quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O Sono dos Santos



PARTE 1




“O DESPERTAR”


  Acordei. A brisa suave percorria o lugar bastante iluminado lentamente, e a minha frente, um ser com asas gigantes me olhava com ternura e satisfação. Era um anjo lindíssimo. Olhei ao redor e vi que eu estava em um tipo de corredor totalmente iluminado e cheio de fumaça. O anjo fez um gesto com as mãos brancas e magras me chamando:
- Seja bem vindo Anselmo, segure em minhas mãos. – ao me aproximar do anjo percebi que sua face era semelhante a uma lâmpada fluorescente e suas vestes igual á de um médico. Mal o toquei e logo começamos a voar a uma velocidade média, 60 km, eu acho. Por mais que eu tentasse, eu não conseguiria ver lá em baixo. Olhei para o anjo que parecia não se preocupar com a velocidade em que voávamos. Vez por outra ele voltava o olhar carinhoso para mim com aqueles olhos grandes e negros igual á noite e sorria – já estamos chegando. – ele falou olhando para cima.
  Ao pousarmos, o ser alado me abraçou forte. Senti seu cheiro, senti o quanto era real:
- Onde estamos? – perguntei quase sem jeito.
- Fique tranquilo. Em breve outros virão lhe saudar. – falou já abrindo suas asas.
- Sentirei sua falta! – falei, e ele com sua voz pausada disse me.
- Preciso ir, um outro igual a você acaba de chegar. – subiu a uma velocidade incrível perfurando as nuvens. Andei e ouvi vozes e risos gostosos que me contagiaram. A grama em que eu pisava tinha um verde claro, molhado, e o horizonte ao meu redor exalava um aroma de um perfume que jamais senti. Caminhei rumo aos risos e vozes. Ao terminar de subir um pequeno monte gramado, coloquei as mãos na cintura e vi um grupo de pessoas cantando uma música linda e majestosa. Fiquei louco de vontade de cantar também. Acenei para chama-lhes atenção. Todos me olharam mas não pararam de cantar e com sorrisos me chamaram. Desci correndo e me ajuntei a eles. Incrível, eu sabia a letra da música e o ritmo. Cantei por mais ou menos cinco horas seguidas.
  Olhei para o jardim que estava a alguns metros de nós e um outro ser parecido com o primeiro me chamou. As pessoas uma por uma me abraçaram e me beijaram. Eram moças, rapazes, adultos, idosos e crianças. Corri feliz para o anjo que fez o mesmo e disse:
- Anselmo, venha comigo.
- Vamos andando ou voando?
- Andando. Quero que veja as belezas desse lugar. – me deu a mão fina e iluminada e andamos por uma trilha feita de pedras preciosas, diamantes e outros cristais. – está gostando? – de tão vislumbrado que estava não respondi o anjo e ele riu. – Anselmo, Anselmo. – paramos próximo de um alto monte cheio de árvores e ele me apontou para um campo repleto de pessoas brincando. – está vendo aquelas pessoas?
- Sim!
- chegaram á pouco tempo.
- Elas estão se divertindo bastante.
- Sim, cumpriram sua missão assim como você e agora gozam de seus bons frutos. – ele se virou para mim e apertou meu ombro. – desça, vá se juntar a eles também.
- Sim. Você vem comigo?
- Não. Tenho que voltar, outros estão por vim e eu preciso guiá-los. Vá em paz. – me beijou e decolou deixando seu cheiro suave no ar.

PARTE 2

“COMO CRIANÇAS”


Desci correndo. Minhas pernas pareciam leves, leves demais. Cheguei perto das pessoas e elas me recepcionaram gostoso, com beijos e abraços, uma menininha de cabelos longos e dourados segurou em minhas pernas me pedindo para roda-la. Sem hesitar, a peguei pelas mãos e a rodei. Seu sorriso era contagiante. As risadas penetravam em meus ouvidos como música instrumental. Depois daquela brincadeira fomos para um pomar não muito longe dali. Era um lugar onde o cheiro das frutas maduras imperava. O ar fresco e o sol que não queimava a pele dava as árvores e suas folhas um tom sublime de cores quentes e frias.
  Comemos frutas. Frutas que jamais vi. Seu sabor é algo doce na medida certa. Depois de nos fartarmos com as frutas, andamos mais um pouco e chegamos a um riacho com suas águas cristalinas e fresca. Ali podemos beber e nos banhar. As crianças cantavam louvores infantis e nos os adultos batíamos palmas no ritmo da canção. Resolvi me deitar no gramado e fixei o céu de um azul inesquecível. Vez por outra um anjo sobrevoava cortando as nuvens com suas asas gigantes. Virei me e uma moça lindíssima me olhava meigamente, seus cabelos longos negros e a pele morena e o sorriso estampado me transmitiu uma paz que com certeza eu ficaria ali vislumbrando a luz de sua graça.
  Passamos algum tempo ali a beira do riacho cantando junto com as crianças. Um desejo enorme me bateu e eu não pude resisti:
- Qual o seu nome?
- Me chamo Alexandra, e o seu?
- Anselmo. Há quanto tempo você esta aqui?
- Sinceramente ainda não parei para contar. - ela deu uma pausa. – Veja, um anjo vem vindo, vamos perguntar a ele. – ela começou a acenar e o tal anjo pousou suavemente causando com suas asas um curto vento.
- Pois não serva do altíssimo? – sua voz era grave e firme.
- Há quanto tempo estou aqui? – ela segurou na mão do anjo.
- Há quase mil anos. – ela se virou e sorriu para mim. – mais alguma coisa?
- Não. Obrigada.- ela o beijou e o anjo subiu numa velocidade fantástica.
  Caminhamos de mãos dadas por todo o campo até que Alexandra parou e me puxou para uma brincadeira de roda. Brincamos por horas. Seu rosto transmitia paz e leveza. Suas mãos eram finas e macias e perfumadas:
- Vamos cantar juntos daqui a pouco.
- Vamos sim.




PARTE 3


“O PERFEITO LOUVOR”



  Alexandra e eu chegamos próximos a um altar onde dois anjos portando instrumentos de corda, pareciam nos aguardar. Fomos saudados. O altar era florido com um arco íris que cobria o trono com suas cores radiantes. Alexandra se ajoelhou e começou a entoar um louvor tão lindo e profundo que logo após eu também me vi ajoelhado e cantando. Os agudos que Alexandra dava, cobria aquele lugar como uma brisa fina e fresca. Os anjos instrumentistas acompanhavam gloriosamente o cântico. O louvor foi ficando intenso até que uma luz brotou do trono ofuscando nossos olhos e então caímos com os nossos rostos no chão em adoração. Os anjos pararam de tocar e também caíram com o rosto no chão e dizendo “Santíssimo somente é o Senhor”.
  Saímos dali com uma felicidade sem igual. Alexandra sorria e ria alto, continuando a cantar. Sua voz era maravilhosa, dividi voz com ela e escutei outras vozes atrás de nos e ao me virar, um grupo de quase mil pessoas cantavam a mesma canção que Alexandra. Um coral. Um grandioso coral se formou. No céu os anjos davam rasantes e cantavam também. Olhei ao redor, no alto dos montes vi mais pessoas cantando. Eram mulheres, crianças, idosos. Obedeçamos á palavra do Senhor, vamos trabalhar. Vamos.
  Em fila caminhamos numa trilha estreita mais de uma paisagem formidável. Cascatas, florestas, rios cristalinos. Eu não sabia para onde olhar, tudo era tão belo que nem senti que caminhamos durante vinte quatro horas. Quando chegamos, o jardim era simplesmente o jardim de Deus. Múltiplas cores, um perfume parecido com o do sândalo, as flores douradas refletiam o sol e no meio do jardim um anjo separava os grupos. Cada um pegava das mãos do anjo uma ferramenta, a minha foi um ancinho bastante leve. Depois ordem dada pelo anjo, começamos nossas atividades. O mesmo velho iniciou um cântico e todos foram no mesmo tom.
  O trabalho era agradável. Juntei as folhas e elas se renovavam e voltavam para suas devidas árvores. Nunca vi nada igual, parecia um balé. Alexandra me tocou no ombro e me mostrou uma menina de aproximadamente dez anos recolhendo os regadores:
- Quero que conheças Isabel. Venha.
  Isabel era uma menina linda de cabelos longos e claros, os olhos meio que puxados e de um tom de voz macio:
- Isabel. Este é Anselmo, ele ficará conosco.
- Verdade. Muito prazer Anselmo. – pulou em meu pescoço quase que me derrubando. Senti seu carinho e ternura e ao fundo a voz do anjo ordenando que parássemos de trabalhar:
- Servos do altíssimo. Agora cada um para a sua morada com seus irmãos. – formamos a mesma fila e caminhamos pela mesma trilha estreita cantando louvores.

PARTE 5


“A MORADA”


 Alexandra, Isabel e eu fomos guiados por um anjo de fala pousada, suas vestes iguais a de um médico, de tão brancas, chegavam a ser quase transparente:
- A morada em que ficarão é por aqui. – andamos mais um pouco até que avistamos uma grande casa com telhas tipo colônias. As paredes feitas de pedras preciosas e a porta era algo bem trabalhado, parecia ter sido feita á mão. A primeira a entrar foi Isabel seguida de Alexandra. Quando me virei para me despedir do anjo ele já não estava mais lá, somente o teu perfume restara. Não entrei, resolvi olhar os fundos da minha morada. Dei a volta e o nosso quintal era grande. Tinha um jardim. Uma lagoa com gansos e outros pássaros. Fui até a lagoa, toquei nas águas, elas eram límpidas, consegui ver os peixes lá no fundo, parecia um aquário. Ouvi as vozes de Alexandra e Isabel cantarolando um louvor lá de dentro da mansão. Atravessei o jardim e vi outras moradas iguais a minha. Percebi que todos já haviam se recolhido. Olhei para o alto, o céu estava azul e ensolarado. Mais uma vez a paz me inundou. Me joguei no gramado e entoei um curto cântico assim:
   “Sinto sua paz, sinto tua presença aqui.
    Sua majestade, sua luz é para mim.
   Motivo de grande alegria.”
  Me levantei e entrei. Lá dentro tudo era bem iluminado e perfumado. Não havia moveis e nem quase cômodos. Um altar lindo no meio da sala onde Alexandra e Isabel adoravam ao Senhor ajoelhadas. Me juntei a elas e ali ficamos bem juntinhos de mãos dadas não sei por quanto tempo. Só sei que era muito bom. Meus lábios pronunciavam elogios a Deus e não paravam mais. Olhei para Isabel e a menina chorava e sorria ao mesmo tempo. Alexandra me abraçou e começamos a chorar e a cantar. Isabel se levantou e começou a dançar no meio da sala.
 Depois de tudo. Estávamos ainda adorando quando tocaram a nossa porta. Fui atender e um anjo de olhos vivos e grandes falou:
- Anselmo. Tome. – me deu uma caixa. Se despediu e levantou vôo. Curioso, resolvi abri-la. Isabel veio correndo querendo saber o que havia dentro da caixa que possuía duas cores. Dourada e azul com o meu nome escrito com letras garrafas. Dentro havia um papel, um tipo de telegrama. Estava escrito assim; “Parabéns servo meu,cumpriu com excelência sua carreira e hoje desfruta de meu gozo.” A emoção foi muito grande. Recebi uma carta de boas vindas escrita pelo próprio Deus. As meninas me abraçaram e me beijaram. Eu só sabia chorar de alegria.
  Saímos e encontramos com um homem aparentando ter quase a mesma idade que a minha. Ele tinha nas mãos três pastas com diversas músicas:
- Hoje vamos cantar todas as músicas que estão nestas pastas para o Rei.
- Não vejo á hora. – exclamou Alexandra.
- Quem é ele? – perguntei.
- É o nosso regente.- disse Isabel.
- Me chamo Gustavo, estou aqui á duzentos anos e você?
- Sou Anselmo, cheguei hoje. – ele me abraçou de uma forma bastante afável e me entregou uma pasta e me intimou.
- A primeira musica é sua. Você irá cantar sozinho.
- Quer dizer que eu vou cantar para o Rei hoje. – meu sorriso contagiou as meninas e a Gustavo.
- Sim. Você é um privilegiado. – Gustavo me segurou pela mão e fomos cantando rumo ao castelo do Rei.

