quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Falcão Peçanha 2

 


Falcão Peçanha 2

 

 

 

A mão grande, rústica e úmida do sequestrador aperta com força a pequena boca da jovem Larissa que, mesmo sabendo que seu agressor é infinitamente maior e mais forte, tenta manter a resistência. Após horas trancada naquele lugar sujo, fedido e o que é pior, sem circulação alguma de ar, Larissa se viu vivendo seus últimos momentos de vida assim que um homem usando uma máscara de borracha de zumbi entrou no que ela julga ser um quarto. Ele trancou a porta e imediatamente a circulação de ar fresco assim como a de desinfetante barato foi cortada o que ajudou a piorar ainda mais as coisas. Olhando para ela e sem emitir som, ele sacou do cós de trás da calça uma faca de cozinha e a apontou para ela.

 

— O que quer de mim? — o indagou gaguejando.

 

Sem muita cerimônia o sequestrador andou em sua direção e a encurralou no canto da parede. Larissa Oliveira é uma menina de apenas quinze anos, franzina, incomum para o biótipo da maioria das meninas da mesma idade hoje em dia. Ela tentou afasta-lo, mas o frio do metal da arma branca pressionando sua testa a fez pensar duas vezes. O único jeito foi gritar e fazer com que sua voz infante atingisse qualquer ouvido atento ou desatento. Larissa foi violentada e o desgraçado não se importou com seus gritos e grunhidos e ao final de tudo ele ainda a agrediu com a faca.

 

O mais revoltante de tudo isso foi o fato da família ter aceitado às exigências e já ter feito a entrega do montante. E mesmo assim a pobre Larissa teve sua virgindade maculada pelo monstro. No mesmo instante ele pode ver o quão frágil é o ser humano. Encolhida em posição fetal, vestida apenas com sua blusa suja e rasgada, Larissa sente o sangue escorrer por entre suas pernas e isso a fez chorar ainda mais alto.

 

— Ora, ora, minha cara menina. Foi tão ruim assim?

 

Lógico que foi. Foi péssimo. Meninas de quinze anos ainda são crianças e dificilmente pensam em sexo. O desgraçado deixou o quarto sob seu pranto infantil e isso parecia soar como música aos seus ouvidos.

 

*

 

Amo ser policial. Adoro fazer parte de casos onde meu intelecto é acionado e obrigado a funcionar em sua potência máxima. Fragoso me pôs a frente do caso Larissa Oliveira e aqui estou eu. Para ser sincero meus pensamentos no momento se encontram divididos, partidos em três partes iguais. Isso não é bom. Raquel, Marta e é claro, minha missão. Eu decidi ter uma conversa séria com minha namorada já faz dois dias e decidimos voltar. Foi bastante estranho. Tudo ficou acertado entre nós, porém paramos por aí. Não houve uma comemoração habitual, tipo: sexo. Nós nos beijamos rapidamente. Eu disse que a amava e isso foi tudo. Fui embora feliz da vida.

 

Marta Lima, minha magrinha preferida. A perita dos meus sonhos e desejos. Confesso que fiquei viciado nela. Impossível deixá-la pra lá. Sei que estou errado. Tenho ciência do risco que corro em de repente ficar sem nenhuma das duas, mas... Será que o que sinto por Marta é amor de verdade ou somente tesão? Não consigo descrever. Para se ter uma ideia, nessa mesma noite a qual me reconciliei com Raquel, eu voltei para a casa de Marta e lá fizemos um sexo selvagem que durou quase que a noite inteira. Marta é viciante.

 

Agora estou aqui, ao lado de Anderson e Maria Oliveira, pais da pequena Larissa aguardando o desenrolar dos fatos. Desde quando cheguei não desgrudei do rádio comunicador. Tudo foi preparado para efetuarmos a prisão sem pôr em risco a vida da vítima. Olhei em direção a cozinha e lá estavam os dois. Mãos dadas sobre a mesa. Pareciam rezar ou coisa parecida. O tempo todo foi assim.

