sexta-feira, 17 de agosto de 2018

NÍVEL MÁXIMO - Série Completa


1

      Quatro da manhã. Enquanto muitos dormem ou acordam para mais um dia de labuta, ele aguarda o momento certo de começar o que planejou a dias. Em meio a penumbra daquele corredor apertado, úmido e fedorento ele se espreme tentando manter sua respiração controlada. Sidnei Lessa, esse é o seu nome, um sujeito magro, careca e de olhos azuis penetrantes. Sidnei olha para o relógio em seu pulso e depois para a joalheria que fica do outro lado da rua. No céu somente estrelas e nuvens. A brisa fria da madrugada ainda lhe causa um certo arrepio. Sidnei sente que está perdendo tempo e tudo o que ele quer são as joias e nada mais. A dias ele vem estudando aquela maldita loja e será hoje que ele sairá de lá um pouco mais rico.
       O ladrão sai do beco. Olha para a rua e espera que um carro passe em alta velocidade não respeitando o sinal vermelho. Para não ser identificado ele coloca sua máscara e entra em outro beco estreito. Com muito cuidado ele verifica se há câmeras de segurança. Não há, caminho livre. Ele caminha até os fundos do beco onde há uma velha escada de ferro com seus degraus enferrujados. Sidnei é um homem magro, pesa no máximo 60 quilos. Sim, os degraus suportarão seu peso, por isso ele inicia a subida até seu objetivo, uma janela com sua armação de alumínio.
       Último degrau, sua testa transpira por baixo da máscara. Altura nunca foi o forte de Sidnei. Pronto, resta apenas ele se esticar até alcançar o beiral da janela e ele estará lá dentro. O esforço é monstruoso, Sidnei sente os músculos de sua lombar se estendendo ao máximo. Sua mão consegue segurar em algo firme o suficiente para sustentar seu corpo. Tremendo ele se dependura no beiral até pegar impulso para ficar de pé nele.
           - Ufa!
       Sidnei abre a janela. Olha para baixo e sente uma leve tonteira. Sem maiores dificuldades ele entra. O lugar é uma espécie de refeitório. O cheiro de assepsia faz suas narinas arderem. Tudo está em silêncio. Estranhamente Sidnei sente medo. O lugar é amplo com mesas e cadeiras organizadas. Ele anda no escuro. O ladrão não gosta de lanternas. Uma porta, entre aberta, melhor ter cuidado. Ele passa por ela e se depara com um corredor. Mais escuro ainda, melhor encarar, as joias merecem o esforço. No final do corredor mais uma porta, uma única porta. Seu coração manda um alerta. A mão com luva segura na maçaneta e a gira. Um estalido anuncia sua abertura. Sidnei olha lá dentro e tudo está vazio, hora de começar a trabalhar.
       A sala é pequena, Sidnei imagina ser o lugar onde os funcionários descansam depois do almoço, será por ali que ele ganhará a loja. Devido a escuridão ele demora um pouco a ver um tipo de portinhola que fica atrás do sofá. Vamos lá, hora de se apertar um pouco. Ele vai entrando e o cheiro de urina de rato vem ao seu encontro.
        - Droga.
       Mais um pouco e ele estará dentro da joalheria. Mais dois quilos e Sidnei não conseguiria passar por ali. Pronto, enfim a loja. Cansado, com o corpo doendo mas feliz, Sidnei contempla a joalheria. Realmente é bonita, mesmo no escuro. A três dias ele esteve ali observando cada canto, cada detalhe. Sem se importar com as câmeras ele passa pelo salão em busca da sacola. Ele passa por uma e dá o dedo do meio para ela. Jamais os policiais descobrirão sua identidade, jamais. Por fim a sacola preta no canto perto do banheiro para funcionários, mas antes vale fazer mais uma observação. Sidnei vai até a caixa de disjuntores e desliga toda a energia da loja. Ele anda até o salão e começa a retirar as peças e sem cerimônias ele as lança dentro da sacola. Lindas, cada uma mais bonita que a outra, todas agora pertencem a ele.
       Cinco minutos depois Sidnei se encontra saindo pelo mesmo buraco pelo qual entrou. Ali mesmo no beco ele troca de roupas. Calça jeans, camisa polo, boné e a sacola pendurada pelos ombros. Sim, está um pouco pesada, mas nada que um táxi não resolva. Sidnei está com sorte, assim que saiu do beco passou um e mais que rápido ele assovia.
       - Bom dia meu jovem. - diz o taxista, um sujeito já idoso. - para onde?
       - Para o centro, por favor.

