quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Relação Perigosa - Um conto policial com Luís Souza


1


Mais uma vez ela está ali, aborrecida, mais triste do que o de costume. O local é um café bar. Seus frequentadores na maioria são policiais no final de turno. Como sempre faz ela se acomoda numa das mesas de madeira perto da porta de saída. Mesmo chateada, ela não perde sua postura de mulher princesa. Pernas cruzadas, cabelos negros cortados na altura dos ombros, magra e uma pele branca bem cuidada e sedosa. Essa é Beatriz, ou simplesmente Bia, como é conhecida.
Advogada, mas faz algum tempo que não exerce a profissão por causa de seu relacionamento com Mauro. Bia tem passado seus piores dias com seu esposo. De uns tempos pra cá ele tem sido um monstro, violento e insuportável. As vezes ela se pega pensando onde foi que ela errou, ou o que fez para merecer tamanho calvário. Mauro, o homem que jurou protegê-la na saúde ou na doença. No que ele se transformou?
O garçom se aproxima com o menu, mas pra ser sincera, Bia prefere ficar ali, sentada olhando o nada. Ela faz um gesto dispensando o funcionário do café. O garçom sai do ângulo de visão da advogada e em seguida um negro maravilhoso vestindo calça social preta e camisa gola polo cinza ocupa sua visão. Ele se dirige ao balcão já fazendo seu pedido. Reluzindo no cinto algo parecido com um distintivo policial. Uma xícara de café é posta diante dele. Ao tomar da bebida ele sonda o lugar e seus olhos param justamente nela, Bia.
*

Foi um dia daqueles que Souza faz questão de esquecer. Quem sabe um café estupidamente quente fará o serviço. Depois de perseguir um suposto sequestrador até quase sair da cidade, Márcia e ele foram dispensados por algumas horas para um merecido descanso. Ela foi para casa e ele preferiu passar antes no café bar. Mesmo com a mente ocupada pelo novo caso, o detetive consegue um espaço para contemplar uma mulher sentada na mesa perto da porta de saída. Que mulher bonita. Essa sim é mulher para passar o resto de sua vida. Luís sempre foi um sujeito paquerador, admirador da beleza feminina. Ele não consegue tirar os lhos dela. Sim, ela percebeu seus olhares e os retribui.
Ela é bonita, porém há tristeza em seu olhar, o que será? Souza faz um novo pedido, uma porção de pão de queijo. Cada minuto ali é importante. A vontade de se sentar perto dela é grande. Ela olha mais uma vez para ele e o coração do policial dá saltos. Será o momento de encurtar a distância?
*

Bia começa a juntar suas coisas para se retirar do lugar. Celular e sua minúscula bolsa. Antes de se levantar ela olha mais uma vez para o agente que permanece lá, parado, olhando para ela. Já chega senhora Beatriz, você é uma mulher casada e não uma adolescente. Bia joga o telefone dentro da bolsa e rapidamente se levanta deixando o estabelecimento. Dispensando o ônibus e táxi ela resolve ir a pé seguindo o calçamento.

*

Souza se sente um idiota, um tolo. Ele permite que sua paquera vá embora sem ao menos saber seu nome. O que está havendo com ele? Mesmo do balcão ainda é possível vê-la se distanciando dentro daquela calça jeans justa e blusa rosa bebê. Que mulher.
- O senhor vai querer mais alguma coisa? - pergunta a balconista.
- Oi? - volta de seu devaneio. - não, é só isso.
- Deu dez reais tudo.
Dentro do carro Souza ainda pensa na mulher sentada ali, na porta do café bar. Outra mulher vem forte em sua mente, Suzana, sua ex. A única que consegue desconsertá-lo. É bem verdade que ele ainda a ama, a única coisa que o machuca é saber que o sentimento não é recíproco. Pelo menos é o que parece. Sempre que ele cria coragem para ligar, ela o atende com rancor e raiva na voz. Por que? Seria o momento para esquecê-la de vez?

2

- Oi. - chama Márcia. - chamando terra, tem alguém na escuta, Souza?
- Diga, Márcia? - Luís abre os olhos.
- Meu Deus, você estava dormindo profundamente, o que aconteceu na noite passada?
- Sei lá, talvez por causa do calor que vem fazendo não consigo dormir direito.
- Veja bem, o rapaz resolveu abrir o bico, já o levamos para a sala de interrogatório, todos estão a sua espera.
- Beleza, vamos nessa.
Ainda bocejando o detetive anda pelo corredor estreito e abafado do departamento. Vira a esquerda onde acima de uma porta há uma placa indicando “acesso à sala de interrogatório”. Do lado de fora estão alguns agentes olhando pelo vidro o sujeito esquisito algemado a mesa. Souza passa por eles e empurra a porta. Logo o ar frio escapa.
- Aqui estou eu, senhor Sandro, o que o senhor tem a me dizer? - puxa uma cadeira.
- Promete que vai aliviar minha barra? - Sandro gagueja.
- Tem a minha palavra. - ergue a mão.
- Ela se encontra a três bairros daqui, exatamente na rua 45, casa 10.
Souza não espera que Sandro termine de falar e já dispara porta afora.
De repente, uma rua que é considerada calma e silenciosa, se vê invadida por inúmeras viaturas policiais brecando e com homens armados descendo delas. Souza é um deles.
- É aquela. - grita.
A casa é simples. Possui um muro médio com sua pintura já gasta. O portão está aberto e cerca de vinte agentes invadem o quintal. A janela de madeira é quebrada. Dando voz de ordem o detetive adentra ao recinto gritando pelo nome da criança.
- Ana Maria, cadê você?
Souza vai até o quarto que se encontra vazio. Vai até a cozinha, do mesmo jeito. Resta o banheiro. Já temendo pelo pior Souza afasta a porta sanfonada e lá está a menina vendada, amarrada, amordaçada e com fones de ouvidos presos com fitas e a música no volume máximo. Com o coração alegre e apertado Luís vai tirando os fones.
- Fica calma, vou tirar você daqui.
Três dias a pequena Ana Maria ficou presa naquela mesma posição sem poder se mover e nem ouvir. Quando Souza retirou as vendas a menina mal consegui abrir os olhos. Nos braços do herói da cidade a menina contempla seus pais que correm na mesma direção. Emocionante.
- Minha filhinha. - diz a mãe.
Souza passa a criança para os braços da mãe que soluça abraçada a sua única filha. Os dois policiais observam a família unida, chorando, agradecendo aos céus pela vida da garotinha. O chefe da família Figueiredo olha para Márcia e Souza e não sabe o que dizer tamanha a emoção.
- Devo muito a vocês, a todos vocês.
- Conte sempre com a polícia senhor Figueiredo. - Souza aperta a mão do rico empresário.