 

— Chamando, base. — chamou o rádio.

 

— Falcão Peçanha na escuta.

 

— O pacote se encontra a salvo, mas perdemos o alvo.

 

Eu não estava acreditando. Os pais de Larissa Oliveira ao ouvirem a notícia se ajoelharam aos prantos.

 

— Tudo bem, zero dois. E ela está bem, sofreu algum ferimento?

 

— A princípio não, zero um.

 

— Ciente! Leve-a para o hospital mais próximo, nos encontramos lá.

 

— Copiado!

 

Fim de pesadelo, mas eu estava prestes a mergulhar em outro. Encontrar o sequestrador.

 

*

 

Nada melhor para um agente da lei do que proporcionar momentos saborosos para aqueles que confiaram em seu trabalho. O reencontro de Larissa com seus pais foi um dos poucos que me deixaram com lágrimas nos olhos. Fragoso repousou sua mão pesada em meu ombro direito já rasgando em elogios a minha equipe e a mim.

 

— Bom trabalho, garoto.

 

— Obrigado, chefe. Estamos a disposição. — cruzei os braços.

 

— Segue a missão, não é?

 

— Positivo.

 

— Já tem algo em mente?

 

— Com certeza. Vou só aguardar o resultado do exame e seguir com o caso.

 

Rubens caminhou sentido ao estacionamento ainda falando comigo.

 

— Me mantenha informado.

 

Fragoso é um baita capitão. Feliz de quem tem um líder assim, que confia em sua capacidade. Diferente de outros, Rubens lhe dar liberdade para fazer seu trabalho. Tudo o que ele quer é ficar informado a cada passo dado por seus liderados. Disso ele não abre mão. Eu permaneci ali, diante da alegria daquela família comum, mas cheia de um amor que não lhes cabia no peito. Será que um dia conseguirei constituir uma assim também?

 

— Policial, Falcão Peçanha. — disse o pai. — Deus abençoe você e sua equipe.

 

— Amém! — foi só o que veio em minha mente na hora. — o trabalho ainda não acabou, pelo menos não para nós. Vou conversar com sua filha depois, mas só depois.

 

Apertamos às mãos.

 

*

 

Eu resolvi relaxar o restante do dia. Tinha muito o que fazer, porém, a vontade de estar com minha enfermeira predileta falava mais alto naquele momento. Entrei no carro. Respirei fundo e dirigi de maneira automática até o hospital onde ela trabalhava.

 

Na calçada saquei meu celular e fiz uma ligação esperando não ser atendido ou ser atendido e em seguida me pedirem para retornar mais tarde. Por incrível que pareça Raquel me atendeu ao segundo toque.

 

— Oi!

 

— É, oi. Atrapalho?

 

— Não! Estou desocupada agora.

 

— Jura? Que milagre. — brinquei meio receoso.

 

— Menino, acredita que, até eu estou surpresa.

 

O meu coração começou a bater um pouco mais forte e isso era um bom sinal.

 

— Desce aqui. — pronto, falei.

 

— Você está aqui, no hospital?

 

— Estou! — engoli seco.

 

— Dois minutos.

 

No primeiro momento dei aquela enroladinha básica de bom xavequeiro. Senti que Raquel estava impaciente. Na verdade, a bicha queria o mesmo que eu.

 

— Lauro, Lauro. Você é um policial e sabe mais do que qualquer um que, fazer sexo em locais públicos é cadeia na certa.

 

— O que a senhorita me recomenda então?

 

Eu a essa altura já estava explodindo.

 

— Liga o carro. Conheço um lugar.

 

Como eu havia falado no início, Raquel e eu reatamos o namoro, porém não o coroamos com uma boa noite de prazer. Ficamos separados poucos dias, mais foi o suficiente para entendermos que, o que nos une é bem maior que o sexo. A enfermeira é sem sombra de dúvidas uma mulher incrível. Um ser humano digno de amor e ternura.

