Maiara
passou quase que o dia inteiro entre trocas de roupas e poses provocantes.
Fotos e postagens em sua página no Instagram. Em uma delas a filha do delegado
se encontra em trajes de praia dentro do box no banheiro. Essa sim chamou a
atenção não só de quem ela queria, como de outros tarados virtuais. Após alguns
minutos de postagem, Rogério deixou um comentário um tanto quanto sem noção.
“será que não se enxerga? Seu lugar é no mar". O primeiro sentimento que
lhe abateu foi o de correr para o quarto e chorar até secarem às lágrimas,
porém o segundo a fez rir. Lógico que o idiota ficou mexido ao ver a imagem
dela de biquini. Isso só levou a confirmação de que ele anda fuçando em seu
perfil. Karina entrou no quarto com uma das mãos na boca e a outra segurando o
telefone.
- Que fotos
são essas, garota?
- E ai,
gostou? – fez uma dancinha.
- Eu
gostei, mas, será que o pai e a mãe vão gostar?
- Vamos lá.
O papai no momento se encontra ocupado correndo atrás de bandidos e a mamãe só
tem olhos para ele, então...
Karina
tinha que admitir, sua irmã mais nova estava coberta de razão.
- Verdade!
– torceu os lábios. – mas e ai, o que achou do comentário do boçal do Rogério?
- Caguei e
andei. – deu às costas. – vamos, me ajude a escolher outra roupa.
*
Damião
Ramos aguardou que seu último homem entrasse na sala de reunião para dar início
a preleção. A apreensão dos quinze oficiais ali dentro era algo mais que
detectável, era quase palpável. Toda essa tensão tinha um motivo, aliás, um
baita motivo. O roubo de um carro-forte pelo grupo de Orlando Urso. É!
Realmente o tempo iria fechar dentro daquele metro quadrado.
- Vamos
fazer silêncio, senhores.
Paulo Alves
se ajeitou na cadeira.
- Eu tive
uma longa conversa com o governador pelo telefone e ele me deu carta branca
para agir e acabar de vez com essa guerra. Então já quero deixar bem claro uma
coisa: eu irei liderar a operação. Tanto Orlando Urso como Dinho McLaren
são meus e cabe a cada um dos senhores trazê-los a mim. Copiaram?
Sim,
senhor, disseram todos ao mesmo tempo.
- Ótimo!
Decidi batizar essa operação de “Rolo compressor” será desse jeito que iremos
combater o crime organizado. Como um rolo compressor. Quero que anotem o que
irei falar a partir de agora.
*
Toda a
imprensa de Luzia, tanto a escrita como os telejornais não deixam de falar hora
alguma sobre o roubo do carro-forte e da operação Rolo compressor de Damião Ramos.
Claro que, ao saber que a polícia enfim combaterá os criminosos na mesma
proporção com que eles atacam a sociedade, os habitantes de Luzia respiram um
pouco mais aliviados. E não foi preciso agendar um prazo para o início da
operação. Assim que a reunião com os oficiais terminou, Damião Ramos fez
questão da parceria com Paulo Alves e já ganhou as ruas de Luzia em busca dos
figurões do crime. Dentro da viatura, com a adrenalina circulando a mil nas
veias, o chefe de polícia orienta o grupo quanto ao destino da busca.
- Atenção senhores,
o nosso destino é a caverna do urso, então preparem para uma possível
resistência. – disse via rádio.
- Copiado
zero um.
A caverna
do urso. Paulo Alves soube na mesma hora do que seu superior se referia. Damião
vai invadir um dos bairros dominados por Orlando Urso. Um estado paralelo onde
só é possível agir com auxílio do exército. Alves já esteve naquele lugar e
sabe muito bem o que os aguarda lá.
- Chefe! O
senhor tem certeza?
- Essa
cidade é minha, agente Alves. Hoje eu acordei com disposição e se eu falei que
vou lá e vou quebrar o cara, tenha certeza disso. Eu vou quebrar.
Pressão do
estado. Pressão da sociedade. Chefe motivado. No que poderia dar essa mistura?
