Com: Luís Souza
1
-
Oi, como foi o seu dia hoje?
-
Foi maravilhoso, melhor agora conversando com você, e ai, quando
podemos nos ver?
-
Ah, sei lá, meu tio é muito quadrado para essas coisas.
-
Você sabe que sou apaixonado por você não sabe?
-
Claro que sei, quero muito pode te ver pessoalmente.
-
Então, Suelen, vamos marcar logo esse encontro, já namoramos um
tempão via internet.
-
Tudo bem, quando nos falarmos outra vez eu prometo que venho com o
dia e horário e o lugar.
-
Estou ansioso. Beijo minha linda!
-
Beijo meu lindo!
Suelen esconde o celular quando percebe que o tio está subindo.
Dois toques na porta e Bruno entra.
- Ainda acordada? Estava conversando com alguém?
- Não, eu já estava me preparando para dormir. – boceja.
- Amanhã eu te levo para escola tudo bem? – se coloca ao
lado da cama da sobrinha.
- Tudo bem tio. – segura nas mãos enormes de Bruno. –
benção!
- Deus abençoe minha filha.
Bruno Alvarenga é um ex policial que toma conta da sobrinha
desde quando sua irmã morreu vítima de um acidente onde por um
milagre a bebê Suelen sobreviveu. Hoje a adolescente é grata por
tudo o que o tio fez por ela e como ela mesma diz “o senhor poderia
muito bem ter me deixado num orfanato ou me abandonado na porta de
alguém” Suelen ama o tio e faria de tudo por ele.
Bruno bate a porta do quarto, mas antes apaga a luz. Em
meio a escuridão Suelen enfia a mão embaixo do travesseiro e pega o
celular que ilumina todo o seu rosto angelical. Ela abre a página do
Chat e sorrir quando vê cinco corações batendo e ao lado o nome de
seu namorado virtual, Douglas.
- Também te amo meu amor!
2
O carro é velho, mas ainda dá para o gasto. Bruno
estaciona seu Santana vinho na porta do colégio. Dentro do veículo
ele despeja seus conselhos enfadonhos.
- Já sei tio, já sei, nada de dar ouvidos a estranhos.
- Isso mesmo, qualquer coisa grite.
- Pode deixar, minha professora de canto diz que meus
agudos são capazes de destruir vidraças. – ambos caem na risada.
- Vá em paz filha.
- Beijo tio lindo.
Vendo sua única sobrinha caminhando para o portão da
escola ele pensa “ela cresceu, já é uma mulher feita, veja só o
corpo, imagina se eu vou deixar qualquer vagabundo pegá-la”.
Atualmente Bruno trabalha como segurança numa farmácia.
Próximo dos cinquenta anos, Alvarenga ainda esbanja uma forma física
invejável com músculos bem trabalhados. Isso se deve a anos de
academia. Quando era policial sua fama era de agir com bastante rigor
com os meliantes e hoje não é diferente com os ladrõezinhos pé
rapado que aparecem na drogaria.
A farmácia estava quase fechando as portas depois de um
dia bastante movimentado. Um rapaz magrelo e de boné entra e
disfarçando muito mal ele olha os produtos de higiene feminina. No
canto Bruno observa cada movimento do rapaz. Depois de alguns minutos
olhando ele se dirige ao balcão e anuncia o assalto sacando uma
pistola. A atendente fica pálida ao ver o cano da arma.
- Passa tudo vamos, vamos.
O rapaz pega cerca de cinco mil e sai em disparada quando
é alvejado por um disparo vindo dos fundos da loja. O tiro o acertou
e ele caiu ainda com vida no chão gelado. Bruno ainda o chuta no
rosto e apoia seu joelho no peito coberto de ossos do garoto.
- Achou que ia ser mole né seu merda. – o soca no
rosto. – me passa o dinheiro. – a balconista se aproxima. – já
ligou para a polícia? – quando a mulher dá as costas Bruno enfia
nos bolsos algumas notas de cem. – é para cobrir algumas despesas.
– sussurra para ele mesmo.
O que ganha na farmácia é pouco, porém o suficiente
para cuidar de Suelen. Sempre pontual, Alvarenga, como era chamado
quando era militar, chega ao local de trabalho. Bom dia pra lá, bom
dia pra cá e assim ele inicia mais um expediente de doze horas.
3
O silêncio dentro da casa é sepulcral. Souza aponta sua
pistola tendo Márcia como cobertura. O suor escorre pela testa
lustrando a testa do policial. Com certeza ele entrou aqui! Um
vulto é visto por Márcia que atira. Souza se vira assustado.
- O que viu?
- Acho que o vi entrando ali. – aponta para a área de
trabalho.
- Acha também que o acertou? – Souza assume a frente.
Antes que Souza pudesse dar mais um passo o bandido
atira quase acertando o detetive que se joga por cima da assistente.
- Pro chão, ele está armado, droga!
Souza dispara sua pistola. A troca de tiro se torna
intensa a cada segundo. Márcia também atira. Os agentes trocam
olhares. Pelos olhos Márcia sabe que seu chefe pediu cobertura, é
hora de colocar um ponto final nessa bagunça. A casa tem poucos
moveis e isso facilita a movimentação do policial que dispara rumo
à área de serviço onde o oponente se encontra abrigado. Souza olha
para um vaso e tem uma ideia. Rapidamente ele pega o objeto e o joga.
Assustado o bandido atira várias vezes até ficar sem munição.
Souza invade o cômodo a tempo de ver o rapaz tentando fugir pela
estreita janela.
- Parado! – vocifera.
Mesmo sabendo que não há saída o meliante ainda tenta
sair pelo apertado vão. Luís Souza pula e segura nas pernas do
homem que o chuta acertando seu peito. Furioso Souza lhe aplica uma
chave torcendo até quase quebrar o braço. O grito do bandido é
alto e agudo.
- Socorro!
Momentos depois Souza sai da casa segurando o meliante
algemado. Márcia vem logo em seguida. O rapaz permanece de cabeça
baixa escondendo o rosto. Do lado de fora algumas viaturas estão
paradas aguardando o desfecho da situação. Com bastante truculência
Luís o coloca dentro da viatura. Na confusão de seus pensamentos
Souza consegue respirar aliviado, menos um safado nas ruas!
- Vai voltar para o departamento agora? – Márcia se
apoia na viatura.
- Não. Chega por hoje.
4
- Então, quando podemos nos ver?
- Acho que nesse fim de semana será possível.
- Estudou bastante hoje?
- Ufa, consegui eliminar matemática da minha vida.
- Você é ruim em matemática?
- Um pouquinho, e você? Também era?
- O suficiente para repetir três vezes. – o
rapaz rir.