2

        Pela manhã a joalheria está cheia, não de clientes, mas sim de policiais e peritos. Um agente vestido com um blazer preto sem gravata observa atentamente as imagens das câmeras de segurança ao lado do proprietário. Cabelos cortados a máquina, barba grande e pele parda, Paulo Alves só aguarda o momento para confirmar o que ele já suspeitava.
         - Viu, sabia que era ele, filha da mãe. - cruza os braços.
        - O que vai ser daqui pra frente detetive? - pergunta o dono da joalheria. - o meu prejuízo já ultrapassa dois milhões.
       - Ele é escorregadio, mas um dia ele vai dar um mole, confie no trabalho da polícia senhor Lair.

*

      Sidnei volta para a cidade um pouco mais rico. Na mesma sacola uma boa soma em dinheiro vivo pela venda das joias no mercado negro. Dentro do táxi ele sorrir olhando a paisagem. Até que o trabalho como ladrão profissional não é tão ruim. Um pouco mais rico, um pouco mais soberbo. Ele abre a sacola e lá está o fruto de seu esforço, notas de cinquenta e de cem, novinhas, ele rir alto causando estranheza ao motorista.
       - Não liga não meu chefe, sou estranho assim mesmo.
      O táxi passa em frente a joalheria. Foi preciso Lessa colocar a mão na boca para não soltar sua diabólica gargalhada. Lá está ela cheia de agentes se acotovelando e uma fita amarela restringindo a entrada. Que cena gloriosa. Valeu a pena todo o esforço. Sidnei Lessa, filho de Dirceu Lessa, o velho teria orgulho dele? Ele acha que sim. Vamos em frente o dia só esta começando. Fim.











Nível Máximo 2


1


       Como ele adora a noite, para Sidnei ela é o melhor período do dia, ela jamais deveria dar lugar a luz do sol. Lessa agora está parado olhando para aquela mansão. Em sua mão direita a máscara, na outra sua inseparável sacola. Ele consulta o horário.
        - Hora de trabalhar.
        A mansão pertence ao um famoso político. Os muros altos com câmeras de segurança em pontos estratégicos demonstram que lá dentro deve haver uma bela soma em dinheiro vivo e é claro joias. Ele atravessa a rua daquele condomínio. Com habilidade de poucos ele sobe no muro. Claro que além das câmeras há também uma cerca com sisteme elétrico. Sidnei olha ao redor e não percebe a existência de cachorros. A barra está limpa. O ladrão pula no jardim e rola para junto de uma pequena árvore. Começando a transpirar, Sidnei abre a sacola e saca sua arma, um trinta e oito. O bandido coloca sua máscara e se rasteja até perto da garagem. Aparentemente nenhum movimento dentro da mansão. Bom sinal.
        Sidnei só pensa nas joias, ou na grana, essa é a sua ambição, sua motivação. Antes de ser um ladrão ele era apenas um repositor de supermercado, um pobre miserável que tinha que esperar todo um mês para ganhar um salário de fome. Ele cansou, cansou das broncas, do patrão, do chefe, de todos. Agora ele é bem sucedido, o dinheiro é ilícito, mas para ele tá valendo.
      A garagem está fechada, péssimo sinal. Ele faz a volta e encontra uma pequena janela perto da piscina. Com cuidado e agilidade de um gato e chega até a tal janela e a força. Ela cede. Ele força mais um pouco e ela abre. Legal. Sidnei olha para trás, parece ter ouvido um barulho. Rapidamente ele passa pela janela. Lá dentro parece ser um quartinho onde colocam as coisas já sem uso como computador, vassouras, cadeiras e outras tralhas. Muita poeira e isso é péssimo para um alérgico. Sidnei segura o máximo os espirros.
         - Nossa!