 

— Preciso voltar agora para o plantão, já devem ter sentido minha falta no setor. — disse ajeitando o rabo de cavalo.

 

— Promete que logo mais teremos o segundo tempo?

 

— O segundo, o terceiro, quarto. — me beijou.

 

*

 

Feliz. Eu estava transbordando de felicidade. Preocupado também, afinal de contas, eu ainda tinha um assunto pendente. Marta Lima, a perita das pernas hipnotizantes. Claro que fui ao seu encontro no I.M.L de Natalina. Assim que encostei meu veículo numa das vagas, de forma repentina, fui assolado por um nervosismo que me fez parar por alguns segundos antes de abrir a porta. É, Marta tem essa capacidade de deixar qualquer um — principalmente seres do sexo masculino — desconsertado ao pensar nela. Se eu já me sentia assim somente em imaginar, o que dirá daqui a alguns minutos quando estarei frente a frente com a beldade.

 

Antes de bater na porta eu já ouvia o som inconfundível do solo de guitarra da banda internacional favorita de Marta. The Scorpions sempre fez parte de sua trilha sonora enquanto trabalha e é uma das principais em sua playlist. Penso eu que, isso é uma forma de espantar os maus fluidos daquele lugar sinistro.

 

— Vamos entrando. — vociferou.

 

— Posso te atrapalhar só um pouco?

 

Ela abandonou sua prancheta azul transparente ao lado do cadáver e abriu os longos braços.

 

— Você nunca atrapalha, meu anjo.

 

Essa fala me deixou emocionado, apesar de já esperar por isso.

 

— A que devo a visita de meu namorado em meu local de trabalho, em pleno expediente?

 

As declarações de Marta não estavam me ajudando em nada, pelo contrário. Fui obrigado a mudar de ideia em cima da hora.

 

— Fiquei com saudades.

 

Nos beijamos e tudo o que eu havia previsto e temido aconteceu. No beijo de Marta há um tipo de encantamento impossível de não ser dominado por ele. Eu a queria mais, muito mais.

 

— Não estou gostando nada desse negócio. Se às coisas continuarem dessa forma, vou acabar ficando mal acostumada.

 

Fui covarde. Minha intenção indo ali era de pôr um ponto final em toda nossa história e, no entanto, lá estava eu como um menino transbordando hormônios envolvido pelos braços da garota amada.

 

— E como vai o caso Larissa Oliveira?

 

Agradeci por ela ter mudado de assunto.

 

— Progredindo. Eu ainda preciso ter uma conversa com ela. Farei isso ainda essa semana. Por enquanto estamos no encalço de um sequestrador sem um rosto, sem suspeitos e o que é pior, não temos pista alguma dele.

 

— Eu não gostaria de estar em sua pele. — ela havia voltado ao trabalho.

 

— Nem eu.

 

Marta ficou em silêncio analisando o corpo do homem negro por alguns segundos.

 

— Procure fazer as coisas devagar. Como meu chefe costuma dizer às vezes: um problema de cada vez.

 

*

 

Um problema por vez. Resolvi tomar para mim esse velho conselho e seguir com a investigação que estava só no começo. No dia seguinte, antes ir ao hospital, acomodei-me em minha cadeira no departamento policial, queria por às coisas em ordem, principalmente em minha mente. Iniciei a organização recapitulando cada ocorrido desde quando a pequena Larissa foi levada. Sim, eu precisava de um tempo só para mim, isso era fundamental.

 

Primeiro ela é levada. Vinte quatro horas depois o sequestrador fez seu primeiro contato com a família e como não podia ser diferente, houve exigências. A essa altura minha equipe e eu já havíamos montado nossa central de monitoramento na sala da residência dos Oliveiras. Toda conversa foi gravada. Vale a pena ressaltar o quanto Anderson e Maria Oliveira confiaram em nosso trabalho, foram dias de muita tensão e além de policiais no exercício de suas funções, não foram poucas às vezes em que tivemos que atuar como psicólogos.

