Para
Marcos Fontes, o quarto homem mais rico da cidade, ganhar dinheiro é
quase uma coisa comum em
seu dia dia. As indústrias Fontes chegam a produzir bilhões em um
mês graças ao seu poder de negócio herdado de seu falecido pai
Hermes Fontes. Hoje, as indústrias de Marcos Fontes é algo
fundamental para a economia da cidade. A Fontes gera milhares de
empregos, ela é realmente
um dos pilares do país.
Marcos
acaba de fechar mais um contrato com o exterior, com o Japão para se
mais exato. A reunião durou duas horas e o fluxo das negociações
não poderia ser mais tranquilo. Para fechar com chave de ouro,
Marcos ofereceu um coquetel para os convidados e jornalistas que
desde cedo estão na cobertura dos fatos. Sempre muito educado e
prestativo, o dono da Fontes conversou com a imprensa respondendo uma
a uma as perguntas.
-
Senhor Marcos, a quem o senhor dedica mais essa vitória? - pergunta
uma jornalista do maior jornal do estado.
-
Como todos sabem sou um pai dedicado e presente na vida de minha
família, dedico essa vitória a meu filho João que deve estar me
assistindo. Beijo do pai, João.
Bem
vestido, simpático e carismático, esse é Marcos Fontes que já
passa de seus 45 anos bem vividos.
Ele
não é ninguém. Nunca foi e nunca será alguém. Vive um dia após
outro sobrevivendo de migalhas. Sinceramente ele já está de saco
cheio dessa vida. Ele não tem nome, prefere ser chamado de sombra.
Mora num barraco feito de madeira e barro. Sua única companhia é de
seu amigo Eloy. Sombra desliga a TV mal sintonizada depois que Marcos
Fontes termina de dar entrevista. Dá um grito em Eloy que demora com
a sopa.
-
Se eu soubesse que demoraria eu mesmo faria.
-
Desculpe-me, está aqui. - deixa o prato sobre a mesa. - o que estava
vendo?
-
A sorte dos outros. - se levanta preguiçosamente. - essa sopa está
boa? Por que a de ontem estava uma merda.
-
E por que você não levantou a bunda magra do sofá e fez? - Eloy se
joga no sofá.
-
Você anda muito respondão ultimamente.
-
Você anda mandando muito
pro meu gosto.
Ele
se olham por alguns segundos e depois caem na gargalhada.
-
Vamos comer, é o que nos resta. - diz Sombra.
2
Marcos
chegou em casa cedo. Queria comemorar junto com a família mais uma
conquista. Lúcia, sua bela mulher com quem é casado há 15 anos o
recebe na sala com um abraço e beijos calorosos.
- Parabéns!
- Obrigado querida, onde
está o João?
- No quarto, jogando
como sempre.
O
menino loiro de olhos verdes puxou tudo da mãe. Quem o olha não vê
nada de Marcos nele. O empresário sempre brinca que João o puxou na
inteligência, pelo menos nisso. O garoto de dez anos joga com os
olhos fixos na tela da TV e não percebe a chegada do pai.
- E ai filhão,
quantos inimigos já derrotou?
Ao ouvir a voz do
pai, João deixa de lado o controle e se joga nos braços de Marcos
que perde o equilíbrio e ambos caem na cama.
- Opa, assim você mata
o pai.
- Paizinho, o que
trouxe pra mim?
- Doces e novos jogos.
- o menino vibra. - mais antes quero ver o caderno da escola.
- Tudo bem, vou
pegá-los.
A noite foi
maravilhosa. Mesmo de terno e gravata Marcos sentou-se no chão e
experimentou os novos jogos até o menino pegar no sono. Mesmo com
dificuldade o empresário conseguiu carregá-lo até a cama. Desligou
a luz e fechou devagar a porta.
- Boa noite filho!
No quarto do casal
Fontes Lúcia o aguarda para uma noite de amor com direito a
champanhe.
- Achei que não fosse
subir.- reclama a mulher.
- Pois é, ele custou a
dormir. - retira o paletó.
- Quer champanhe?
- Você espera eu tomar
um banho?
- Claro que não. -
Lúcia o segura pela gravata. - prefiro o natural mesmo.
3
A
vida de um miserável não é nada fácil. Ainda mais quando esse
miserável não sabe direito o seu nome. Sombra e Eloy buscam
incansávelmente o que comer nessa manhã ensolarada. O lixão da
cidade é um banquete a céu aberto. Quem chega cedo pega as melhores
migalhas, os melhores restos. As cinco Sombra já se encontra com sua
sacola nas costas buscando no meio das garrafas pets e sacos
plásticos algo comestível. Seu amigo de longa jornada se aproxima
dele com um pedaço de inhame.
- Isso aqui dará uma boa
sopa, não acha?
- Larga
mão disso sujeito, tente arrumar um pedaço de carne.
- Teremos que disputar a
tapa com os urubus.
De repente Sombra teve um
momento de nostalgia. Antes de sua vida virar de ponta cabeça ele
tinha uma vida digna, uma vida em família. Sua mãe trabalhava
passando roupa para as vizinhas e com isso conseguia as duras penas
sustentar seu irmão e ele. Por ser o caçula da família, Sombra
sempre foi privado de certos assuntos principalmente da morte
prematura de seu irmão pelo tráfico. Segundo dizem, Romão era
viciado e foi morto numa
emboscada. Levou vinte tiros e enterrado como indigente.
- Sabe
de uma coisa Eloy. - começa Sombra. - estou cansado dessa vida
doida. Precisamos mudar.
- Também acho.
- Ninguém vai querer
compartilhar sua felicidade com dois sujos mortos de fome, não é
mesmo?
- É verdade, o mundo anda
muito individual. - Eloy se abaixa para pegar metade de uma maçã.
- Pensando nisso, que tal
pegarmos na força bruta.
- Como assim?
-
Quando chegarmos em casa te explico melhor.
De
cara Eloy parece não concordar com o plano de Sombra. Enquanto seu
amigo expõe sua ideia, o cozinheiro oficial do barraco de madeira e
barro se limita em cozinhar.
- Mas Sombra, sequestro é
um crime grave.
- Sei disso, mas pense na
grana fácil que iremos conseguir.
- Tudo bem, mas,
quem você está pensando em segurar, o Papa, a presidente, quem?
Sombra se levanta num
salto da velha poltrona. Esfrega as palmas das mãos e olha o que tem
na panela.
- Lembra daquele magnata que
vimos outro dia na TV?
- Marcos Fontes?
- Esse mesmo. Ele tem um
filho não é?
- Acho que sim. - Eloy mexe
a panela mais amassada do que a cara dele.
- Que tal trazer esse garoto
para passar alguns dias aqui?