2

         Agora Lessa está na cozinha da mansão. O silêncio é sepulcral. O cômodo é gigante, tudo em aço inox, realmente uma beleza. Sidnei escorre até a sala. Aonde deve estar o cofre com a grana e as joias? Na sala há uma enorme estante com livros e enciclopédias. Uma TV de quase cinquenta polegadas, sofá de forro branco, tudo maravilhoso. Cadê o cofre? De repente as luzes se acendem. Sidnei só teve tempo de se esconder atrás das cortinas. Seu coração vem a boca. Lá está ela, a mulher do político, linda, um encanto de mulher. O que ela veio fazer na sala a essa hora?
         Realmente a esposa do deputado é um espetáculo. Claro, ela é mais jovem que ele alguns anos. Sidnei saliva ao vê-la naqueles trajeis de dormir. Ela volta da cozinha com um copo de água. A menina boceja e bebe. Linda. Para a surpresa do ladrão, um sujeito coberto de músculos vestindo apenas uma cueca box também aparece na sala. Ele a segura por trás.
          - O que foi, não consegue dormir? - questiona o rapaz.
          - Só vim pegar água.
          - Vamos subir. - a beija na nuca.
          - Só vou terminar de beber minha água.
         O casal começa a trocar beijos molhados e barulhentos. O musculoso começa a despir a mulher do deputado ali mesmo na sala. Que cena. Ela tem os seios apalpados.
          - Vamos subir. - por fim ela não resiste.
         O caminho mais uma vez está livre para o ladrão. De volta a escuridão Sidnei continua a procurar o cofre. Nada foi encontrado na sala. Ele sobe as escadas e já é possível ouvir o ruido da cama e os gemidos da mulher do deputado. Nada como uma bela transa numa bela mansão. Bem a frente um corredor e nesse corredor um quadro pendurado. Com certeza o cofre está atrás do quadro. O ladrão afasta a moldura e lá está. Muito bom.
       Sidnei anda até a porta do quarto que se encontra entreaberta e contempla uma clássica cena de sexo explícito. O clima é tão gostoso que o casal não percebe a presença de Sidnei ali.
       - Muito bonito hein? - diz o ladrão apontando seu trinta e oito.
       Muito apavorado o rapaz desengata da mulher e ela solta um gritinho.
       - O que você quer? - pergunta ela.
       - Adivinha?
       - Por favor cara, não me mate. - implora o rapaz.
       - Cale a boca, se fizerem exatamente o que eu mandar, ninguém sairá ferido ou morto.
       - Leve tudo o que precisar. - fala a mulher.
       - Quero o segredo do cofre, agora.
        - Eu, eu não sei.
        Sidnei enterra o cano da arma na nuca do rapaz e inicia uma contagem.
        - Um, dois, três.
        - Calma, por favor. - grita a mulher. - posso me vestir?
        - Não, eu quero o segredo do cofre, já.
        - Por favor. - começa a chorar.
        - Quatro, cinco…
        - Tá bom, tá bom, vamos lá.
       A esposa do político na frente. Logo atrás dela o sujeito que treme dos pés a cabeça. Os dois estão nus. Sidnei continua apontando seu trinta e oito para a cabeça do amante. Agora eles estão frente a frente com o cofre. O ladrão olha para a mulher e com um gesto rápido de cabeça ele ordena que ela comece a abri-lo. Não é tarefa fácil lembrar de combinações de um cofre, ainda mais quando se tem uma arma apontada para você. Com as mãos suando e trêmulas, a mulher do deputado vai girando e voltado até que um estalo indica sua abertura.
       - Pronto, está tudo ai, dinheiro, documentos e joias, minhas joias. - diz chorando.
       - Fique quieta sua vagabunda.
      O amante não esboça reação.
       - Vamos, coloquem tudo dentro da sacola, vamos.

3

      Cinco minutos depois Sidnei está saindo da mansão carregando sua sacola. A noite já é alta e assim que ele chega na rua o ladrão corre para uma outra rua mais escura e deserta. Ali ele troca de roupa e continua a andar apressadamente até uma via de mais movimento. Assim que ele chega no acostamento um táxi vem passando e ele sinaliza.
       - Por favor?
       - Boa noite, para onde vamos meu chefe? - pergunta o taxista um homem barbudo.
       - Vamos voltar para o centro. - abre a porta traseira.
       - Você quem manda.