- Douglas, acho que podemos marcar o nosso encontro
amanhã, você tem algum lugar de sua preferência?
- Que tal no shopping ai perto de sua casa na praça
de alimentação?
- Perfeito, me fala como você estará vestido.
Eles trocam informações e detalhes. Também trocam
elogios e outras palavras picantes que atiçam a imaginação fértil
da adolescente. Com um “beijo e um eu te amo” eles encerram a
conversa e mais uma vez Suelen esconde o celular embaixo do
travesseiro percebendo que seu tio se aproxima. Dois toques na porta
e Bruno entra.
- Alguma novidade? – se senta na beira da cama.
- Não, nenhuma, por quê?
- Sei lá, às vezes você quer conversar sobre alguma
coisa ou precisa me revelar algo.
O coração da menina vem na boca.
- Não, acho que não.
Bruno se levanta e olha firme para a sobrinha.
- Não pode haver segredo entre a gente não é mesmo,
Suelen?
- Jamais tio!
- Ótimo, melhor assim. – se inclina e beija a testa
da menina. – Deus abençoe filha.
- Amém!
5
Dois sujeitos de cor entram na farmácia e vão direto
ao balcão e anunciam o assalto.
- Se fizer tudo direitinho ninguém sairá machucado,
valeu?
Engolindo seco a funcionaria diz que sim com a cabeça.
O outro assaltante vai até os fundos da loja onde é abordado por
Alvarenga que o imobiliza com uma chave de braço. Antes que o
vagabundo pudesse gritar ele tampa lhe a boca. O mata leão funciona
perfeitamente deixando o ladrão apagado. O outro homem termina de
colocar todo o dinheiro nos bolsos da calça quando sente falta do
parceiro.
- Carlinhos, vamos embora, cadê você?
Sentindo que há algo de errado no ar, o rapaz saca a
arma e a aponta para a funcionaria que se urina de medo.
- Por favor, eu tenho filho pequeno!
- Onde está meu parceiro sua piranha, se não vai lavar
um tiro na cara. – ameaça ofegante. De repente a voz grave de
Bruno penetra nos ouvidos do meliante.
- Desde quando arma de plástico mata alguém?
O suor escorre da testa do rapaz que engole seco. Bruno
surge da seção de perfumaria apontando seu trinta e oito.
- Venha comigo moleque.
***
O rosto do ladrão está desfigurado por causa dos
violentos socos. O último o fez desmaiar. O chão do quartinho onde
o pessoal da limpeza guarda todo o material está respingado de
sangue. Bruno enfia a mão nos bolsos e retira o dinheiro. Parte dele
vai para o seu próprio bolso. Os policiais chegam e elogiam Bruno
pelo feito.
- Vejo que não perdeu a mão. – diz o PM.
- Sumam com essa vergonha daqui.
***
Ele escolhe o lugar na praça de alimentação e olha
para as lojas. Se acomoda na cadeira de alumínio fria e se recosta
com os olhos fechados. Permanece assim durante alguns segundos e
quando volta a abrir os olhos uma menina alta com corpo de mulher e
longos cabelos castanhos sorrir graciosamente para ele.
- Douglas?
- Suelen?
- Sim! – o sorriso se torna angelical.
Num salto Douglas se levanta e a abraça sentindo o
cheiro suave do perfume.
- Nossa você é linda.
- Obrigado. Em sua foto de perfil você me parecia
mais novo.
Douglas passa a mão na barba por fazer meio
constrangido.
- Pois é, esqueci de fazer a barba.
Eles pedem uma pizza gigante de calabresa e
refrigerante. Conversam sobre estudos e relacionamentos. Suelen se
mostra apaixonada pelo rapaz magro e de aparência serena. Ele segura
nas mãos compridas e de unhas pintadas de azul caneta da garota.
Pede um beijo e ela ruboriza. Pede mais uma vez e ela aceita dando um
selinho. Ele não se conforma e a puxa para junto dele a beijando
calorosamente. Suelen aos poucos vai ficando leve, suave, vulnerável
e quando deu por si já estava nos braços de Douglas.
- Quer conhecer minha casa? – Douglas acaricia o
rosto da garota.
- Assim, mas acabamos de nos conhecer pessoalmente.
- E daí, vamos!
Ela pensa por alguns instantes e quando percebe já
se encontra cruzando as portas do shopping abraçada com um homem
alguns anos mais velho que ela.
6
Dois toques na porta e Bruno entra no quarto vazio de
Suelen.
- Droga, onde essa menina se meteu. – diz olhando o
relógio em seu pulso.
O ex policial enterra a mão no bolso e puxa seu
celular e liga para o número de sua sobrinha. A ligação cai na
caixa de mensagem. Seu faro de policial detecta algo estranho no ar.
Ele disca um outro número.
- Oi Duda, por um acaso a Suelen passou ou está ai
na sua casa? – pausa. – não? Obrigado, sabe onde ela possa está?
Também não, valeu, obrigado. – desliga e pensa por alguns
instantes. – merda!
A noite chega e com ela o desespero. Descabelado
Bruno anda de um lado para outro na sala. Mais uma vez ele vai até a
janela e seu estômago dá um nó em imaginar Suelen em perigo. Ele
pensa na promessa que fez de protegê-la a qualquer custo. Pensa em
sua irmã falecida. Não perderei mais ninguém nessa vida,
jamais! Mais uma vez saca seu celular. Com a mão trêmula ele
disca um número que já está na memória.
- Boa noite, Souza, tem um minuto?
***
Mesmo com lugar sobrando no salão, Souza e
Alvarenga preferem beber no balcão. Bruno se mostra nervoso e por
diversas vezes Souza teve que acalmá-lo.
- Mas ainda não se passaram vinte quatro horas do
sumiço dela.
- Eu sei que tem algo errado, você sabe do que eu
estou falando cara.
Souza toma mais um gole da cerveja.
- Alvarenga, você sabe mais do que ninguém que a
sua conduta como policial não é exemplo pra ninguém, não é
mesmo? – Alvarenga abaixa a cabeça.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu quero dizer o seguinte. – Souza coloca a mão
no ombro largo do amigo. – tem certeza de que você não está
envolvido nisso?
- Está dizendo que eu estou envolvido no
suposto sequestro de minha própria sobrinha, que papo é esse Luís?
- Calma, não precisa ficar irritado, não há
motivo para isso não é mesmo?
Eles se encaram por alguns segundos. Alvarenga com a
cara mais zangada do mundo e Souza com a mais cínica que pode.
- Não, não há motivo algum. – vira a lata na
boca. – vai me ajudar a encontrar minha sobrinha?