O dia é perfeito. Sol
queimando as costas, o vento acalentando e muita diversão. A família
Fontes aproveita o dia belíssimo para brincar num parque de
diversões construído na zona nobre da cidade. João Fontes abre os
braços quando a montanha Russa passa em alta velocidade por sua mãe
que entra em desespero.
- João, se segure meu
filho. - grita.
Marcos Fontes oscila em
dar atenção a família e em atender a telefonemas. Para que a
imprensa o deixasse em paz o empresário não avisou sequer a seus
funcionários que iria passar o dia fora. Lúcia percebe que seu
marido se afastou e resmunga – outra vez no celular.
O passeio na
montanha Russa termina. O filho único do casal Fontes deixa o
brinquedo de olho no carrinho de bate bate. Sua mãe aproveita para
repreendê-lo quanto a desobediência. O garoto dá a mínima saindo
correndo para a fila do brinquedo. Circulando por ali um sujeito
modestamente vestido e usando óculos escuros observa a família
milionária. Como uma Sombra ele não é percebido. No bolso um
celular velho. Do lado de fora do parque seu parceiro Eloy aguarda .
O tempo do carrinho bate bate acaba. O sujeito se aproxima lentamente
da saída abordando João Fontes.
- Fala meu amiguinho,
será que você poderia me ajudar?
- Se não for demorar!
- Eu não saco nada de
tecnologia. - Sombra pega o celular velho no bolso da calça. - será
que você poderia me ensinar?
- Tio, esse seu telefone
é antigo. Deixa comigo, resolvo isso num instante.
- Veja bem, eu tenho um
amigo na mesma situação, você poderia me acompanhar até o portão?
- Lógico!
Lúcia volta da
barraca de cachorro quente procurando seu filho. Olha para Marcos
ainda no celular.
- Marcos, você viu o
João?
- Ele não estava no
carrinho bate bate?
- Sim, o tempo já
acabou.
- Ele deve estar na casa
mal assombrada.
Marcos estava errado.
João não estava em lugar algum no gigantesco parque. Depois de
meia hora de procura a família começa a entrar em desespero. Lúcia
culpa o marido pelo sumiço do menino. O empresário tenta se manter
calmo para resolver a situação. Bastante transtornado Marcos vai
até a administração do parque exigir que o fechem. Nada resolvido.
O máximo que conseguiu foi acionar a segurança do local. Foram
feitas buscas em todos os brinquedos e nada do garoto loiro e
simpático. Marcos e Lúcia Fontes perdem totalmente o controle da
situação.
- Precisamos chamar a
policia, Marcos, nosso filho foi sequestrado. - vocifera Lúcia
abraçada ao marido.
4
Sombra está nervoso.
Fuma um cigarro atrás do outro enquanto Eloy cuida de João deitado
na cama de solteiro. O garoto foi amarrado, amordaçado e mantido com
um saco de pano preto na cabeça. Tudo pronto. Demorou mais do que o
esperado, mas em fim tudo concluído.
- Tudo pronto, qual o
próximo passo?
- Temos que deixar que o
sumiço desse pirralho se torne publico. Depois iremos fazer contato
com a família pedindo o resgate.
- Certo, e a polícia?
- O que tem a polícia?
Eloy aponta para João
que se mexe bastante na cama.
- Sombra, se liga,
sequestramos o filho do cara mais rico da cidade.
- Sim, sei disso, relaxa, o
Sombra pensou em tudo. - acende mais um cigarro.
- Assim espero, não quero
mofar na cadeia, eu amo a liberdade.
A mansão dos Fontes se
tornou uma grande nuvem negra de sofrimento agonizante. O casal não
sabe mais o que fazer. Por enquanto nem a polícia e nem a imprensa
foram avisados. Marcos não para sequer para falar com a esposa que
se encontra aos prantos no sofá.
- Marcos, por favor,
enquanto estamos aqui nosso filho pode estar correndo risco de vida.
- Lúcia, imagina a
repercussão que isso terá?
A mulher se levanta com
seu rosto desfigurado olhando para o marido.
- Quero que se dane a
repercussão que terá, quero meu filho de volta, ligue para a
polícia já, agora!
5
Bonita, ruiva, pele bem
cuidada, rosto brilhante e dona de um corpo bem desenhado por deuses.
Essa é Heloísa Mattos, investigadora experiente. Vestida com calça
social e camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos, a
mulher esbanja charme e sensualidade. Ela adentra a mansão dos
Fontes com sua imponência cheirando a controle total.
- Bom dia senhores!
Apenas Marcos a
cumprimenta com um ligeiro aperto de mão.
- Algum contato? - Heloísa
deixa sua bolsa em cima de uma mesa de tampo de vidro.
- Ainda não. - responde com
voz trêmula.
- Quero saber onde foi o
último lugar em que seu filho esteve no parque senhor Fontes.
- Tudo bem, você bebe algo?
- Marcos aponta para a cadeira.
- Não obrigado!
Fontes conta tudo para
Heloísa que anota tudo em um bloco. Lúcia pela primeira vez desde
quando a investigadora chegou abriu a boca. Reclamou do parque, da
segurança, e principalmente do marido que não largava o celular.
- Se você estivesse de olho
nele nosso filho estaria aqui.
- Lúcia, por favor!
Heloísa foi obrigada
a interromper a discussão se levantando abruptamente e sacando seu
celular na bolsa.
- Senhores, terei que chamar
minha equipe aqui.
Marcos também se
levanta mostrando se contrário a decisão da investigadora.
- Quer dizer que a sala de
minha casa se transformará numa central?
- Preciso de suporte para
trabalhar – responde rispidamente.
Com bastante cuidado
Marcos Fontes informa a policial sobre a convocação de mais um
agente.
- Investigadora, tive o
cuidado de chamar aqui, além da senhora, mais um policial para nos
ajudar. - Heloísa franze o rosto.
- Quem seria esse agente?
- Luís Souza, o detetive.
Heloísa não
gostou, pra falar a verdade ela odiou a decisão do magnata das
indústrias. Claro que ela conhece a fama de Souza e sabe do que ele
é capaz. Ela também não fica atrás. Heloísa Mattos é uma
investigadora eficiente e premiada. A mais ou menos um mês ela
recebeu o prêmio de melhorar investigação pela prisão do maior
contraventor da cidade. Foi por esse e outros atributos que fez com
que Marcos Fontes a convocasse.
- Tudo bem.- diz entre
os dentes.
A sala dos Fontes se
tornou uma central com notebooks e aparelhos de escuta espalhados por
todos os cantos. Foi preciso fazer da mesa de centro uma espécie de
cabine onde um agente com grandes fones de ouvido permanece digitando
dados em seu computador. Heloísa faz o tipo manda chuva dando voz de
comando para os quase dez agentes ali presentes.
- Em breve eles irão
entrar em contato. - ela olha para o policial com pinta de galã com
fone de ouvido. - nessa hora quero o viva voz ativo, tudo bem? - o
agente faz sinal de ok. - ótimo!