*

      O carro da polícia faz a curva e breca. Dele descem dois apressados agentes. Paulo Alves faz sinal para que todas as ruas sejam fechadas. Na entrada da mansão a esposa do deputado chora copiosamente ao lado esposo.
      - Boa noite senhor deputado.
      - Boa noite detetive Alves, vamos entrando.
     Paulo entra na mansão admirado com a beleza do lugar.
      - Conte-me como tudo aconteceu senhora Rafaela
    É claro que Rafaela pulou a parte em que estava transando com seu amante. Paulo Alves ouviu e anotou tudo. Depois de olhar o cofre ele se reuniu com sua equipe.
     - Sidnei Lesse agiu outra vez. Roubou cerca de vinte mil em dinheiro e quase cem mil em joias, temos que enjaular esse vagabundo, vamos.
      Sidnei está deitado em meio a várias notas de cem. Ele sorrir e as joga para alto. Naquele quarto de hotel ele esbanja felicidade. Mais um bom trabalho realizado. Até quando isso pode durar? Isso ele não sabe, ele não é do tipo de pessoa que pensa muito no futuro, tudo que Lessa quer é vivenciar o presente dissolutamente. Dentro da sacola as joias brilham aguardando o momento de serem vendidas. Sidnei Lessa, quando você imaginaria que seria um ladrão? Que jamais passaria por necessidade outra vez. O seu mundo são as joias, o seu mundo é o risco, o nível máximo do perigo.
        Ele se levanta e anda até a janela. O dia vem despontando, quebrando o manto negro da noite. Será um dia muito agradável, dia de sol. Ele volta a sorrir e se recorda de seu pai, aquele homem cuja as mãos eram cobertas de calos e unhas apodrecidas. Trabalhava todos os dias e mesmo assim não conseguiu dar uma vida digna a família. Morreu trabalhando, não aproveitou a vida. Pobre diabo. Sidnei faz questão de espalhar os pensamentos voltando para a cama. O sono começa a bater forte, mas antes ele junta todo o dinheiro e o organiza dentro da sacola junto com as joias. Tudo pronto. Ele programa o despertador para as dez horas e se joga na cama já dormindo. Bons sonhos, ladrão. Fim
















Nível Máximo 3


        O departamento de polícia nunca esteve tão agitado, tão movimentado, praticamente um furação devastador. Paulo Alves quase consome suas unhas com seus olhos atentos na tela do monitor. Sidnei Lessa, esse desgraçado vem lhe tirando o sono desde o seu surgimento. No início o detetive achava que ele não passava de um ladrãozinho pé de chinelo, mas com o passar do tempo, Paulo se viu lidando com um profissional. Agora ele se encontra ali, parado concentrado observando imagens de uma câmera de segurança aguardando o momento em que o gatuno agirá.
        - Apareça, desgraçado.
    Finalmente ele aparece com seu típico caminhar, sem se preocupar muito em ser identificado. Ele passa pela câmera e ainda faz um gesto obsceno e depois some. Paulo Alves se vê segurando com força o controle da TV. Momentos depois Sidnei passa mais uma vez segurando sua sacola pesada e desaparecendo em seguida. Dessa vez foi muito rápido. Muito nervoso o detetive congela a imagem e vai até seu armário pegar um mapa. Ele o abre em sua mesa e começa a fazer círculos com um piloto vermelho. Nessa hora um outro policial invade a sala mastigando amendoins.
       - Qual a boa, Paulo?
     - Sidnei Lessa, dessa vez eu pego ele, tracei alguns pontos onde ele gosta de agir, resta agora nos anteciparmos, o que acha?
      O policial volta a colocar alguns amendoins na boca e depois observa o mapa.
       - Tudo certo, pelos cálculos o próximo assalto será nessa região.
       - Dessa vez eu pego ele.
*

         Sapatos caros e bem engraxados, camisa de ceda cor vinho e calça. Bem barbeado e perfumado. Sidnei entra na sala do todo poderoso Barbosa Neto segurando sua sacola com as joias do último roubo. O escritório é sujo, empoeirado, Barbosa Neto faz questão ficar ali quase que o dia inteiro fechando negócios com seus “fornecedores”. Ao lado do chefão um segurança gordo segurando uma pistola. Sidnei faz um gesto de cabeça para o segurança e depois abre um sorriso falso para o mafioso.
          - Grande Barbosa Neto, tenho novidades.
        - Sem muita enrolação hoje, Sidnei, tenho muito o que fazer. - diz com a mão espalmada.
         - Tudo bem. - abre a sacola e a mostra para o bandido.
        Os olhos escurecidos do velho se abrem ao ver o conteúdo da bolsa.
        - Onde arrumou isso?
        - É uma história muito longa. - dá ênfase no muito. - então, posso dar o meu preço?
        - Por favor. - aponta para uma cadeira.
       Lessa sai do escritório satisfeito em ter feito negócios com o chefão do crime. Ele sai na rua e seu coração vem a boca ao ver uma viatura passando. Ele entra em uma lanchonete e olha pelo vidro o carro diminuindo a velocidade e parando. De dentro do carro descem dois policias que entram no escritório de Babosa Neto. Certamente vieram pegar a mensalidade da semana. Cambada de corruptos. Uma simpática atendente o aborda.
         - Quer experimentar um dos nossos lanches, senhor? - lhe oferece o menu.
         Até que um sanduíche de frango com salada cairia bem.
         - Sim, claro.