PARTE 6



“UMA CANÇÃO PARA O REI”


  A caminhada foi bastante agradável. Gustavo era um homem admirável. Sua voz era sensacional, tanto falando como cantando. Gostei dele. Aqui é impossível não gostar das pessoas. Elas são simplesmente dignas de todo o nosso amor.
  Quando olhei para trás vi também outras pessoas vindo com pastas douradas e brancas nas mãos. Senti que seria um dia de grande louvor ao Rei. Os sorrisos nos lábios diziam isso. Passamos por um campo cercado. O verde da grama era tão vivo que refletia em nossas vestes. Nesse cercado haviam ovelhas, todas elas brancas. Nos misturamos a elas. Acariciei uma delas. Como eram mansas, como eram limpas. Eram milhares delas, um número incontável.
  Chegamos. O castelo do Rei tinha toda a sua estrutura feita de ouro polido. Dois anjos formosos estavam a nossa espera:
- Vamos entrando o Rei vos espera. – a entrada é algo extraordinário. O umbral da porta gigante me encantou. Tudo feito à mão com riqueza em detalhes. Tudo era de ouro. As paredes, a escada que conduz ao segundo andar. Havia pouca coisa em madeira, como as mesas, as cadeiras e o corre mão da grande escada. Subimos até o segundo andar onde se encontra o trono do Rei. Os anjos formosos vestidos como guardiões reais nos conduziram por um corredor estreito porem muito iluminado. Nas paredes do corredor havia luminárias de diversas cores e a que predominava era o azul claro, uma coisa linda de se ver.
  Chegamos a um tipo de salão onde existia um outro trono. Um único trono também feito de ouro puro polido. Gustavo organizou rapidamente o grande coral. Simultaneamente todos os coristas abriram suas pastas. Gustavo fez um sinal me chamando para o ponto mais alto do salão e de frente para o trono. Fechei meus olhos e comecei a cantar, e a cantar gloriosamente. A música tinha uma letra muito profunda. Com meus olhos ainda fechados, continuei a cantar e de repente uma força descomunal invadiu todo o salão e todos nos caímos de joelhos. Continuei cantando. Temi abri os olhos. Sabia que havia alguém sentado no trono. Cantei com mais intensidade. O nosso louvor inundou o salão e ele ficou cheio de fumaça. A pessoa no trono ficou translúcida. Mais eu ainda estava de olhos fechados. Sabia que era Jesus, o Rei dos reis, estava ali sentado no trono recebendo nosso louvor.
  Sim, eu estava frente a frente com Jesus. A emoção foi tanta que eu só sabia chorar e cantar. Gustavo se levantou e me ajudou a levantar. Seus olhos marejados brilhavam com a luz vinda de Jesus. Já de pé mais de cabeça baixa por temer olhar diretamente para o Rei, ouvi sua voz dizer:
- Maravilhoso esse louvor Anselmo. Não precisa ter medo, olhe para seu Senhor e Rei. – Ainda assim continuei de olhos fechados – meu servo, abra os olhos, você me serviu com fidelidade lá na terra, agora chegou o momento de vê como eu realmente sou. – bem devagar fui abrindo os olhos. Muito devagar mesmo. Pouco a pouco a distorção da visão causada por ficar muito tempo de olhos fechados foi passando ai então pude ver Jesus sentado em seu trono.


PARTE 7


“UM PASSEIO COM O REI”


  Jesus era um homem bastante diferente de como eu o imaginava. Cabelos nem tão longos e nem tão curtos. Bem mais novo que eu. Sua autoridade era visível, os anjos formosos o adoravam constantemente. Sua coroa era vistosa coberta de pedras caríssimas e raríssimas. Quando tudo terminou, Jesus convidou a todos para um passeio pelo seu reino de amor. Na parte de trás do castelo havia uma imensa província com diversas casas. Cristo segurou na mão de Alexandra e de Isabel e o restante veio atrás falando assim “Reis dos reis e Senhor dos Senhores”. Jesus sorria. Caminhamos pelas ruas da província. Chegamos num largo onde havia um altar. Ali Jesus pediu que formássemos um circulo. Mais que rápido o circulo se formou e o Senhor falou:
- Minhas ovelhas, es aqui o reino do filho de Deus chamado de Amor. Ficarão comigo hoje, desfrutem do reino do amor. – se tudo já estava bom, agora então estava maravilhoso. Nos sentamos no gramado junto com Jesus que vestia uma veste real de puro linho branco. Como ele se divertiu com as crianças. Corria de um lado para outro com elas. Isabel corria e se jogava no colo do mestre. O que mais me deixava admirado por Jesus é que ele era um homem simples, um Rei simples, o meu salvador, o homem que morreu por mim numa cruz estava agora ali há um metro de distancia de mim. Eu o toquei, senti seu cheiro, ouvi sua voz. Isso me motivou a me aproximar dele mais uma vez:
- Senhor! – ele com os olhos meigos me atendeu com um sorriso aberto:
- Diga filho. – acariciando os cabelos de Isabel.
- Muito obrigado, por tudo que o Senhor fez por mim. – continuava a me olhar sorridente. – o Senhor fez por mim o que mais ninguém faria. – chorei de alegria em poder falar isso pessoalmente com Cristo. Ele me segurou pelas mãos e me puxou para seu colo e bem devagar começou e alisar meus cabelos.
- Filho. Foi um prazer enorme fazer tudo aquilo por você. Todos vocês são especiais para mim, tudo aquilo valeu muito a pena, - pequei em sua mão e a beijei. Tentei ver as marcas dos cravos em seus pés. Não estavam lá.
  Todos queriam ficar perto de Jesus. Como era gostoso ouvir sua voz. Sua risada contagiante e seu brilho que iluminava toda a província do amor. Mais uma vez cantamos louvores a ele. E ele cantou junto, abraçado a uma senhora de cabelos brancos que soltava a voz docemente. Que cena linda. Que lugar de paz, onde só o amor reina. Onde podemos desfrutar da presença de Jesus. A ele toda a honra, gloria e louvor.
    
PARTE 8


“O LUGAR DOS APÓSTOLOS”



Depois de uma deliciosa confraternização, Jesus nos levou a uma outra parte da província, um lugar de casas de diversos tamanhos e formatos. Descemos um pequeno vale e chegamos ao local. Havia vários homens com vestes brancas e douradas. Jesus chamou um deles e para minha surpresa era:
- Pedro, venha até aqui! – do meio da roda de doze homens, um senhor de quase sessenta anos caminhou rapidamente em nossa direção sorrindo:
- Diga mestre? – sua voz era um pouco rouca.
- Quero que conheça um irmão nosso, ele chegou hoje aqui. – olhei para ver a quem Jesus se referia e percebi que era de mim de quem Jesus estava falando.
   Recebi um forte abraço do apóstolo Pedro que chamou os outros onze:
- Venham conhecer o nosso mais novo habitante do reino de Deus. – um a um os homens me cumprimentaram. Os apóstolos eram homens admiráveis, simples mais admiráveis, não foi á toa que Cristo escolheu a dedo todos eles. Jesus caminhou sozinho até uma esquina e chamou por mais um nome:
- Paulo, venha! – olhei atentamente quem dobraria a esquina e depois de alguns segundos lá estava o autor das mais edificantes cartas das escrituras. Um homem razoavelmente baixo com postura de um governante. Sua imponência me deixou maravilhado. Ao mesmo tempo em ele passava uma certa seriedade, Paulo também Demonstrava uma doçura sem igual:
- Es me aqui Senhor. – Jesus colocou a mão em seu ombro direito e me apresentou:
- Anselmo é o nosso mais novo morador do Reino de meu Pai. – Paulo caminhou e me abraçou. Era um homem que transbordava inteligência e autoridade.
  O lugar onde os apóstolos moravam era simplesmente adorável e não era restrito somente a eles, outras pessoas habitavam ali. Gente de todas as idades e nações. Japoneses, chineses, americanos, africanos entre outros. Todos juntos num lugar onde o amor é o principal e único sentimento.


PARTE 9

“RUMO AO SANTÍSSIMO”


Isabel, Alexandra e eu voltamos para a nossa morada adorando a Deus. A felicidade estampada em nossa face nos faziam brilhar. Nos sentíamos leves. Um vento repentino nos envolveu e seu frescor era convidativo a uma canção. Olhei para o céu azul intenso e vi milhares de anjos, todos eles vestidos iguais a médicos. Eram muitos, um mais belo que o outro. Eles faziam manobras e davam rasantes deixando um aroma delicioso no ar. Percebi também que eles voavam em uma só direção. Isabel ficou empolga e quis voar junto com os anjos. Alexandra apontou para onde eles estavam indo, era distante de onde estávamos, onde o sol brilhava intensamente:
- O que tem lá? – perguntei.
- Lá é a morada do Pai, do nosso Pai. – respondeu Alexandra.
- Deus habita lá? – arregalei os olhos.
- Sim. Não percebeu que o sol que brilha vem de lá? – falou Isabel.
- Pois é. É lindo demais, e eu posso ir lá?
- Claro, é a casa de seu Pai, Anselmo. Aproveite e siga os anjos, certamente Deus os chamou até lá. – depois que Alexandra terminou de falar, corri como louco para alcançar os anjos que ainda se voavam rumo ao lugar onde Deus habita. O barulho das asas me guiavam e eu corria sem me perder.
   Passei por jardins com flores cuidadosamente plantadas e separadas por cores. Percorri por pomares espetaculares, de árvores que dão frutos que jamais vi.  Pelas cores e tamanhos pareciam apetitosos. Não havia tempo para come-los, eu tinha que seguir a rota dos anjos. Certo eu estava que eu não iria me perder. Algo dentro de mim me impulsionava para me encontrar com Deus. Com o criador do mundo onde vivi e que criou o mundo onde estou vivendo. Esse mundo de paz e maravilhas. Meu coração batia forte, eu corria com uma velocidade incrível e sem me cansar.
  Cheguei a um lugar cheio de pessoas cantando e outras de joelho adorando, senti que estava próximo, diminui o passo e as pessoas vieram ao meu encontro me abraçando e falando meu nome. Uma senhora segurou em minha mão e a beijou:
- Acabei de vir de lá. O senhor é maravilhoso vá também conhecer o Deus a quem você serviu com amor e fidelidade, meu irmão. – beijou-me a face e eu me alegrei:
- É muito longe daqui irmã?
- Continue andando e não se preocupe, você não vai se perder, Ele mesmo irá te guiar.
   Sai dali empolgado. Como a face daquela irmã estava resplandecente, realmente ela esteve com Deus, igual a Moisés naquela passagem da sarça. Subi um monte verde e alto. Desci um vale de flores amarelas com orvalhos em suas folhas. Pequei um caminho com grama rasteira e plantas raríssimas. Olhei para o céu e os anjos continuavam a voar em uma só direção. Parei para admirar a vista. Era uma vista simplesmente digna de adoração. Ao longe avistei um sol. Mais não era um sol comum. Era uma luz forte, dourada, intensa:
- Lá está Deus, eu tenho certeza. – desci até chegar próximo do sol gigantesco. Os anjos sumiam ao pousarem na esfera dourada. Mais quinhentos metros e eu chegaria ao sol de Deus. De repente uma força descomunal me puxou como o imã atrai o metal. Olhei para o chão e vi que estava flutuando, uma coisa muito gostosa, fantástica, sem igual.
    Meus olhos se enchiam com as cores daquele espetáculo proporcionado pela luz de Deus. Aquele sol, eu tinha certeza que Deus habitava ali. A força continuou a me puxar até que meus pés pisaram o chão. Minhas pernas estavam agora me guiando. Não havia calor, não havia medo, só a imensa vontade de conhecer o criador do mundo. Parei de frente para um portal onde a luz era mais forte. Toquei na porta e novamente a força me puxou para dentro do sol. Lá dentro tudo era perfeito, extremamente limpo, organizado, aromatizado, não havia moveis, nem janelas, não havia um trono como eu imaginava. Então me fiz uma pergunta. Onde estaria Deus? Eu estava dentro do sol, onde o Senhor mora, e onde ele está. Olhei para a parte de cima da esfera e perguntei:
- Deus. O Senhor está aqui? Sou eu, o Anselmo.








“PARTE FINAL”



“O CULTO”



   Chamei mais uma vez:
- Senhor, sou eu, o Anselmo. Permita-me estar em sua presença. – o silêncio dentro da esfera me envolveu. Lá fora não havia mais os anjos. Não seria ali o lugar? Me voltei para o portal na intenção de ir embora. Comecei a caminhar quando alguém segurou a minha mão:
- Filho estou aqui! – me virei para ver quem falava comigo e nada, não via ninguém. Somente a voz como de um trovão falava. – seja bem vindo ao meu lar. – esfreguei os olhos para ver direito e nada. A voz continuava a falar me saudando. – a sua partida da terra foi trágica mais tudo teve um propósito. – a mão que eu não conseguia ver ainda me segurava. Tomei coragem e falei:
- Senhor. Permita que meus olhos possam te ver.
- Esse é o teu desejo meu servo?
- Sim – gaguejei.
- Não precisa temer, se desejas me ver farei isso. – dentro da esfera a luz se intensificou a quase me cegar. Deus disse. – abra os olhos e veja. – ao abrir os olhos vi Isabel sorrindo vestida de branco.
- Isabel ?
- Pois é eu sempre estive contigo e você não percebeu.
- Eu te imaginava diferente.
- Todos me imaginam diferente. – a voz era de Isabel, mais eu sabia que era Deus quem falava comigo. – vamos dar um passeio. – Isabel segurou forte a minha mão e de repente nós estávamos flutuando sob o planeta terra. Foi sensacional. – veja que maravilha filho. – olhei e já não era Isabel e sim Gustavo. – tudo que criei foi perfeito. E eu sempre estive no controle de tudo.
- Sempre fui curioso para conhecer o espaço e agora, aqui estou eu flutuando sem precisar de foguete ou ônibus espacial.
- Não é fantástico. E você ainda não viu nada. Venha comigo.
  O Senhor me levou para passear nos anéis de saturno, e ali conversamos sobre varias coisas, uma delas foi sobre muitos não acreditarem em sua existência:
- É lamentável. O meu plano é que todos se salvem e crêem que eu enviei Jesus para a redenção de todos.
- E quando essas pessoas morrem sem o Senhor.
- Você sabe muito bem o que acontece. – nessa hora abaixei a cabeça. – levante a cabeça, vencedor, você é um salvo e está aqui agora comigo. Você cumpriu os meus mandamentos, me serviu com sinceridade e amor e agora desfruta das minhas maravilhas, você venceu, por isso esta aqui.
- Senhor. – me ajoelhei perante Deus na figura de Gustavo. – é muito bom está aqui, sentir o teu toque, ver a tua face, ouvir a tua voz, eu lhe agradeço por Jesus, lhe agradeço por ter enviado aquela pessoa para assim pregar ai então a minha conversão aconteceu, muito obrigado.
-Anselmo. Você sempre foi para mim uma pedra preciosa, desde o dia de sua concepção. Eu sabia que você viria para o meu reino e esse dia chegou. Venha, me dê um abraço, eu sei que você anseia por esse momento. – me levantei e, ao abraça-lo sentir o perfume de Alexandra. O abraço foi demorado e por fim era mesmo Alexandra. – vencedor. – ela disse com um sorriso enorme e quando olhei ao redor, percebi que estávamos no meio do oceano andando sobre as águas.
- Senhor permita-me perguntar só mais uma coisa?
- Pode vencedor. – a voz de Alexandra era algo agradável de se ouvir.
- Por que o Senhor não se revela como o senhor realmente é. Primeiro foi como Isabel, depois como Gustavo e agora como Alexandra.
- Eu sou Deus de amor e você amou muito a essas três pessoas, por isso me transfigurei nessas pessoas.
- Gostaria muito de ver o Senhor.
- Muito bem, vou te levar até sua morada, ao chegar lá, vá até o quintal na parte dos fundos, estarei te esperando.
   Quando pisquei, eu já estava dentro de minha morada com Alexandra e Isabel. A menina estava na janela e a moça adorando no altar. Caminhei e atravessei a porta. Contemplei o paraíso com anjos voando no céu azul. Observei também a multidão de pessoas salvas desfrutando do reino do amor. Dobrei a morada e fui rumo ao quintal na parte dos fundos. Meu coração parecia que iria saltar pela boca. A cada passo a expectativa aumentava. A luz azul que vinha dos fundos era um espetáculo a parte e antes mesmo de virar outra vez, Jesus me apareceu do nada e disse:
- Anselmo. Eu lhe apresento, meu pai. – então terminei de dobrar a morada e vi Deus num alto e sublime trono. Dois anjos vestidos de puro linho. Cada um de um lado do trono. Eu vi Deus como ele é. Maravilhoso, grande, tremendo, majestoso, poderoso, rei, altíssimo, misericordioso, bondoso...