Sombra vai até onde
João Fontes está e certifica se tudo está em ordem. Ele confere as
amarras e ajeita o capuz na cabeça do garoto.
- Quero água. - pede
João.
- Fala sério!
- Eu estou falando
sério, quero água.
Sombra vai até a
cozinha. Enche o copo plástico sujo. Coloca a máscara e volta para
o quarto onde só há uma cama. O sequestrador retira com truculência
o capuz da cabeça do menino e o desamarra. A luz bate com força nos
olhos verdes do filho de Marcos. Sombra deixa o copo na cabeceira.
Antes de beber João pergunta.
- O que querem comigo?
- Isso não é da sua
conta, agora beba logo essa água.
- Vocês querem dinheiro
não é mesmo?
- Não, querermos sua
coleção completa de HQs do Homem-Aranha.
- Sério, mas eu não
tenho HQs do Homem-Aranha e sim dos Vingadores.
- Chega dessa conversa
mole, termina logo de beber essa água.
Eloy chega com
alguns cartões telefônicos e os entrega a Sombra.
- O dinheiro que me deu
só deu para comprar isso.
- Você é mesmo um
louco, cadê sua máscara? - Eloy faz uma careta. Enfia a mão no
bolso de trás da calça e a puxa. - agora já era, o pirralho já
viu o seu rosto seu idiota.
- Nossa, o que houve com
o seu nariz? - João aponta para a deformidade no rosto do bandido.
Muito constrangido o rapaz não responde.
- Agora chega, deite-se.
- Sombra volta a amarrá-lo e a colocar o capuz na cabeça do menino.
Ainda envergonhado
Eloy volta para a cozinha onde há um pedaço de espelho colado na
parede. Ele olha para o nariz torto e tenta colocá-lo no lugar.
- Agora já era, seu
nariz nunca mais voltará para o lugar a não ser que faça uma
cirurgia plástica. -Sombra conta os cartões.
- Vale lembrar que o
autor do soco que quebrou meu nariz e me deixou com cara de monstro
foi você.
- Claro, eu fui
bastante categórico, não mexa na minha comida na geladeira e o que
você fez, mexeu.
- Eu estava com fome. -
Eloy volta a se olhar no espelho.
- Tudo bem, com o
dinheiro que vamos ganhar você poderá consertar essa sua cara de
múmia.
6
a funcionaria da mansão
do Fontes anuncia a chegada de Luís Souza deixando Heloísa na
expectativa. O detetive entra e se sente meio estranho. Marcos o
recebe ainda na entrada com sua educação habitual.
- Seja bem vindo
detetive, queira me acompanhar.
- Obrigado!
Realmente é de causar
espanto tamanho o luxo. O brilho da casa é ofuscante. O carpete é
algo de outro mundo. As coisas começam a mudar a partir de outra
entrada. O que Souza vê é um verdadeiro arsenal de computadores,
cabos e agentes. Um deles o chamou bastante atenção. Heloísa
Mattos.
- Essa dispensa
apresentações, creio eu. - diz o magnata.
Realmente dispensa
apresentações. Heloísa não passa despercebida. Souza teve duas
sensações ao vê-la naquele lugar; a surpresa em ver de perto toda
aquela beleza ruiva e a outra é, o que ela faz aqui?
O aperto de mão
é frio, mole, deixou apenas o cheiro do perfume na mão do agente.
Antes que Souza pudesse se inteirar do assunto, Marcos chama os dois
em seu escritório. O lugar tem livro até no teto. A mesa é larga
coberta por porta-retratos e suvenis. A cadeira onde Fontes se senta
caberia facilmente os três nela.
- Muito bem senhor e
senhora, chamei vocês aqui por que não só eu mais a cidade os
considera os melhores em suas profissões. Tenho certeza de que farão
o melhor para trazer meu João de volta. - a voz fica embargada.-
peço por favor, minha esposa está sofrendo muito, precisamos do
nosso filho de volta. - finalmente as lágrimas descem.
- Senhor Marcos. -
Souza limpa a garganta e olha para Heloísa que permanece olhando
para o magnata. - tenho certeza de que junto com a agente Heloísa
iremos trazer seu filho sã e salvo.
- Por favor! - limpa
as lágrimas.
- Se nos permite. -
diz Heloísa. - gostaria de voltar para a sala senhor.
Já deu para sentir
o clima. Trabalhar ao lado daquela ruiva sensual não será nada
fácil. Ao voltar para a sala Souza a ver dando voz de ordem a sua
equipe. Para quebrar o gelo ele se aproxima dela que está ao lado do
agente com os fones de ouvido.
- Temos alguma chance?
A pergunta pegou
Heloísa como se fosse um soco no estômago.
- Como assim? - levanta
uma das sobrancelhas bem feitas.
- Isso mesmo, acredita
que pode trazer esse menino de volta?
- Não sei onde quer
chegar, você pode ser mais específico?
- Quero saber se você
tem algum plano?
A agente se desarma
e mostra toda a sua equipe.
- Mais confiante que
isso não existe.
- Tudo bem, vamos
trabalhar então. - Souza dá dois passos antes dela destilar seu
veneno.
- Quero que fique bem
claro detetive Luís Souza, o comando é meu, tudo bem? - antes de
responder ele olha para os agentes em suas devidas posições. -
claro!
Lúcia e Marcos Fontes
conversam abraçados no quarto do casal. O marido tenta em vão
deixar sua esposa menos tensa.
- Se acalme querida,
temos a nosso lado os melhores.
- Será mesmo?
- Claro, Heloísa é a
melhor investigadora e Souza não preciso nem dizer. Eles vão trazer
o João a salvo querida. Quer comer alguma coisa?
- Não!
- Mas Lúcia, você
precisa se alimentar, vai acabar ficando doente desse jeito.
- Não quero, Marcos.
- Tudo bem. - a
abraça. - fique tranquila.
Sombra termina de dar
as orientações a Eloy que anota tudo num pedaço de papel.
- Entendeu?
- Preciso ser
direto, disfarçar um pouco a voz e desligar sem aviso.
- Cara, se você
falhar num desses itens estaremos perdidos, a essa hora a polícia já
está em nosso encalço, com certeza vão gravar a ligação. Por
isso quero que ligue de um orelhão bem distante daqui.
- Pode deixar!
- Conto com você.-
bate no ombro.
- Só uma dúvida,
quanto vamos pedir pelo moleque?
- Deixe isso para o
próximo contato.
Souza confere seus
e-mails encostado no canto e Heloísa anda de uma lado para outro com
os braços cruzados. Vez por outra ela olha para Souza e tenta
imaginar de onde vem tamanha calma. Como ele pode ficar ali, olhando
o celular. De repente ela se distrai com o charme do detetive negro.