*

         Sidnei aguarda a chegada de seu pai no portão. No estômago somente o café da manhã. Seu pai havia prometido trazer pão doce, só de lembrar o estômago do menino de nove anos se retorce. Quanta fome. Já são quatro da tarde e lá vem seu Dirceu Lessa arrastando seu chinelo segurando uma sacola de supermercado e olhar soturno.
         - Pai, pai, trouxe?
         - Vixi, filho, hoje o patrão não deu vale.
         - Mas pai a mamãe e eu não almoçamos. - cruza os braços aborrecido.
         - Filho, o papai também não comeu e mesmo assim tive que trabalhar.
         - O que vamos comer?
        Sidnei corre para rua limpando as lágrimas com seu estômago ainda reclamando e a boca amargando. O menino só para de correr ao ver uma frangueira assando alguns galetos. O valor é exposto e Sidnei enfia a mão nos bolsos do short e só sente as coxas. Que droga de vida. Por que alguns tem muito e outros simplesmente não tem nada? Por que preciso passar por essa situação? Não, tem algo de errado nisso. Mudarei minha história.
        O garoto Sidnei se aproxima da frangueira observando cada movimento do proprietário. Não será tarefa fácil. De repente o dono dos galetos se vira para ele.
        - Vai levar um garoto?
        - Si, sim. - arregala os olhos.
        - Vou tirar pra você. - abre a assadeira. - quer escolher?
        - Aquele ali. - escolhe o mais parrudo.
    Gentilmente o homem coloca o frango inteiro na bandeja e se vira para pegar a embalagem. Quando se volta para o garoto ele já não está mais lá e nem o frango.
         - Mas que moleque sem vergonha.
        Lessa corre segurando o frango que queima sua mão. Ele sorrir. Correndo ainda mais ele consegue chegar num terreno baldio. Salivando e sentado numa pedra não muito confortável ele devora o frango. Um pequeno cachorro vem ao seu encontro.
        - Já sei, você vai querer um ossinho. - retira a asa. - toma.
       A vida agora é outra. Sidnei ainda não é um homem realizado, porém fome ele não passa mais. Naquele quarto de hotel ele vislumbra um futuro diferente de seus pais, um futuro próspero, glorioso. Hoje ele tem dinheiro, pode dormir numa cama confortável, anda de táxi pra cima e para baixo, come nos melhores restaurantes sem se preocupar se a grana vai faltar. Sim, esse império ele vem conquistando e construindo vivendo do perigo.

*

       A polícia vem fechando o cerco sob as ordens de Paulo Alves. De acordo com o mapa Lessa atacará outra vez na região onde sua mancha criminal é mais intensa. Se tudo dar certo a prisão de Sidnei é questão de tempo. As viaturas circulam dia e noite nos pontos mais críticos. Dentro da viatura Alves observa no mapa cada casa roubada. Ele se sente desafiado, ele se vê na responsabilidade de dar uma resposta a sociedade e também as vítimas que tiveram seus pertences roubados. O trabalho de um policial consiste em ter paciência, expertise, inteligência. Tudo isso ele usará. Hora de colocar Lessa atrás das grades. Fim