FIM








“O SONO DOS SANTOS”
Meu primeiro dia no céu









Uma obra de JULIO SANTOS



Nota do autor


Como um bom crente que sou, sempre quis saber como é o céu. Confesso que fiquei receoso quando comecei a escrever esta obra. Temi esta escrevendo uma heresia ao invés de uma ficção. Tudo que descrevo neste livro é exatamente como imagino o nosso lar celestial. Um lugar de paz, um lugar onde a presença do Senhor é constante e a adoração é o cotidiano. Espero que essa história que não passa de uma ficção venha abrir os seus olhos e fazer você entender que o céu existe e que o inferno também. As vezes nos pegamos cometendo uma ingratidão dizendo para nos mesmo “será mesmo que há um lugar onde não haverá choro e nem dor, onde Deus vai enxugar de nossos olhos toda a lagrima”. Deus é amor e com certeza ele preparou para os que o serve com sinceridade, um lar, um lar lindo, puro onde o inimigo estará ausente para todo o sempre. Curta cada pagina e que o Senhor venha a abençoar a você e sua família.

 









 
   





 


domingo, 25 de setembro de 2016

ACONTECEU no ÔNIBUS



Gilmar entra na padaria. A linda balconista o atende com um sorriso maior que o próprio rosto.
- Bom dia senhor Gilmar!
- Bom dia Rose, hoje vou levar as coxinhas que tanto você insiste para eu experimentar.
- Ai que bom, garanto que o senhor não vai se arrepender. - bate palminhas. - vai levar mais o que?
- Cem gramas de mortadela, cem de queijo e cinco pães, por favor.
- Tudo bem.
Antônio entra na padaria e ao ver seu velho amigo ali, a festa foi garantida.
- Grande Gilmar!
- Grande Antônio. - o abraça. - como tem passado?
- Fora as dores na coluna o restante vai tudo bem, e minha comadre?
- Beth tem passado por momentos complicados com a saúde também, mas, estamos acertando.
- A velhice vem chegando e com ela as dores, as chatices, reparou que todo velho é meio chato? - Antônio debocha.
- Pois é, eu faço de tudo para não ser assim, quero ser um coroa maneiro.
Rose surge no balcão com o pedido de Gilmar.
- Pronto seu Gilmar, deu 16 reais tudo!
Gilmar enterra a mão no bolso e retira uma nota de vinte.
- Aqui está!
- Vai querer troco? - brinca Rose.
- Oh se vou querer.
A conversa do dois amigos continua do lado de fora da padaria.
- Rapaz, outro dia. - começa Gilmar. - passei por uns maus bocados dentro do ônibus.
- O que houve? - Antônio cruza os braços.
- Fui ao banco, a fila dos velhos estava enorme, eu já sai de casa com vontade de mijar, pois bem, a fila estava enorme, demorei quase duas horas lá dentro, minha bexiga parecia que ia se romper a qualquer momento…
- Você não podia pedir alguém que guardasse seu lugar na fila? - Antônio coça a barba.
- Você sabe como eu sou, não confio em ninguém.
- Caramba, entra ano, sai ano, você continua o mesmo. - Antônio balança à cabeça negativamente.
- Ai, eu fiquei ali, parado, me segurando para não mijar nas calças. Quando finalmente chegou a minha vez, eu tive que ir até o caixa bem devagar, eu estava explodindo, recebi meu pagamento e vim embora.
- Agora sim você parou no bar e mijou?
- Claro que não, eu gosto de mijar no meu banheiro, na minha casa.
- Mas Gilmar, isso faz mal, segurar mijo por tanto tempo assim.
Gilmar franze a testa.
- É mesmo?
- Sim, acho que desenvolve calculo renal, não sei se é verdade.
- Melhor ver no Google. - ambos riem.
- Bom, deixa eu terminar, preciso ir para fazer o café de dona Elizabete. - pigarreia. - ai cara, meu ônibus demorou a vir, fiquei no ponto me contorcendo e me arrepiando. Do meu lado tinha uma mocinha que não parava de falar no telefone, e você sabe como isso me irrita, pessoas falando alto e sem parar. Depois de alguns longos minutos veio o ônibus, graças a Deus a menina não subiu. Cara, quando achei que tudo estava indo bem, o pior aconteceu…
- Ai, meu Deus! - Antônio arregala os olhos.
- Engarrafamento. - fala lentamente.
- Putz, que merda hein!
- Merda? Coloca merda nisso. - algo entra nos olhos de Gilmar e ele pede para que seu amigo sopre. - valeu, odeio quando um cisco entra nos olhos.
- E quem gosta?
- Sei lá, tem doido pra tudo!
- E ai, o que você arrumou, desceu pra mijar?
- Que nada, segurei firme. Cara, simplesmente o ônibus não andava, parou de vez.
- Se fosse eu, pedia o motorista para abri e eu desceria.
- Tem que ser guerreiro, Antônio, segurar firme. - pega no ombro ossudo do amigo. - pois bem, lá estava eu, com a bexiga cheia, o trânsito parado, meia hora, de repente, olho para o lado e o que vejo? Uma mulher com uma criança. A bolsa da criança estava semi aberta, logo localizei a mamadeira vazia.
- Meu pai, você não fez o que eu estou pensando? - Antônio levanta uma das sobrancelhas.
- Cara, pior que fiz. Peguei a mamadeira sem ele ver, abri, olhei para os lados, todo mundo reclamando do trânsito, abri meu ziper e me aliviei, mijei muito, até quase transbordar. Coloquei a tampinha e botei a mamadeira de volta no lugar.
- Caramba Gilmar, que maldade. - cruza os braços outra vez.
- O pior você não sabe, a criança começou a chorar e ela deu a mamadeira para o menino, ela era babá da criança, ela achou que a patroa tivesse feito chá.
- E ai?
- O moleque tomou e gostou, parou de chorar. - limpa a garganta. - muito curiosa, a babá experimentou e ainda elogiou, deu para ouvir o que ela disse, “nossa, que chazinho gostoso, né bebê, quentinho e docinho”. Cara, quando ouvi isso, não aguentei, comecei a rir, baixinho ,mas ri a valer.
Meio constrangido Antônio fala.
- Cara, se eu fosse você pararia de ri.
- Ué, porque?
- Urina doce não é bom sinal.
- Não? - diz com olhar soturno.

- Não, e quando o mijo está assim, “docinho” o nível de diabetes está altíssimo. - bate no ombro do amigo. - é Gilmar, melhor você ver isso hein, tenha um bom dia!

terça-feira, 20 de setembro de 2016

LIGA dos PODEROSOS - Grupo Naja - "O resgate"



Ele olha mais uma vez com seus olhos pequenos e apertados para a entrada do prédio. Liu tira as mãos do volante da picape e pega o rádio no banco do carona.
- Consegue ver alguma coisa, Fante?
- Nenhum movimento!
- Tudo bem, mantenha a posição, câmbio?
- Pode deixar comigo!
A espera é angustiante. Ainda mais quando não se sabe o que pode acontecer. Jamal, um dos membros da liga está nas mãos dos terroristas a quase trinta horas. Toda equipe foi mobilizada para a possível sede dos bandidos que até agora não contactaram com restante do grupo. Liu morde os lábio e volta a acionar o rádio.
- Neto?
- Neto na escuta!
- Vê alguma coisa?
- Nada, teremos que invadir o local!
- Você acha que essa é a melhor saída?
- Qual outra opção temos?
Silêncio
- Ótimo. - respira profundamente. - vamos invadir, chega desse sofrimento, Jamal pode está em perigo.
- É assim que se fala!

Liu abandona a picape e segue a pé. Vestido como um típico mestre de kung fu, o jovem chinês passa com cuidado pelo portão da casa e tenta observar pela fenda. Forçando um pouco ele consegue ver dois homens com metralhadoras no alto da varanda. O jeito é ir por trás.
Na parte de trás da casa há um segurança portando uma 45. Fácil demais para Liu. Como um animal veloz, o chinês avança acertando um chute no tórax do bandido que bate com o corpo no muro. Sentindo que seu adversário ainda o ameaça, Liu corre para desarmá-lo. Ele consegue aplicando uma chave de braço. O homem grita e solta a 45. Liu a chuta para longe.
- Vamos lá, comece a falar.
- Falar o que? - diz trancando os dentes.
- Quero saber onde está Jamal.
- Quem é Jamal?
- Está brincando comigo. - força mais a chave. - vou quebrar seu braço se não falar.
- Tudo bem, tudo bem, eu falo, droga, ai! - Liu alivia a pressão. - aquele negro está lá dentro amarrado.
- Ele está ferido? - volta a fazer pressão.
- Sim, sim, um pouco.
- Em qual parte da casa ele está?
- No banheiro, está molhado, o chefe as vezes o tortura com choque.
A raiva sobe até a cabeça deixando Liu descontrolado. Quando deu por si ele já havia quebrado o braço do sujeito que se contorce no chão. Para acabar com o sofrimento do bandido ele soco o apagando. Ofegante ele olha para o muro e resolve sozinho invadir.
É preciso agir rápido. Jamal está sendo torturado a horas. Logo Jamal, um cara que não merece passar pelo que está passando, ninguém merece. Liu consegue pular o muro e rolar para trás de uma árvore. Dali ele consegue ver mais um segurança armado. Como uma sombra o chinês vem por trás e o golpeia forte. O homem perde o ar e cai. Liu pega a pistola e segue.

Lá fora, Neto e Fante chegam perto do portão. Fante olha ao redor e nada vê.
- Liu não foi louco de entrar sozinho, não foi? - pergunta o judoca.
- Temos que esperar o contato dele.
- Sabe, as vezes me preocupo com Liu, de uns tempos pra cá ele vem agindo por ímpeto, isso não é bom.
- Quando isso tudo terminar, iremos fazer uma reunião com o mestre. - coloca a mão no ombro do gigante. - vai ficar tudo bem.
- Assim espero, cara, assim espero.

O queixo do bandido se desloca com o forte chute de Liu em seu rosto. O jardim agora está limpo. Abaixando o oriental alcança as escadas que dão acesso à varanda. Os dois seguranças fumam maconha. Hora de acabar com tudo isso. Liu pega uma pedra e a joga. Um dos homens vai olhar qual a procedência do barulho abandonando seu posto. O outro continua puxando seu baseado quando tem o pescoço quebrado. Ao voltar e ver o colega morto ele saca o rádio, mas antes de falar ele também é morto. Liu coloca os corpos lado a lado e pega o rádio entrando em contato com Fante.
- Limpei o terreno, podem entrar.
- Você o que?
- Estou na varanda da casa, vocês me darão cobertura, vou tirar Jamal dessa. - desliga.
Fante bufa apertando o rádio.
- Liu entrou sozinho, ele podia ser morto, será que não pensa! - vocifera.
- Calma, Fante, vamos entrar, depois discutiremos isso.

Liu ganha a cozinha. Não há ninguém. Ele prende a respiração. Um sujeito alto e magro entra no cômodo. O chinês se esconde do lado do armário. O bandido abre a geladeira e pega uma lata de cerveja. O tempo está passando. A qualquer momento alguém vai entrar e vê-lo ali espremido entre o armário e a parede. Liu assovia chamando atenção do vagabundo que deixa a lata sobre a mesa. Caminha para próximo do móvel. O golpe é preciso. Liu acerta o rosto esmagando o nariz. O sangue jorra. Liu aplica um mata leão apagando o sujeito. Tudo muito rápido.
Ele escuta risadas vindas do corredor. Melhor esperar.
Os dois amigos do chinês entram com cuidado. Ao longo do caminho eles viram apenas corpos caídos. Fante resmunga a cada bandido abatido. Neto se mantém em sentinela. Finalmente a cozinha. Fante olha pela pequena janela e avista Liu.
- Ele está lá dentro.
Ao se virar, o pequeno chinês esbarra no peitoral do lutador de judô.
- Sou eu!
- Deu pra perceber, cadê o Neto?
- Montando guarda lá fora.
- Ok, Jamal está no banheiro, foi torturado todo esse tempo.
- Foi loucura o que fez, você sabe disso. - fecha o semblante.
- Sei, mas…
- Liu, somos uma equipe, precisamos agir em conjunto, se continuar assim, você colocará a vida de todos em risco.
- Foi mal, amigo, você está certo, sempre esteve.
- Tudo bem, vamos pegar o Jamal.