- Vou. Prometo encontrar a Suelen.
***
Os olhos da garota percorrem todo o cômodo com as
paredes com marcas de infiltração. O cheiro de mofo incomoda
bastante. O colchão da cama é fino causando fortes dores nas
costas. Se esforçando bastante ela consegue ouvir murmúrios vindos
do outro cômodo.
- Tenho sede, alguém me dê água. – grita
Suelen.
Um homem alto, de terno e gravata, usando máscara
ninja entra no quarto com um copo cheio de água e entrega a Suelen.
- Quem são vocês, onde está o Douglas?
O homem apenas olha para a garota friamente como se
dissesse, beba logo essa porcaria de água e cale a boca!
Suelen toma tudo num só gole. Aos poucos ela sente seu corpo ficar
dormente e em seguida tudo fica escuro.
7
Márcia entra no quarto de Suelen e inicialmente
não vê nada que possa ajudar nas investigações. Souza permanece
na sala conversando com Alvarenga. A policial que veste um terninho
preto que a deixa ainda mais imponente além do rabo de cavalo bem
feito, vasculha todos os cantos do quarto. Ao se abaixar para ver o
que há embaixo da cama ela encontra um diário de capa rosa bastante
enfeitado. Márcia se levante e retira um punhado de poeira da capa.
A policial começa a ler o conteúdo da primeira página e de repente
seus olhos esbarram num número de celular sem nome. Ela guarda o
caderno e volta a vasculhar.
Alvarenga parece que envelheceu em dois dias dez
anos. Souza olha foto por foto. No álbum há registros de uma Suelen
ainda bebê no colo de sua finada mãe. A próxima mostra Alvarenga
fardado com a sobrinha em suas costas.
- Bruno. – Souza finalmente fala. – você ainda
sente falta da corporação?
- Sonho com isso todos os dias. – fala esfregando
o rosto. – queria muito ser como você, um exemplo para todos nós.
Infelizmente há coisas que estão fora de nosso controle.
- Ser honesto não é uma condição, é uma opção,
concorda comigo? – Alvarenga diz que sim com a cabeça. – você
teve a oportunidade de ser um policial honesto, respeitado e jogou
tudo isso pela janela.
- Penso eu que, agora é um pouco tarde para
arrependimentos meu amigo. – se levanta e vai até a janela. –
quero Suelen de volta, essa é a única coisa que penso no momento.
Márcia sai do cômodo e sente de cara o clima
pesado no ar. Sentado ainda olhando fotos está Souza. Parado na
janela tentando não deixar que as lágrimas desçam está Bruno.
- Podemos ir agora! – Souza assente com um gesto
de cabeça e se vira para o amigo.
- Já estamos indo, qualquer novidade eu te ligo.
***
A boca está seca. A cabeça gira feito um
redemoinho. Suelen finalmente acorda e todo o lugar está escuro. Ela
não tem noção se é dia ou noite. O lugar não tem janela, é
abafado e o cheiro de mofo a sufoca. Ela se levanta ainda meio tonta
se escorando nas paredes e bate na porta.
- Socorro! – é só o que consegue dizer. Seu
corpo vai perdendo as forças e mais uma vez Suelen cai. Seus olhos
começam a ver fantasmas que brincam de esconder com ela.
Estranhamente ela consegue sorrir e mais uma vez ela apaga.
***
Enquanto Márcia confere algumas coisas que possam
ajudar nas investigações, Souza não tira os olhos do retrovisor.
Um carro preto parece está seguindo a viatura. Luís tenta
despistá-lo entrando num bairro pouco movimentado.
- Algum problema? – Márcia pergunta ainda
conferindo o diário.
- Um carro parecia está nos seguindo, acho que era
impressão minha.
Quando estava terminando de falar Souza é
surpreendido com o carro saindo em disparada de outra rua.
- Deu merda, se abaixe. – alerta Souza sacando sua
pistola.
Quem atira primeiro é o condutor do carro inimigo
que atinge a lataria da viatura várias vezes. Souza é obrigado a
fazer uma manobra brusca. Márcia deixa de lado o diário e se
prepara para o confronto. O carro perseguidor volta a atirar e acerta
o retrovisor ao lado da assistente.
- Posso chamar reforços? – vocifera Márcia.
- Assuma a direção, vou dar um jeito nesses caras.
Souza pega outra arma. Pula para o banco do carona
sob fogo intenso dos inimigos.
- Qual o plano? – grita a mulher.
- Saia daqui, já, agora.
Márcia pisa fundo no acelerador. Souza atira contra
o para-brisa traseiro da viatura e sem pensar muito descarrega suas
duas pistolas contra o carro que começa a se afastar até sumir de
vista. Ofegante Souza se desmancha e olha para sua assistente.
- Vamos sair daqui.
8
Bastante nervoso e também um pouco confuso Souza
tenta colocar os pensamentos em ordem. Alguém tentou matá-lo a
menos de uma hora. Seria uma vingança? Ou caso isolado? Márcia
aparece em sua sala com alguns papéis.
- Certamente a placa do carro era adulterada.
- E mais essa agora. – Luís se senta e entrelaça
os dedos. – vão tentar de novo, disso eu tenho certeza.
- A partir de agora temos que redobrar atenção,
pelo jeito são profissionais. – completa a assistente.
- E quanto a Suelen, alguma novidade? – esfrega as
mãos.
- Ainda nada, farei algumas visitas ao colégio e
também a alguns amigos dela ainda hoje.
- Vou com você.
- Tem certeza? Melhor irmos em carros separados. –
propõe Márcia já saindo.
- Qual foi, está com medo de morrer?
- Não, tenho medo de coisas piores.
***
Revoltado o sequestrador entra no quarto onde Suelen
que se encontra deitada em posição fetal cuspindo marimbondos.
Ainda de máscara ele não diz uma palavra e a puxa pelo cabelo. A
menina grita e com suas mãos enormes ele faz sinal de silêncio. O
mascarado fixa seus olhos nos de Suelen que se mostra apavorada. Um
outro bandido, um pouco mais baixo e também mais magro entra
correndo e tenta tirar Suelen das mãos do carrasco. O outro
sequestrador também está de máscara ninja. Os dois brigam e o mais
forte acerte um potente soco no mais novo que cai gemendo. Suelen é
deixada de lado e vê nisso uma chance de fugir. Enquanto o mascarado
mais forte chuta violentamente o mais fraco, a sobrinha de Alvarenga
rola na direção da porta. Antes que ela conseguisse sair, é
abordada pelo mascarado forte que a segura pelos cabelos mais uma
vez.
- Me deixe em paz seu monstro.