 

Ficou decidido que a família pagaria o resgate e assim foi feito. Tivemos que acreditar na promessa de que ele não mataria a menina assim que recebesse o dinheiro. Em seu último contato ele deu sua palavra que a menina estaria no local combinado e assim ocorreu. Lógico que tudo isso soou estranho para mim, mas o que importava era ver Larissa de volta ao lar com seus pais.

 

Pensamentos em ordem. Hora de entrar de vez na investigação. Eu tinha um sequestrador circulando livremente por aí e isso não seria o principal fator das minhas noites em claro. Recolhi meus pertences e sai.

 

*

 

Na chegada ao hospital o clima já não era o mesmo de antes. Anderson tinha o rosto vermelho e ele não parava de apertar a mandíbula.

 

— O desgraçado abusou dela.

 

— Mais que merda.

 

Estava bom demais para ser verdade. Não há boa vontade quando se trata de um bandido. Ele não a liberaria assim tão fácil.

 

— Posso falar com ela?

 

— Vá lá. — Anderson parecia uma bomba prestes a explodir.

 

A conversa foi entre mim e Larissa e mais ninguém. Sua mãe se mostrou irredutível, mas foi convencida pelo marido a se retirar do quarto. A menina tinha às mãos trêmulas. Isso mexeu demais comigo.

 

— Me ajude a por esse monstro na cadeia. Me diz o que você lembra.

 

— Ele usava o tempo todo uma máscara terrível. — a fala da garota era baixa rápida.

 

— Que tipo de máscara?

 

— De zumbi, feita de borracha.

 

— Você consegue lembrar de algo em específico, tipo: tatuagem, sinal, manchas...

 

Larissa começou a chorar e na mesma hora seus pais invadiram o quarto.

 

— Desculpe não poder te ajudar, tio.

 

— Não faz mal, minha linda. Por hoje chega. Peço que, se lembrar de algo a mais, entrem em contato comigo.

 

— Pode deixar, detetive. — respondeu à mãe.

 

*

 

Às vinte horas Raquel e eu fazíamos amor no quarto da casa dela. Como eu precisava daquilo. Ou melhor, como eu precisava de Raquel em minha vida outra vez. A enfermeira dos meus sonhos foi bem apesar do meu desempenho. Como bloquear algo que martela em sua cabeça quase que sem parar? De um lado a investigação e do outro, Marta Lima. Chega a ser covardia, dois contra um.

 

— E aí, Falcão Peçanha, vamos pro segundo tempo lá no chuveiro?

 

— Nossa, tudo isso é saudade?

 

— Você está mais lento, o que houve, problemas no trabalho? — Raquel se envolveu no lençol.

 

— Alguns.

 

Na verdade, eu não queria esticar o assunto, o dia já havia sido estressante o suficiente.

 

— O sequestro da garota Larissa Oliveira, acertei?

 

Pois é, Raquel mais uma vez se mostrou imprescindível em minha vida.

 

— Em cheio! Acredita que o miserável a violentou mesmo com o dinheiro em mãos? Eu não posso deixar essa passar de jeito nenhum. Nem que eu tenha que revirar Natalina do avesso, mas eu acho esse merda.

 

— O nosso trabalho na área da saúde não é muito diferente de uma investigação policial. Quase sempre precisamos voltar no ponto inicial e dali traçarmos um plano.

 

Voltar ao ponto inicial. Como não havia pensado nisso antes? Sem perceber a minha enfermeira havia assinado o título de mulher da minha vida.

 

— Vá para o banheiro e me espere lá, tenho que fazer uma ligação urgente. — peguei meu celular.

 

— Uau! Gosto de vê-lo motivado.

 

*

 

Minha equipe me aguardava no local combinado. Dez agentes escolhidos a dedo por Fragoso e por mim. O plano era: averiguar os pontos e locais prováveis e não prováveis onde um sequestrador queira fazer de cativeiro. Para isso, tivemos que voltar ao lugar onde Larissa foi deixada por ele.

 

— Bom dia, senhores. — desci do carro. — vamos nos dividir em duplas. Ajustem os rádio para o canal dois.