Mesmo vestido socialmente é possível ver os músculos bem
trabalhados. Heloísa afasta esses pensamentos de sua mente e volta a
focar no que está acontecendo ao seu redor. O telefone toca e os
corações aceleram todos ao mesmo tempo. Souza se dirige ao telefone
mas Heloísa o interrompe pedindo calma.
- Eu
falo com eles.
-
Certo!
Ela
tira o telefone do gancho quando o casal Fontes chega na sala.
-
Investigadora Heloísa Mattos falando.
-
O papo é o seguinte investigadora, o garoto está com a
gente e se fizerem tudo direitinho vocês o terão antes do dia
acabar, certo?
- Entendido!
- silêncio. - quais as suas exigências?
Essa
pergunta deixou Eloy desconsertado.
-
Volto a fazer contato mais tarde.
- desliga.
Souza
coça a calvície e Heloísa olha para os pais de João abraçados na
entrada da sala.
-
Meu Deus, será que o nosso João está, está. - Lúcia volta para o
quarto.
-
Calma senhora Fontes, não sabemos de nada ainda. - Heloísa chega
perto do agente que ficou responsável por gravar as ligações. -
então, o que conseguiu?
-
O de sempre, a ligação foi
feita de um telefone publico.
Heloísa
resmunga algo. Souza sai de onde está. Marcos Fontes volta do quarto
sozinho e com os olhos marejados.
-
Então, temos alguma chance? - o magnata tenta se manter forte.
-
Como eu falei não sabemos de nada ainda, ele não falou muita coisa,
alias, ele não falou nada. - Mattos cruza os braços.
Se
mostrando impaciente o empresário olha para Souza esperando um outro
parecer.
-
Exatamente senhor Fontes, temos que aguardar o próximo contato.
7
Eloy
está de volta ao barraco. Sombra termina de ajustar as cordas que
amarram João à
cama. Ao ver o companheiro nervoso,
o rapaz magro, quase esquelético teme pelo fato de o amigo ter feito
alguma besteira.
-
O que houve?
-
Nada. - pega a garrafa de café. - eu só acho que nós deveríamos
devolver esse garoto.
-
Ficou louco, depois de todo o trabalho. O que aconteceu?
-
A policia está na casa deles. Daqui a pouco, você e eu seremos os
homens mais procurados da cidade, tem noção?
Sombra
o segura pelo braço cm violência.
-
Não podemos retroceder, já fomos longe demais com essa história,
vamos seguir com o plano sem hesitar, tudo certo, posso contar com
você? - diante da pergunta
Eloy respira fundo.
-
Tudo bem!
Uma
informação vazou e agora toda a impressa sabe do sequestro do filho
do milionário das indústrias Fontes. Alguns jornalistas já montam
seus equipamentos na calçada da mansão Fontes. Foi preciso Marcos
reforçar a segurança ao redor da casa. Dentro dela Souza e Heloísa
ainda não se entrosaram, pra falar a verdade ainda não se falaram
direito. O clima de rivalidade é pesado e notório. A rivalidade não
parte do lado se Souza e sim da investigadora que conhece bem o
curriculum do detetive. Nesse momento ela evita até olhares.
Para
não haver ainda mais hostilidades, o detetive sai da sala para fazer
uma ligação.
-
Oi, Márcia, como vão as coisas por ai?
-
Dentro da normalidade, e por ai?
-
Sem avanço, estou trabalhando com alguém que se quer olha na minha
cara.
-
Quem seria?
- Heloísa
Mattos. - silêncio. - alô, Márcia, você está ai?
-
A ruiva poderosa e premiada? - usa
de desdem.
-
Ela mesma. A mulher é intransponível, um campo de força
praticamente.
-
E como ela está conduzindo o trabalho?
- Seguindo
o padrão.
-
Lhe desejo sorte ao lado da ruiva fatal.
- Obrigado,
estou precisando.
Depois
de desligar o celular e voltar para a sala, Souza percebe um outro
clima entre os agentes junto com a chefe ruiva. Ela olha para o
detetive que lhe devolve um olhar de interrogação.
-
Algum problema investigadora?
Ela
pisca algumas vezes antes de responder.
-
Sim, temos um sequestro em andamento.
Souza
precisou respirar fundo para não descer o nível. Mentalmente ele
contou de um a dez e se dirigiu para uma das mesas. Nesse momento um
agente informa a chefe sobre a localização da ligação.
-
Como eu falei senhora Heloísa, a ligação foi feita de um telefone
publico próximo ao centro da cidade. Isso dificulta o nosso trabalho
em cem por cento.
-
Se preferir posso pedir um agente que vá a esse lugar e tente trazer
imagens de câmera de segurança. - Souza resolve palpitar. Heloísa
olha para ele com seu olhar frio.
-
Acha mesmo necessário?
-
Temos que fazer alguma coisa.
-
Está dizendo que estamos de braços cruzados detetive?
Souza
se levanta.
-
Podemos conversar?
-
Sim! - Heloísa permanece parada no mesmo lugar com as mãos na
cintura.
-
Pode ser lá fora?
-
Como queira!
Sombra
faz anotações num caderno com suas pontas cheias de orelhas. Ele
coça a cabeça com a caneta, faz careta e conta com os dedos. Que
falta faz os estudos nessa hora. Sombra chegou a estudar num colégio
estadual, mas parou ainda no fundamental. Hoje ele mal sabe escrever
seu nome. Eloy passa por ele.
-
Que fumaça e essa saindo de sua cabeça? - brinca.
-
Estou calculando o valor da grana que iremos pedir pelo moleque.
-
Nossa. - Eloy olha para a conta feita no caderno. - só isso de
número e sua cabeça já entrou em curto?
-
Você acha pouco?
-
Sombra, esse garoto nasceu
com a bunda virada pra lua. Os Fontes tem muito dinheiro. - Eloy pega
o caderno. - peça mais.
Heloísa
caminha pelo gramado bem cuidado do jardim da mansão Fontes. A seu
lado Souza parece não vislumbrar da paisagem. Antes de chegarem a
beira da piscina o detetive começa.
-
Heloísa, quero acreditar que você já tenha algo em mente, certo?
-
Certo!
-
Pode compartilhar?
-
Quero fazê-los acreditar que estão no controle, quero que eles
mordam a isca.
-
E se não morderem? - Souza entrelaça os dedos.
-
Vão morder!
-
Tudo bem. - estica o braço.
- quero que saiba que você tem um aliado e não um rival.
-
Ok. - diz secamente apertando a mão úmida do agente. - podemos
voltar agora?
-
Sim, vamos.
Lúcia
Fontes abre o álbum e logo nas primeiras fotos as lágrimas descem
com força. Ela se apega a uma onde os três estão sorrindo no
último
pique nique feito ali mesmo
no quintal da mansão. O sol não estava quente e a brisa era fresca
naquela tarde de Domingo. Marcos entra no quarto e se junta a sua
esposa.