O corredor é todo tomado pelo corpulento Fante. Liu se transforma numa formiga ao lado dele. O gigante apesar do tamanho é silencioso. Fante pega um bandido por um braço. Usando o peso do corpo ele esmaga sua vítima que vai a óbito na hora. Lá fora Neto luta violentamente com dois seguranças. O carateca é ágil e consegue derrubá-los com apenas um golpe.
Liu e Fante chegam a sala. Estranhamente não há ninguém. De repente o corpo de ambos ficam pesados. A mente começa a variar. Da saída do ar-condicionado um tipo de gás se espalha pelo cômodo.
- Ferrou! - diz Fante com a mão no nariz.
- Tente ficar acordado.
Cinco homens aparecem usando máscaras e bastão. Um deles agride Fante na perna. O gigante desaba e recebe mais um forte golpe. Liu é atingido no ombro e cai de joelhos. Um sujeito de terno e gravata aparece segurando um bastão ainda maior.
- Grupo Naja, que prazer tê-los em meu escritório, a que devo a honra?
- Max! - Liu aperta ainda mais os olhos.
- Eu mesmo. Gosto de ver a união de vocês, lutamos juntos e morreremos juntos, que patético.
- Desgraçado! - grita Fante.
- Homens, vamos dar uma surra nessa turma da pesada.

Fante e Liu se defendem como podem. Ainda sob o efeito do gás os movimentos são lentos favorecendo os adversários que batem pra valer. Aos poucos as forças abandonam os heróis. A morte é algo inegociável. Ele baterá em sua porta mais cedo ou mais tarde. Os olhos de Liu estão embaçados, coberto por nuvens. Ele começa a delirar. Fante vai caindo, ele olha para alto e vê um rosto familiar. Em seguida ele também vê os homens de Max caindo como árvores em meio a floresta. Aos poucos o gás vai perdendo sua toxina. Liu se levanta e vê um sujeito mediano, russo, tatuado, de regata preta socando com diretos, ganchos e cruzados.
- Rocha! - Liu sorrir.
- Vamos, não é hora de morrer. - diz o pugilista.
A seção de pancadaria acontece no meio da sala. Max aproveitou para fugir pelos fundos. Ao cruzar a porta da cozinha ele dá de cara com Neto.
- Já vai tão cedo? - o chuta no estômago. O sujeito dobra sem ar.

Minutos depois Fante, Rocha, Liu e Jamal deixam a casa. O negro capoeirista está enrolado num cobertor. Amarrado e amordaçado na carroceria da picape Max se contorce. Neto abre um enorme sorriso ou ver o amigo bem. Um pouco ferido, mas bem.
- Jamal, seja bem-vindo! - diz o carateca.
- Valeu cara. - agradece com sua voz grave.
Fante olha para Liu.
- Devo admitir, você é corajoso. - Fante aperta a mão do chinês. - um ótimo líder.
- Obrigado, tenho certeza de que todos aqui fariam o mesmo. - olha para todos. - somos antes de tudo uma família, vamos, o mestre está nos esperando.


FIM

sábado, 3 de setembro de 2016

Desconfiança



  - Vamos almoçar juntos hoje?- pergunta doutor Cristóvão:
  - Não vou ter tempo de almoçar hoje - Responde friamente Márcia dando um gole no café:
  - Posso saber o por quê? - Cristóvão a olha por cima dos óculos. Márcia hesita um pouco mais responde suspirando:
  - Tenho duas audiências hoje. É por isso. Mais alguma coisa? - Tom irônico:
  - Não entendo o por quê de tanta hostilidade - Cristóvão se levanta com a xícara de café e com o jornal enrolado:
  - Vamos começar a discutir mais cedo hoje? - Márcia coloca mais café:
  - Não. Eu só queria saber se eu poderia almoçar com a minha esposa:
  - Sei. Você Cristóvão. Não tente consertar as coisas. Só está piorando -Márcia recolhe as louças e as coloca na pia:
  - Não. Eu só estou tentando manter uma harmonia entre nós - o médico pega as chaves e a pasta:
  -Você tinha que ter pensado nisso antes do nosso casamento cair na rotina:
  - Quer dizer que agora é tarde? - Cristóvão para na porta:
  - ...
  - Não quer responder? Muito bem. Vou dançar conforme a música.
   Em carros separados o casal sai deixando entre as paredes um clima desagradável. Cristóvão conheceu Márcia ainda na faculdade. A linda morena de olhos claros e gordinha, simplesmente dominou o jovem coração do estudante de medicina. Para ela, menina tímida, foi difícil se acostumar com a ideia de ter um rapaz ruivo que usa óculos como namorado. Com o passar do tempo Márcia foi se apaixonando por Cristóvão. E antes mesmo de terminarem os estudos, lá estavam os dois dizendo sim um para o outro na frente do Reverendo. Foi uma cerimônia linda. Márcia estava um espetáculo de beleza. E Cristóvão continuava com a mesma cara de bobo que era motivo de chacota entre os colegas de universidade.
   A decadência no casamento começou quando o clínico geral descobriu que sua mulher não podia gerar filhos. Inicialmente Cristóvão foi compreensível, ficou do lado de Márcia. Mais a sua paixão por crianças falava mais alto. Sempre que houvesse uma discussão, a mais boba que fosse o doutor fazia questão de jogar isso na cara da advogada. Até mesmo na frente dos outros o médico lavava roupa suja. Márcia sempre cedeu mais que Cristóvão. Vivia engolindo os mais diversos sapos na tentativa de salvar seu casamento. Mais de uns tempos pra cá, ela vem reagindo aos ataques. Sua retaliação é pesada. Ela não escuta mais e fica quieta. As coisas pioraram ainda mais quando Márcia recebeu uma promoção e passou a ganhar mais que Cristóvão. O casal possuía apenas um veículo mais com a renda maior, Márcia pode comprar seu próprio carro mesmo contra a vontade de seu marido. Cristóvão teve que engolir a ideia de ver sua mulher sair de casa todos os dias pilotando um “Land Cruise”. Isso foi demais para um homem que cresceu ouvindo do pai que lugar de mulher é pilotando um fogão.
       
***   ***   ***  ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***  
   Apesar dos problemas que enfrenta no casamento, Cristóvão mantém o padrão de atendimento em seu consultório que fica na zona sul da cidade. Sempre que chega pontualmente as 8h, ele faz questão de dar bom dia a todos os funcionários, principalmente ao seu amigo fiel Jaime responsável pela a administração do consultório:
  - Fala ai chefia qual a boa? - diz Jaime revirando alguns papéis
  - Tudo na mesma, cara, já estou de saco cheio - diz suspirando.
  - Quer conversar um pouco na hora do almoço?
  - Vamos sim!
   A parte da manhã transcorreu normalmente no consultório “Doutor Cristóvão”. Os pacientes se sentem bem nas mãos do médico que mesmo com a cabeça girando igual a um tornado devastador, Consegue atender a todos com uma dedicação de poucos:
- Doutor Cristóvão. Posso voltar semana que vem? - pergunta um paciente
- Não, só daqui a duas semanas, depois que terminarem os remédios - diz Cristóvão fazendo uma nova prescrição.
   Em fim á hora do almoço. O médico e o administrador se dirigem ao restaurante e enquanto esperam o pedido, Cristóvão desabafa:
  - Eu acho que desta vez meu casamento foi pro brejo - diz com a mão no queixo
  - Será? - responde Jaime verificando novamente o menu
  - Pode ter certeza. Márcia só vive me evitando. Hoje fui tentar me aproximar a convidando para almoçar e ela simplesmente disse que não podia porque tinha muito trabalho para fazer.
  - E o que você acha disso?
  - Não acho nada. Só sei que está difícil parceiro.
  - Posso ser sincero? - Jaime olha nos olhos de Cristóvão.
  - Deve! - entrelaça os dedos.
  - Se eu fosse você tomaria cuidado - diz quase sussurrando
  - Aonde você quer chegar com essa conversa - chega o pedido. O garçom magro e alto serve o almoço regado a massas. O silêncio entre os amigos dura pouco tempo. Bastou o garçom se ausentar para a conversa continuar.
  - Diga Jaime. O que você esta pensando? - o tom de voz agora é diferente do pausado costumeiro.
  - Já pensou na possibilidade de Márcia ter um amante? - Cristóvão fuzila Jaime com os olhos não acreditando no que ouviu.
  - Você agora me surpreendeu, Jaime. Eu sempre achei você meio louco, mais devo confessar que você superou minhas expectativas.
  - Falo sério cara, é melhor você vê isso direito - enrola o macarrão com o garfo. O doutor sentiu uma profunda vontade de esmurrar a cara de Jaime. Respirou fundo. Pensou dez vezes. Não é seu estilo partir pra violência:
  - Achei que você fosse meu amigo. Mais agora vejo que estou lidando com uma cobra - garfa o espaguete.
  - Mas eu sou seu amigo Cristóvão. Eu só quero abrir os seus olhos.
  - Vamos mudar de assunto, vamos? - Jaime percebe a fúria na fala de Cristóvão.
  - Valeu!
     ***    ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***   ***
  Mais tarde antes mesmo de entrar em sua garagem, Cristóvão viu o carro de sua mulher parado na calçada:
  -Mais como? Márcia já esta em casa? - desce e caminha até o portão segurando firme sua pasta executiva. Seu andar segue o mesmo jeito ser, lento. A porta está aberta. Ele entra murmurando algo como “Eu já falei sobre essa porta aberta”. A noite encobre o céu com seu manto negro iluminado por estrelas. O bairro onde o médico reside é de classe média, mais o índice de assaltos tem crescido a cada dia. Dentro da residência dos “Souza” tudo normal. O doutor atravessa a sala cuidadosamente decorada e chega até a cozinha e tem uma visão que faz seu coração palpitar. Márcia em pé lavando louça com roupa de dormir. Por um instante Cristóvão voltou no tempo em que o casamento vivia um mar de rosas. Dias em que Márcia o esperava com um jantar surpresa e logo uma noite de amor regada a pétalas de rosas jogadas na cama. Hoje a realidade é outra. Faz tempo que o casal não faz amor. Márcia se tornou fria e a cada dia que passa ela se afasta ainda mais. Cristóvão permanece ali, parado, admirando o belo par de coxas roliças da mulher:
  - Boa noite! - Márcia responde sem se virar.
  - Boa noite! - Termina de lavar os pratos.
  - Já jantou? – Cristóvão deixa a pasta em cima da mesa.
  - Sim! - Ao se abaixar para guarda os pratos. Márcia exibe suas formas enlouquecendo o médico.
  - Veio alguém aqui? - Pergunta abrindo a geladeira.
  - Sim! - Retira o avental e o coloca sobre a cadeira.
  - Posso saber quem?
  - O promotor queria conversar sobre a audiência e eu não queria jantar num restaurante japonês.      Mais alguma coisa, eu já posso me deitar? - Coloca as mãos na escadeiras.
  - Você se negou a almoçar comigo e agora colocou um homem que eu não conheço dentro da minha casa - Tom de voz alterado.
  - Essa casa não é só tua, Doutor Cristóvão. Ela é minha também - Dá ás costas para o marido.
  - Não importa. Quando eu não estiver, não traga homem algum aqui - vocifera.
  - Porque esta gritando? Pra mim já chega vou dormir!
  Enquanto observa Márcia dirigindo-se em direção ao quarto, Cristóvão pensa no que Jaime falou. Jamais isso passou pela sua cabeça “Márcia tem um amante”. Ele começa a ligar os pontos. A rotina do casamento. Márcia já não o procura mais e agora a visita desse tal promotor. Tudo começa a fazer sentido.  Mais ele não quer pensar muito. Talvez seja mais umas das besteiras que Jaime vive dizendo.
   Cristóvão janta sozinho. Entre uma garfada e outra, ele volta no tempo em que era um humilde iniciante na medicina. O quanto vivia lamentando por não ter onde por em prática tudo que aprendeu na faculdade. Márcia foi sua principal incentivadora:
  - Tenha calma amor. Tudo vai dar certo! - Como essas palavras massageavam o coração de Cristóvão. Ele gostava. Mesmo por que, sempre que Márcia o tirava de uma depressão como essa, o incentivo terminava sempre na cama.
   Na hora de se deitar. Cristóvão ainda fica a admirar a beleza da mulher. No fundo ele ainda a ama e gostaria muito que as coisas se acertassem entre eles. O pensamento do médico é interrompido pelo:
  - Apaga logo essa luz, Cristóvão - Márcia se enrola nos lenços. Um balde de água fria nos pensamentos do doutor. Agora só lhe resta deitar e dormir.
   Ao relaxar na imensa cama de casal. A mente de Cristóvão gira. Se perde em suas suspeitas de uma possível traição. Ele tenta não pensar muito. Se revira várias vezes. Fica sentado.  Passa as mãos nos cabelos ruivos. O sono não vem. O que resta agora é se levantar e tomar um drink no escuro da sala.
  Na manhã seguinte o clima pesado continua. Márcia é a primeira a acordar. Percebendo que á hora já é avançada e Cristóvão continua desmaiado no sofá, Márcia resolve chama-lo:
  - Cristóvão. Já são quase oito e meia - Ainda sonolento e procurando os óculos que caíram durante o sono. O médico consegue ver as curvas da mulher que ainda esta com sua minúscula roupa de dormir.   Ao contemplar o visual de Márcia diante dele, com se fosse um leão faminto ele a puxa contra seu corpo e começa á beija-la no pescoço. Márcia reluta, se desvia dos beijos:
  -Ficou maluco Cristóvão me solta - irritado com a reação da mulher Cristóvão a segura forte:
  - Você esta me machucando eu vou gritar.
   Não dando importância ao que Márcia fala, Cristóvão continua investindo pesado na tentativa de conseguir transar com sua mulher mesmo que a força. Cristóvão rasga a parte de cima da roupa de dormir com violência deixando a mostra os seios avantajados de Márcia. Vendo sua total vulnerabilidade. A mulher cria uma estratégia. Ela resolve se entregar. A linda morena de cabelos cacheados deixa que seu marido pense que ela está gostando até que numa mordida no lábio inferior faz o fogo de Cristóvão se apagar por completo:
  - Ai!- Cristóvão grita desesperadamente de dor. Com um empurrão o médico se livra da dentada certeira da mulher – Você é louca, veja o que fez - Cristóvão vocifera.
  - Louco é você, tentando transar a força. Sabe como se chama isso? estupro! - diz tampando os seios com os braços.
  - Mais você é minha mulher é natural que façamos amor de vez enquando não acha? – coloca a mão no ferimento.
  - Sim. Mas desde que haja desejo. Vontade .Paixão um pelo outro, e no momento doutor Cristóvão eu estou dispensando – Márcia sai andando deixando Cristóvão com uma pulga atrás da orelha “será que o louco do Jaime tem razão?”

