimentado,
praticamente um furação devastador. Paulo Alves quase consome suas
unhas com seus olhos atentos na tela do monitor. Sidnei Lessa, esse
desgraçado vem lhe tirando o sono desde o seu surgimento. No início
o detetive achava que ele não passava de um ladrãozinho pé de
chinelo, mas com o passar do tempo, Paulo se viu lidando com um
profissional. Agora ele se encontra ali, parado concentrado
observando imagens de uma câmera de segurança aguardando o momento
em que o gatuno agirá.
-
Apareça, desgraçado.
Finalmente
ele aparece com seu típico caminhar, sem se preocupar muito em ser
identificado. Ele passa pela câmera e ainda faz um gesto obsceno e
depois some. Paulo Alves se vê segurando com força o controle da
TV. Momentos depois Sidnei passa mais uma vez segurando sua sacola
pesada e desaparecendo em seguida. Dessa vez foi muito rápido. Muito
nervoso o detetive congela a imagem e vai até seu armário pegar um
mapa. Ele o abre em sua mesa e começa a fazer círculos com um
piloto vermelho. Nessa hora um outro policial invade a sala
mastigando amendoins.
-
Qual a boa, Paulo?
-
Sidnei Lessa, dessa vez eu pego ele, tracei alguns pontos onde ele
gosta de agir, resta agora nos anteciparmos, o que acha?
O
policial volta a colocar alguns amendoins na boca e depois observa o
mapa.
-
Tudo certo, pelos cálculos o próximo assalto será nessa região.
-
Dessa vez eu pego ele.
*
Sapatos
caros e bem engraxados, camisa de ceda cor vinho e calça. Bem
barbeado e perfumado. Sidnei entra na sala do todo poderoso Barbosa
Neto segurando sua sacola com as joias do último roubo. O escritório
é sujo, empoeirado, Barbosa Neto faz questão ficar ali quase que o
dia inteiro fechando negócios com seus “fornecedores”. Ao lado
do chefão um segurança gordo segurando uma pistola. Sidnei faz um
gesto de cabeça para o segurança e depois abre um sorriso falso
para o mafioso.
-
Grande Barbosa Neto, tenho novidades.
-
Sem muita enrolação hoje, Sidnei, tenho muito o que fazer. - diz
com a mão espalmada.
-
Tudo bem. - abre a sacola e a mostra para o bandido.
Os
olhos escurecidos do velho se abrem ao ver o conteúdo da bolsa.
-
Onde arrumou isso?
-
É uma história muito longa. - dá ênfase no muito. - então, posso
dar o meu preço?
-
Por favor. - aponta para uma cadeira.
Lessa
sai do escritório satisfeito em ter feito negócios com o chefão do
crime. Ele sai na rua e seu coração vem a boca ao ver uma viatura
passando. Ele entra em uma lanchonete e olha pelo vidro o carro
diminuindo a velocidade e parando. De dentro do carro descem dois
policias que entram no escritório de Babosa Neto. Certamente vieram
pegar a mensalidade da semana. Cambada de corruptos. Uma simpática
atendente o aborda.
-
Quer experimentar um dos nossos lanches, senhor? - lhe oferece o
menu.
Até
que um sanduíche de frango com salada cairia bem.
-
Sim, claro.
*
Sidnei
aguarda a chegada de seu pai no portão. No estômago somente o café
da manhã. Seu pai havia prometido trazer pão doce, só de lembrar o
estômago do menino de nove anos se retorce. Quanta fome. Já são
quatro da tarde e lá vem seu Dirceu Lessa arrastando seu chinelo
segurando uma sacola de supermercado e olhar soturno.
-
Pai, pai, trouxe?
-
Vixi, filho, hoje o patrão não deu vale.
-
Mas pai a mamãe e eu não almoçamos. - cruza os braços aborrecido.
-
Filho, o papai também não comeu e mesmo assim tive que trabalhar.
-
O que vamos comer?
Sidnei
corre para rua limpando as lágrimas com seu estômago ainda
reclamando e a boca amargando. O menino só para de correr ao ver uma
frangueira assando alguns galetos. O valor é exposto e Sidnei enfia
a mão nos bolsos do short e só sente as coxas. Que droga de vida.