A menina é jogada contra o chão com truculência
chegando a machucar o braço. O mascarado mais forte se volta para o
mais fraco e o ajuda a se levantar e ambos deixam o quarto. Suelen se
levanta segurando o ombro. O choro é inevitável. Ela soca a porta
com pouca força. Ao pé da porta ela se ajoelha e chora ainda mais,
sente saudade do tio e principalmente de Douglas.
***
A casa é grande e bem decorada. Márcia e Souza entram
e enquanto aguardam a chegada da melhor amiga de Suelen. Duda aparece
na sala na companhia de seu pai um pouco assustada e não é por
menos, jamais em sua vida ela imaginou que a polícia estaria em sua
casa.
- Como vai Eduarda? – Souza cruza os braços.
- Bem. Vocês querem beber alguma coisa?
- Não, obrigado. – Márcia limpa a garganta. –
podemos conversar um pouco? Não precisa ficar assustada.
- Tudo bem, é sobre a Suelen não é?
- Sim, você sabe de alguma coisa, como ela estava se
comportando nos últimos dias? – Souza descruza os braços e depois
enterra as mãos nos bolsos.
- Ela não desgrudava do celular, até mesmo na hora da
aula.
- Ela estava se relacionando com alguém, algum garoto
na escola? – Márcia faz suas anotações.
- Não, ela sempre foi muito discreta quanto a esses
assuntos, sabe? – a menina fala um pouco rápido devido ao
nervosismo.
- Há mais alguém que ela tenha amizade ou só você
era a amiga inseparável dela? – Souza mexe as pernas.
- Como sabe que somos amigas inseparáveis? – Duda
franze a testa.
- Dei uma olhada no diário, foi através dele que
chegamos até você.
- É verdade, somos amigas e não nos desgrudamos. –
os olhos de Duda ficam marejados.
- Fique calma, vamos encontrá-la. – Souza tenta
acalmar a adolescente meio gordinha.
- Prometem trazer minha amiga de volta?
Nesse instante o pai de Duda um homem gordo e baixinho
vendo o estado da filha ataca os agentes com palavras.
- O que estão fazendo com minha menina?- abraça a
filha forte.
- Relaxa pai.
- Vocês podem se retirar agora. – o pai olha firme
para os policiais.
9
Souza, Márcia e Alvarenga matam a fome numa rede de
lanchonetes famosa em todo o país. Bruno não consegue esconder sua
tristeza nem mesmo devorando um hambúrguer gigante. Luís como
sempre o enche de perguntas das quais o ex policial tente se desviar.
- Devo confessar que está ficando complicado,
Alvarenga, não encontramos nenhuma pista se quer. – Toma mais do
suco. – tem certeza que isso tudo não passa de uma vingança? –
Souza dá um tempo para que seu ex colega de farda responda.
- Luís, o negócio é o seguinte, todos os marginais
que prendi estão atrás das grades, estou limpo na praça, sacou?
- Sofremos um atentado, sabia? – declara Márcia
comendo batatas.
- Sério, quando?
- Ontem, não sei se tem alguma ligação com o caso. –
Souza olha ao redor.
Três mesas depois ele observa tudo o que acontece.
Limpa as mãos na calça e depois mexe nas unhas. Saca o celular e
faz uma ligação curta.
- Eles estão conversando, podemos agir!
Márcia explica tudo a Alvarenga enquanto Souza verifica
seus e-mails no celular.
- Eu temo muito pela vida de minha sobrinha, mesmo por que
eles ainda não entraram em contato comigo.
- E nem sabemos se é mesmo um sequestro. – Diz Souza.
- Minha sobrinha não fugiria com um namoradinho se é o
que está supondo. – Bruno se mostra irritado.
- Ainda hoje iremos ao colégio, tudo bem? – Márcia
limpa a boca.
- E não se esqueça, se eles entrarem em contato com você
nos avise imediatamente. – Souza se levanta.
***
Souza dá a partida em seu veículo particular e ganha a
estrada principal. Márcia faz o caminho de volta para o
departamento. O trânsito pelo horário até que está tranquilo,
apenas algumas retenções, nada muito demorado. Luís aproveita para
curtir um som empolgante de uma banda de reggae. Fazendo do volante
uma bateria o detetive observa cada movimentação do lado de fora.
Olhando pelo retrovisor ele percebe a aproximação de uma moto.
Souza saca sua pistola. Sentindo que sofrerá um ataque ele sai da
estrada pelo acostamento. O motoqueiro também saca sua arma e
dispara sem se importar com os demais veículos passando. O tiro não
acerta o carro do policial. Souza acelera e o motoqueiro também. A
estrada principal se tornou palco de uma perseguição implacável.
Márcia dirige calmamente quando o rádio chama e a voz
nervosa do chefe ecoa.
- Estou sendo seguido!
- Peço reforços? – agora Márcia está nervosa.
- Não precisa, eu dou meu jeito, vá para a central. –
enquanto Souza fala é possível ouvir disparos.
- Você está sob fogo cerrado?
- Sim, vou desligar.
Souza consegue sair da principal e ganhar um viaduto.
Sua preocupação maior é com os civis. O motoqueiro aponta mais uma
vez e dispara. Seu alvo são os pneus. Em zigue-zague Souza vai se
livrando, mais por pouco tempo. Um dos tiros acerta o pneu direito
traseiro. O carro quase perde o controle. Souza xinga horrores. A
lateral do carro bate com força na mureta que divide o viaduto.
- Droga!
Mais a frente o trânsito não flui. Tudo isso
favorecerá ao atacante que continua vindo em alta velocidade.
- Seja o que Deus quiser! – exclama em alta voz.
Souza nunca se ligou nesse negócio de religião e nem
tão pouco em Deus, mas, de repente, ele se vê pedindo por sua vida.
Ele ainda sonha em voltar para sua ex mulher e seu filho. Souza reduz
a velocidade, abre a porta e se joga. Seu rolamento não saiu
perfeito, mas o suficiente para deixá-lo abrigado atrás de uma van.
Seu cotovelo dói bastante, mas não importa nesse momento de
estressante. O motoqueiro viu a ação do policial e parou. Todo de
preto até mesmo a viseira do capacete, o bandido mais parece um
vilão de filmes de ficção científica.
Sentindo que seu oponente relaxou, o detetive resolve
entrar no jogo se levantando e dando voz de prisão. Assustados as
pessoas se abaixam ou se deitam no asfalto negro com rachaduras.
Alguns carros dão ré quase formando um engavetamento.
- Parado!
Fazendo a volta na contramão o motoqueiro foge. Souza
apenas o vê se distanciando. Guarda a arma na cintura e olha para o
seu Siena todo acabado.
- Mais que inferno!