***   ***   ***   ***    ***    ***    ***    ***    ***   ***   ***    ***   ***

   O dia começou péssimo. Cristóvão chegou ao consultório cabisbaixo e com o lábio inferior inchado. Foi algo notório. Os comentários nos corredores do local  são os mais diversos “ O doutor está com a boca toda arrebentada” “Será que foi briga?”
   Cristóvão não se importa com os comentários sejam eles quais forem. A única coisa que verdadeiramente importa é resolver seu problema familiar que o está consumindo. Ele entra em sua sala. Bem organizado, Cristóvão faz questão de não deixar nada fora do lugar. Seu armário contendo medicamentos é dividido e organizado por ordem alfabética. O clínico geral também é chato com relação á limpeza. Jaime vive dizendo:
  - Cara você tem mania de limpeza.
  - Sou medico. Higiene e saúde andam lado a lado.
  Sempre com esse discurso ele não admite que a sua lixeira fique cheia até transbordar. Essa é umas das exigências do patrão. Organização e limpeza.
  Ele se senta. Se debruça na mesa. Suspira longamente até ser interrompido por sua secretária batendo na porta.
  - Doutor Cristóvão sua primeira paciente já chegou peço para entrar?- continuando debruçado, Cristóvão hesita em responder. A feiosa mulher magra que usa óculos fundo de garrafa, chamada Dulce, espera por uma resposta. Enquanto espera, ela imagina um monte de coisas como “ xi, tá russo para o doutor hoje. Será que bebeu demais?” O pensamento tem fim quando Cristóvão responde com voz pastosa:
  - Peça que entre, e por favor, me sirva uma xícara de café - Diz esfregando o rosto. A secretária assentiu e fechou a porta ainda imaginando diversas coisas “café, eita que ressaca braba”.
    Na hora do almoço lá esta Cristóvão de novo falando dos problemas com Jaime. E Jaime com seus conselhos furados:
  - Então? E a patroa? como vai doutor? - passa o guardanapo na boca.
  - Na mesma e agora piorou, esta vendo isso? - Aponta para o ferimento na boca - Foi ela.
  - Estou te falando, tem caroço nesse angu, vê esse negocio direito cara.
  - Não sei como eu ainda conto as coisas pra você Jaime - garfa a salada.
  - Vai por mim parceiro. Eu tenho experiência nesses lances.
  - De que?Chifre? - Cristóvão rir.
  - Não. De sacar quando uma mulher tem outro. Eu vejo no olhar - Cristóvão continua rindo - Falo sério - O médico cai na gargalhada constrangendo Jaime.
   Por fora Cristóvão estava rindo mais por dentro uma profunda tristeza o consume. Ao voltar para o consultório uma duvida rondava sua mente. Ele precisa tirar isso a limpo. Se realmente ele estiver sendo traído ele vai descobrir. Por isso, Cristóvão no meio do dia sai sem explicações como normalmente faz. Entra em seu carro e parte rumo a sua casa. Durante o trajeto, mil coisas em sua cabeça o assombram. E a única pergunta que é latente é “E se realmente for verdade? O que farei?”.
   Finalmente o portão social de sua residência. O silêncio impera. Ele passa pela porta ainda não acreditando no que vai fazer:
  - É mais forte do que eu.
  Lentamente o médico caminha até o quarto e lá ele inicia sua varredura. Simplesmente Cristóvão dar uma geral no guarda roupas na parte onde ficam as coisas de Márcia. Certos objetos o fazem voltar no tempo, como jóias e perfumes. Um deles obriga o doutor a parar e derramar lágrimas de saudade:
  - O bilhete do cinema em que Márcia e eu fomos pela primeira vez como namorados ela guardou esse tempo todo - Cristóvão olha para o bilhete que mesmo com suas letras se apagando, ainda dar para ler o nome do filme em cartaz “Coração de cavalheiro”. Mais a duvida ainda ronda sua cabeça e ele continua procurando por algo que ele mesmo não sabe o que é. De repente um número de telefone, um bilhete com nome e endereço de alguém. Sei lá qualquer coisa serve. Cristóvão abre gaveta por gaveta e não encontra nada comprometedor. Talvez porque não exista. Assim pensa ele.
   Sai do quarto e entra no closet revirando tudo e nada, nem se quer um cheiro diferente nas roupas de Márcia. Já esgotado e também constrangido Cristóvão resolve guardar tudo e esquecer:
  - Aquele merda do Jaime colocando minhoca na minha cabeça.
   Márcia chega. Apesar de ter tido um dia cheio, sua postura e maquiagem continuam impecável. Linda como sempre. A advogada estranha:
  - Cristóvão. Já em casa á essa hora? – coloca a pasta no sofá.
  - Pois é o movimento estava fraco, então meti o pé - diz parado na porta com as mãos no bolso.
  - E ainda vestido a rigor?
  - Xi! Esqueci de me trocar - se olha. Márcia vai em direção ao quarto - Será que podemos conversar depois?
   - Claro. Por quer não?
   Para não ter que cozinhar Márcia pede uma pizza sabor portuguesa. Na mesa só se ouve o barulho do garfo batendo no prato. Como isso incomoda a Cristóvão que a fuzila com os olhos.
  - Márcia. Será que agora podemos conversar?
  - Já estou terminando - pega mais uma fatia. Márcia sempre foi comilona como era chamada por seu pai ,senhor Braga que também era advogado. Ele costumava dizer “Se essa menina estudasse o quanto ela come...”. Mais a bonita morena de olhos negros que mais parece uma noite sem lua nunca se importou com os comentários de seu pai. Ela já tinha um discurso prontinho “Eu não sou gorda, sou gostosa” e nisso ela tem razão. Márcia pode até esta fora dos padrões que a sociedade exige de beleza, mais possui um lindo par de coxas. Um exuberante bumbum da mulher brasileira, além de um sorriso contagiante. Resumindo ela é tudo de bom.
   Márcia termina de comer enquanto Cristóvão a espera sentado no sofá balançando as pernas indicando sua irritação. Márcia percebe, mais finge que não viu:
  - Sou todo ouvido doutor Cristóvão! - usa de sarcasmo.
  - Chega Márcia. Deixe seu sarcasmo para outra hora ok?
  - Só estou dizendo que já podemos conversar - se senta de frente para o marido, cruza as pernas deixando Cristóvão louco ao ver sua coxas grossas.
  - Muito bem - Cristóvão limpa a garganta - Quero te pedir desculpas pelo que aconteceu hoje de manhã e ...
  - Pela sua tentativa de estupro - O olhar de Márcia para Cristóvão é penetrante e intimidador, algo que ela sabe fazer muito bem por ser advogada.
  - Pois é eu perdi o controle - Passa a mão no rosto- Foi mal pelo vacilo.
  - Tudo bem. – limpa os dentes com a língua. -  Já posso ir?
  - Posso saber aonde a senhora vai?
  - Vou tomar um banho e dormir, por quer?
  - Pensei da gente curti um pouco. Você sabe, namorar - Márcia solta uma gargalhada tão alta e tão gostosa que o som ecoou por todos os cômodos da casa.
  - Eu entendi bem ,depois de tudo você ainda quer transar?
  - Márcia vamos nos entender, por favor - a segura pelos braços. Márcia tenta se esquivar de qualquer jeito pois sabe do poder de sedução que o marido tem, e se deixar, com certeza ela cairá na lábia de Cristóvão.
  - Cristóvão entenda, não se iluda, não rola mais. Sem clima - tom de voz suave.
  - Márcia, já são quatro meses que não rola nada entre a gente eu já não aguento mais eu vou explodir.
  - Pois é, e já são quarto meses que eu não ouço uma palavra de conforto. Nem sequer um “Amor eu estou do teu lado”
  - Mais eu sempre estive do teu lado Márcia.
  - Quando?onde? Você sempre me culpou por eu não gerar filhos, sempre jogou isso na minha cara ,Cristóvão - vocifera.
  - Vamos começar a brigar agora é isso que você quer ? - tom de voz alterado.
   Márcia sai andando deixando Cristóvão falando sozinho, coisa que ele detesta. Ela sobe para o quarto e ele vai atrás cuspindo marimbondos.
  - Eu faço de tudo para levar uma vida boa com você e no entanto, você não esta nem ai!
  - Como você é exagerado Cristóvão. - ela para na escada e se vira para ele - Você faz de TUDO mesmo?
   Cristóvão fica sem saber o que responder. Sabe que esta devendo, então ele resolve terminar com a discussão.
  - Vou sair - Márcia não responde e termina de subir.

***         ***       ***       ***      ***       ***       ***      ***      ***     ***
  Na porta do quarto 202. Onde o cheiro de tabaco paira no ar daquilo podemos chamar de chiqueiro ao invés de motel. Cristóvão esquece que odeia cigarro e transa com a garota de programa pra valer.
  - Esta com disposição em doutor - Diz a mulher pulando no colo do médico.
   Depois de quase duas horas se prostituindo, lá esta o experiente médico vestindo a calça branca típica de um profissional da área da saúde.
  - Quanto ficou? - Pergunta friamente subindo o zíper.
  - Pra você, deixe-me ver - olha para o alto pensando - Cem reais certo?
  - Esta louca mulher, cem pratas é muita grana - abotoando a camisa.
  - Queridinho, foram duas horas só de sacanagem valeu e você gostou, então faça o favor de me pagar - Prende o cabelo.
  - Esta bem, esta bem, toma aqui e suma da minha frente - Abre a carteira e joga a nota que ela pega ainda no ar.
  - Você só tem a cara de bonzinho, mais na verdade é um grosso.
  - Ei, garota vê se fica na tua e me deixe em paz - pega a pasta - fui!
  - Esta nervozinho por quer a dona Maria não da mais no couro é?
  - Nunca mais fale da minha mulher você entendeu? - A segura pelos cabelos. A prostituta o soca várias vezes e grita.
  - Me solta seu idiota.
  - Você me chamou do que? Repita - Cristóvão se enfurece e a joga contra a cama - Sua vagabunda você merece isso! - acerta um violento tapa no rosto maquiado de Fernanda. A bela jovem que começou cedo na prostituição, pela primeira vez é agredida por um cliente que aparentemente passava a imagem de sujeito pacato que só estava ali por quer as coisas não andam bem em casa.
  - Socorro alguém me ajude!- mais uma agressão e Cristóvão sai depressa do motel e arranca com o carro.