Por que alguns tem muito e outros simplesmente não tem nada? Por que
preciso passar por essa situação? Não, tem algo de errado nisso.
Mudarei minha história.
O
garoto Sidnei se aproxima da frangueira observando cada movimento do
proprietário. Não será tarefa fácil. De repente o dono dos
galetos se vira para ele.
-
Vai levar um garoto?
-
Si, sim. - arregala os olhos.
-
Vou tirar pra você. - abre a assadeira. - quer escolher?
-
Aquele ali. - escolhe o mais parrudo.
Gentilmente
o homem coloca o frango inteiro na bandeja e se vira para pegar a
embalagem. Quando se volta para o garoto ele já não está mais lá
e nem o frango.
-
Mas que moleque sem vergonha.
Lessa
corre segurando o frango que queima sua mão. Ele sorrir. Correndo
ainda mais ele consegue chegar num terreno baldio. Salivando e
sentado numa pedra não muito confortável ele devora o frango. Um
pequeno cachorro vem ao seu encontro.
-
Já sei, você vai querer um ossinho. - retira a asa. - toma.
A
vida agora é outra. Sidnei ainda não é um homem realizado, porém
fome ele não passa mais. Naquele quarto de hotel ele vislumbra um
futuro diferente de seus pais, um futuro próspero, glorioso. Hoje
ele tem dinheiro, pode dormir numa cama confortável, anda de táxi
pra cima e para baixo, come nos melhores restaurantes sem se
preocupar se a grana vai faltar. Sim, esse império ele vem
conquistando e construindo vivendo do perigo.
*
A
polícia vem fechando o cerco sob as ordens de Paulo Alves. De acordo
com o mapa Lessa atacará outra vez na região onde sua mancha
criminal é mais intensa. Se tudo dar certo a prisão de Sidnei é
questão de tempo. As viaturas circulam dia e noite nos pontos mais
críticos. Dentro da viatura Alves observa no mapa cada casa roubada.
Ele se sente desafiado, ele se vê na responsabilidade de dar uma
resposta a sociedade e também as vítimas que tiveram seus pertences
roubados. O trabalho de um policial consiste em ter paciência,
expertise, inteligência. Tudo isso ele usará. Hora de colocar Lessa
atrás das grades. Fim
Nível
Máximo 4
Silêncio.
Tudo se resume num silêncio estranho e quase incomodo. Para um homem
como Sidnei o silêncio faz parte do jogo. Como um espírito que
brota da escuridão ele aparece para mais uma noite de trabalho.
Sacola na mão, máscara na outra. Há sua frente uma vistosa mansão
protegida por câmeras de segurança, cercas elétricas e até cães.
Não será nada fácil invadir essa fortaleza. Ele pensa em desistir,
porém Sidnei é do tipo de ladrão que foi forjado no perigo, nada
será capaz de pará-lo. Hora de trabalhar.
Sidnei
coloca a máscara e também as luvas. Pendura a sacola no ombro e
atravessa a rua sem fazer barulho. Perto do muro ele olha para uma
câmera e faz um sinal obsceno. Abre a sacola e retira de lá sua
arma. Para os cães ele trouxe algo especial. Como um felino ele sobe
no muro. Temendo ele pula a cerca elétrica e depois para o jardim. O
nervosismo é sufocante o obrigando a parar por alguns segundos.
-
Meu Deus. - diz ofegante.
Sua
paz momentânea está preste a ter fim. Uma verdadeira fera vem
correndo com seus olhos ameaçadores. Imediatamente Sidnei pega na
sacola a comida especial e a joga para o cachorro. O cheiro forte de
carne desvia o foco da fera. Aliviado, Lessa começa a andar
apressado para próximo da janela. Olhando para trás ele observa que
o veneno já começa a fazer efeito no organismo do bicho que sem
sofrimento vai perdendo as forças.
-
Tchau, tchau, totó. - zomba.
Feito
uma serpente, Sidnei rasteja imprensado entre a parede da casa e a
grade do jardim. Tudo cheira a ameaça, tudo mesmo. Ele para por
alguns instantes desconfiado de algo muito mal disfarçado no meio do
jardim, seria uma câmera? Os donos da casa já o teriam visto e a
polícia estaria a caminho? Estreitando os olhos ele consegue
perceber que não se trata de uma câmera, mas sim de um suporte de
luz quebrado. Alivio imediato. Siga enfrente.