*

Alívio, essa é a palavra do dia. Luís Souza deixa o departamento aliviado, um pouco cansado, mas com a gostosa sensação de dever cumprido. Ele dirige até o café bar que nesse momento se encontra repleto de clientes famintos, ou apenas querendo jogar conversa fora. Souza adentra ao estabelecimento e na mesma hora o cheiro do café fresquinho o envolve. Ele vai até o balcão, faz seu pedido e olha para a entrada e lá está ela, sentada de pernas cruzadas e cabelos soltos esvoaçantes. Seu coração dá o alarme e ele precisa dar um jeito nisso. Café e pão de queijo, esse, com certeza, será o cardápio da conquista. Ela percebe os olhares do negro pra lá de maravilhoso e de repente ela se vê envolvida por ele.
- Oi? - Souza se aproxima da mesa de Bia.
- Ah, sim, oi.
- Posso me sentar ou você está esperando alguém?
- Imagina, não estou esperando ninguém, pode se sentar.
Nossa, ela é ainda mais linda de perto, pensa Souza.
- Vejo você sempre aqui, você é moradora desse bairro ou trabalha aqui?
- E você sempre faz tantas perguntas a uma desconhecida? - ri.
- Não, só quando essa desconhecida é linda e bastante atraente.
Agora ele jogou pesado. Bia não sabe fazer outra coisa a não ser sorrir para ele. Alguns segundo de silêncio e a advogada reinicia a conversa.
- Você é policial.
- Sim. - come uma bolinha de pão de queijo. - e você?
- Advogada, mas não estou atuando, prefiro ser dona de casa.
Droga, só falta ela dizer que é casada. Souza remoía a pergunta um pouco, mas depois ele a solta.
- É casada?
Bia parece um pouco desconfortável com a pergunta do agente. Ela olha para suas mãos e depois para ele.
- Sou.
- Me chamo Luís Souza.
- Beatriz Gomes, prazer. - ela estende sua mão. Uma mão fina, bastante feminina.
A conversa foi boa, mas poderia ser melhor. Souza notou uma certa inquietação nos movimentos de Bia, principalmente quando o assunto era família. Tudo era motivo para uma breve reflexão, como se ela escolhesse as palavras. Souza também pode notar algumas marcas no braço dela, mas isso ele não mexeu.
- E essa é a minha situação, sempre que estou para baixo, paro aqui e fico observando o movimento. Agora me fale de você, detetive.
- Sou divorciado, tenho um filho adolescente e trabalho na polícia algum tempo. Pronto, falei tudo.
Bia solta uma gargalhada sincera e Souza gosta do que vê.
- Como faço para ver outra vez esse sorriso?
- Você é um homem interessante. - diz com os olhos fixos nos dele. - mas acho que não devemos confundir as coisas.
- Não estou confuso, tenho certeza do que estou sentindo.
Hora das despedidas. Eles conversam mais um pouco, Souza faz questão de esticar esse momento o máximo que pode. Bia por sua vez fica cada vez mais encantada com o jeito sedutor do policial. Eles trocam números de telefone.
- Quando posso te ligar? - Souza pergunta.
- Não me ligue, me envie mensagem, é mais fácil. Pode ser hoje, se quiser.
- Legal. - se levanta. - posso te fazer mais uma pergunta?
- Claro.
- Essa marca em seu braço. - aponta.
- Ah, sim, eu fui dar uma de faxineira e acabei me ferindo.

3

A noite estava agradável, um convite para um passeio a pé. Da janela de seu apartamento Souza contempla a movimentação da cidade mesmo passando das 23 horas. Uma ambulância passa cortando os carros deixando o som das sirenas ecoarem no ar. Um louco com o som do carro no volume máximo ouvindo um hip hop doido. Um casal passa abraçado gargalhando das piadas dele. Essa é a noite daquela cidade que parece não pegar no sono nunca. Por falar em sono, isso é algo que por enquanto se encontra fora dos planos de Luís. Ele pensa em Bia o tempo todo. Sem camisa e de cueca box ele anda pelo apartamento segurando o celular aguardando a resposta dela. O agente se joga no sofá e abre sua rede social enquanto espera. “Oi!” Por fim uma resposta. “oi, te acordei?”, “Não, eu estava meio ocupada” “e seu marido?” “roncando kkkkk” “vamos nos ver amanhã?”. Ela demora um pouco a responder. “pode ser, no mesmo lugar?” “sim” “tudo bem, as 16 horas então?” “fechado”
Beatriz realmente fez Souza esquecer, pelo menos por alguns momentos sua ex mulher. Fazia tempo que ele não se sentia leve desse jeito. A vida voltou a sorrir para ele, voltou a acalentar seu coração machucado pelo passado. A conversa com Bia termina e ainda flutuando ele pega no sono.