***    ***     ***    ***    ***    ***     ***     ***     ***    ***     ***    ***
    No dia seguinte já atendendo em seu consultório Cristóvão, se empenha em prestar um ótimo atendimento. O local está lotado. Várias pessoas de diversos lugares procuram pelo médico ruivo que é considerado por todos um dos melhores médicos da região. Num dos poucos intervalos que Cristóvão tem, ele aproveita para conversar e tomar um cafezinho junto com Jaime na cozinha.
  - Cara tu é louco, você transou com a “Nandinha fogo puro”?
  - Loucura mesmo, ela me cobrou cem reais - Da uma golada no café.
  - Cem pratas. Puxa, e você deu?
  - Tive que dar né ,e depois tive que dar umas bolachas nela também.
  - Você bateu nela?
  - Ela me desrespeitou, me chamou de idiota.
  - E ficou por isso mesmo?
  - Se ficou eu não sei ,só sei que eu meti o pé - Termina de tomar o café – Bom, deixa eu voltar ao trabalho.
   Sempre depois do expediente, Cristóvão passa no bar para conversar com os amigos e jogar um pouco. Cristóvão se distrai jogando fliperama. Na infância Cristóvão sempre foi uma criança mimada cheia de vontades. Seu pai, Mario, empresário no ramo de transportes vivia fazendo suas vontades.  Exigia que seu pai comprasse todos os dias um jogo novo.
   Transpirando bastante devido os movimentos que faz na máquina de fliperama, Cristóvão não percebe a aproximação de um rapaz de mais ou menos vinte e cinco anos, vestindo jeans e camisa regata, negro e alto.
  - Doutor Cristóvão?
  - Sim?- continua jogando.
  - Minha irmã esta se sentindo mal lá fora, será que o senhor pode ajuda-la? - Cristóvão aperta o botão de pausa.
  - Vamos lá.
  Portando sua maleta preta, Cristóvão segue o rapaz até o lado de fora do bar.
  - Onde está sua irmã garoto?- diz olhando para todos os lados.
  - Esta logo ali - O rapaz aponta para Fernanda á prostituta- Esta vendo as cicatrizes no rosto dela? - Cristóvão fica paralisado e já imagina o pior.
  - Calma ai meu jovem, vamos conversar...
  - Conversar? Agora você quer conversar. Na hora de me bater você não pensou nisso - vocifera      Fernanda. Cristóvão engole seco.
  - Eu peço desculpas...
  - Cale a boca seu idiota - grita Fernanda. O médico vai tentar retrucar e recebe um forte soco no rosto, lhe arrancando os óculos. Cristóvão se desequilibra e cai. Se aproveitando da situação o rapaz o chuta no rosto várias vezes. Mesmo com a maleta o protegendo, Cristóvão é agredido violentamente. O sangue começa a escorrer na testa e nariz. Empolgada, Fernanda também o agride com chutes. Os agressores param com os chutes e Cristóvão está desacordado e sangrando muito. O casal sai andando tranquilamente de mãos dadas. Curiosos rodeiam o corpo inerte do doutor. Amigos de bar do medico prestam socorro o levando para dentro do estabelecimento.
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  Já de madrugada sem fazer muito alarde. Com a roupa manchada de sangue e com o rosto bastante inchado. Cristóvão chega em casa com ajuda de Jaime.
  - Valeu Jaime aqui está bom.
  - Cristóvão, tem certeza. Não quer que eu chame a Márcia?
- Está louco, que explicação vou dar a ela? Márcia eu comi uma prostituta e o cafetão dela me deu uma surra.
  - Ok então, já vou indo.
   Sozinho e mancando, Cristóvão demorou a chegar ao banheiro. Depois do banho, mais um desafio. Subir as escadas até o quarto. Márcia dorme como criança e Cristóvão se joga na cama e desmaia.
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   O cheiro de café fresco faz o médico desperta de uma noite longa e dolorida. Ao tentar se levantar, Cristóvão geme e quase chora. Depois de vários palavrões e murmúrios ele consegue sair da cama e se arrasta até a cozinha onde Márcia já está terminando de tomar seu café.
  - O que houve com você? - pergunta Márcia.
  - Nada, só foi um acidente nada demais - Se senta e começa a passar margarina no pão.
  - Um acidente? Posso saber que tipo de acidente - Diz indo em direção ao banheiro.
  - Na verdade foi um assalto. Eu não queria entregar a carteira, ai então caímos no tapa.
  - Reagiu a um assalto doutor Cristóvão, logo você um sujeito tão inteligente fazendo uma besteira dessas - A voz de Márcia sai meia abafada devido a escovação dos dentes.
   - Márcia, hoje não. Eu não estou para brincadeiras - Se levanta e pega a garrafa de café.
   Sem se despedir como normalmente faz. Márcia vai trabalhar e deixa o marido em casa ainda precisando de ajuda. Complicado para alguém como ele que sempre foi paparicado. Cristóvão resolve suspender os atendimentos. Vai ficar em casa se recuperando da surra. Como é de costume nos dias de folga. Ele relaxa no sofá ainda de roupa de dormir. Abre o jornal e ali passa horas se informando, principalmente com as notícias do time do coração “BOTAFOGO”. No intimo ele gostaria de está no consultório. O trabalho é seu semi-deus. É o único lugar onde ele se distrai para tentar esquecer os problemas que vem enfrentando. As horas vão passando e a cabeça vai girando e a duvida ainda lhe assombra. “ será mesmo que Márcia tem outro?”. Ele respira fundo. Se levanta. Vai até o telefone. Hesita por alguns instantes mais resolve seguir em frente. No teclado do aparelho o médico disca o número de Jaime.
  - Alô,Jaime! Tudo bem por ai? – faz uma pausa. –Não, Eu estou ótimo. Tirando as dores do corpo. Escuta, tomei uma decisão. Vou começar a investigar. Conto com a sua ajuda valeu? - Cristóvão desliga e pensa um pouco. Retira os óculos e coça os olhos.
  - Decisão tomada!
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     Nesse dia Cristóvão não saiu de casa. Ficou maquinando como irá proceder. Viu anúncios de detetives que trabalham com esse tipo de investigação. Achou que seria demais a contratação de um. Então. Decidiu ele mesmo ser o detetive.
      Faltando pouco para o expediente de Márcia acabar. Cristóvão já estava próximo do fórum onde Márcia trabalha. Ele estacionou o carro longe e ficou sentado num bar que fica em frente. Minutos depois lá esta Márcia saindo acompanhada de um sujeito boa pinta de terno e gravata. Os dois caminham lado a lado rindo aos montes. O médico só observa. Dar mais um gole na cerveja. O tal sujeito entra no Land Cruise de Márcia que arranca com o carro. Antes de sair, Cristóvão anota tudo em uma agenda. Paga a conta e sai em disparada atrás do importado de Márcia.
     As dezoito horas o transito é horrível na principal avenida do estado. O fluxo de veículos subindo e descendo causam um nó. Para fugir do engarrafamento, o carro de Márcia pega uma saída paralela. O transito anda e Cristóvão entra na rua alguns segundos depois. Acelera um pouco a fim de não perder o Land Cruise de vista. Curiosamente o carro esta parado enfrente a uma casa grande com fachada do inicio do século.
  - Que casa será esta? - ele espera. Quem desce primeiro é Márcia seguida do homem bonitão. Ambos entram. Cristóvão pega o Iphone e tira fotos
  - Sua cachorrona, pensa que me engana - ele da à partida no carro e vai embora.
   Bem mais tarde, Cristóvão escuta a fechadura da porta virar. Seu coração palpita. Ele se encontra deitado no sofá. Márcia chega e nem toma conhecimento de seu marido ali presente. A mulher passa e vai direto para o quarto deixando Cristóvão louco de vontade de esgana-la:
  - Vagabunda! - Balbucia
   Já se passaram quase duas horas que Márcia chegou e até agora nada. Nem “Boa noite!” Ela deu. Isso só faz a raiva de Cristóvão aumentar. Ele tenta manter o controle. Respira fundo. Pensa mil vezes e decide quebrar o silêncio:
  - Chegou tarde! - Se aproxima da porta do quarto.
  - Pois é!- continua ajeitando a cama.
  - Já vai se deitar, nem jantou! - Entra no quarto com as mãos no bolsos.
  - Estou sem fome! - Arruma os travesseiros.
  - Jantou fora? - diz se olhando no espelho e ajeitando os cabelos.
  - Isso é um interrogatório ou eu estou enganada?
  - Pense o que quiser, eu sou seu marido tenho o direito de saber por onde você anda - Continua se olhando no espelho.
  - Já entendi, você esta a fim de discutir, é isso? - se deita.
  - Não. eu só...  
  - Pois eu não estou nem um pouco a fim de brigar valeu, thau e boa noite - fecha os olhos.
   Cristóvão fica sem ação. Pelo menos rolou um “Boa noite”. Coisa que ele não ouvia fazia algum tempo. Ele desce as escadas pensativo. Anda de um lado para outro. Pega a garrafa de uísque e a bebe no gargalo mesmo.  “Estou sendo traído”. A garrafa esta pela metade e o médico já esta embriagado. Pelo visto passará a noite no sofá.
   No quarto do casal Márcia se vira de um lado para outro. Não consegue dormir. Mais uma mexida e ela fica de bruços. Os quadris largos se movem lentamente. As mãos estão entre as pernas e vão subindo aos poucos. A advogada solta baixinho alguns gemidos. Ela acelera os movimentos das mãos até que ela explode em prazer. Ao terminar, a respiração é ofegante e assim ela adormece.
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  - Puxa ainda estou meio bêbado de ontem - diz Cristóvão tomando café sem açúcar.
  - Encheu a caveira hein doutor. O que houve? - pergunta Jaime.
  - Segui Márcia depois do trabalho - da um gole e faz careta com o amargo do café. Jaime se inclina na cadeira.
  - Como é que é? O senhor seguiu sua esposa, e ai?    
  - Você é mesmo fofoqueiro hein Jaime. Mais eu vou te contar.
   Cristóvão conta tudo o que houve, Jaime da seus palpites maliciosos:
  - Cara com certeza esse cara é o amante de Márcia. Você precisa fazer alguma coisa e rápido.
  - O que por exemplo?
  - Tente saber quem é esse bonitão que esta com ela. Comece a ganhar terreno, ai ficará fácil para um flagrante- chama a atendente para fechar a conta.
- Tem razão. Vou descobrir quem ele é!
  E assim Cristóvão faz. Inicia uma investigação. No fim do expediente lá está o doutor novamente no bar enfrente ao fórum. Dessa vez ele não veio seguir Márcia e sim o suposto amante. Depois de muito tempo esperando e também de várias bebidas. Finalmente Márcia sai. Esta sozinha. Entra no carro e vai embora. Dez minutos depois é a vez do sujeito. Mais elegante do que nunca. Mais boa pinta do que nunca. Mais parece um Lord. Bem penteado, bem barbeado. Diferente de Cristóvão que é ruivo e cultiva uma tímida barriguinha:
- Vamos lá bonitão, vou saber onde você mora.
  O carro do homem é um Honda Civic prata. Ele segue por uma rua atrás do fórum. Já não há a preocupação de ser reconhecido, por isso Cristóvão se mantém um carro atrás. Ele sai de um bairro e entra em outro:
- Mora mal hein amigo - Balbucia.
   Mais um quarteirão e pronto. Uma linda rua num bairro nobre da cidade.        As casas são grandes e luxuosas. Ali só mora quem tem uma renda mensal de mais ou menos de 50 a 100 mil:
- Fiul, fiul. Tem dinheiro o cara!
   O sujeito estaciona na casa mais bonita e a mais chick da rua. Demora alguns minutos e o portão se abre através de um controle que ele acionou de dentro do carro. Ele desce envolvido por papéis e sua pasta executiva. O portão e de grade de lanças. Com o carro já na garagem o tal sujeito ainda da uma olhada na maquina. Verifica se há algum arranhado na lataria:
- É muito metido mesmo! - Diz Cristóvão tirando fotos.
    Ao voltar para casa ele não encontra Márcia por lá. O médico imagina um monte de coisas. E mais uma vez vai encher a cara de uísque. Se deita no sofá e fica olhando as fotos . Imagina como será o relacionamento de Márcia com esse tal boa pinta. Será que Márcia o satisfaz na cama? Será que Márcia foi buscar fora o que ela não tem em casa. Tudo isso martela constantemente. Em sua cabeça o ódio ateia fogo no coração do ruivo médico. Respira fundo. As vezes bate uma vontade louca de ir lá e socar a cara do sujeito. Limpar seu honra. Mais também bate uma tremenda vontade de ir lá e tomar sua mulher das mãos do crápula. Cristóvão dar uma boa golada no gargalo. Não calcula direito e a bebida escorre pelos cantos da boca até na camisa branca:
- Merda! – diz soluçando
  As horas vão se passando e nada de Márcia. Bêbado, Cristóvão cai no sono e passará mais uma noite no sofá.
   Mais um toque e Cristóvão acorda assustado olhando fixo para Márcia a sua frente:
- Você dormiu de novo no sofá doutor! - sai andando - pelo visto gosta mais do sofá do que da cama.
- Pois é, fiquei te esperando e acabei dormindo.
- E essa garrafa vazia de uísque. Também estava me esperando?
- ...
- Você agora deu para beber Cristóvão?
- Márcia. Foi só um pouco. Só para passar o tempo.
- Mentira. À dias que venho sentindo cheiro de bebida. E também tenho visto no lixo garrafas de uísque - pega as chaves do carro e de casa - Se continuar assim vai acabar no “AA” - Sai sem se despedir do marido que está jogado no sofá ainda bêbado.
  O dia no consultório segue normalmente. Menos para Cristóvão está de ressaca e uma tremenda dor de cabeça. No espaço de um atendimento para outro o doutor aproveita para se debruçar na mesa e fechar os olhos pesados de sono. A voz aguda da secretaria anunciando o próximo paciente penetra em seus ouvidos atingindo o cérebro com força total. Mais um copinho de café. O vigésimo e ainda são oito horas da manhã. Lá pelas onze ele resolve ligar para o fórum:
- Como não está. Para onde ela foi? – silêncio - não sabe, valeu então – desliga.            
  A saída repentina de Márcia em pleno expediente deixa o médico soltando fogo pelas ventas. Um turbilhão de coisas vem a sua mente “A essa hora os dois devem esta num quarto de motel transando e falando mal de mim”
   No horário do almoço Jaime da seus palpites ao confuso Cristóvão que a cada opinião de seu amigo  passa a mão pelos cabelos:
- Um flagrante? - questiona Cristóvão.
- Isso mesmo, já esta na hora de você pegar os dois com a boca na botija.
- Mais para isso eu tenho que me preparar, eu não sei se aguentaria ver Márcia nua com outro na cama.
- Muito bem, então se prepare e continue investigando.
  Mais tarde ele volta a ligar para o fórum e é informado que doutora Márcia saiu com o promotor Fernando. Mais um forte golpe na cabeça de Cristóvão. Sozinho em sua sala ele não agüenta e vai as lagrimas pergunta varias vezes a si mesmo onde tem errado. O por quer de tanta tortura. As lembranças em certos momentos é prejudicial. O médico volta a alguns anos no passado. O dia era sexta. Depois dos estudos os universitários sempre se reuniam numa lanchonete que ficava enfrente a faculdade. O jovem Cristóvão era sempre motivo de gozações por ser ruivo e atrapalhado. Sempre sozinho e quase sempre falando com seus botões, o formando em medicina ficou encantado quando a gordinha de sorriso fácil adentrou ao estabelecimento se aproximou do balcão e pediu um suco de frutas vermelhas. Ao consultar se havia dinheiro o suficiente só restou uma palavra:
- Droga - sussurrou. Ao lado, Cristóvão a observa - Ei moço, suspenda o pedido - De repente uma voz pacifica penetrou em seus ouvidos:
- Não suspenda, traga dois sucos por favor - Márcia olha fixo para o ruivo a seu lado. Primeiramente ela pensa em dar um fora mais pensando bem ela estava louca de vontade de tomar um suco de frutas vermelhas. Então decide aceitar a oferta;
- Obrigada!- diz ainda de pé.
- sente-se - Ela hesita um pouco. Tem vergonha. O que as meninas vão pensar em vê-la com o sujeito mais esquisito da faculdade. Ela engole o orgulho e puxa a cadeira. Ainda sem saber o que falar Márcia se limita em entrelaçar os dedos. O silencio entre os dois começou a se tornar algo notório entre os colegas. Márcia corou o rosto de vergonha e Cristóvão resolveu quebrar o clima:
- Que curso você está fazendo?
- Direito!
- Então teremos uma advogada.
- Acho que sim - Pigarreou
- Eu faço medicina, termino ano que vem.
- ótimo, eu também - O pedido chega e Márcia faz cerimônia antes de atacar o suco espumante. Ela brinca com o copo, o gira de um lado para outro. Cristóvão nota o desconforto da moça:
- Se quiser ir tomar seu suco com seus amigos pode ir, foi um prazer poder te ajudar.
- Não, que isso - Roda o canudo e suga.
- Você pretende montar um escritório ou sua família já possui um?
- Pretendo fazer concurso publico.
- Você quer mais alguma coisa?
- Não obrigada.
  Ao terminar de tomar seu suco predileto à bela universitária se despede do desengonçado Cristóvão com o rosto mais vermelho que o próprio suco que acabou de tomar:
- Agente se ver por ai! - Se levanta
- Onde eu te encontro fora da faculdade?
- Como assim? - Cristóvão limpa a garganta e diz.
- Poderíamos marcar um cinema ou um jantar, sei lá, algo bacana.
- Valeu então, amanhã a gente resolve isso - ajeita a mochila nas costas e dar um tchauzinho sem vergonha para Cristóvão que retribui com outro.
  No meio da galera Márcia é alvo das mais diversas piadas como “Muito bem, dando mole para o cabelo de fogo”.“ Então. Ele falou de que planeta ele veio?”. Risadas e mais risadas, até que ela sai em defesa de Cristóvão:
- Quer saber, ele é melhor que muitos de vocês - Fecha o semblante e sai andando.
  No outro dia, lá está Cristóvão sozinho como sempre e falando com seus botões. Camisa por dentro da calça a qual podemos dizer que o defunto era maior que ele. Óculos maior que seu rosto redondo mascando um chiclete que já havia perdido o sabor à três horas. Márcia passa pelo portão de entrada e avista Cristóvão em pé escorado na parede. Ao vê-la o coração dispara e a boca resseca:
- Oi!- diz Márcia com os lábios pintados de um batom cor da pele.
- Olá jovenzinha como vão os estudos?
- Difícil. Tenho prova hoje.
- Posso ajudar em alguma coisa.
-Você entende de direito?
- Já li algo sobre o assunto.
- Aceito então - diz empolgada
 Cristóvão ajudou e bastante. Márcia ficou impressionada com a inteligência e passou a ver Cristóvão com outros olhos. Antes ela o achava esquisitão meio nerd pra falar a verdade. Ela encontrou por trás daqueles óculos enormes um ser humano especial. Por fim a estudante de direito já estava sensível e se Cristóvão a pedisse em namoro naquele momento ela aceitaria com certeza:
- Valeu mesmo... qual o seu nome mesmo?
- Cristóvão!
- Muito obrigada - ela recolhe o material e o coloca no fichário. Se vira mais antes ela diz - andei pensando. Vamos ao cinema esse final de semana?
- ... – não acreditando no que estava ouvindo Cristóvão emudeceu-se.
- Algum problema. Você esta bem?
- Sim, esse final de semana que horas?
- As sete. Vou lhe passar o meu endereço - destaca uma folha do fichário e anota - Toma. Te espero lá - Márcia se afasta e Cristóvão olha para o papel como se ele fosse a própria Márcia.
- Márcia. Até o nome é bonito.
  As aulas que se seguiram para Cristóvão foram as mais perfeitas. Nada aborrecia o futuro doutor. Nem, mesmo as pilhas que os colegas de turma o colocavam. Ele estava nas nuvens. Louco que o final de semana chegasse logo.
  De volta ao presente. O medico com anos de carreira se vê numa crise que ele considera irremediável. Novamente as lagrimas lhe fazem companhia. O celular vibra rapidamente ele o tira do bolso:
- Márcia?- ele atende com a respiração pressa- aló!
- já estou chegando- estranhando que depois de muito tempo Márcia esta lhe dando satisfação Cristóvão demora a responder- Cristóvão você ainda esta ai?
- estou, estou valeu- click. Ele olha para o relógio na parede- tão cedo?
  No banho novamente as lembranças castigam.
  Na época do noivado os dois já estavam formados. Márcia estava estagiando e Cristóvão atendia numa clinica de um velho conhecido. Foi uma tarde de emoção principalmente para os pais de Márcia. A única filha noivando. Dona Silvia não continha as lagrimas que era enxugadas por seu Marcio:
- Silvia assim você borra toda a maquiagem.
- Marcio o nosso bebe vai embora- funga o nariz.
- mais que mulher exagerada. Ela se esta noivando, Silvia.
  Cristóvão respeitou Márcia. Não transou com ela até o dia do casamento. Muitas das vezes foi chamado de caretão e otário. Um dos colegas chegou a dizer “ você com aquele material todo e nada”. Outros duvidavam. “ duvido que ainda não tenha rolado nada”. Os pensamentos são invadidos pelo:
- cheguei- Márcia coloca as bolsas na mesa- e eu trouxe comida japonesa- Cristóvão ama comida japonesa. “ o que esta havendo com essa mulher?”
  Na mesa Márcia devora os sushis e os sashimis. Cristóvão não fala nada. Continua caladão. Depois, na retirada das louças da mesa Cristóvão resolve falar:
-Te liguei hoje. Você não estava no fórum.
- Tive uma audiência as pressas- continua retirando as louças- o que você queria?
- Nada. Só fiquei preocupado- Por dentro a vontade era de explodir- bom vou me deitar.