Agora
ele está mais próximo do que seria sua entrada. A garagem. Com
certeza há um sistema de alarme ali. Determinado, Sidnei se levanta
e olha atentamente todos os cantos, todos mesmo, nada passa
despercebido pelo ladrão. A confirmação vem. Logo acima da porta
há um detector de presença de última geração. Aquilo começaria
a berrar e em questão de minutos Lessa seria flagrado. Porcaria.
Mudança de plano.
*
Nos
fundos da mansão Lessa consegue ver uma janela sem grade e de fácil
acesso, pelo menos para ele. Rapidamente ele escala a casa pela
tubulação feita para escoar a água da chuva. Com cuidado ele
alcança o beiral. Sidnei olha para baixo, uma queda significaria
alguns ossos partidos ou algo pior. Ele toca na janela e ela cede.
Outra vez o ladrão a força e com um curto ruido vindo das
dobradiças o faz gelar.
-
Eu ainda vou morrer disso.
Dentro
do cômodo Lessa pode relaxar. Vamos lá, hora de procurar o tesouro
escondido. Escura e silenciosa, esse é o estado em que se encontra a
mansão. Ele desce a escada, passa por um quarto e escuta vozes.
Sidnei faz uma meia parada e se esconde entre uma estante e outra.
Alguém sai do quarto e anda até a cozinha, uma mulher. Sidnei Lessa
a xinga em pensamento. Ela passa por ele bocejando. Em seguida mais
alguém sai do quarto, um homem. Realmente o cara é grande com
músculos sobrando por todo o corpo.
-
Amor, vamos conversar com calma. - diz o sujeito. - as coisas vão se
acertar.
-
Como vão se acertar Ricardo, você acabou de me dizer que vai
precisar fechar uma das empresas. - a mulher se desespera. - se as
coisas continuarem nesse ritmo iremos a falência antes do fim do
ano.
-
Alexia, claro que não vamos falir, esqueceu que temos grana o
suficiente para mais cinco gerações? - a abraça por trás.
-
Tem certeza, Ricardo?
-
Sim, claro, agora preciso dormir, amanhã tenho reunião cedo, vem.
Como
um fantasma Sidnei aparece apontando sua arma para a cabeça de
Ricardo.
-
Opa, mas antes disso, me leva até o cofre.
-
Como entrou aqui? - o homem pergunta com as mãos para cima.
-
Isso não interessa, agora me leve até o cofre.
-
Não temos cofre aqui.- afirma a mulher de Ricardo.
-
Sério? Conta outra.
-
Por favor, não atire. - Alexia começa a chorar
Sidnei
chuta a parte de trás do joelho de Ricardo que cai ajoelhado.
-
Escute bem o que eu vou falar, Alexia, vou iniciar uma contagem agora
e se eu chegar no dez e você não me falar onde está o cofre, você
infelizmente ficará viúva.
-
Mas…
-
Um…
-
Por favor, nós não temos dinheiro aqui.
-
Dois…
-
Você ouviu a nossa conversa, estamos falindo…
-
Pois é, e eu ouvi também que vocês tem grana o suficiente para
sustentar cinco gerações. Três…
-
Tá bom, tá bom, me acompanhe.
-
Boa garota.
*
O
cofre se encontra no fundo de um armário de quarto. Ricardo
permanece com as mãos na cabeça e Lessa com sua arma apontada para
ele.
-
Vamos lá Ricardo, abra o cofre e coloque a grana toda na sacola,
isso precisa ser rápido. E nada de gracinha, eu sei quando vocês
estão mentindo.
-
Como assim? - Ricardo se vira para Lessa.
-
Você digitará os números que assim que apertar enter acionará a
polícia e se isso acontecer, vou matar sua esposa.
O
casal se olha por alguns instantes.
-
Esse sistema não funciona aqui. - afirma Ricardo.
-
Sério? - Sidnei abre a sacola e pega seu silenciador. - vamos ver se
isso resolve. - atira acertando a coxa de Alexia que cai gritando.
-
Seu canalha. - o empresário parte pra cima de Sidnei.