-
Quando iremos fazer isso outra vez?
-
Minha vida, não entregue os pontos assim, nosso filho vai voltar,
tenha fé.
-
Você me promete? - ela se vira ficando cara a cara com o marido.
-
Prometo, estou disposto a pagar qualquer valor pelo João. - eles se
abraçam.
8
Antes
de se dirigir ao telefone Eloy se certifica se não há câmeras.
Tudo limpo. A única câmera que há é de uma farmácia e o orelhão
está juntamente no ponto cego.
-
Sou muito sortudo mesmo.
A
bandeja contendo chá, café e algumas bolachas foi posta na mesa
pela empregada. Demora um pouco até o primeiro agente se servir do
café. Souza deu preferência ao chá camomila. O telefone toca.
Heloísa para de respirar e atende. Todos se voltam para a ruiva
bonita ao telefone.
-
Investigadora Heloísa Mattos
falando.
-
Hum, pelo visto estamos ficando íntimos não acha
investigadora?
-
Chega dessa conversa, quanto você quer pelo João?
-
Andei fazendo as contas e acho que o loirinho vale muito
mais. Pergunta ao senhor Fontes se ele quer mesmo filho de volta.
Marcos
ao lado de Lúcia confirma com um gesto de cabeça.
-
Ele disse que sim.
-
Quero ouvi-lo.
Tremendo.
Nervoso e em pânico o chefe da família Fontes
assume o aparelho.
-
Pronto!
-
Que honra em falar com o senhor. Então, podemos fechar
negócio ou não?
- Posso
falar com meu filho?
-
Ainda não.
- Por
favor, eu lhe peço.
-
Tudo bem, se não quer colaborar…
- NÃO,
por favor, vamos, me passa o valor.
-
Dez milhões!
Nem
mesmo Marcos Fontes esperava um valor tão alto. Ele olha para Souza,
para Heloísa e finalmente para Lúcia. A
mulher engole seco e ele se sente numa encruzilhada. O que fazer? Num
gesto rápido a investigadora pega o telefone.
-
Veja bem, você terá os dez milhões, mas quero provas se o garoto
está realmente vivo.
-
O que a senhora prefere, uma orelha, um dedo…
- Quero
falar com ele, agora!
-
Agora seria impossível. - silêncio.
- então, chegamos num acordo?
- Não
até que tenhamos provas da vida do João. - Heloísa desliga.
O
ambiente de repente ficou insuportável. Lúcia rosnou alto e em bom
som.
-
Você acabou de matar o meu filho, quem você pensa que é?
Marcos
corre para junto de sua esposa que rejeita seu alento. Souza abandona
o copo de chá e anda em direção a Heloísa que está visivelmente
abalada.
-
Investigadora, hora de reunir a equipe, precisamos retomar o controle
da situação.
No
barraco as coisas estão de ponta cabeça. Eloy conversa com Sombra
sobre a conversa que teve com Heloísa. Sombra não gostou nada do
que ouviu, não gostou nenhum pouco.
-
Vaca. - soca a mesa. - quem ela pensa que é?
-
Vai por mim cara, vamos devolver esse menino e cair fora, vamos
deixá-lo debaixo de qualquer viaduto.
-
Temos que seguir com o plano. - se levanta e esfrega o rosto. - ela
pediu prova, então ela terá essa prova. Vou conseguir essa grana
nem que seja a última coisa que eu faça na vida.
Heloísa
se acomoda e cruza as pernas cobertas pela calça. Os outros agentes
aguardam o pronunciamento da líder que antes de falar limpa a
garganta algumas vezes.
-
Acho que as coisas perderam um pouco o rumo. A vida de um menino está
em jogo, a vida do filho do homem mais poderoso dessa cidade. Mais do
que a vida de um milionário, a vida de uma pessoa corre risco. Temo
que reconquistar essa confiança. - ela olha para Souza. - quer falar
algo para equipe detetive?
-
Sim. Cometemos um erro. - Heloísa arqueia uma das sobrancelhas. -
esse erro pode ter destruído todo o trabalho bem feito até aqui.
Mas, tiremos algo bom disso tudo, conseguimos o próximo contato, é
nele que temos que nos prender. Tudo
certo? - Souza passa a palavra para a líder.
-
Vamos voltar para a sala, todos em suas posições.
Na
volta para sala Marcos Fontes aguarda na entrada do cômodo
os agentes. Ele faz um único sinal para Heloísa e Souza e ambos
entendem o recado.
O
escritório de Fontes e de deixar qualquer um de queixo caído. Ele
se acomoda na cadeira com sua expressão gélida e olha para cada um
deles.
-
Chamei vocês aqui porque os considero os melhores, mas o que fizeram
hoje foi um absurdo. Espero não ter que convocar uma outra equipe.
-
Quanto a isso senhor Fontes deixo a seu critério, mas vale lembrar
que a investigadora Heloísa está no controle da situação desde o
começo. - ela olha para Souza com ar de surpresa. - seu
filho está vivo, isso eu posso garantir.
-
Como assim? - Marcos se inclina.
-
Há coisas em que só devo falar com minha liderança senhor, me
desculpe. Prometo trazer seu filho de volta, agora se nos dá
licença, temos muito o que fazer.
Totalmente
desarmado Marcos libera os policiais.
9
ela
sente raiva e ao mesmo tempo uma forte admiração. No banheiro
Heloísa se olha no espelho e não vê sua imagem nele. Tudo que ela
consegue ver é Souza, aquele deus negro saindo em sua defesa perante
o monstro. Ela não quer admitir, mas, ele é melhor que ela. Seria
melhor deixar que Souza conduza o caso a partir dali? Ela
sai do banheiro de cabeça erguida e ombros jogados para trás. Nesse
momento o telefone da casa toca. Souza não se move. Marcos e Lúcia
congelam. Heloísa pega no aparelho.
-
Quero falar com o João.
-
Vamos com calma minha senhora, quero saber se o senhor
Marcos aceitou minha oferta.
- Vamos
parar com essa palhaçada, me entregue o garoto e você terá seu
dinheiro.
-
Andei pensado, que tal vinte milhões?
- Que
tal você deixar o pai falar com o filho? - a investigadora transpira
a mão que segura o telefone.
-
Há, sim, a senhora me pediu prova não é? Vamos lá,
daqui onde estou falando há uma praça abandonada, aqui existe uma
árvore, uma amendoeira, procure nos galhos dessa
amendoeira à prova. - desliga.
Heloísa
olha para os pais de João que se desmancham. Não há se quer uma
ponta de esperança nos olhares. Souza tenta em vão confortá-los.
Os outros agentes se empenham em tentar localizar de onde o criminoso
fez o contato. Antes que o clima piorasse o policial com o fone de
ouvido anuncia.