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   Ainda tentando pegar no sono. Cristóvão se mexe de um lado para outro até que um vulto próximo da porta o assusta. Um vulto de mais ou menos um metro e sessenta e cinco. Pesando setenta quilos. Com coxas grossas e quadris largos e bumbum redondo vestido de uma lingerie que é capaz de parar o transito. Ainda com a visão embaçada Cristóvão procura pelos óculos e os acha embaixo do travesseiro:
- Márcia?
- Surpreso gatão?- voz sedutora.
- Muito!- ergue-se na cama. Márcia coloca as mãos na cintura. Ensaia uma dança que faz o medico ficar animado.Por um momento os pensamentos invadem a mente de Cristóvão “ o que será que ela esta tramando?”. Márcia continua investindo pesado na sedução subindo na cama e dançando como se fosse uma odalisca no cio. Ele pensa em dar um fora na mulher. Mais como faz meses que ele não transa. Cristóvão deixa o orgulho de lado e cai pra dentro com veemência.
  Tudo perfeito. Tudo muito gostoso. Márcia e Cristóvão pareciam dois jovens em plena lua de mel. Lá pelas tantas a loucura regada a doses de vinho termina com os corpos jogados na cama. Mais uma duvida ainda rondava a cabeça do doutor:
- O que houve Márcia?
- Não entendi?- Márcia se cobre com os lençóis.
- Qual o motivo disso tudo?
- Por quer? Você não gostou?
- Adorei. Só não entendi.
- não tente entender, Cristóvão, apenas curta o momento.
- Vocês mulheres são muito estranhas. Um dia estão boas demais no outro ruins demais.
- vamos esquecer esse assunto. Então. Você gostou ou não?
- Como eu já falei.Eu amei. Mais não entendi.
  Para Márcia um “eu te amo” bastava. Para Cristóvão tudo não passou de uma encenação. Algo para disfarçar a traição. Para não dar muito na vista.

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   O comportamento de Márcia deixou Cristóvão com a pulga atrás da orelha. Mais não mudou seu pensamento e nem tão pouco a desconfiança de uma traição. Por isso ele continuara com as investigações.Num bar pizzaria Jaime dispara suas maliciosas opiniões e deixa Cristóvão ainda mais confuso:
- Deixa de ser bobo doutor. Claro que ela esta tentando disfarçar a safadeza dela com o outro voltando a ter relações com o senhor- Coloca um pedaço generoso de pizza no prato:
- Também achei á mesma coisa Jaime. A mudança dela foi um giro de 360 graus.
- Doutor Cristóvão. As mulheres possuem esse poder de dominar. E se deixarmos, com certeza elas vão ganhar sempre.
- Tem razão. Aquela cretina não vai conseguir me fazer de bobo.
  Jaime é um solteirão que só quer saber de curtir. E foge de compromissos sérios. Devido a esses atributos ele deixou uma oportunidade ótima escapar de se casar com uma moça de família chamada Gloria. Formada em administração. Gloria gerenciava as impressas da família. Era rica. bancavas os muitos jantares e festas que ela e Jaime faziam. Mais com o jeito deitão do namorado deixou  Gloria  desanimada. Percebeu que só ela estava levando a sério o relacionamento. Até que numa tarde de sábado a moça negra de lábios grossos e cabelos bem tratados e andar de Lady pois fim ao namoro que durou alguns anos:
- Não da mais, Jaime. Você é muito devagar não se importa com o futuro. E quando eu pergunto sobre casamento você muda de assunto.
- Neguinha, eu te amo...
- Isso é outra coisa que eu detesto.
- Que?
- Neguinha. Eu não sou neguinha. Me chame de amor,bem,Gloria, sei lá menos neguinha.
- Você nunca reclamou, pô.
- Pois é. Esse foi o meu erro. Nunca reclamar de nada. Percebia as coisas. Via como estavam fora de controle e não falava nada.
- Quer mesmo terminar tudo?
- Com muita dor no coração. Sim, quero- suspirando
- Tudo bem então- Diz Jaime friamente.
-...- Gloria o olha surpreendida pela falta de consideração do homem a sua frente.
- O que? Achou que eu fosse implorar. Lhe pedir de joelhos para não terminar comigo.
- Só agora vejo quanto tempo perdi com um homem da sua espécie- vocifera - até nunca mais Jaime- sai andando apressadamente e rebolativa. Ao vê-la se distanciando Jaime percebe o mulherão que Gloria é não perdendo em nada para qualquer passista de escola de samba.

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Cristóvão segue os “conselhos” de Jaime e retoma com as investigações. Mais uma vez lá esta ele sentado na cadeira de bar esperando que Márcia saia com seu amante. E depois de alguns minutos de espera lá estão os dois lado a lado. Desta vez eles vão no carro do bonitão. Márcia parece feliz. Sorrir o tempo todo. Já o sujeito mantém o jeitão imponente. Ao ver a cena Cristóvão sem perceber aperta o copo de uísque até quase quebrar:
- tenho quer tirar essa historia a limpo.
   Mais uma vez o carro estaciona enfrente a casa do sujeito e os dois entram. De dentro do veiculo Cristóvão espuma de raiva e aperta o volante:
- É muita sacanagem.
   Dois minutos depois eles saem e entram no carro. Cristóvão parte atrás. A noite vem caindo e o veiculo para depois de percorrer vários quilômetros perto de um hotel. Com habilidade o sujeito passa pelo portão da garagem e no mesmo instante o celular de Cristóvão toca:
- Márcia!- fala entre os dentes- oi querida - tom de voz irônico - vai chegar tarde hoje. Sei. Vai trazer comidinha japonese.esta bom vou ficar te esperando- desliga com violência- vagabunda!
  O nó na garganta tem gosto de fel. Cristóvão engole o choro. Tenta se manter forte. Se debruça no volante. Tudo que ele mais queria é que essa situação  não passasse de um pesadelo. Muito abatido ele aperta os olhos. Respira fundo:
- Realmente ela esta me traindo. Isso não vai ficar assim.
  O veiculo do doutor canta pneu deixando as marcas das rodas no asfalto. No caminho ele liga para Jaime que não poupa desaforos contra Márcia:
- Ela é mesmo uma vaca. Saindo com o chefe na careta. Se eu fosse você eu cortaria o barato dela.
- Como assim? – pergunta Cristóvão fazendo a curva.
- Cobriria a cara dela bolacha e mandava ela embora - Jaime gesticula do outro lado da linha.
- Tem razão. Já chega de ser corno manso - acelera.
   AO invés de Cristóvão pegar a rua principal que a levaria ate sua casa. Ele segue direto. Entra num bairro considerado por todos terra dos traficantes e garotas de programa que topam tudo por dez reais ou menos. Sem falar nos viciados que circulam pelas calçadas abordando quem passa pedindo dinheiro para saciar sua sede de droga. Infelizmente uma realidade que é acompanhada de longe por autoridades que poderiam fazer algo e não fazem por quer não vontade política.
   O medo faz os pêlos das costas se arrepiarem. A tensão aumenta quando um viciado se joga na frente do carro implorando por um trocado. Seu aspecto é horrível. As roupas estão encardidas e aos cabelos enroscados de tanta sujeira. Apesar da poeira que cobre seu rosto Cristóvão vê que o viciado tem menos de vinte anos. Com cuidado para não o atropelar o doutor anda a menos de vinte deixando aquela imagem deprimente para trás ainda com as mãos estendidas pedindo dinheiro.
  Mais um pouco a frente. Cristóvão encontra um rapaz diferente de todos que estão ali. Bem arrumado e também bem armado contando dinheiro que esta numa sacola de supermercado. Distraído ele nem nota o carro se aproximar:
- Ei! Boa noite! – Num pulo o jovem aponta a arma para Cristóvão que nem sequer esboça medo:
- abaixe essa droga garoto!
- quem é você cara? – continua ameaçando.
- quero comprar sua arma quanto é?
- minha arma? Qual foi tio. Ela não esta a venda não mete o pé.
- falo sério garoto, faz seu preço eu pago o quanto for – o sujeito olha fixo para Cristóvão. Abaixa a pistola e diz:
- quanto tu tem ai?
- Deixe me ver – O medico conta o dinheiro sendo observado pelo jovem – tenho 300 reais pode ser?
- Já é tio toma ai e já vai até municiada.
- ótimo. Valeu – coloca a arma debaixo do banco e arranca com o carro – chega de bancar o bobo.      
Por mais que Cristóvão queira bancar o durão ele se pega chorando. A visão fica desfocada com o descer das lagrimas e devido a isso ele quase perde o controle do veículo. Passado o sufoco ele pega o lenço e seca o rosto ainda choramingando:
- Você esta me forcando a fazer isso Márcia – pega a arma e novamente a coloca debaixo do banco.