 

— O que estamos buscando, Falcão? — perguntou Guedes.

 

— Usem o faro policial de vocês. Não temos pistas e muito menos sabemos como o cara é, então...

 

— Com todo o respeito, Lauro, acho perda de tempo, nem sabemos se é aqui o lugar. — despejou Lima.

 

— Verdade. Estou aberto a outros planos.

 

Não houve manifestação.

 

— Algo me diz que esse bandido ainda está aqui. Lima, você será minha dupla. Vamos.

 

*

 

Anderson e Maria observam o sono da única filha e esperam que o mesmo seja reparador e tranquilo, diferente dos últimos dias. Desde quando deu entrada no hospital, Larissa vem sofrendo de insônia e quando consegue dormir tem pesadelos. Apesar da revolta que o consome, Anderson se agarra ao que vem lhe mantendo de pé desde o terrível dia do sequestro. Sua fé. A família Oliveira é sim, religiosa, seguidora dos princípios espirituais e deles não abrem mão de jeito algum.

 

— Deus te abençoe, filha. — rogou Maria.

 

— Venha, vamos comer algo lá em baixo.

 

Assim que deram às costas para o leito o grito de Larissa ecoou pelo quarto.

 

*

 

O desgraçado havia pensado em tudo mesmo. Com o dinheiro que pegou do resgate daria para viajar para outro estado ou abrir um bom negócio na cidade. Nada disso ele fez. Lima e eu fizemos um levantamento sobre compras realizadas nos últimos dias de terrenos, veículos importados e até imóveis. Tudo dentro da normalidade. Sujeito esperto.

 

— O melhor a ser feito é voltarmos para o departamento e...

 

Meu celular tocou. Dei graças a Deus por isso, eu já não aguentava mais ouvir meu parceiro reclamando.

 

— Falcão Peçanha na escuta.

 

— Detetive, Lauro, sou o Anderson Oliveira, a Larissa lembrou de algo importante.

 

— Muito bom. Coloque-a na linha por gentileza.

 

*

 

A ordem foi uma só. Toda equipe foi deslocada para a região onde supostamente Larissa foi mantida em cativeiro. De uma coisa eu não poderia esquecer. Rubens Fragoso, nosso capitão. Assim que encerrei minha conversa com Larissa, foi para ele que liguei.

 

— Você está certo disso, Lauro?

 

— Temos que tentar, capitão, estamos na desvantagem.

 

— Tudo bem. Estou com o mapa da cidade aberto e realmente há uma pequena construção recentemente edificada.

 

— Segunda a menina, o cheiro de material de limpeza, tipo desinfetante e detergente era bastante presente.

 

— Ótimo! Deixe-me fazer uma busca no Google.

 

Não demorou muito para Fragoso retornar com o resultado de sua pesquisa.

 

— Bingo! A aproximadamente dois anos construíram uma pequena fábrica de produtos de limpeza de forma irregular nessa região. Vá para lá agora mesmo.

 

— Positivo!

 

Muito bom! Agora tínhamos uma pista. Poderia não ser muita coisa, mas para uma investigação que até então seguia no escuro, ela valia ouro a essa altura. Lima conduzia a viatura em silêncio, sem reclamar e eu forçando minha mente a trabalhar em seu nível máximo. Quando chegamos ao local verifiquei mais uma vez se a arma em meu coldre se encontrava em condições de uso. Lima fez a mesma coisa.

 

— Presta atenção. Vamos lá dar uma olhada. Diga ao restante do pessoal que se espalhem. Não sabemos com que tipo de gente estamos lidando. Copiado?

 

— Copiado, zero um. — pegou o rádio.