O
murro foi tão forte que Lessa sente que perderá os sentidos. Ele
volta a se equilibrar e mais uma vez atira, mas não acerta Ricardo.
Alexia se desespera gritando e segurando seu ferimento.
-
Ricardo, pelo amor de Deus, dê o dinheiro a ele.
-
Ouça sua mulher, Ricardo.
A
situação volta a sua normalidade. Ricardo respira fundo e digita os
números. A porta do cofre abre e lá estão os maços de cem e de
cinquenta. Os olhos de Lessa brilham, no mínimo há uns cem mil ali.
Ricardo vai colocando a grana com violência dentro da sacola.
-
Por que tanta raiva, Ricardo? - usa de sarcasmo.
Serviço
acabado. Agora Sidnei está um pouco mais rico.
-
Tenham todos uma boa noite, mas antes, deite-se Ricardo.
-
O que? Você já tem a grana, vá embora.
-
É só por precaução, deite-se.
Ricardo
se deita e Sidnei atira nas duas pernas. O homem geme e o xinga.
Alexia chora e Lessa desaparece. O ladrão ganha a rua quando uma
viatura descaracterizada freia bem a sua frente.
-
Sidnei Lessa você está preso. - vocifera Paulo Alves.
Nível
Máximo – Final
Paulo
Alves e Sidnei Lessa frente a frente, ambos armados, ambos
determinados. Um com a lei no bolso o outro com mais de cem mil numa
sacola preta pendurada no ombro. Paulo Alves com anos de polícia,
Sidnei com bagagem o suficiente para ser o criminoso número um da
cidade. Alves aponta sua arma para o ladrão e sente que essa noite
será marcada pela prisão do bandido que vem lhe tirando o sono a
meses.
-
Sidnei Lessa, deixe a sacola no chão, vamos.
Ele
não responde e nem obedece ao comando policial. A grana é alta, ele
já foi longe demais para simplesmente deixar seu trunfo ali no
asfalto e se entregar. Para piorar ainda mais a sua situação ele
escuta o som de outras viaturas chegando, é preciso agir e rápido.
-
Lessa, não tente nada, não se precipite.
A
fuga está sim em seus planos e ele precisa fazer isso já, agora.
Para tirar o foco do policial o ladrão atira não para acertá-lo e
depois corre em direção as outras casas.
-
Miserável. - começa a correr.
Paulo
é grande, tem pouca mobilidade, mas consegue correr. Sidnei é
menor, é mais magro por isso ele se movimenta mais, porém ele está
carregando uma bolsa cheia de dinheiro vivo que o dificulta a correr
mais rápido. O ladrão não sabe onde a rua vai dar e nada disso
interessa agora, tudo o que ele quer é ficar livre do cão de guada
que vem logo atrás. Ele
muda a sacola de ombro sem diminuir a velocidade da corrida. Bem a
frente uma praça, não há onde se esconder, melhor continuar
correndo.
Outras
viaturas vão chegando e o silêncio da madrugada é interrompido
pelo som das sirenes. No bolso o celular de Alves toca.
-
Estou numa perseguição a pé, quero que fechem o bairro por
completo, lesse está fugindo carregando a grana e está armado.
Paulo
chega na praça com a arma em punho. Nada ali. Continua correndo.
Como foi ordenado as saídas do bairro são bloqueadas e há também
agentes com motocicletas circulando as ruas. Não há
como alguém escapar. Aos
poucos as casas vão sendo iluminadas e seus ocupantes assumindo as
janelas. Que noite é essa!
*
Sidnei
Lessa começa a sentir que está perdendo o jogo, hora de apelar. Ele
olha para trás e nada vê, mas com certeza Alves está ali. Lessa
dobra uma rua e encontra algo que pode lhe ajudar e muito. Um bueiro
sem a tampa. Ele joga a sacola lá dentro e troca de roupa para se
camuflar. Agora ele é um
homem vestindo calça jeans e camisa branca. Tudo agora precisa soar
natural. Antes de sair ele grava o nome e o número da rua, respira
fundo e começa a andar.
Suado,
cansado e com medo, Paulo Alves para próximo da rua onde seu alvo
estava a segundos atrás. As coisas estão ficando mais difíceis.
Ele saca o telefone.