*

Sem foco, sem concentração e torcendo para que a hora passe voando, esse é o dia seguinte de Luís. Ele analisa os papéis a sua frente e não chega a conclusão alguma. Márcia aguarda pacientemente uma posição do chefe.
- Se demorar eu espero. - diz batendo a perna.
- O que?
- Você está a quase vinte minutos olhando esses papéis, paralisado.
- Márcia, eu preciso ler com atenção esses documentos.
- Sei, agora me diga, qual o nome dela? - puxa uma cadeira.
- Fala sério, Márcia.
- Para um homem focado como você ficar com esse olhar perdido desse jeito só existe uma questão, mulher.
Vendo que não ha outro jeito, mesmo sem saber por onde começar, o detetive abre seu coração para sua que mesmo enciumada o ouve atentamente.
- E mesmo sabendo que ela já tem compromisso você continua alimentando essa relação?
- Fazer o que?
- Você já é adulto, deve saber o que está fazendo. - se levanta e recolhe os papéis.
Não adianta, um coração apaixonado é surdo e cego. Souza se encontra mergulhado nesse mundo chamado Bia, num mundo coberto por flores que tem o seu rosto. Assim será o dia do policial. Entre casos, relatórios e análises lá está também a advogada o rodeando. Perto das 16 horas ele pediu para que outro agente o subsistisse no caso do sequestro, pelo menos por algumas horas. Ele tranca sua sala e antes de dobrar o corredor que dá acesso a saída ele acena para Márcia que lhe devolve o gesto.
16 horas em ponto. Lá está Souza a espera de Bia. Ele fez questão de se sentar no mesmo lugar de sempre perto da saída. Vinte minutos depois ela chega vestindo um vestido leve e florido que valoriza e muito seu corpo. Seu cheiro é doce , seus cabelos molhados mostram que ela acabou de sair do banho, tudo isso mexe com a imaginação do detetive.
- Desculpe a demora.
- Sem problema, vai querer café ou chá? - Luís puxa a cadeira e ela se acomoda.
- Quem sabe um suco.
- Perfeito. - faz sinal para o garçom.
Os pedidos são feitos, Souza não consegue tirar os olhos do busto de Bia. Logo a conversa começa a ficar saborosa com assuntos diversificados. Souza falou sobre seus casos mais estranhos.
- Certa vez tive que dar voz de prisão a uma senhora de quase oitenta anos, acredita?
- Sério, o que ela fez? - cruza as pernas, Souza sente seu coração explodir.
- Ela estava acobertando alguns traficantes e de repente ela parou na minha frente e disso que eu só iria prendê-los por cima do cadáver dela.
- E ai, você a levou presa?
- Não, mas foi uma situação bem complicada.
O vento da paixão está a favor. Os astros conspiram para o bem dessa relação. O que poderá impedi-los de se amarem? Souza joga pesado e ela já não sabe como fugir das investidas do policial. Água mole pedra dura, tanto bate até que fura, Luís gosta desse ditado popular, para esse momento ele cai como uma luva.
- Por mim ficaria a tarde todo com você, Bia.
- Não fale assim, não crie expectativas, sou uma mulher casada.
Souza se antecipa e segura na mão da doutora.
- Eu gostei muito em lhe conhecer, quero ficar com você.
Foi do jeito Souza de ser, sem rodeios, direto ao ponto. Foi tão intenso que Bia não teve como reagir de outra forma. Ela sorrir, olha para ele. O agente entende o recado. Ambos se inclinam e se beijam, foi curto, mas muito significativo. Um pouco constrangida ela ajeita os cabelos atrás das orelhas.
- Não podemos fazer isso aqui. - Bia olha ao redor.
- Quer ir para outro lugar?
- Acho melhor eu ir embora. - se levanta. - a gente se fala depois.
- Calma, Beatriz, me desculpe se fui muito apressado, é que realmente estou gostando de você.
- Eu também.
Souza não precisa ouvir mais nada, tudo o que ele precisava ouvir era a confirmação dela. Sim, ela também está interessada em iniciar um relacionamento independente de seu casamento. Movida por um sentimento maior que ela, Bia volta a se sentar. Luís por sua vez resolve ir um pouco mais devagar, para essas coisas a pressa só atrapalha.
- Tudo bem, se quiser ir, por mim tudo bem. - Souza volta a segurar a mão de Bia.
- Já estou bem, é que toda essa situação é nova para mim, eu nunca vivi um relacionamento extraconjugal.
- Vamos fazer o seguinte, você vai para casa, reflita e me passa uma mensagem.
- Ok.

4

Já é tarde, quase duas da madrugada quando Souza é despertado pelo som das mensagens chegando. Depois de horas sem respostas, ela finalmente visualizou suas mensagens. “oi?” ela digitou. “Me desculpe, só agora pude responder, fiquei sem internet”. Luís digita, “imaginei, e ai, pensou?”. Ela digita. “sim, quero me encontrar com você amanhã, pode ser?”. Souza sorrir de orelha a orelha, “no mesmo café bar?”. Bia demora para responder, “não, vou lhe passar o endereço”.