 

Tivemos que seguir a pé pelo caminho de cascalho. O mato não estava tão alto, mas mesmo assim atrapalhava bastante o caminhar, sem falar dos insetos. Sacamos nossas armas e ao chegarmos perto da cerca de arame farpado nos separamos. Lima pela direita e eu a esquerda muito rente ao mato. Havia uma vala negra onde era possível ver nuvens e nuvens de mosquitos. Senti minha nuca se arrepiar. Lima havia desaparecido de vista quando avistei um homem vindo pelo mesmo caminho de cascalho. Ele carregava uma bolsa grande, dessas de viagem na cor preta. Acenei-lhe.

 

— O senhor trabalha aqui?

 

Ele olhou para minha arma e em seguida ergueu os braços.

 

— Eu não fiz nada, sou apenas o vigia, tenho família para sustentar.

 

— Calma! – eu não conseguia falar, o homem parecia uma matraca.

 

— Esse lugar já não está mais funcionando. O dono me paga para cuidar das coisas aqui.

 

— Qual o seu nome?

 

— Charles, Charles Porto.

 

Dava pena. O homem tremia o corpo inteiro, principalmente as pernas, bem provável que fosse um pobre coitado explorado por gente suja.

 

— Muito bem! Seu Charles, o senhor consegue abrir o galpão para mim?

 

— Consigo, sim.

 

Ele abriu a bolsa com uma certa dificuldade devido à tremedeira nas mãos. Charles era um sujeito magro, branco com a pele queimada pelas horas de sol escaldante. Voltei a olhar para a frente da fábrica quando minha visão escureceu. A partir desse ponto eu não me lembro de mais nada.

 

*

 

A primeira coisa que senti ao acordar foi o gosto do sangue que escorria do ferimento em minha testa. A segunda coisa, e essa sim, me deixou apavorado. Charles havia levado minha pistola e possivelmente matado Lima com ela. Atordoado, me levantei e andei com cuidado até a parte de trás do galpão. Sentia a adrenalina circulando a todo vapor dificultando até a minha respiração. O que fazer se Lima estivesse morto ou sob a mira de uma arma?

 

 

 

Faltou pouco para que o golpe dado pelo cabo da arma não causasse um aprofundamento de crânio sério em Lima. Seu rosto encontra-se desfigurado e banhado por sangue.

 

— Cabeça dura a sua. — sorriu se afastando.

 

— É crime hediondo matar um policial. — gemeu ao tentar ficar de pé.

 

— Não me diga, é mesmo? — desdenhou. — então faremos o seguinte; eu não te mato e você me deixa ir. Temos um acordo?

 

Lima não conseguia raciocinar direito. Todo seu corpo e principalmente a cabeça latejava desesperadamente.

 

— Não vai conseguir ir tão longe, seu imbecil, você está sendo procurado.

— Cuidado com o que fala meu camarada, lembrando que eu tenho duas armas. Agora vire-se de costas, uma paralisia vai sair barato para você.

 

— Não ficará impune seu monte de merda, estuprador, safado.

 

Charles Porto mirou, bem no centro das costas, um pouco a baixo dos pulmões. Atirou, mas não acertou, isso porque ele foi atingido na nuca por uma pedra lançada pelas mãos de Falcão Peçanha. Assim como diz o velho ditado: quem não tem cão, caça como gato. Ou seja, sozinho. Um policial precisa contar com a sorte de vez em quando ou pelo menos tentar criar oportunidades para que ela aconteça. Foi o que Lauro fez. A pedrada sacolejou o cérebro do bandido o deixando sem norte por preciosos segundos. Falcão Peçanha não estava pleno de sua forma física, mas avançou contra o sujeito mesmo assim. Dois bons cruzados e em seguida uma rasteira tirando os dois pés de Charles Porto do chão.

 

— Boa, Lauro. — gritou Lima.

 

Uma das armas foi chutada em direção ao parceiro e a outra presa embaixo dos sapatos do detetive.

 

— Você está preso, Charles, não tente resistir.

 

Lima aproximou-se com sua arma em punho. Seu estado era preocupante.

 

— Você está bem?

 

— Vou ficar. — respondeu aplicando um forte chute nas costelas do sujeito já rendido.

 

— Já chega! — vociferou Lauro. — vamos levar esse bosta embora. Levanta, vamos.