-
Essa praça fica a meia hora daqui. - gira a tela para que Heloísa e
Souza possam ver.
-
Tudo bem, nada está perdido. - Souza bate com as palmas das mãos
fazendo um barulho agudo. - eu vou a essa praça.
Luís
entra na viatura e assume o volante. Antes de dar
a partida ele é surpreendido por Heloísa que se debruça na janela
do carro.
-
Posso mesmo confiar naquilo
que falou lá dentro?
-
Sim!
-
Mas…
-
Heloísa, não estamos lidando com profissionais, uma hora ou outra
eles entregarão o jogo, é só uma questão de tempo. Vamos deixar
que pensam que estão no controle.
-
Ok, boa sorte.
-
Obrigado!
Enquanto
olha a viatura se distanciando Heloísa fica a pensar no detetive.
Que força o protege das pressões e ataques? De onde ele tirou tanta
segurança? Tive sorte em tê-lo a meu lado nesse caso? Estou diante
de um colega ou um professor? Quando o carro dobra a esquina e
desaparece ela é possuída por um ânimo que a faz sorrir.
Sombra
e Eloy comemoram mais um avanço com cachaça pura. O líder já se
mostra embriagado com sua voz pastosa. Eloy permanece sóbrio. Ele
nunca se embebeda.
-
Em breve meu caro amigo estaremos ricos, milionários, vamos sair
desse país, dessa miséria em que vivemos.
-
Acha mesmo que iremos conseguir tirar dinheiro do Fontes?
-
Acho não, tenho certeza. - coloca mais pinga na caneca. - hora de
alimentar o passarinho, vá. - bate no ombro do parceiro de crime.
Marcos
mais uma vez entra no quarto para tentar confortar sua esposa que
parece ter envelhecido uns vinte anos. Algumas linhas de expressão
se formaram em sua testa a deixando com ar de cansaço e desespero.
Sem dizer uma só palavra o milionário a abraça por trás a
beijando no ombro.
-
Tenha fé meu amor. - diz Marcos.
-
Minha fé se foi a muito tempo, tudo que restou dela foi o ódio.
Quero que esses sequestradores apodreçam na cadeia.
-
No meu caso ainda me resta fé. Tenho esperança de que João estará
conosco. Lembra, eu lhe fiz uma promessa.
-
Como consegue confiar em Souza e Heloísa, eles já provaram que não
são capazes de resolver esse caso. - chora.
-
São sim, Souza é o melhor detetive que temos na atualidade, tenho
certeza de que ele trará o nosso João.
-
Seja o que Deus quiser.
10
A
praça realmente é como o sequestrador falou. Feia, abandonada, os
únicos ocupantes é o mato e o lixo. Souza sai da viatura com sua
pistola em punho. Logo atrás um agente com uma metralhadora. A
árvore é localizada. O detetive ergue a cabeça para olhar os
pequenos prédios e casas.
-
Consegue ver algo suspeito? - Souza continua a olhar para cima.
-
Acho que eles não seria tão burros de ficarem aqui.
-
Concordo, vamos.
Souza
anda até debaixo da amendoeira onde há uma camisa pendurada num dos
galhos. Mesmo com dificuldade o agente consegue pegá-la. Ele a joga
para Souza. A camisa está manchada de sangue.
-
Como imaginei. - sussurra Souza.
Heloísa
se serve do café quando Souza entra segurando a camisa. Faz sinal
para quela o siga. Atônita a investigadora anda apressadamente até
a cozinha que está vazia. Ela olha para a camisa suja de sangue e
prende a respiração.
-
Como falei, ele não são sequestradores.
-
Temos que fazer um exame. - Heloísa olha para os lados.
-
Nem precisa. - Souza dobra a camisa. - o fato é, os Fontes não
podem saber da existência dessa camisa. Faça o exame se quiser, mas
acho desnecessário, nem sabemos se essa é realmente a camisa do
garoto. Estamos a alguns passos de pegá-los. Devemos aguardar o
próximo contato ai então daremos um avanço nas negociações.
Souza
já estava saindo da cozinha quando Heloísa o segura pelo braço.
-
Você assume o caso a partir daqui, tudo bem?
-
Como?
-
Isso, você agora é o líder.
Souza
além de conversar com a equipe montada por Heloísa, também
convocou Márcia e outros amigos de departamento. Exigiu empenho nas
buscas. Pediu para que as patrulhas fiquem atentas a qualquer ação
suspeita. Para a investigadora ficar apenas seguindo ordens foi algo
novo e complicado. Ela está acostumada a está de pé diante de
homens e mulheres ouvindo suas instruções. Por outro lado, fazer
parte de uma operação liderada por Luís Souza é algo importante,
é como estar na sala de aula. A imprensa continua fazendo campana em
frente a casa dos Fontes que até agora se quer apareceram na janela.
Tudo o que se sabe até agora é que Heloísa e Souza estão no caso.
O detetive termina a reunião com voz de comando.
-
Vamos trazer esse garoto de volta para casa dele.
Eloy
alimenta João enquanto Sombra mais uma vez faz contas e mais contas
em seu velho e amassado caderno. João usa uma camisa dez vezes maior
que o seu número. Seus pulsos estão feridos devido as cordas. O
garoto perdeu alguns quilos e tosse bastante.
-
Esse garoto precisa de cuidados. - Diz Eloy dando a última colherada
de arroz e feijão.
-
Por que? - Sombra continua a escrever.
-
Ele não está bem, tossiu muito.
-
Não sou médico e também não sou babá.
-
Mas, Sombra…
-
Cale a boca, você trouxe o celular que pedi?
-
Está no armário. - responde entre os dentes.
O
aparelho é velho, quebrado. Pertenceu a Eloy assim que o modelo foi
lançado a cinco anos. Sombra se apossa do telefone. Antes de sair
deixa recado.
-
Vou fazer contato com os Fontes, dessa vez a grana é nossa. - Eloy
apenas meneia a cabeça.
Sombra
caminha com seu andar firme. Seu olhar é enigmático e sua face é
mais gelada do que o frio ártico. Nem mesmo os vizinhos o conhecem.
Sabem apenas que ele reside num barraco feito de madeira e barro. Ele
anda e mal olha para as pessoas. Elas é quem olham para ele.
Bastante nervoso ele percebe que está trancando os dentes. Melhor
manter a calma. Ao dobrar a esquina que lhe deixará de frente com a
avenida principal, ele bate de frente com duas viaturas. Sem ser
percebido Sombra dá meia volta. Xinga baixinho. Decide pegar o
caminho mais longo. Sombra não passa despercebido por ninguém. Ele
atrai olhares e dos mais diversos. Quem o olha percebe logo que se
trata de um indivíduo de índole duvidosa. Ou é um bandido ou coisa
parecida.
Ele
entra numa lanchonete. O balconista lhe oferece o menu que ele
dispensa.