*

Ansioso como um noivo a espera de sua noiva. Souza ainda não teve tempo de admirar a beleza do lugar devido ao nervosismo. O restaurante a céu aberto fica distante da cidade, pelo menos duas horas. A mesa que escolheu fica perto de um jardim de inverno onde somente o som da pequena cascata é ouvido. Claro que o detetive veio preparado, o cardápio do lugar não deve ser nada barato. Alguns minutos depois de sua chegada, Bia aparece mais linda do que nunca, mais cheirosa impossível, veio vestida para matar. O vestido branco justo faz Souza salivar.
- Nossa. - foi o que ele conseguiu dizer.
- O que foi, não gostou, achou muito extravagante?
- Absolutamente que não, você está sensacional.
Não houve aperto de mão, nem abraço, mas sim um caloroso beijo. Nada ali parece real, tudo parece ser um sonho, ou algo tirado dos contos de amor. Souza faz o pedido. Entre uma conversa e outra eles trocam olhares apaixonados e beijos suculentos. O pedido chega e eles degustam um delicioso prato, uma especialidade da casa assinada pelo chefe. Um lugar perfeito, uma noite perfeita, tudo leva a crer que terão uma noite de amor perfeita também.
O quarto é pequeno, mas aconchegante. As pareces pintadas com cores leves e as cortinas finas deixam o clima ainda mais favorável. Enquanto Bia se banha, Souza abre a garrafa de vinho. Ele volta ficar ansioso e pensa, pra que esperar? O agente invade o espaço de Beatriz que não se assusta ao ser tocada nos ombros.
- Você demorou. - ela diz
- Gosto de gerar expectativas.
Finalmente. A noite de amor começou num banheiro de motel fora da cidade. Eles se amaram e como se amaram. O chuveiro é desligado e agora chegou a vez da cama ser o palco principal. Souza sabe conduzir bem uma mulher apaixonada. Ele a leva para cama ambos ainda molhados.
- Devo mesmo fazer isso? - ela pergunta.
- Não diga nada e nem pense, apenas curta.
E ela curtiu, curtiu bastante cada toque, cada carícia daquele homem viril e cavalheiro. As respirações se misturando, os corações batendo em sintonia até o clímax chegar como uma bomba nuclear. Bia realmente é uma mulher extraordinária. Souza está cansado e querendo mais. Ela repousa a cabeça em seu peito.
- Sem culpa? - ela exclama baixo.
- Sem culpa. - acaricia os cabelos da advogada.
- Quer continuar? - olha para ele.
- Quero.

*

Ele precisa manter os olhos abertos, ele luta com todas as suas forças, mas não consegue. Ao tentar mais uma vez ficar acordado Souza dá de cara com Márcia com cara de poucos amigos.
- Vamos ver, não se barbeou e ainda está cheirando a sabonete feminino, com certeza o melhor policial da cidade teve uma longa noite de sexo, acertei?
- O que você quer Márcia? - esfrega os olhos.
- Nada, quero que você dê uma bela olhada nesses papéis.
Souza boceja.
- O que é isso? - se espreguiça.
- Lembra do sujeito da concessionária? Então, ficamos de olho nele e finalmente descobrimos que ele faz parte de uma quadrilha de roubo de carros.
- E o mandato?
- Está aqui. - aponta para um dos papéis.
- O que estamos esperando, vamos lá prender o cara. - se levanta.
Souza ao volante não diz uma palavra se quer. Apesar da urgência que o caso pede, Luís dirige como se estivesse indo ao supermercado ou algo parecido. Márcia conhece o universo masculino e sabe exatamente no que ele está pensando no momento.
- Será que encontraremos a loja aberta? - Márcia consulta o relógio.
- Sim, ainda não são meio dia, por que?
- Do jeito que está dirigindo, pelos meus cálculos, chegaremos lá em seis, sete horas.
Souza não gostou do comentário mais relevou.
- Qual o nome da mulher que anda lhe tirando atenção?
Esse é um dos problemas em você dividir sua intimidade e trabalhar por muito tempo com uma pessoa, ela acha que tem o direito de saber cada passo que você dá seja em que área for da sua vida.
- Bia.
- Bia, legal, e vai tudo bem mesmo entre vocês? - há um certo cuidado nas palavras.
- Sim.
- Ela é casada, você sabe do risco que corre, não sabe?
Souza fica em silêncio.
- Essa relação é temporal, ela não passará da cama. Quer dizer, vale mesmo a pena correr o risco?
De repente a viatura acelera fazendo com que o corpo da detetive se choque contra o banco do carona. Ela olha para Souza assustada que corta para uma rua fora da rota.
- Por aqui chegaremos mais rápido. - ele diz.

*

E chegaram mais rápido mesmo. Souza é o primeiro a descer conferindo sua munição. Márcia também desce olhando a grande placa do estabelecimento. O lugar é enorme, uma concessionária renomada com propaganda na TV e rádio. Logo na entrada um vendedor simpático os recepciona.
- Vamos comprar um automóvel?
- O senhor Lacerda se encontra? - Márcia toma a frente.
- Sim, no escritório, os senhores quem são?
- Da polícia, me dá licença. - Souza passa pelo vendedor que não esboça reação.
Não foi difícil encontrar o escritório de Lacerda, ele fica justamente no meio da loja como se fosse um aquário. Souza toca na janela apenas uma vez e o obeso proprietário levanta a cabeça. Ao ver a dupla de agentes Lacerta muda sua expressão completamente. O detetive faz sinal pedindo autorização para a entrada. Hesitante Lacerta concede a entrada.
- Como vai Alberto Lacerda. - Souza começa. - podemos conversar um pouco?
- Sobre? - volta a escrever.
- Que tal sobre seu envolvimento com o crime organizado?
Irritado, Lacerda deixa a caneta de lado e olha para Souza.
- Não tenho envolvimento algum com o crime, pelo que eu me lembro eu já disse isso, não foi?
- E quem disse que eu acreditei? - o detetive cruza os braços e sorrir para o empresário.
- Se você acreditou ou não isso é um problema muito teu, entendeu? - cora as bochechas.
Realmente Lacerta está conseguindo tirar Souza do sério. Foi preciso um controle absurdo para não socar a cara daquele gordo ridículo.
- Sendo assim, minha assistente eu podemos dar uma voltinha pela concessionária, não é mesmo?
- Não sem um mandato. - apoia os cotovelos na mesa de tampo de vidro.
Quase que no mesmo instante Márcia mostra o papel deixando o homem boquiaberto. Ele olha para Souza e depois para a porta. Conhecendo as intenções de Lacerda, Luís anda devagar até a porta e volta a cruzar os braços.
- Vamos lá, Alberto, facilite as coisas pra você, me diga, como é feito o esquema?
- Merda. - balbucia. - tudo bem, vamos lá, falsificação de documentos e revenda.
- Certo, você compra carros roubados, falsifica os documentos e os revende, agora me diga uma coisa, preciso pegar o restante da quadrilha, me dê os nomes, agora.
Claro que Lacerda não pagaria por todos. Nome por nome ele foi falando e Márcia tomando nota. O reforço foi chamado e Alberto Lacerda saiu de sua empresa algemado. Márcia, Souza e mais alguns agentes partiram em busca do restante da quadrilha. Dessa vez a assistente assumiu volante. Souza parece está mais focado, mas concentrado. Enquanto Márcia pisa fundo no acelerador, Luís passa as coordenadas via rádio ao restante do grupo. Ela liga a sirena avançando por uma via de pouco movimento.
- Preste atenção. - Souza confere mais uma vez sua munição. - vou entrar pela frente e eu quero que você me cubra caso haja uma fuga, certo?
- Pode deixar meu chefe.