Nível Máximo 4


        Silêncio. Tudo se resume num silêncio estranho e quase incomodo. Para um homem como Sidnei o silêncio faz parte do jogo. Como um espírito que brota da escuridão ele aparece para mais uma noite de trabalho. Sacola na mão, máscara na outra. Há sua frente uma vistosa mansão protegida por câmeras de segurança, cercas elétricas e até cães. Não será nada fácil invadir essa fortaleza. Ele pensa em desistir, porém Sidnei é do tipo de ladrão que foi forjado no perigo, nada será capaz de pará-lo. Hora de trabalhar.
          Sidnei coloca a máscara e também as luvas. Pendura a sacola no ombro e atravessa a rua sem fazer barulho. Perto do muro ele olha para uma câmera e faz um sinal obsceno. Abre a sacola e retira de lá sua arma. Para os cães ele trouxe algo especial. Como um felino ele sobe no muro. Temendo ele pula a cerca elétrica e depois para o jardim. O nervosismo é sufocante o obrigando a parar por alguns segundos.
            - Meu Deus. - diz ofegante.
          Sua paz momentânea está preste a ter fim. Uma verdadeira fera vem correndo com seus olhos ameaçadores. Imediatamente Sidnei pega na sacola a comida especial e a joga para o cachorro. O cheiro forte de carne desvia o foco da fera. Aliviado, Lessa começa a andar apressado para próximo da janela. Olhando para trás ele observa que o veneno já começa a fazer efeito no organismo do bicho que sem sofrimento vai perdendo as forças.
           - Tchau, tchau, totó. - zomba.
         Feito uma serpente, Sidnei rasteja imprensado entre a parede da casa e a grade do jardim. Tudo cheira a ameaça, tudo mesmo. Ele para por alguns instantes desconfiado de algo muito mal disfarçado no meio do jardim, seria uma câmera? Os donos da casa já o teriam visto e a polícia estaria a caminho? Estreitando os olhos ele consegue perceber que não se trata de uma câmera, mas sim de um suporte de luz quebrado. Alivio imediato. Siga enfrente.
          Agora ele está mais próximo do que seria sua entrada. A garagem. Com certeza há um sistema de alarme ali. Determinado, Sidnei se levanta e olha atentamente todos os cantos, todos mesmo, nada passa despercebido pelo ladrão. A confirmação vem. Logo acima da porta há um detector de presença de última geração. Aquilo começaria a berrar e em questão de minutos Lessa seria flagrado. Porcaria. Mudança de plano.

*

          Nos fundos da mansão Lessa consegue ver uma janela sem grade e de fácil acesso, pelo menos para ele. Rapidamente ele escala a casa pela tubulação feita para escoar a água da chuva. Com cuidado ele alcança o beiral. Sidnei olha para baixo, uma queda significaria alguns ossos partidos ou algo pior. Ele toca na janela e ela cede. Outra vez o ladrão a força e com um curto ruido vindo das dobradiças o faz gelar.
         - Eu ainda vou morrer disso.
        Dentro do cômodo Lessa pode relaxar. Vamos lá, hora de procurar o tesouro escondido. Escura e silenciosa, esse é o estado em que se encontra a mansão. Ele desce a escada, passa por um quarto e escuta vozes. Sidnei faz uma meia parada e se esconde entre uma estante e outra. Alguém sai do quarto e anda até a cozinha, uma mulher. Sidnei Lessa a xinga em pensamento. Ela passa por ele bocejando. Em seguida mais alguém sai do quarto, um homem. Realmente o cara é grande com músculos sobrando por todo o corpo.
          - Amor, vamos conversar com calma. - diz o sujeito. - as coisas vão se acertar.
        - Como vão se acertar Ricardo, você acabou de me dizer que vai precisar fechar uma das empresas. - a mulher se desespera. - se as coisas continuarem nesse ritmo iremos a falência antes do fim do ano.
        - Alexia, claro que não vamos falir, esqueceu que temos grana o suficiente para mais cinco gerações? - a abraça por trás.
         - Tem certeza, Ricardo?
         - Sim, claro, agora preciso dormir, amanhã tenho reunião cedo, vem.
        Como um fantasma Sidnei aparece apontando sua arma para a cabeça de Ricardo.
        - Opa, mas antes disso, me leva até o cofre.
        - Como entrou aqui? - o homem pergunta com as mãos para cima.
        - Isso não interessa, agora me leve até o cofre.
        - Não temos cofre aqui.- afirma a mulher de Ricardo.
        - Sério? Conta outra.
        - Por favor, não atire. - Alexia começa a chorar
        Sidnei chuta a parte de trás do joelho de Ricardo que cai ajoelhado.
       - Escute bem o que eu vou falar, Alexia, vou iniciar uma contagem agora e se eu chegar no dez e você não me falar onde está o cofre, você infelizmente ficará viúva.
        - Mas…
        - Um…
        - Por favor, nós não temos dinheiro aqui.
        - Dois…
        - Você ouviu a nossa conversa, estamos falindo…
      - Pois é, e eu ouvi também que vocês tem grana o suficiente para sustentar cinco gerações. Três…
         - Tá bom, tá bom, me acompanhe.
         - Boa garota.