Duas coisas: daria muito certo, ou daria muito errado. Claro que Damião Ramos
tinha um plano, isso sem sombra de dúvidas, pensou Paulo ainda processando o
que seu delegado havia acabado de declarar. Quebrar o cara. Se fosse tão
simples entrar lá e eliminar o maior chefão do crime não era preciso a
mobilização de tantos homens assim, qualquer guarda de trânsito já o teria
feito. Quebrar o cara deve ter outro significado.
*
Mãos para
trás. Passos precisos. Olhos tensos, fitos nele, no patrão. Raras foram as visitas
de Urso aquele lugar. Segundo ele mesmo, a permanência prolongada ali é
insalubre. Poeira, cheiro forte de desinfetante e pouca ventilação. Somente um
idiota seria capaz de ficar ali por mais de uma hora. Foi por essas e outras
terríveis condições que o lugar teve aprovação para ser o esconderijo. Onde todo
o material roubado deveria ser armazenado e é claro que não seria diferente com
a carga roubada do carro-forte.
- Está tudo
ai, chefe. – afirmou um dos soldados.
- Dois
milhões? – seguia olhando para a carga com as mãos para trás.
Fabiana
também estava ali, porém se mantinha quieta.
- Dois
milhões, chefe. – reafirmou Guará.
- Tudo bem.
Compramos outra briga. A polícia virá com força total. Já ouviram falar da
“Rolo compressor” de Damião Ramos e companhia?
Guará disse
que não com a cabeça.
- Pois é!
Então tratem de ficar mais espertos a partir de agora. Saindo daqui irei entrar
em contato com meus fornecedores e pegar novas armas.
- Hum! Então
os dias de Dinho McLaren estão contados?
Fabiana juntou-se
ao marido segurando em seu braço.
-
Exatamente! Tá na hora de alguém dar uma lição nesse garoto. Não é amor?
Ela apenas
assentiu com um gesto de cabeça.
*
Dois
milhões. Dinheiro não trás felicidade, porém manda buscá-la. O que dois milhões
é capaz de comprar? De repente, para alguém mais humilde, toda essa grana mudaria
considerável o curso de sua existência. Para alguém com boas intenções,
inúmeras vidas seriam beneficiadas. Mas agora, para uma pessoa como Expedito
Passos, chefe de uma das mais perigosas gangues que Luzia já produziu, dois
milhões tem o mesmo efeito que uma bomba atômica. Dinho McLaren munido de sua
imaturidade e com dinheiro no bolso. Uma combinação nada favorável. Ele quer a
qualquer custo essa soma em dinheiro e para que isso aconteça não é preciso trabalhar
muito.
- Fique a
vontade. Assim que tiver a oportunidade não pense duas vezes. Traga essa grana
pra mim.
- Me
diga uma coisa, Dinho. O nosso trato ainda está de pé?
-
Quinhentos mil reais. – colocou os pés em cima da mesa. – vai mesmo sumir do
mapa?
- Não
posso dar mole. Luzia é pequena demais. Urso me encontraria em dois tempos.
- Certo! Assim
que você me trouxer a carga eu lhe passo sua parte.
Dois
milhões de reais. Grana pra cacete. E o que é melhor; sem esforço algum
praticamente. Dinho encerrou a ligação com um sorriso de orelha a orelha já
fazendo planos e o principal deles, e não poderia ser diferente, a destruição
de seu rival.
*
A Rolo
compressor invadiu o bairro proibido e como não poderia ser diferente a
recepção foi recheada com rajadas de disparos vindos de todos os cantos. Damião
e seu grupo se dividiram. Paulo Alves ficou com a parte alta e ele com a parte
baixa. Imediatamente os prédios, casas, bares, tudo foi tomado, os agentes não
estavam ali para conversar e nem tão pouco para negociar. A ordem foi dada e
foi uma só: pegar Orlando Urso.
- Vamos!
Todos com as mãos na cabeça. – gritou Damião no interior de um bar. – revistam
todos.
O dono do estabelecimento
tentou sair em defesa de seus clientes.
- Calma,
meu chefe, aqui não tem bandido não.
- Eu não
pedi sua opinião. Sai de trás do balcão. – apontou sua arma.
Os
suspeitos foram alinhados de frente para parede com as mãos atrás das cabeças.
Damião pôs a pistola de volta ao coldre.
- Qual dos
senhores já trabalhou ou trabalha para Orlando Urso?