*

O lugar fica perto de uma comunidade perigosa, considerada uma das mais violentas da cidade. A tensão aumenta assim que as viaturas param em silêncio no início da rua. Todas as entradas e saídas foram bloqueadas com, pelo menos, dois agentes portando fuzis. A chance de um confronto é noventa por cento certo e isso deixa o líder da operação em seu estado máximo de atenção. Souza caminha segurando sua pistola apontando-a na direção do portão social. Mesmo tendo quatro fuzis lhe dando cobertura, o detetive ainda assim sente que algo pode acontecer a qualquer momento. O portão é fechado contendo apenas um olho mágico. Souza dá dois toques e se abriga ao lado. Um jovem afrodescendente vai abrindo bem devagar o portão quando Souza coloca o cano da arma em sua têmpora.
- Silêncio se não quer que eu exploda seus miolos. - rosna.
- Sim, sim, o que o senhor quiser, só não me mate, por favor.
- Certo. - faz sinal para outro policial. - você vai ficar bem quietinho lá dentro da viatura.
Mesmo a abertura do portão sendo minúscula, permitiu a Souza de observar se havia homens armados ou vigias. Nada. Luís faz mais um sinal e alguns dos agentes pulam o muro que é mais ou menos alto. Pelo portão, Souza e o restante entram com a adrenalina a explodindo. O cheiro forte de tinta automotiva é sufocante e há objetos e resto de carros espalhados por toda parte.
- Polícia, saiam todos com as mãos para cima, vamos. - grita Souza.
A oficina clandestina, chefiada por Lacerda estava em pleno funcionamento com cinco rapazes preparando um carro de luxo para revenda. Não houve resistência, tudo foi vasculhado e nada foi encontrado como drogas ou armas. Os funcionários foram algemados e levados. Missão cumprida.

5

Assim que Bia bate no vidro do carro Souza abre a porta e ele parte com o veículo pela auto estrada. Ela o beija no rosto não querendo atrapalhar-lho na direção. Mais uma vez o cheiro dela o entorpece. O vestido curto chamativo divide sua atenção e ele não resiste. Souza apoia sua mão livre na coxa de Bia.
- Como fará para mudar de marcha? - ela brinca.
- A gente dá um jeito.
Beatriz retribui o carinho colocando sua mão entre as pernas do detetive. Mesmo sentindo a excitação crescer, o detetive pode notar alguns hematomas pelo braço da mulher.
- O que foi isso, ele te bateu?
Ela não responde.
- Pode falar, Bia, foi o seu marido, não foi?
Bia meneia a cabeça positivamente, envergonhada.
- Ele descobriu?
- Não, claro que não, podemos esquecer esse assunto?
- Mas, Beatriz, é crime o que ele fez, você quer que eu faça alguma coisa?
A expressão de Bia fica transtornada.
- Pelo amor de Deus, não faça nada, vamos esquecer esse assunto, pare o carro ali.
- Mas aqui é deserto, o que houve?
Antes que Luís pudesse terminar de falar, Bia pulou para o colo do agente o beijando. Ele cede a sedução da mulher a invadindo por baixo do vestido. O encontro começou de fato ali, naquela estrada escura. Durante vinte minutos a advogada faz com que o policial esqueça de todos os problemas que os cercam. Muito ofegante e amarrotado Souza volta a ver o para-brisa a sua frente. Bia volta para seu lugar de origem ajeitando a calcinha.
- Vamos? - ela sorrir.
- Você ainda quer ir? - liga o carro.
- Você ainda pergunta? Não vejo a hora de chegarmos lá.
O lugar é perfeito. A noite é possível ver as luzes da cidade dali de cima. O vento corre com frequência por ali. Souza e Bia estão fora do carro abraçados olhando a paisagem noturna.
- Como descobriu esse lugar?
- Essa é uma história bastante longa. - introduz a mão por dentro da calça. - agora estou a fim de faz amor.
Bia mais uma vez proporcionou momentos de prazer extremo e dessa vez ao ar livre. Ao som de grilos e outros insetos da noite, o casal se relaciona sem medo, sem culpa. Dessa vez quem conduziu a loucura foi a própria advogada deixando seu homem feito um fantoche. A noite vai avançando e até agora nenhum sinal de preocupação com o horário de ambas as partes, é como se tempo parasse para eles. Os corpos são iluminados pela luz prata da lua e com o vento soprano nas árvores.
Bia é deixada em um lugar estratégico, não muito longe de casa sob supervisão de Luís Souza. Foi uma noite pra ficar na história e pela primeira vez o policial sente que pode ir além nesse relacionamento, ele realmente se encontra apaixonado. Ele a observa até que ela entre.