-
Posso usar o banheiro?
-
Para usar o banheiro precisa consumir algo senhor.
-
Por favor, é urgente. - finge ter ânsia de vômito.
-
Vai, primeira porta a direita.
Dentro
do banheiro ele certifica se está realmente sozinho. Tranca a porta
e disca o número da casa dos Fontes. No segundo toque Souza atende.
Sombra engole seco.
-
Então, gostou da prova que pediu?
-
Desse jeito será difícil chegarmos num acordo.
-
Quero os meus vinte milhões hoje.
-
Você os terá assim que liberar o João. Tem alguma conta onde
possa depositar esse dinheiro?
Sombra
perde totalmente o rumo diante da pergunta de Souza. Demora um pouco
para responder.
-
Não, eu não tenho conta.
-
Como será então a nossa troca?
-
Você deve conhecer bem a cidade detetive, não é mesmo?
-
Acredito que sim!
-
Lixão da cidade. Existem dois caminhões abandonados lá, vou
colocar o garoto dentro de um deles, eu e meus comparsas estaremos de
olho. Eu mesmo vou pegar o dinheiro, caso eu percebe que é uma
armadilha eu mato o moleque. Podemos fazer isso hoje?
-
Agora se for possível.
-
Gostei de negociar com você detetive Souza. As 18 horas de hoje
então. - antes que Souza pudesse responder ele desliga. Retira o
chip e o joga no vaso e depois dá descarga.
11
Souza,
Márcia e Heloísa conversam com Marcos e Lúcia Fontes no
escritório. O magnata o questiona.
-
Souza, que garantias temos de que esse desgraçado está falando a
verdade?
-
Senhor Marcos, esses caras não são profissionais, eles se que tem
conta em banco. Me passe os vinte milhões, vamos fazer conforme o
combinado, ele são amadores mas não são burros, eles não tem nada
a perder. - Marcos está hesitante. - Marcos, toda a polícia da
cidade está envolvida nesse caso, não tem como escaparem, vamos
pegá-los agora.
-
Tudo bem.
-
Ótimo. - Souza olha o relógio. - temos algumas horas até as seis.
João
continua tossindo. Eloy está preocupado. Ele decide tirar o saco de
pano que cobre a cabeça do menino um pouco.
-
Obrigado, tio.
Ser
chamado de tio deixou o bandido com o coração partido.
-
Sente falta do papai e da mamãe?
-
Sim, muita.
-
Sabe, diferente de você, eu fui abandonado por meus pais, fui
deixado para morrer numa calçada, até que uma alma caridosa me
acolheu e me levou para um orfanato. Lá eu conheci o inferno. Me
batiam todo santo dia. Havia um garoto que liderava a pancadaria. Os
diretores tentavam dar jeito na situação, mas nada podiam fazer.
-
Qual era o nome desse garoto que te batia tio?
-
Luciano!
-
Ele te batia e te machucava muito?
-
Sim. - Eloy abaixa a cabeça e mexe nas unhas encardidas. - houve uma
vez em que tomei uma surra durante quase meia hora. Precisou os
monitores do lugar interferirem, acho que Luciano queria me matar.
Fiquei internado cinco dias, esses foram os únicos dias em que tive
paz.
-
Que pena tio.
-
Bom, isso ficou para trás, vou deixar você respirar só até o
Sombra chegar, tudo bem?
-
Tudo bem.- fala resmungando.
Antes
de Eloy sair do quarto João diz.
-
Tio, o senhor é legal. - com os olhos marejados o bandido faz sinal
de positivo.
Márcia
e Souza aguardam Marcos Fontes que está ao celular conversando com
seus conselheiros. Conseguir vinte milhões assim líquidos é algo
impossível. Por mais que a causa seja nobre, vinte milhões são
vinte milhões. Depois de muito negociar os conselheiros cedem e
Marcos agradece. Desliga o celular e se dirige ao detetive.
-
Tudo pronto Souza.
-
Ótimo, agora resta apenas esperar dar a hora.
Bastante
alterado e nervoso, Sombra chega ao barraco alarmando a todos. Eloy
se assusta com a chegada do parceiro de crime.
-
Arrume as coisas Eloy, estamos a poucas horas de ficarmos ricos.
-
Para onde vamos?
-
Tire o garoto do barraco, temos uma troca a fazer.
-
Posso conversar um pouco com você? - Sombra arqueia as sobrancelhas.
-
Qual o assunto?
-
Sabe quando você tem um pressentimento ruim, acho que não vamos
conseguir. O melhor a fazer é deixar o garoto em qualquer canto da
cidade e irmos embora.
-
Eloy, eu sei que você sempre foi covarde, mas agora você está se
superando. - abre o armário e começa a revirá-lo. - agora deixe de
conversa fiada e prepare o garoto.
Eloy
coça a cabeça e faz uma careta.
-
Sombra, eu não vou.
Com
sangue nos olhos Sombra fecha a gaveta com força.
-
O que disse?
-
Eu não vou. - gagueja.
O
soco no estômago faz Eloy dobrar. Em seguida ele recebe outro golpe
no rosto o fazendo cair em cima da mesa.
-
Seu merda, levante-se, estou cansado de carregar você nas costas,
vamos levante-se.
-
Tudo bem, tudo bem, só não me bata mais.
As
bolsas com dinheiro ocupam quase que todo o carro. Faltando pouco
para o decisivo encontro Marcos e Lúcia rezam juntos no quarto.
Souza e Heloísa trocam as últimas instruções. O detetive quer que
o lixão fique cercado. Ele convocou também um atirador. Toda a
impressa se aglomera com seus microfones e câmeras. A todo instante
flashs ao vivo acontecem nas principais TVs do país. Aos poucos as
viaturas vão deixando as calçadas ao redor da mansão. Marcos e
Lúcia Fontes saem pela parte de trás da casa escoltados por dos
gigantes policiais. Antes de deixar o portão que dá acesso a rua, o
mega empresário conversa com Souza pelo celular.
- Lembre-se
detetive, eu fiz uma promessa para minha esposa, eu disse a ela que
eu traria o nosso João de volta, posso realmente confiar em vocês?
Acomodado
dentro da viatura ao lado de Márcia e Heloísa, Souza confirma com a
voz e gesto de cabeça. A investigadora ruiva se deixa dominar por um
outro sentimento sem ser o de rivalidade. Sentada no banco do carona,
sentindo de perto toda carga positiva que emana do homem negro a seu
lado, ela percebe que seu coração bate de forma diferente, como se
precisasse de um afago dele, quem sabe um beijo carinhoso. Estaria
ela atraída por ele, justo por ele?
- Vamos
buscar o João!