10
Na central o mau humor de Souza é quase palpável. Ele
anda de um lado para outro tendo Márcia como telespectadora.
- Tem alguma relação, agora tenho certeza.
- Vale lembrar que você tem mais inimigos do que
qualquer Super herói.
- Márcia, ele veio certo de que iria me finalizar, é
um profissional.
- Conseguiu gravar a placa?
- Provavelmente adulterada, covarde. – soca a mesa.
- Devo passar esse caso para outro agente? – Márcia
digita algo no computador.
- Quero uma varredura rigorosa, todos os motoqueiros
devem ser parados.
O tom do chefe foi sério e isso deixa Márcia ainda
mais encantada por ele. Ao ver aquele homem negro dando as
orientações aos agentes que estarão nas ruas a procura do bandido,
a assistente teve vontade de abraçá-lo e protegê-lo de todo o
perigo. De repente Souza se tornou um semideus ou algo parecido. Ela
sabe de seu potencial, sabe que Souza sairá vencedor e isso a deixa
tranquila. Ela sabe que a cidade está em boas mãos.
***
Depois de devorar um sanduíche de presunto e suco de
caixinha, Suelen se sente fortalecida. A garota emagreceu e seus
cabelos estão sujos e despenteados. Ela pensa em seu tio, será
que ele vem me buscar, sente saudade de casa, de seu quarto, de
sua amiga Duda e da curtição com a galera. Suelen aperta o ouvido
contra a porta e tenta escutar a conversa de seus sequestradores, mas
tudo o que consegue ouvir são sussurros indecifráveis. Não obtendo
sucesso ela volta para o colchão fedorento e se deita. Chora, e
chama baixinho por seu tio Bruno.
***
- Agora tenho certeza que esses ataques que sofri tem
a ver com o sumiço de sua sobrinha, Alvarenga.
- Tem certeza?
- Não é possível, dessa última vez quase fui
morto, um motoqueiro veio atrás de mim, com certeza era um
profissional, um assassino contratado. Alguém não quer que eu
encontre Suelen. O estranho é que eles não entram em contato nem
com você.
De repente o rosto de Bruno se empalidece e o ex
policial segura o choro inevitável.
- Será que meu bebê está, está...
- Não, creio que não, Suelen está viva meu amigo.
- Não sei o que será de mim se algo acontecer com
ela cara, não sei, acho que vou pirar. – Souza descansa sua mão
no ombro do amigo.
- Estamos fazendo de tudo para encontrá-la, fique
calmo.
***
Assim como Souza ordenou, uma operação foi organizada
onde todos os usuários de moto eram investigados e parados nas ruas.
Devido a essa operação, muitas prisões foram feitas e suspeitos
detidos. Por enquanto Márcia ainda não obteve nenhum resultado
satisfatório. Ela, em parceria com outros agentes realizam a missão
enquanto o chefe tenta dar luz ao caso da garota desaparecida.
- Sem pistas, sem contato por parte dos bandidos e
agora esses atentados contra a minha pessoa. – Souza mexe nos
papéis.
- Estranho isso não acha? – Márcia cruza as pernas.
- O que?
- O fato dos sequestradores não entrarem em contato
pedindo dinheiro, isso está fora dos padrões.
- Será que essa menina não fugiu com algum
namoradinho?
- Começo a levar essa possibilidade a sério. –
Márcia sorrir.
- Por que o sorriso, será que a destemida Márcia
Bernardo fez algo parecido no passado? – ela se ajeita e começa a
contar a história.
- Meu pai ficava no meu pé o tempo todo, eu gostava de
um menino mais velho. Meu pai me prometeu dar uma surra se me visse
com ele.
- Então você fugiu com ele? – Luís Souza se
inclina na mesa.
- Era a única saída. Passamos um final de semana
inteiro juntos. – Márcia se empolga contando.
- E a volta?- Souza arqueia as sobrancelhas.
- Foi complicada, meu pai acabou me dando a surra como
prometeu e minha mãe queria saber se eu estava grávida.
- Então você acha que Suelen fugiu?
- Não podemos descartar nenhuma possibilidade.
11
O carro está um lixo e mesmo assim Souza circula com o
Siena prata pelas ruas. Ele estaciona o veículo para atender uma
ligação de sua ex esposa. Enquanto fala ao celular ele desce e vai
caminhando até a portaria do prédio onde mora. Falando
moderadamente ele enfia a chave e gira a fechadura. Algo frio encosta
em sua nuca.
- Venha comigo detetive.
Souza para de falar deixando Suzana desesperada na
linha. O policial se volta e contempla um homem de máscara ninja
armado com uma pistola apontando direto para sua cabeça.
- Veio terminar o serviço? – diz Souza.
- Cale a boca, venha comigo.
O mascarado é mais alto, porém mais fraco.
Percebendo que o bandido tirou o dedo do gatilho Luís pensa rápido
e ataca. Com uma mão ele afasta o braço que segura a arma, com a
outra ele acerta um potente soco no rosto do verme, tudo isso em
fração de segundos. Vendo que quebrou o nariz do vagabundo, o
detetive parte para a decisão. O bandido ainda tenta se recompor,
mas com uma chave no braço Souza quebra também o membro superior. O
grito é gutural. A arma vai ao chão. Vendo que o policial está na
vantagem o verme ataca acertando um chute nas partes baixas de Souza.
Num rolamento o detetive lhe aplica uma rasteira jogando o corpo
magro do bandido pelo ar e caindo na calçada de concreto. Souza pula
pra cima e desfere socos potentes.
- Quem te enviou, quem? – mais socos. – fale
desgraçado. – mais socos.
- Socorro, ele vai me matar.
Souza arrebenta com o rosto do bandido. Ele saca a
Taurus 44 e a enterra na têmpora.
- Estou falando sério, quem te mandou? – Souza inicia
a contagem. – um, dois, três, quatro...
- Tudo bem, tudo bem, eu falo. Werneck, foi ele quem me
mandou?
- Werneck? Quem é Werneck?
- Pergunte ao Bruno, ele irá te falar, seu idiota.
- Me respeite seu otário, se levante.
- Saia de cima de mim.
Com mais um soco Souza apaga o homem e em seguida retira
sua máscara revelando um rosto desfigurado.
***
A lata de cerveja é amassada e arremessada na lata de
lixo. Alvarenga se levanta para buscar outra na cozinha quando a
campainha toca freneticamente.
- Já vai, que pressa é essa? – vocifera. Bruno
girando a maçaneta. Souza desfere um soco fazendo Alvarenga cair
sentado. Com chutes o detetive o interroga.
- Quem é Werneck, vamos, fale, quem é?