*

Foi difícil dormir aquela noite, o cheiro de Bia ainda era presente em seu próprio corpo. Por diversas vezes Souza olhou para o celular aguardando uma mensagem, mas ela não veio. A mente de um policial é repleta de fantasmas, ela praticamente trabalha dia e noite sem parar. Ele imagina Beatriz sendo agredida pelo marido inconformado, ou que ela tenha desmaiado de tanto apanhar. Uma raiva crescente se apodera dele nesse momento e tudo o que ele quer é abandonar seu apartamento e ir até lá defendê-la. Não, claro que isso não está acontecendo, por que imaginar logo o pior? O melhor remédio nesses casos é dormir.
O sol passa pelas cortinas chegando ao rosto adormecido de Souza que aos poucos vai despertando. Ele olha para a janela e percebe que o dia será ensolarado. Ele ainda processa a confusão em sua mente quando se lembra do celular. Ele o pega e há dez mensagens de Bia no aplicativo. “oi?” “assim que puder me responda”. Souza tenta, mas pela manhã é complicado digitar com os olhos ainda acordando. Por fim ele consegue, “estou aqui, pode falar”. Demora um pouco até que Bia responde, “preciso te ver, hoje”, “tudo bem, quando, onde?”

*

Mais uma vez a raiva se apoderou de Luís assim que ele viu o hematoma no olho direito de Bia. Essa raiva tem dois lados, se essa história não tivesse começado nada disso estaria acontecendo. Ele se culpa por isso.
- Parece até que fui eu quem lhe deu o soco, que ódio.
Ela pega na mão do detetive.
- Não se sinta assim, eu lhe chamei por que estava a fim de te ver, ontem tivemos uma noite maravilhosa.
- E hoje você me aparece com a cara quebrada. - olha para o movimento do café bar. - tem certeza de que não quer que eu dê um jeito?
- E o que você vai fazer? Bater nele? Isso só iria pior as coisas, é melhor deixar tudo como está.
- Você não vê que ao vê-la assim, machucada, me dói, eu estou gostando de você realmente, quero muito ficar com você.
- Eu também, mas, por hora vamos manter nosso plano, prometo controlá-lo.
Seguir com o dia foi bastante complicado. Sua preocupação com Bia atrapalhou bastante sua concentração no trabalho. Só em pensar que a mulher pela qual ele se encontra apaixonado está correndo sérios riscos, a vontade que ele tem é de ir lá acabar com tudo. O coração é algo fantástico, enganoso e ao mesmo tempo uma caixinha de surpresas. Souza não consegue tirar a imagem do rosto machucado de Beatriz da cabeça, por mais que ele tente ela está sempre lá o assombrando. O que fazer nessas horas? Como agir? Como será no próximo encontro? Luís Souza não consegue manter a cabeça no trabalho, por isso ele saca o celular e mesmo tendo se passado quatro horas desde o último encontro, mesmo assim ele envia uma mensagem para ela, “preciso te ver”, um minuto depois ela responde, “hoje a noite, vou lhe passar o endereço”

*

Souza arranca a blusa e em seguida a beija no pescoço deixando Bia sem ar. O clima vai esquentando aos poucos dentro daquele quarto de motel baixa renda. Tudo é válido para um casal apaixonado, nada pode atrapalhar esse momento. O policial joga a mulher debruço na cama e ao ver alguns hematomas em suas costas o fogo se apaga.
- Meu Deus, Bia, ele te bateu outra vez?
Constrangida, Bia se vira olhando para Souza.
- Me desculpe, eu iria te contar, foi hoje, depois de nosso encontro, não deu tempo de preparar a comida, ai então…
- Ele te espancou. - se senta na cama. - Beatriz, isso precisa parar, nós precisamos dar um fim nisso, sério, estou muito preocupado com você. - coloca o rosto entre as mãos.
- Luís, não deixe que aquele idiota do Mauro estrague tudo, venha, eu preparei algo muito especial.
Como resistir a um convite dessa natureza. Mesmo com a cabeça a mil, Souza se deita com Bia e faz amor com ela. Duas horas depois eles estão a caminho do bairro da advogada. Ele a deixa no mesmo lugar de sempre, algumas ruas antes de sua casa. Um beijo curto e ela desce do veículo. Souza espera até que ela suma de sua vista e desce também. Se tornar invisível é algo fácil para um agente como ele. Bia anda apressadamente até chegar no portão de sua residência. Souza aguarda entre algumas árvores. Ela entra e logo as luzes da sala se acendem. O policial dá mais dois passos até poder escutar melhor o que está acontecendo lá dentro. De repente um grito, um grito de Bia.