12
Quem
olha os dois homens empurrando um carrinho de compras de
supermercado, não imagina que ali estão os dois criminosos mais
procurados pela polícia levando um garoto. Um é branco, cabelos
ralos e tem o nariz torto. O outro tem o rosto marcante, mas sem
expressão, possui um bigode falhado que parece ter sido feito de
carvão. Dois mendigos, dois seres marginalizados, ninguém faz caso
algum deles, apenas dois sujeitos que precisam urgentemente de um
banho. O menor deles empurra o carrinho com algumas tralhas como,
cobertor, latas de cerveja vazias e garrafas pets de refrigerante.
Sombra e Eloy. Sequestradores. João sofre debaixo daquele lixo todo.
Subindo
uma estreita rua antes de chegar ao lixão, Eloy percebe algo de
estranho ,mas não diz nada. O lugar é arborizado e o perigo cresce
dentro dele. A morte parece segui-los, Eloy consegue sentir o cheiro.
Rapidamente ele puxa algo pontiagudo de dentro de seu bolso. Uma
chave de fenda a qual ele fez uma ponta, quase um espeto de
churrasco. Sem pensar muito ele a introduz no abdome de Sombra que
solta um grito gutural. O homem se afasta segurando a ferida que
começa a vazar sangue.
- O que
está fazendo desgraçado?
- Me
vingando. - Eloy aproveita a vulnerabilidade de Sombra para golpeá-lo
mais uma vez.
Eloy
fura o peito do companheiro que arquejante sente o frio do metal
entrar em sua carne. A dor é aguda e ele sente fraqueza nas pernas.
Eloy sorrir ao vê-lo naquele estado.
- Então,
como se sente, Luciano?
Sombra
ainda tenta reagir, mas recebe mais um furo, dessa vez o pescoço é
o alvo. A jugular é rompida jorrando sangue como um chafariz
escarlate.
- Isso é
por você ter me batido naquele orfanato todo o tempo em que passei
lá. - Luciano, o Sombra, tenta falar algo, mas suas forças estão
se esvaindo assim como sua vida também.
O
agente que os seguia chama Souza pelo rádio.
- Tem algo
errado, dois mendigos estão brigando, um deles acaba de enfiar algo
no crânio do outro.- Silêncio.- espere senhor, tem alguém dentro
do carrinho de supermercado, é o João, é João Fontes.
Eloy
e João entram no lixão. O bandido ainda segura a chave de fenda
manchada de sangue. Ele olha ao redor e consegue ver os caminhões
abandonados.
- João, é
o seguinte, vou deixar você lá e cair fora, tudo bem.
- O senhor
vai pra onde?
- Não sei,
vou fugir, vamos.
Eles
chegam ao local. O cheiro de podre é de causar ânsia de vômito em
qualquer um. Tudo pronto. João fica sentado no para-choque do
caminhão. Eloy olha para o garoto que sorrir para ele.
- Tio, não
acha melhor o senhor se entregar?
- Claro que
não, não vou ficar preso igual a um passarinho na gaiola.
Eloy
vai se afastando quando a voz de Souza ecoa por todo o lixão.
- Fique
onde está e solte essa arma.
O
bandido volta e toma João como refém apontando a chave de fenda
para a cabeça do garoto.
- Me deixem
ir embora ou eu mato o pirralho, eu não estou brincando.
- Tio?
Souza
aparece com sua pistola na mira de Eloy.
- Solte a
arma e deixe o garoto ir, agora. - vocifera.
- Cale a
boca, me deixe passar.
Souza
tem um aparelho de escuta e ouve quando o atirador diz que tem Eloy
na mira.
- Tio, se
entregue, vai ser melhor para o senhor. - João implora.
- Isso
mesmo, qual o seu nome?
- Isso não
importa, eu nunca fui um nada mesmo.
- Eloy, o
nome dele é Eloy. - João grita.
- Fique
quieto garoto. - pressiona a chave de fenda contra a cabeça do
menino que aperta os olhos.
- Eloy. -
Souza começa. - sei que você não quer fazer isso. Me entregue essa
arma, será melhor para todo mundo.- Souza joga a pistola no chão. -
veja, eu não sou mais um policial. Venha comigo, tudo vai ficar bem.
Eloy
tem os olhos esbugalhados. Sente medo, pânico, transpira e aperta o
pescoço do João. Por um instante ele pensa em se entregar, mas logo
a fúria o possui e ele volta a ser uma ameaça a vida do garoto.
- Vou
matá-lo agora.
Souza
age rápido dando a ordem.
- Quando
quiser!
- O que? -
essas foram as últimas palavras de Eloy antes da bala do rifle do
atirador esfacelar seu crânio.
O
corpo sem vida cai. João corre para junto de Souza que o abraça.
- Você
está bem?
- Sim,
estou bem, ele era bom tio. - diz olhando o corpo de Eloy.
- Sim,
acredito, mas foi o caminho que ele escolheu, vamos, seus pais estão
lá na rua.
13
Marcos
e Lúcia abraçam o filho enquanto choram. Souza e Márcia acompanham
a retirada dos corpos. Heloísa conversa com aluns agentes. A noite é
fresca e a imprensa tenta a duras penas conseguir imagens da família
milionária.
- Achoque o
nosso trabalho acabou. - Márcia bate no ombro do chefe.
- Também
acho.
Na
saída do lixão Marcos e Lúcia abordam o casal de detetive para aos
agradecimentos finais.
- Muito
obrigado e desculpe tudo o que houve. - Marcos aperta a mão do
policial.
- Devo
desculpas ao senhor, Souza.
- Entendo,
ter um filho nas mãos de monstros não deve ser nada fácil.
-Mais uma
vez obrigado. - dá um abraço nos dois.
Heloísa
também recebe os cumprimentos. Aos poucos o lixão vai voltando a
ser aquele lugar sujo e fedorento de sempre.
Luís
Souza está deitado e quase dormindo quando seu celular começa a
tocar. Não querendo atendê-lo ele rola na cama até seu braço
poder alcançar o criado mudo. Ele não reconhece o número. Resmunga
achando se tratar de um repórter querendo uma exclusiva. O celular
insiste em tocar ele atende.
- Alô?
- Luís
Souza
Souza
reconheceria aquela voz em qualquer lugar do mundo.
- Heloíza
Mattos?
- Sim, pode
falar agora?
- Sim,
aconteceu alguma coisa?
- Não, só
queria conversar com você um pouco.
- Sou todo
ouvido.
- Essa
conversa pode acontecer sem ser pelo telefone?
- Pode sim,
quando você acha pode passar aqui, vou lhe passar meu endereço…
- Não
precisa, estou no portão do teu prédio.
O
sono passou na hora. Num salto ele se levanta e coloca a calça e uma
camisa.
- Calma,
vou liberar sua entrada. - diz quase gritando.
Enquanto
se arruma ele fica a pensar, a final, o que Heloísa Mattos, a
investigadora premiada queria com ele, um detetive como ele? Bom isso
é uma outra história.
Fim