*

         O cofre se encontra no fundo de um armário de quarto. Ricardo permanece com as mãos na cabeça e Lessa com sua arma apontada para ele.
        - Vamos lá Ricardo, abra o cofre e coloque a grana toda na sacola, isso precisa ser rápido. E nada de gracinha, eu sei quando vocês estão mentindo.
           - Como assim? - Ricardo se vira para Lessa.
       - Você digitará os números que assim que apertar enter acionará a polícia e se isso acontecer, vou matar sua esposa.
           O casal se olha por alguns instantes.
           - Esse sistema não funciona aqui. - afirma Ricardo.
          - Sério? - Sidnei abre a sacola e pega seu silenciador. - vamos ver se isso resolve. - atira acertando a coxa de Alexia que cai gritando.
         - Seu canalha. - o empresário parte pra cima de Sidnei.
        O murro foi tão forte que Lessa sente que perderá os sentidos. Ele volta a se equilibrar e mais uma vez atira, mas não acerta Ricardo. Alexia se desespera gritando e segurando seu ferimento.
         - Ricardo, pelo amor de Deus, dê o dinheiro a ele.
         - Ouça sua mulher, Ricardo.
        A situação volta a sua normalidade. Ricardo respira fundo e digita os números. A porta do cofre abre e lá estão os maços de cem e de cinquenta. Os olhos de Lessa brilham, no mínimo há uns cem mil ali. Ricardo vai colocando a grana com violência dentro da sacola.
         - Por que tanta raiva, Ricardo? - usa de sarcasmo.
         Serviço acabado. Agora Sidnei está um pouco mais rico.
         - Tenham todos uma boa noite, mas antes, deite-se Ricardo.
         - O que? Você já tem a grana, vá embora.
         - É só por precaução, deite-se.
         Ricardo se deita e Sidnei atira nas duas pernas. O homem geme e o xinga. Alexia chora e Lessa desaparece. O ladrão ganha a rua quando uma viatura descaracterizada freia bem a sua frente.
          - Sidnei Lessa você está preso. - vocifera Paulo Alves.


Nível Máximo – Final

           Paulo Alves e Sidnei Lessa frente a frente, ambos armados, ambos determinados. Um com a lei no bolso o outro com mais de cem mil numa sacola preta pendurada no ombro. Paulo Alves com anos de polícia, Sidnei com bagagem o suficiente para ser o criminoso número um da cidade. Alves aponta sua arma para o ladrão e sente que essa noite será marcada pela prisão do bandido que vem lhe tirando o sono a meses.
          - Sidnei Lessa, deixe a sacola no chão, vamos.
        Ele não responde e nem obedece ao comando policial. A grana é alta, ele já foi longe demais para simplesmente deixar seu trunfo ali no asfalto e se entregar. Para piorar ainda mais a sua situação ele escuta o som de outras viaturas chegando, é preciso agir e rápido.
          - Lessa, não tente nada, não se precipite.
         A fuga está sim em seus planos e ele precisa fazer isso já, agora. Para tirar o foco do policial o ladrão atira não para acertá-lo e depois corre em direção as outras casas.
          - Miserável. - começa a correr.
        Paulo é grande, tem pouca mobilidade, mas consegue correr. Sidnei é menor, é mais magro por isso ele se movimenta mais, porém ele está carregando uma bolsa cheia de dinheiro vivo que o dificulta a correr mais rápido. O ladrão não sabe onde a rua vai dar e nada disso interessa agora, tudo o que ele quer é ficar livre do cão de guada que vem logo atrás. Ele muda a sacola de ombro sem diminuir a velocidade da corrida. Bem a frente uma praça, não há onde se esconder, melhor continuar correndo.
         Outras viaturas vão chegando e o silêncio da madrugada é interrompido pelo som das sirenes. No bolso o celular de Alves toca.
          - Estou numa perseguição a pé, quero que fechem o bairro por completo, lesse está fugindo carregando a grana e está armado.
         Paulo chega na praça com a arma em punho. Nada ali. Continua correndo. Como foi ordenado as saídas do bairro são bloqueadas e há também agentes com motocicletas circulando as ruas. Não há como alguém escapar. Aos poucos as casas vão sendo iluminadas e seus ocupantes assumindo as janelas. Que noite é essa!