6

Mauro acerta um tapa em Bia que bate com as costas no armário da cozinha. Ela pede desculpas pelo atraso e mesmo assim é agredida com um chute.
- Vou te matar sua desgraçada. - deblatera.
Mauro, um sujeito robusto, alto e musculoso contra uma mulher pequena e indefesa. Ele pega a faca na gaveta e aponta para sua esposa.
- Mauro, sei que você está nervoso, mas, vamos conversar. - Bia gagueja.
- Cale a boca.
Mauro ergue a faca quando a voz de Souza é ouvida.
- Opa, o que está havendo aqui?
O olhar de Bia para Luís é de puro espanto. Ela olha para Mauro que ainda tem a faca em sua direção.
- Como entrou aqui, quem é você?
- Sou o detetive Luís Souza, coloque a faca de volta na gaveta, vamos.
- Saia da minha casa, agora.
Bia entra no meio da discussão.
- Mauro, meu amor, obedeça o detetive, por favor.
Com a mão livre o homem enfurecido a empurra. Ela cai e bate com a cabeça.
- Não se meta policial, o papo é só entre minha esposa e eu, vá embora.
- Tudo bem, mas agredir uma mulher é crime, sabia?
- Cale a boca seu idiota.
Mauro parte pra cima de Souza segurando a faca. Ele é enorme e muito forte, Souza vai precisar usar toda sua técnica para neutralizá-lo. A primeira tentativa de acertar o detetive passou perto. A outra quase que abre uma incisão no abdome. Souza percebe que os golpes estão sem direção e isso o favorecerá. Mauro tenta mais uma vez rasgar o rosto de seu adversário quando recebe um murro achatando seu nariz. A montanha de músculos perde um pouco a noção mas ainda possui a arma. Ele volta a investir contra seu oponente com golpes na diagonal. Souza vai se defendendo como pode até encontrar uma abertura. O soco precisa ser potente e ele sabe disso. Mauro abre a guarda deixando o rosto livre e pronto. O berro do gigante sai alto e, por fim, ele solta a faca quando percebe que seu nariz foi quebrado.
Souza pula pra cima de Mauro e os dois vão para o chão. Luís está na vantagem lhe aplicando um mata leão quando sente algo entrando em sua coxa na parte de trás.
- Deixe-o em paz, seu idiota. - diz Bia.
Vendo que seu adversário se encontra fora de combate, Mauro aproveita se livrar do mata leão e lhe aplicar uma cotovelada. O queixo de Souza estala e ele custa a entender o que está acontecendo.
- Bia, mas, o que significa isso?
Limpando o nariz que sangra bastante, o esposo da advogada sorrir e depois o chuta nas costelas. O detetive tranca os dentes com a violência do golpe.
- Significa que você é mesmo um otário, Luís Souza.
Bia vai até a gaveta do armário da cozinha e pega uma pistola. Ela volta sorrindo, graciosa como sempre. Souza acompanha todo o desenrolar da situação sentindo o ferimento da faca queimar feito brasa.
- Tire sua armada coldre e a jogue para mim.
Hesitante o policial demora alguns segundos para atender as ordens da mulher que mantém sua arma apontada para ele. Mauro olha para Souza.
- Melhor obedecê-la.
Não há como escapar e nem como reagir. Luís se vê indefeso feito uma criança. Ele joga sua arma para Bia que a pega. Mauro se ausenta por alguns minutos e depois volta com algumas cordas.
- Levante-se e sente-se naquela cadeira, vamos.
Mesmo mancando o agente consegue chegar até a cadeira. Mauro começa o processo de amarrar o policial enquanto Beatriz apenas acompanha. O brutamonte usa toda sua força para aperta bem a corda contra o corpo do policial. Enquanto termina de fazer seu serviço, Mauro aproveita para tirar sarro.
- Então, o que achou de minha parceira, ela é gostosa?
Bia sorrir olhando para Souza.
- A final, quem são vocês, o que querem de mim?
Mauro aplica dois fortes socos em Souza e depois aponta seu dedo indicador.
- Agora escute, quem fala agora sou eu, então, se não quiser apanhar mais, fique bem quietinho, entendeu?
Depois de amarrar o agente o parceiro de crime de Bia pega uma cadeira e se senta frente a frente com Souza que ainda tenta entender o que está acontecendo. Antes de ir direto ao assunto, Mauro ainda aproveita para zombar.
- Quer dizer que o melhor policial da cidade queria viver uma vida com uma mulher casada? - faz sinal das aspas com os indicadores. - você é realmente igual a todos os homens.
- Se não me soltar, agora, você será preso, ouviu?
Mais dois murros no rosto e Luís quase perde os sentidos.
- Você é surdo ou o que? Eu falei que agora só eu falo aqui.
Depois de um curto silêncio Mauro resolve falar.
- A cinco anos eu tinha um irmão, um irmão querido, ele praticamente me criou, ele, devido as dificuldades que a vida coloca diante de nós, meu irmão se viu envolvido com o crime, o dinheiro sujo alimentou a nossa família. - fez uma pausa. - meu irmão cresceu na vida do crime, se tornou chefe com a morte do outro líder. Eu amava meu mano e ainda o amo. Você tem irmãos, Souza? - o policial não responde. - é uma pergunta retórica.
- Sou filho único.
- Pois é, você não conhece esse amor de irmão. Por isso fez o que fez.
- O que eu fiz?
O soco no estômago fez todo o ar que restava em Souza se esvair.
- Eu mandei ficar bem quietinho.
Mauro deu um tempo para que Souza recuperasse o fôlego.
- Seguindo. - pigarreia. - meu irmão foi o pai da família. Nós tínhamos uma mãe doente que não tinha condições alguma de trabalhar, ele segurou a barra por muito tempo. Meu mano era audacioso. Ele estava afrente de seu tempo, por isso ele organizou um mega roubo, nada de dinheirinho, se tivesse que roubar ele roubaria algo grande como um carro-forte. Foi o que ele fez, esperou o carro-forte passar na estrada, rendeu seus ocupantes e levou o carro para o esconderijo. Ai, você entra na história. Você comandou a operação para recuperação da grana, lembrou agora?
- Sim, agora tudo está ficando claro, você é irmão de Marcos Gomes, ele morreu trocando tiros com a polícia.
- Meu irmão foi morto por você. - vocifera.
- Ele não tinha nada que resistir a prisão, nós prendemos os comparsas, ele foi o único que fugiu.
- Você o acertou bem na cabeça. - grita com os olhos úmidos.
- Ele também feriu um dos meus homens.
Como uma fera enlouquecida Mauro parte pra cima de Souza que sofre com socos, chute e cuspidas. A pancadaria durou pouco, mas o suficiente para deixar o policial bem prejudicado.
- Você matou meu irmão, por isso eu armei esse plano. - volta a se sentar. - precisei da ajuda da minha amiga para a execução do plano para lhe atrair. Então, o que achou?
Souza cospe sangue e depois olha para Bia. Sua visão já começando a falhar. Nada mudou nela. Bia continua sendo aquela mulher atraente mesmo apontando uma quarenta e cinco para ele. De repente o rosto de Mauro encobre o corpo exuberante da mulher.
- Então, grande Souza, como se livrar dessa enrascada?
Uma pergunta difícil. Como sair dessa com vida? Certamente Mauro pensa em torturá-lo ainda mais antes de matá-lo. Maldita hora em que a conheci. Maldita hora em que nossos olhos se cruzaram. Tudo é motivo para sentir dor, tanto física como emocional. As cortas foram amarradas tão forte que cortam a circulação do sangue. Souza evita se mexer para não sofrer ainda mais. Mauro vai até a cozinha enquanto isso Bia e Souza trocam olhares. Ela se inclina até quase colar seu rosto com o dele.
- Devo confessar, até que você manda bem na cama, nem tudo foi fingimento. - ela chega bem perto do ouvido do policial e lentamente passa a ponta da língua em sua orelha. - eu gozei de verdade todas as vezes.
- Vagabunda. - rosna.
Furiosa com o xingamento, Bia lhe acerta uma coronhada abrindo uma ferida feia na testa. Mauro volta com um soco inglês. Ao ver o sangue escorrendo da testa de Souza, ele olha para sua comparsa.
- O que foi que eu perdi?
- Esse cretino me chamou de vagabunda, isso não pode ficar assim.
Mauro soca a palma da mão sorrindo.
- Ah, não pode mesmo.