-
Nem sinal do alvo, temos
que ser mais cuidadosos a partir desse ponto.
Enterra
o aparelho no bolso da calça e começa a andar de forma apressada.
Paulo nem percebe que esteve perto da sacola e mal reparou no bueiro
sem tampa, uma falha grave. Ele está cego, seu objetivo é colocar
as mãos no miserável que vem lhe causando insônias. Sidnei Lessa,
dessa noite você não passa.
*
Fugir
da polícia é algo complicado. Lessa nunca esteve nessas condições.
Tudo é motivo para que seu coração dispare. Bem a sua frente um
bloqueio. O que fazer? Voltar não seria muito inteligente de sua
parte. Melhor manter o controle e disfarçar sua
retirada. Os policiais notam algo suspeito saindo para a rua
secundária.
-
O que aquele cara tá fazendo?
-
Será Lessa?
A
viatura da polícia começa a andar a uma velocidade de vinte por
hora. Os passos do suspeito passam a ser mais acelerado. O agente
aciona o giroflex assustando o suposto bandido. Não
há muito o que fazer, Sidnei teme por sua vida e o melhor nessas
horas é correr e correr muito. O carro da polícia acelera.
-
Atenção todos os carros, Sidnei Lessa se encontra fugindo para a
rodovia, aguardando ordens.
Paulo
Alves é acionado e resolve cortar caminho até a saída do bairro a
pé. Agora não tem mais jeito, é tudo ou nada, Lessa pagará pelo
que vem fazendo. Uma das viaturas passa e sem perder tempo o agente
se enfia dentro dela.
-
Pé na tábua, vamos.
Sidnei
já começa a sentir o peso nas pernas. O cansaço é intenso e nada
passa em sua cabeça. Ele chega na rodovia num ponto onde há uma
subida. Ele não tem mais pernas e seu psicológico está afetado.
Chorar? Talvez. Lembrar
dos conselhos do velho pai? Sempre. Sidnei nunca esteve tão
arrependido como agora. Ao olhar para trás e ver um mundo de
viaturas, ele mergulha num mar de pensamentos. Mesmo sabendo que é
uma guerra perdida o ladrão segue subindo a rodovia com as lágrimas
escorrendo. Sem ter muito o que fazer ele para e se apoia na grade de
proteção. Olha para baixa e contempla a altura do penhasco. Uma
bela queda.
Paulo
Alves desce do carro e saca sua arma.
-
Lessa, você já era, jogue sua arma.
Sidnei
pega a arma e pensa em atirar. Do que adiantaria matar o policial? Em
segundos ele teria o corpo perfurado por milhares de balas, sua morte
seria terrível.
-
Não faça besteira, Lessa, pense, nesses casos é melhor se
entregar.
Entrega
os pontos, está aí
uma coisa que o velho Dirceu nunca se permitiu. Lutar até o fim esse
era o seu lema. Sidnei aponta sua arma segurando o gatilho e sobe na
grade.
-
Não! - grita Alves.
A
brisa da noite passa pelas costas, essa será a última vez em que
ele a sente. Ele olha para baixo, talvez uma queda de 40 metros, nada
mal.
-
Sidnei, você é um cara novo, pense direito, a vida é mais
importante, cumpra sua pena e recomece sua vida, venha comigo, cara.
Sidnei
dá mais um passo para trás. De qual vida Paulo Alves está falando?
Ele nunca teve uma vida digna, nada que valha e pena recomeça. Hora
de por fim nisso tudo. Agora nada mais importa. Quanto a bolsa com o
dinheiro, eles que se virem. Lessa deixa o corpo cair livre.
-
Não! - grita Alves.
*
Dirceu
Lessa para numa banca de jornal e lê com dificuldade as vagas para
trabalho. A seu lado Sidnei acompanha outras notícias.
-
Pai.
-
Diga meu filho? - continua lendo os classificados.
-
Qual o sentido da vida?
-
Eu não sei. - olha para o menino. - eu só sei que a vida é uma só
e que devemos fazer valer cada minuto o qual ela nos permite
respirar, disso eu sei.
-
Hum.- o garoto coça a cabeça.
-
Você é ainda muito criança para entender, mas, um dia tudo isso
fará sentido, certo?
-
Certo.
Fim