Silêncio.
- Vou
perguntar outra vez. Qual dos senhores já trabalhou ou trabalha para Orlando
Urso?
Damião
Ramos estava pronto para mudar de tática quando Paulo Alves o chamou via rádio
com ótimas notícias.
- Pegamos
um suspeito em um dos prédios.
- Tudo bem.
Só me fala sua localização.
O endereço
foi passado. Ramos era um barril de pólvora de pavio curto.
- Atenção
sargento. Assuma a ocorrência. Ninguém sai daqui enquanto não abrirem o bico.
Certo tempo
depois o chefe de polícia de Luzia estava diante de um dos atiradores de Urso
algemado com às mãos para trás. Paulo Alves tentava arrancar dele maiores
informações sobre o líder, mas sabe como são os meliantes né.
- Nada a
declarar. – falou com a cabeça baixa.
- Jogador.
– recomeçou Alves. – sua casa caiu. Seu chefe não está aqui para te livrar,
então...
- Só falo
na presença do meu advogado.
Damião
descruzou os braços. Sacou sua arma do coldre. Segurou firme o vagabundo pelos
cabelos e enterrou a quarenta cinco em sua boca.
- Vou te
mostrar seu advogado, já já.
*
Ah, a exuberância
da juventude. Segundo alguns pensadores: “a juventude é desperdiçada no jovem”.
Maiara sempre sofreu por ser negra. Por ser filha do delegado. Por ser gordinha
e também por escolher mal seus pretendentes. Diferente de sua irmã que nunca teve
empecilho algum dessa natureza e olha que ambas são bem parecidas. Maiara jurou
por Deus e o mundo que jamais daria outra chance ao idiota do Rogério. Prometeu
a irmã e aos pais que nunca mais olharia na cara desse sujeito e no entanto...
- Pensei
em você a noite toda. – falou ao celular. – depois que vi sua foto no
Instagram e...
- Antes ou
depois de comentar que sou uma baleia?
- Peço
desculpas! Sou mesmo um escroto, não deveria ter escrito aquilo.
- Foi um
escroto mesmo. – declarou sorrindo.
- Vou
entender se não quiser mais falar comigo. Melhor eu desligar...
O sorriso
foi desfeito. A estratégia de ignora-lo funcionou, mas não era esse o resultado
esperado por ela.
- Ainda
acha que o meu lugar é no mar?
Rogério
ficou em silêncio.
- Quem cala
consente. – cruzou as pernas.
- Não!
Lógico que não. Seu lugar é comigo.
*
Não há como
dizer que o amor é um sentimento. O relacionamento entre Fabiana e Orlando
deixa claro que, o amor é sim atitude. Ela poderia muito bem dizer não para ele
assim que o mesmo revelou quem ele era. Fabiana nasceu numa família religiosa,
tudo deixava claro que ela seguiria o caminho eclesiástico assim como aconteceu
com suas tias e irmã. Seu pai era um sacerdote rigoroso e zeloso pelos assuntos
do divino. Ao saber que sua filha havia se envolvido com um criminoso, ele
mesmo fez questão de excomungá-la.
Fabiana e
Orlando Urso se amam de verdade e por isso eles cada vez que se trancam no
quarto e fazem amor, o mundo parece girar mais devagar – pelo menos para eles.
Toda essa empolgação tem motivo. O casal comemora o sucesso do roubo, mas isso está
perto de acabar. Um dos soldados esmurrou a porta do quarto do chefe bastante apreensivo.
- Um
minuto. – deixou a cama segurando o lençol. – só espero que seja importante. –
abriu a porta. – o que está havendo?
- Senhor,
deu merda, o senhor precisa vir agora. – o homem transpirava em demasia.
- Diz logo
o que aconteceu. – vociferou.
- Damião
Ramos entrou na comunidade e levou alguns dos nossos...
O murro
dado na porta foi tão forte que Fabiana deu um salto sentada na cama.
- Eu deixei
bem claro que, só deveriam me incomodar se fosse algo importante. Damião Ramos
uma ova...
O homem
engoliu seco várias vezes.
- Não é só
isso, senhor. Toda grana foi roubada. Os dois milhões. Dinho McLaren levou o
dinheiro.