- Do que está falando Luís, pare você está me
machucando.
Luís o segura pelo colarinho e o levanta.
- Eu já sei de tudo, Bruno, quem é Werneck. –
grita.
- Tudo bem, me solte, por favor.
- Ótimo, vamos conversar.
Desapontado e ainda com o nariz sangrando o ex policial
se acomoda na poltrona e Souza na cadeira. Buscando coragem Alvarenga
começa seu relato diante de um Souza com a face fechada, mais fria
do que gelo.
- Bom, quando eu ainda estava na ativa eu me envolvi
com Werneck, um bandidão da alta sociedade.
A viatura da polícia para na calçada. No volante
Bruno e a seu lado no banco do carona seu parceiro comendo batata
frita.
- Isso ainda vai te matar. – sentencia Alvarenga
acendendo um cigarro.
- Olha só quem fala, e você com esse cigarro
fedorento.
- Onde está esse cara. – Bruno bate no volante.
- Esses ricos são assim mesmo.
De um Tucson marrom metálico desce um sujeito
respirando riqueza. Com dois toques no vidro ele dispensa o veículo
que desaparece na esquina. Werneck com uma jaqueta de couro, camisa
rosa bebê por baixo, calça jeans e lindos e lustrosos sapatos passa
pela viatura e faz um gesto bastante discreto aos ocupantes da
viatura. O primeiro a descer é Marques e em seguida Alvarenga. Mesmo
se certificando que não há câmeras de segurança e tomando os
devidos cuidados para não serem pegos, Werneck os chama para uma
casa de garotas de programa onde na fachada diz lavanderia.
- Vão beber alguma coisa? – pergunta Werneck
fazendo sinal para que Bruno apague o cigarro. – o dono do lugar
odeia cigarro.
- Me desculpe! – apaga na sola do bute. – então
Werneck, podemos ir direto ao assunto?
- Tudo bem, o plano é o seguinte, quero em primeiro
lugar o número da conta de vocês. – Werneck saca o celular sob os
olhares de desconfiança dos policiais. Bruno e Marques lhes passam
todas as informações pessoais. – pronto, transferi para a conta
de cada um cem mil. – Alvarenga engasga e Marques perde o fôlego.
– transferirei a segunda parcela depois do serviço feito.
- O que temos que fazer? – Bruno se inclina se
apoiando na mesa.
- Simples, estão vendo esse lugar? Ele me pertence,
porém a um outro que é meu concorrente direto, quero aquele ponto
também, quero monopolizar aos pontos de prostituição desse bairro.
- Isso não é tão simples. – Marques declara.
- Vocês são policiais, claro que é simples para
vocês, preciso que expulsem os proprietários e deixem as garotas. –
Werneck se levanta. – vocês tem o prazo de uma semana, passar bem.
Voltando para o comando da polícia Bruno e Marques
decidem não cumprir com o acordo.
- Cara, estamos mexendo com tubarões, você tem
noção? – Marques se desespera.
- É verdade, essa bomba vai explodir e o que é
pior, vai explodir junto com a gente, vamos deixar isso pra lá, já
estamos com a nossa grana mesmo.
***
Souza escuta todo o relato de Alvarenga fuzilando ele
com os olhos.
- Desde esse dia Werneck não me deu mais sossego,
me ameaçou várias vezes além de assassinar Marques na frente dos
filhos, Werneck é muito perigoso.
- E com certeza ele tem entrado em contato com você,
por isso a sua tranquilidade quanto a vida de Suelen, não é mesmo?
- Sim, me desculpe cara, eu não sabia o que Werneck
estava tramando, eu sinceramente pensei que ele fosse me matar igual
fez com Marques.
- Quem é Douglas? – Souza cruza os braços.
- Se eu não me engano é um parente de Werneck, só
o vi uma vez, por quê?
- Eu o prendi, foi ele quem confessou tudo. Esse
Douglas começou a se relacionar com sua sobrinha pela rede social,
armou tudo sob as ordens de Werneck, segundo ele Suelen está viva.
Bruno Alvarenga respira aliviado.
- E onde ela está?
- Não sabemos. – Souza se levanta.
- Como não, ele não confessou? – arqueia as
sobrancelhas.
- Sim, porém quando voltamos à cela ele já havia
se suicidado.
Alvarenga leva as mãos no rosto.
- Precisamos agir juntos e rápido, a essa altura
Werneck já sabe de tudo. Suelen corre risco de vida.
12
Suelen é acordada com o bater da porta. Pela primeira
vez em dias de cativeiro a menina vê seu sequestrador sem máscara e
pela primeira vez ela escuta sua voz.
- Levante-se!
- O que fará comigo? – pergunta trêmula.
- Mudança de plano querida. – Werneck a puxa pelo
braço.
O bandido coloca um saco de pano preto na cabeça da
garota, a maniatou com as mãos para trás e a jogou na mala de um
carro e disparou por uma estrada de chão.
***
Márcia, obedecendo as ordens de seu superior, reuniu
toda equipe na casa de Alvarenga. Segundo Souza é bem possível que
Werneck venha entrar em contato com Bruno. Os agentes organizaram os
equipamentos de escutas e localizadores. No canto da casa Luís e
Bruno conversam.
- Bom. – diz Souza. – você conhece os
procedimentos não é? Precisamos mantê-lo o maior tempo possível
na linha para que o aparelho o localize.
- Cara, estou com muito medo, Werneck é perigoso
demais, ele é capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer.
- E o que ele quer?
Bruno se afasta e se acomoda na mesa da cozinha.
- Vingança.
O celular de Bruno vibra no bolso e num salto ele se
levanta. Souza pega o aparelho e o conecta no equipamento. Depois
disso o chefe pede silêncio a todos. Bruno atende e a voz firme de
Werneck é ouvida por todos.
- Como vão todos, como vai detetive Souza, foi por
pouco aquele nosso encontro no viaduto não acha? – Luís
engole seco se lembrando do acontecido. – Alvarenga, sua
sobrinha é um doce de menina foi uma pena matá-la. –
Alvarenga coloca a mão no peito e é amparado por Márcia.
- Seu desgraçado, o negócio foi comigo, minha
sobrinha não tinha nada a ver com isso. – A voz de Bruno sai
trêmula, chorosa.
- Você não presta Alvarenga, você não tem
palavra, não cumpriu o nosso acordo e como um garoto mimado correu
para a barra da saia da polícia chamando esse detetive idiota.
Souza fecha a cara.
- Quero minha sobrinha! – balbucia Bruno Alvarenga.
- Como falei, sua sobrinha já era, eu a matei, a
fiz em pedacinhos.