*

           Sidnei Lessa começa a sentir que está perdendo o jogo, hora de apelar. Ele olha para trás e nada vê, mas com certeza Alves está ali. Lessa dobra uma rua e encontra algo que pode lhe ajudar e muito. Um bueiro sem a tampa. Ele joga a sacola lá dentro e troca de roupa para se camuflar. Agora ele é um homem vestindo calça jeans e camisa branca. Tudo agora precisa soar natural. Antes de sair ele grava o nome e o número da rua, respira fundo e começa a andar.
            Suado, cansado e com medo, Paulo Alves para próximo da rua onde seu alvo estava a segundos atrás. As coisas estão ficando mais difíceis. Ele saca o telefone.
- Nem sinal do alvo, temos que ser mais cuidadosos a partir desse ponto.
Enterra o aparelho no bolso da calça e começa a andar de forma apressada. Paulo nem percebe que esteve perto da sacola e mal reparou no bueiro sem tampa, uma falha grave. Ele está cego, seu objetivo é colocar as mãos no miserável que vem lhe causando insônias. Sidnei Lessa, dessa noite você não passa.

*

         Fugir da polícia é algo complicado. Lessa nunca esteve nessas condições. Tudo é motivo para que seu coração dispare. Bem a sua frente um bloqueio. O que fazer? Voltar não seria muito inteligente de sua parte. Melhor manter o controle e disfarçar sua retirada. Os policiais notam algo suspeito saindo para a rua secundária.
            - O que aquele cara tá fazendo?
            - Será Lessa?
           A viatura da polícia começa a andar a uma velocidade de vinte por hora. Os passos do suspeito passam a ser mais acelerado. O agente aciona o giroflex assustando o suposto bandido. Não há muito o que fazer, Sidnei teme por sua vida e o melhor nessas horas é correr e correr muito. O carro da polícia acelera.
          - Atenção todos os carros, Sidnei Lessa se encontra fugindo para a rodovia, aguardando ordens.
             Paulo Alves é acionado e resolve cortar caminho até a saída do bairro a pé. Agora não tem mais jeito, é tudo ou nada, Lessa pagará pelo que vem fazendo. Uma das viaturas passa e sem perder tempo o agente se enfia dentro dela.
            - Pé na tábua, vamos.
           Sidnei já começa a sentir o peso nas pernas. O cansaço é intenso e nada passa em sua cabeça. Ele chega na rodovia num ponto onde há uma subida. Ele não tem mais pernas e seu psicológico está afetado. Chorar? Talvez. Lembrar dos conselhos do velho pai? Sempre. Sidnei nunca esteve tão arrependido como agora. Ao olhar para trás e ver um mundo de viaturas, ele mergulha num mar de pensamentos. Mesmo sabendo que é uma guerra perdida o ladrão segue subindo a rodovia com as lágrimas escorrendo. Sem ter muito o que fazer ele para e se apoia na grade de proteção. Olha para baixa e contempla a altura do penhasco. Uma bela queda.
            Paulo Alves desce do carro e saca sua arma.
          - Lessa, você já era, jogue sua arma.
         Sidnei pega a arma e pensa em atirar. Do que adiantaria matar o policial? Em segundos ele teria o corpo perfurado por milhares de balas, sua morte seria terrível.
         - Não faça besteira, Lessa, pense, nesses casos é melhor se entregar.
        Entrega os pontos, está aí uma coisa que o velho Dirceu nunca se permitiu. Lutar até o fim esse era o seu lema. Sidnei aponta sua arma segurando o gatilho e sobe na grade.
          - Não! - grita Alves.
         A brisa da noite passa pelas costas, essa será a última vez em que ele a sente. Ele olha para baixo, talvez uma queda de 40 metros, nada mal.
         - Sidnei, você é um cara novo, pense direito, a vida é mais importante, cumpra sua pena e recomece sua vida, venha comigo, cara.
Sidnei dá mais um passo para trás. De qual vida Paulo Alves está falando? Ele nunca teve uma vida digna, nada que valha e pena recomeça. Hora de por fim nisso tudo. Agora nada mais importa. Quanto a bolsa com o dinheiro, eles que se virem. Lessa deixa o corpo cair livre.
          - Não! - grita Alves.

*

          Dirceu Lessa para numa banca de jornal e lê com dificuldade as vagas para trabalho. A seu lado Sidnei acompanha outras notícias.
          - Pai.
          - Diga meu filho? - continua lendo os classificados.
          - Qual o sentido da vida?
         - Eu não sei. - olha para o menino. - eu só sei que a vida é uma só e que devemos fazer valer cada minuto o qual ela nos permite respirar, disso eu sei.
          - Hum.- o garoto coça a cabeça.
          - Você é ainda muito criança para entender, mas, um dia tudo isso fará sentido, certo?
          - Certo.

Fim