*

Até para abrir os olhos é difícil. Sua cabeça parece que vai explodir a qualquer momento. Todo o seu corpo dói e dói bastante. Finalmente Souza consegue abrir os olhos e mesmo com a visão turva ele consegue olhar ao redor e perceber que está sozinho. O silêncio é sepulcral naquela sala de poucos móveis. O alívio em saber que ainda está vivo se esvai assim que ele volta a sentir as cordas lhe apertando e cortando sua carne. Como sair desse?
Nada passa pela sua cabeça, somente a dor que é latente. Ele tenta imaginar seu aspecto. Se ao menos ele conseguisse alcançar seu celular no bolso da calça. Pense em algo e rápido, provavelmente quando eles voltarem irão lhe matar. É preciso agir se quiser continuar vivo. Lentamente Souza começa a se mexer não se importando com a dor. Depois de alguns minutos se mexendo, a cadeira que é de madeira começa a soltar seus ruídos e suas conexões afrouxarem. Só mais um pouco, só mais um pouco.

7

Mauro e Bia chegam em casa e antes de entrarem eles discutem sobre a execução do policial. Mauro quer que ele tenha uma morte lenta, que sinta cada agonia da partida. Ela pede para que a execução seja rápida, limpa e sem sofrimento.
- Qual o problema? Estou achando que os momentos em que vocês passaram juntos mexeu com você.
- Nada a ver. Eu só não quero vê-lo sofrer. E além do mais, quando vai me pagar?
- Assim que isso tudo terminar, foi o combinado, lembra?
- Está bem, eu só quero pegar minha grana e sair fora.
- Certo gatinha. - segura o queixo de Beatriz. - vamos lá acabar logo com isso.
Eles entram na sala e não vendo o prisioneiro ambos congelam.
- Merda, atividade Bia, atividade. - ele retira a arma de Souza da cintura e a entrega para Bia. - procura lá em cima.
- Ele não está aqui, Mauro, ele foi embora.
- Droga, faça o que eu mandei, vê se ele está lá em cima, agora.
Beatriz sobe as escadas para o segundo andar correndo. Ofegante ele alcança a parte dos quartos da casa. Ela abre a porta do quarto de casal e nada. Nervosa ela vai até o outro e nada. Resta apenas o que fica no final do corredor, o de hóspede que se encontra com a porta entre aberta. Repentinamente ela começa a tremer. Lutando contra sua vontade de sair correndo ela anda até próximo da porta. Suas mãos trêmulas tocam na madeira quando alguém a segura por trás num mata leão. Souza não dá chance e usa toda força que ainda lhe resta. Bia apaga deixando a arma cair.
- Duma com os anjos, bebê.
Se apossando de sua arma, o agente desce as escadas sem fazer barulho. Mauro volta da varanda e bate de frente com o policial apontando a pistola para ele.
- Você está preso, Mauro Gomes.
- Onde está a Beatriz, o que fez com ela? - grita.
- Ela vai ficar bem, agora sente-se, o reforço já deve estar chegando.
- Não será tão fácil assim. - pula pra cima do policial não tomando conhecimento da arma. Souza puxa o gatilho e o atinge no ombro.
- O próximo garanto que não erro.
Inclinado segurando o ferimento, Mauro resmunga algo como vingança. Ele se ergue e olha para Luís.
- Meu irmão ficaria orgulhoso de mim. - volta a ser uma ameaça.
O gigante caminha com os punhos fechados. Souza resolve dar o que ele quer, uma briga, agora limpa, sem torturador e torturado. Luís guarda a arma e o combate tem início. Com uma série de cruzados Mauro ataca, todos passam em branco. Souza apenas mantém a guarda. Mauro volta a investir com um rápido direto que passa a centímetros do rosto de seu oponente. Souza sabe como ninguém usar uma esquiva. Outra vez uma série de cruzados e diretos, todos sem sucesso. O policial está cansado, com o corpo dolorido, chegou a hora de acabar logo com isso.
Um direto no nariz inchado já o deixa desnorteado. Um cruzado faz seu corpo girar e para finalizar, um gancho o faz desabar. Fim de combate. A adrenalina começa a diminuir dando espaço para a dor voltar com tudo. Luís Souza se apoia na parede quando escuta o som das sirenas ao longe.
- Graças a Deus. - balbucia.

*

Com curativos em boa parte do rosto, Souza chega para trabalhar depois de dois dias de folga. Ele ainda anda devagar e respira com dificuldade. Ele chega em sua sala e ela está na penumbra e com uma pilha de casos precisando ser analisados. Logo o desânimo o acerta em cheio. Márcia passa por ele com mais papéis e os coloca sobre a mesa.
- Você só pode está de brincadeira. - Souza termina de entrar em sua sala.
- Trabalho acumulado. - passa por ele. - isso é o dá quando qualquer rabo de saia aparece. - desaparece ganhando o corredor.

Fim