Houve um momento de silêncio. Pela primeira vez Souza
ficou em dívida. Será que é mesmo verdade, ou ele está blefando.
Sem pensar muito o detetive negro assumiu de vez a situação.
- Aqui quem fala é Luís Souza, eu estou no comando
aqui, quero ouvir Suelen e quero agora.
- Ora, ora, ora, se não é o melhor policial da
cidade Luís Souza é um prazer falar com você, mesmo por telefone.
- Chega desse lero-lero, Werneck, quais são suas
exigências?
- Hum, falou igual a um xerife. – fez uma
curta pausa. – quero três milhões.
Seguiu-se mais silêncio.
- Fechado! – afirma Souza olhando para Alvarenga que
não pisca. – onde e quando o nosso encontro?
- Quero que esse traste do Bruno venha com o dinheiro
ao campo de futebol desativado amanhã às vinte horas em ponto,
coloque todo o dinheiro num só saco e depois o coloque na cadeira
número trinta que fica atrás do gol.
- E onde Suelen estará? – pergunta calmamente Souza.
- Você é mesmo esperto, Luís, a menina estará no
vestiário masculino. – desliga.
Souza olha para Bruno.
- Você sabe onde fica esse campo de futebol desativado?
- Sei. – Anda na direção de Souza com a expressão
fechada. – onde vou arrumar três milhões até amanhã?
- Não sei, o negócio é mantermos Suelen viva. –
Luís vai até o agente que controla o equipamento de rastreamento. –
então, conseguiu localizar?
- Sim, segundo os dados ele estava falando de um
telefone publico fora da cidade.
- Me passe o endereço certo.
***
Alguns minutinhos diante do notebook e Márcia tem a
ficha completa de Werneck.
- Prontinho, Wilson Werneck, tem uma ficha longa na
polícia, contravenção, associação ao tráfico de mulheres, só
coisa pesada.
- Além de ser dono de bordel. – completa Alvarenga.
- Vamos até lá. – Souza toca no ombro de Márcia.
Realmente o lugar é um bordel escondido nos fundos de um
bar. Souza entrou se fazendo de cliente. Despojado de seu traje
habitual, camisa polo cinza, e calça social preta, agora o detetive
usa bermuda e regata preta e boné. Disfarçando ele pede uma
cerveja. O balconista lhe entrega a lata.
- Meu jovem, hoje eu quero me divertir, como faço para
ter uma novinha?
- Deixe o dinheiro aqui mesmo no balcão e segue como se
você fosse ao banheiro, lá tem uma porta de madeira, é só
abri-la.
- E o meu irmão Werneck, se encontra?
- Não, faz dias que ele não dá as caras aqui.
- E quanto é o programa?
- Depende, se for por uma hora é cem, duas duzentos e
assim por diante.
Souza enfia a mão no bolso.
- Xi, acho que só tenho o da cerveja, essa diversão
terá que ficar pra depois.
- Sem problemas. – se afasta para atender a outros
clientes.
Souza sai do estabelecimento e ainda na calçada faz
contato com outros agentes pelo celular.
- É aqui mesmo o lugar, quero todos os olhos aqui.
***
Amarrada com as mãos para trás Suelen circula pelo
apertado cômodo. Ela não tem noção alguma de onde está. Seu
estômago ronca. Sua última refeição decente foi a sei lá quantos
dias passados. Werneck abre a porta trazendo na bandeja um hambúrguer
e uma lata de refrigerante.
- Coma.
- Como vou comer com minhas mãos amarradas seu idiota.
Vermelho de raiva o bandido se aproxima da menina. Saca
seu canivete. Suelen arregala os olhos. Werneck pede para que ela se
vire de costas, ela hesita e com truculência ele mesmo a faz virar.
Em seguida corta o lacre.
- Coma!
- Vai me dopar?
- Não, quero você lúcida dessa vez.
O estômago fala mais alto. Suelen devora o sanduíche sob
os olhares de Werneck. Herdeiro de uma pequena fortuna, Wilson
Werneck tinha tudo para seguir o caminho do bem. As péssimas
companhias o fizeram se enveredar para o crime. Usando do dinheiro
que possuía, Wilson se associou ao tráfico de mulheres. Suas
viagens ao interior lhe renderam bastante dinheiro. Se fazendo de
caçador de talentos ele enganava as pobres moças interioranas as
fazendo acreditar que seriam atrizes ou modelos na cidade grande. Com
essas moças ele fundou o bordel. Mais tarde ele se tornou
contraventor e dos grandes, enriqueceu ainda mais. Agora ele já faz
planos para os três milhões que Suelen renderá a ele. Werneck
jamais imaginou que aquela menina que ele viu crescer praticamente
iria deixá-lo um pouco mais rico.
13
O sonho de Suelen é interrompido pelo som da voz de um
sujeito, negro, alto que traz na mão uma arma.
- Vamos dar um passeio, novinha.
A menina tenta se livrar as mãos do homem, mas não
consegue. Com um forte tapa ela cai escondendo o rosto.
- Sem teimosia.
No carro fumando seu charuto Werneck aguarda a chegada
de Suelen, sua galinha dos ovos de ouro. Praticamente puxando a
garota pelos cabelos o bandido traz sua vítima.
- O que houve no rosto dela, Bil?
- Tive que dar uns tapas nessa novinha chefe.
Werneck sai do carro. Anda até Bil e com as costas da
mão ele acerta um violento golpe no rosto de seu comparsa.
- Qual foi chefe? – alisa a bochecha.
- Eu falei sem agressões sua mula, agora entre com ela,
já estamos atrasados.
***
O carro de Bruno para diante do portão do campo de
futebol. Ele desce puxando um saco de lixo preto e o joga nas costas.
Olha ao redor e nada vê de estranho até mesmo o silêncio o
incomoda. O campo é cercado por alambrados enferrujados. As únicas
arquibancadas estão no puro concreto precisando de uma pintura
urgente. O gramado está alto e as balizas com a pintura descascando.
Ao passar pelos portões ele confere as luzes e também o relógio.
- Oito horas, cadê esse cara. – ele avista a cadeira
número trinta onde ficavam os narradores de meia tigela. Ele mesmo
já havia assistido as partidas ali e lembra com saudade quando
Suelen gritava gol jogando refrigerante para alto. Quantas vezes o
tio teve que contê-la para não tomar um banho.
- Suelen, por favor!
Andando com pressa ele atravessa o campo. Olha para trás
e nada vê. O saco é deixado na cadeira com o trinta com parte do
número sumindo. A voz de Werneck ecoa.
- Bom trabalho Bruno, agora desça e venha até aqui.
O coração do ex policial palpita. Ele desce e vai até
o meio do campo onde o outro está com um celular na mão.