 

*

 

Tudo o que uma pessoa de má índole precisa é de oportunidade. Charles Porto realmente havia sido contratado para tomar conta do galpão. O dono da fábrica de produtos de limpeza também responde na justiça por fabricação ilegal de detergentes, desinfetantes entre outros produtos. Charles fazia do seu local de trabalho seu lar, ou melhor, seu esconderijo onde ele praticava seus crimes. Além de sequestrador ele também era pedófilo. Guardados dentro daquela bolsa havia celulares contendo fotos e vídeos de crianças, além do dinheiro do resgate. Larissa Oliveira infelizmente foi a única a sofrer nas mãos daquele monstro. Charles Porto jamais havia sequestrado ou estuprado alguém. Mente vazia oficina do diabo.

 

Graças a Deus os resultados dos exames deram negativos para qualquer tipo de doença sexualmente transmissível, mas o que realmente me preocupava era a saúde mental da menina. Espero que os pais saibam como lidar com as possíveis crises que ela terá — espero do fundo do coração que não tenha. Deixamos o hospital mais aliviados, os pais da garota não paravam de elogiar minha equipe e a mim.

 

— Detetive Lauro, obrigado por tirar aquele cidadão das ruas. — falou Anderson.

 

— Sua menina teve um papel fundamental nessa investigação. — olhei para ela abraçada a mãe.

 

— Espero que ele apodreça na cadeia. — rosnou Maria.

 

Nos despedimos ali. Antes de voltar para o DPN fui até o outro hospital visitar meu parceiro. Eu ainda sentia os efeitos da pancada em minha testa, mas nada que me preocupasse. Lima, sim, me deixava preocupado. Sempre liderei equipes formadas por excelentes profissionais e nunca precisei visitar nenhum deles numa unidade hospitalar. Como dizem os mais velhos: sempre tem a primeira vez, então vamos nessa.

 

— Fala, aí, meu parceiro. — eu disse abrindo a porta do quarto.

 

— Chefia.

 

Meu nervosismo triplicou ao ver sua esposa sentada no pé do leito. Quanta responsabilidade a nossa. Somos agentes da lei. Possuímos autoridade e portamos armas. Combatemos criminosos, porém, atrás de um policial uniformizado há uma família que espera por ele diariamente. Minhas pernas tremeram.

 

— Como vai, Rose?

 

— Ah! O pior já passou.

 

— Cuide desse sujeito, Natalina precisa de heróis como ele. — apertamos às mãos.

 

— Ah! Para com isso. Você salvou a minha vida e eu sou grato por isso. Valeu cara.

 

— Já, já você terá alta. Aproveita os dias que o capitão deu de folga para curtir com a família.

 

— Fragoso é o cara mesmo.

 

Lima tinha razão. Rubens Fragoso era realmente o cara. Ele liberou todos que trabalharam comigo no caso Larissa Oliveira por pelo menos uma semana. Vibramos, é claro, precisávamos desse tempo. Eu principalmente. No caminho de volta para o DPN liguei para Marta Lima. Mais uma vez tentei encerrar o nosso lance e fracassei. O que há de errado em mim? A conversa terminou comigo marcando mais um encontro em sua casa depois do expediente dela.

 

Assim que saí do departamento policial fui direto para casa contar as novidades para dona Jurema Falcão Peçanha, deixá-la atualizada quanto Raquel e eu.

 

— Que bom para vocês.

 

Minha mãe mal tirava os olhos da TV.

 

— Vou pedi-la em casamento.

 

Mamãe girou o pescoço lentamente em minha direção boquiaberta.

 

— Jura?

 

— Juro! — eu estava ruborizado.

 

— Vem aqui, conte tudo para mamãe. — desligou a TV.

 

Foi legal vê-la sorrir. Desde a morte do meu pai, minha coroa, por mais que seja uma mulher incrível, ela se sente sozinha. Realmente havia passado da hora de fazê-la feliz outra vez. FIM.