- Veio sozinho não é?
- Como está vendo, sozinho. – gesticula.
- Pensa que me engana, a vida de sua sobrinha depende
disso. – mostra o celular. – com um toque o meu servo meterá uma
bala na cabeça dela.
- Eu estou sozinho. – fala desesperado.
- Quanto você trouxe dentro do saco?
- Os três milhões que pediu.
Werneck olha para Alvarenga de cima a baixo e saca sua
arma.
***
Bil observa Suelen e a deseja. Com gestos obscenos ele
provoca a garota que sente um profundo nojo. Bil se aproxima ainda
com a mão em suas partes íntimas.
- Certamente você vai morrer, mas antes o Bil aqui vai
provar de seu docinho neném.
- Não se aproxime de mim seu nojento.
Ele toca nos seios de Suelen e revira os olhos. A garota
grita e ele enterra a pistola na testa dela.
- Silêncio!
Amarrada Suelen está vulnerável. Aos poucos Bil vai
abrindo o zíper da calça.
- Antes você vai provar o doce do Bil, engula tudo e se
morder eu te mato.
***
Com o cano da arma Werneck acerta o rosto de Alvarenga.
Caído ele ainda recebe chutes.
- Vou matar sua sobrinha e em seguida você. – ele
olha pra cima e vocifera. – estão ouvindo seus canalhas.
- Por Deus, eu estou sozinho, pegue seu dinheiro e suma.
O bandido aponta sua arma para Alvarenga que inutilmente
tenta se proteger com o braço.
- Vou lhe dar uma surra.
Chutes, socos e coronhadas. Alvarenga já está ferido e
sangrando. Suas forças estão se esgotando quando Werneck ordena.
- Vamos, você mesmo vai abrir aquele saco e me provar.
Engolindo seco Bruno se levanta. Caminha com
dificuldade. Acha que teve uma costela fraturada. Mal consegue
respirar. Ao chegarem na cadeira trinta Werneck olha para Bruno e
rir.
- Fim da linha amigão, agora abra o saco.
Tremendo Alvarenga vai abrindo o saco irritando ao
bandido que grita fazendo sua voz ecoar nas paredes. O saco é
aberto. Werneck olha e o que vê são jornais cortados como se fossem
notas.
- Desgraçado. – saca o celular. Bruno chora. –
Bil, passa fogo nessa vaquinha.
- Werneck! – a voz de Souza chega aos ouvidos de
ambos. Quando se vira para olhar na direção do detetive, Bruno
aproveita e o chuta fazendo o sequestrador rolar arquibancada a
baixo. Imediatamente Souza sai de seu esconderijo com sua Taurus 44
apontada. Bruno pisa na mão de Werneck que solta a arma. Um soco o
deixa sem ação. Souza em fim chega dando voz de prisão ao
vagabundo.
- Você está preso por sequestro Werneck.
- Droga, tudo bem, tudo bem, saia de cima de mim. –
grita.
Bruno se afasta dando lugar a Souza que já o algema
com brutalidade. Preocupado, Alvarenga olha ao redor e vê Suelen
sendo conduzida por Márcia que faz sinal de tudo certo para ele. Se
esquecendo das dores que sente o ex policial corre subindo as
arquibancadas. Suelen mesmo fragilizada corre ao encontro do tio. O
abraço é forte, apertado, molhado pelas lágrimas de ambos.
- Minha menina, senti tanto medo de te perder. –
Alvarenga declara atropelando as palavras.
- Eu também, tio, eu também.
Algumas viaturas entram no campo. De cabeça baixa
Werneck é levado até uma delas. Márcia se junta a Souza.
- Tudo bem? – indaga Souza.
- Mais ou menos, um capanga tentou molestá-la, mas um
de nossos agentes chegou a tempo e felizmente tudo acabou bem.
- Foi uma boa ideia deixar nossos homens de plantão
aqui doze horas antes desse encontro, deu tempo de planejarmos tudo,
agradece a eles por mim.
- Aonde você vai?
- Vou ter um particular com Alvarenga. – Souza se
afasta.
14
Lado a lado contemplando a dimensão do lugar Souza e
Bruno conversam sentados na arquibancada como se tivessem assistindo
a uma partida de futebol. Do outro lado o corpo de Bil é levado num
saco mortuário.
- Luís. – começa Bruno. – sempre te invejei por
ser o que você é, cara. Determinado, tem honra, tem nome, diferente
de mim que sou mais sujo que pau de galinheiro, veja aonde cheguei
com tudo isso, minha sobrinha quase foi morta e por minha culpa, o
que devo fazer Luís?
- Todos nós merecemos uma segunda chance e temos que
aproveitá-la da melhor maneira possível. Quero que você se redima
de tudo que fez, comece do zero, ainda dá tempo para isso.
- Você acha? – pergunta olhando nos olhos de Souza.
- Acho. – Luís se levanta. – acerte suas contas, dê
exemplo para Suelen, ela só tem você. – bate no ombro do ex
policial. – fique em paz amigo. – desce as arquibancadas.
***
Repassando todo o processo mentalmente Souza está quase
que deitado em sua cadeira em sua sala. O departamento não está tão
movimentado como de costume. Pela primeira vez ele sente uma enorme
responsabilidade em saber o que a cidade inteira pensa a seu
respeito. Ele tem o respeito do governador, do secretário e tem a
confiança da população em geral. Como lidar com tudo isso? A
resposta é muito simples; continuarei sendo o que sou, honesto,
esforçado, do bem, serei sempre o Souza, podem depositar sua
confiança em mim que eu garanto.
Na rodoviária antes de embarcar Bruno agradece a Souza e
também a Márcia por tudo que fizeram com lágrimas nos olhos.
Suelen dá um forte abraço no detetive.
- Valeu tio. – se volta para Márcia e a abraça. –
valeu tia.
- Vá com Deus querida.
O aperto de mão entre os amigos é forte repleto de
sentimentos.
- Começar do zero, esse é a ordem do dia. – diz
Alvarenga.
- Isso mesmo.
- Lembra daquela casinha que eu comprei quando ainda
estava na ativa?
- Sim!
- Vou recomeçar a vida nela, vou matricular Suelen na
melhor escola e já tenho um negócio em mente.
- Já sei. – Souza estala os dedos. – pesca, não é
mesmo?
- Adivinhou
- Boa sorte!
O ônibus dá a partida. Souza e Márcia deixam à
rodoviária quando o rádio na cintura da assistente chama.
- Márcia na escuta!
- Sequestro relâmpago, a vítima foi deixada na porta
de uma agência bancária no centro.
Souza olha para Márcia que pisca para ele.
- A caminho!
Fim