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Na mesa de jantar Márcia continua com sua fome voraz e Cristóvão nem sequer tocou na comida. Ele mexe na com o garfo brincando com a comida relembrando os tempos de criança quando sua mão o chamava atenção por fazer do alimento brinquedo. A advogada percebendo o silencio do marido pergunta:
- Qual o problema? Não gostou da comida? – por dentro Cristóvão estava respondendo assim. “ Problema nenhum.pena que essa é a sua ultima refeição”. Mais por fora ele respondeu:
- Já estava sentindo falta dessa sua preocupação por mim.
  Márcia não responde. Apenas abaixa a cabeça confirmando a verdade dita por seu marido e Cristóvão continua:
- veja em que estado chegamos. Sem filhos. Sem amor um pelo outro. Um casamento fracassado...
- você é craque em desenterrar o passado. Sem filhos tudo bem. Mais. Falta de amor. Isso é por sua conta.
- você acha que esta tudo bem? – bate com o garfo no prato – eu amo crianças. Deus é testemunha o quanto eu queria um filho ou filha para brincar. E você não foi capaz de me dar um.
- Por favor, Cristóvão. De novo não o mesmo papo. Você sabe do meu problema – Continua comendo.
- para mim mulher que não pode gerar filhos não é mulher.
- seu louco. Insensível. Eu te odeio – diz chorando – não é culpa minha eu também amo crianças.
- ama nada e limpe essas lagrimas elas não me comovem mais – se levanta e dar as costas para Márcia que deixa a fúria tomar as rédias.
- você como homem sempre deixou furo eu tenho nojo de você doutor Cristóvão saia da minha casa agora – ordena.
- venha me tirar vagabunda.
- vagabunda é sua...
- é a sua o que? – a segura pelo pescoço – vamos responda você ai colocar minha mãe no meio seu vaca – Márcia o soca no braço tentando se livrar do estrangulamento. Quase sem ar Márcia consegue se afastar e mesmo na desvantagem ela encara Cristóvão cara a cara:
- Agora vai me bater seu covarde – muito descontrolado Cristóvão a joga contra o armário da copa. Com o impacto o móvel quebra e a advogada se machuca no cotovelo – viu o que fez? Esta satisfeito agora? – aponta para o braço ferido.
- Você já me feriu mais do que isso Márcia e eu não reclamei.
- Do que esta falando? – diz tentando conter o sangramento
- Você vem me traindo sua sem vergonha – vocifera.
- Te traindo? Você está louco Cristóvão. Da onde você tirou essa historia?
- Cala a boca. Hoje essa safadeza vai ter fim – Cristóvão caminha rapidamente ate a sala. Márcia só observa espantada. O medico volta com a pistola em punho. Márcia se apavora:
- O que é isso Cristóvão para que essa arma? – voz tremula.
- Você brincou com os meus sentimentos doutora Márcia. Acabou com a minha vida – Aponta a arma para a esposa – irei te punir por isso.
- Cristóvão pelo amor de Deus não é nada disso que você esta pensando. Abaixe essa arma – voz embargada – Eu, ...
- cale-se – chega mais próximo e a agride com um fortíssimo tapa com as costas da mão. O nariz de Márcia sangra e ela chora amargamente.
- Eu,eu te amo Cristóvão nos de essa chance a nós três.
- Vagabunda não fala daquele merda aqui na minha casa.
- Não Cristó... – o tiro certeiro atinge o peito atravessando o pulmão. Sem ar a mulher se mantém em pé e olhando fixo para ele. O sangue escorre. Ela tosse. As forças aos poucos vão se esvaindo. O olhar vai ficando perdido. Ela se escora no armário tombado para evitar a queda. O olhar de Cristóvão é sem remorso. Sem sinais de arrependimento. Ele ver o corpo da mulher que jurou amor eterno. Que trocou alianças no altar. Que o incentivou a ser o que é hoje. Médico. Caindo no chão já banhado de sangue. Lentamente Márcia vai deixando a vida. Deixando a carreira promissora de advogada para trás. A respiração é pausada interrompida pela tosse seca seguida de crostas de sangue. Márcia esta morta. Aos trinta e cinco anos ela tem a vida interrompida por uma bala de pistola disparada por seu próprio marido. O braço do assassino vai descendo devagar. O  ódio o segou e deixando o corpo da mulher ali estirado na copa ele sai escondendo a arma nas calças. Entra no carro e sai em alta velocidade.
   Enquanto guia o veiculo Cristóvão dar altos gritos de euforia:
- Você já era, Márcia. Já era. Huuu!!!
   Ele entra no bairro nobre da cidade e encosta em frente a casa do promotor. Desce. Olha a fachada. Toca a campainha e aguarda alguns minutos ate que o próprio o atende:
- Pois não? – A voz do sujeito é proporcional ao seu jeitão.
- Pois não uma ova seu vagabundo – Cristóvão gagueja diante de imponência do homem.
- Com quem pensa que esta falando? Eu sou um promotor. Posso lhe mandar prender.
- É mesmo. E o que você me diz disso? – aponta a arma para o promotor. O homem da um passo para trás.
- Quem é você? Veio me intimidar. Eu por um acaso condenei algum amigo teu?
- Não. Você transou com a minha mulher e eu vim te matar – limpa o suor com as mãos.
- como... – Um disparo e o corpo do promotor é perfurado. A morte foi rápida. Ele sorrir e entra no carro e volta para casa.

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   Cristóvão entra em casa e tudo esta como ele deixou. O corpo de Márcia esta lá em meio ao sangue. Ele passa. Para. Olha o cadáver. Se ver tentado a beija-lo. Desiste. A muito o que fazer como; se livrar de presunto. Um criminoso é isso que o doutor Cristóvão é agora. A essas horas já devem ter visto o corpo do amante de Márcia estirado no portão de sua luxuosa casa. Assim pensa o homem ruivo. O que resta para ele é se livrar das provas que certamente o levaram para a cadeia.
   Ofegante e nervoso. Cristóvão enrola o corpo da mulher num lençol e o amarra com fitas. Foi difícil retirar Márcia do chão. O corpo esta muito pesado e Márcia ainda estava acima do peso. Em fim o carro. Olhando atentamente para ambos os lados Cristóvão abre o porta malas e deposita o cadáver de sua esposa naquele lugar apertado. O suor faz com que os óculos se embasem. Ainda há muito o que fazer. Resta limpar e bem a casa.

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   Na casa do promotor a policia procura pistas do assassino. A viúva esta inconsolável sendo amparada por parentes. Um policial gordo pesando mais ou menos uns cento e vinte quilos trás com ele a fita que certamente contém as cenas do assassino já que o lugar é cercado de câmeras de vigilância:
- Pode ficar tranquila senhora Rose. Vamos identificar o canalha que fez isso – A mulher nem sequer olha para o policial. A dor é muito grande. Lá fora os peritos já terminaram o serviço:
- Detetive Brito.Já terminamos – diz o chefe da equipe – podemos recolher o corpo?
- Sim – diz suspirando – quem seria capaz de matar o promotor André – coloca a mão no queixo.
- Pois é. Normalmente promotores são cercados de inimigos tanto dentro da profissão como fora dela.
- Sei, mais, doutor André era diferente.

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   Cristóvão termina toda a limpeza. Sua roupa esta imunda. Uma mistura de suor, sangue e poeira. Não há tempo para se trocar. Ele corre para o carro. Antes o doutor dar uma rápida olhada para ver se deixou algum rastro para trás. Nada. É hora da desova. Junto com ele vai a sua arma debaixo do banco. Ele roda bastante até encontrar um lixão. Desce. Olha ao redor. Não ver uma viva alma. O lugar é escuro e mal cheiroso. Ótimo. Abre o porta malas. Retira o corpo da mulher. O leva ate próximo de um pequeno rio. Ao ver que os cabelos de Márcia ficaram de fora e o perfume do creme ainda exala o suave aroma de frutas cítricas. Cristóvão não consegue controlar as lagrimas. O choro é alto e seguido de soluços:
- Você me obrigou a isso – mais choros – me traiu com aquele miserável – ainda com o cadáver nos braços – aqui termina a nossa historia querida – deixa o corpo cair lentamente ate tocar as águas profundas e geladas. Muito abalado visivelmente o medico da meia volta e entra no carro. Com as mãos ele limpa as lagrimas. Segura firme o volante. E logo se da conta que agora ele é um assassino e que precisa fugir.

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   Detetive Brito analisa com bastante atenção o vídeo. Da pausa. Volta. Coça o queixo. As imagens não são muito boas por isso ele usa o poder da tecnologia para auxiliar no procedimento. Brito é um homem imponente. Faz questão de usar terno e gravata ate mesmo em dias de calor. Ele sai de sua sala. Caminha todo o corredor do departamento de policia até chegar na sala do experiente policial Miura. O japonês é fera na área da informática e ele quem Brito vai solicitar:
- Grande Miura – balança a fita.
- xi,quando é assim você quer alguma coisa – continua a digitar algo no notebook:
- Justamente. Preciso que amplie e melhore essa fita – a coloca sobre a mesa. Miura continua a digitar.
- Já estou terminando – Brito se mostra impaciente mais se controla. Em outras épocas o japonês já teria experimentado a dor de ter um notebook fechado com seus dedos dentro dele. Mas o jeitão do detetive já foi motivo de diversas dores de cabeça tanto para ele como para o departamento. Hoje. Mais velho e menos violento Brito respira fundo. Pensa mil vezes antes de pedir prioridade para o caso do promotor André:
- ok. Se o caso atrasar vou falar para o delegado que você estava muito ocupado para melhorar as imagens que podem ajudar a resolver o  caso do promotor André – sem graça Miura fecha o aparelho e se vira para Brito – daqui a pouco volto para ver como estão indo as coisa- Dada a ordem. Brito sai da sala altamente refrigerada deixando Miura a xinga-lo pelo menos em pensamento.
  Usando todo o seu conhecimento em informática, o descendente de japonês Carlos Miura amplia as imagens e depois as melhora quase que cem por cento. Ao terminar o trabalho o ainda jovem policial leva pessoalmente a nova prova do crime:
- Tudo pronto doutor Brito – tom de voz irônico.
- Você é o melhor pra mim Miura – gira a cadeira.
- Pois é. Agora a pouco queria me entregar para o delegado – anda mais um pouco e retira um livro da estante – desde quando você gosta de crônicas?
- Este livro não é  meu. E que mal teria se eu gostasse?
- Nada, nada. Eu só estranhei você ter um livro de crônicas.
- Chega desse papo furado. Vamos logo ver esta fita.
 Brito e Miura estão atentos a cada detalhe. Brito com sua vasta experiência consegue ver o que Miura não consegue e comenta:
- Viu? O tal sujeito com certeza é primário – da uma golada no café.
- Como sabe disso? – se ergue na cadeira.
- Pela forma de segurar a arma. Treme muito e atirou querendo fugir.
- só por isso?
- não policial Carlos Miura – sarcasmo – veja o jeito do assassino, mais parece um idiota. Esse cara é primário e normalmente nesses casos eles demoram a fugir.

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  Em sua casa. Largado no sofá. Curtindo a dor que faz o coração sangrar. E com as roupas sujas. Cristóvão por diversas vezes olha para a arma. Aponta para sua própria cabeça. A mão esta tremula. Desiste. A coloca na boca. Chora bastante. O toque do celular o trás de volta a realidade:
- Merda! – esconde a arma – será a policia? – confere no visor – Jaime! – atende – fala Jaime!
- Doutor Cristóvão. Como vão as coisas?
- Mal. Muito mal.
- Percebe-se pela sua voz. Essa mulher ainda vai matar o senhor.
- Pois é.
- Da um cheque mate nela. Mostra a ela quem manda – do outro lado Cristóvão faz cara de desdém – se for possível de uma coça nos dois cara!
- pensarei no caso – desliga.
  Mesmo sem forças pra se levantar o medico reúne toda a energia ainda restante e caminha até o quarto. Seus passos são vacilantes.antes ele pega uma garrafa de uísque. No gargalo ele da um demorado gole deixando-a pela metade. Engasga com a bebida molhando suas roupas já sujas. Ao adentrar no cômodo ele olha ao redor buscando algo. Mais o que? Talvez Márcia deitada na cama lhe chamando para fazer amor. Ou para um recomeço. Mais não. O medico se perde nas lembranças de uma traição que terminou em tragédia. Descontrolado ele arremessa a garrafa contra a parede. O liquido amarelado escorre pela parede que Márcia adorava apreciar a pintura:
- vagabunda – vocifera. Chega de amargar o que passou, é hora de se preparar para fugir. De preferência para bem longe. Longe das marcas, das feridas. De todos. Cristóvão já esta embriagado. Se joga na cama. Se enrola nos lenços frios. Chora mais um pouco e adormece.
  É inicio de mais um dia. Para alguns uma rotina para outros como Cristóvão será um dia de ressaca. Mal estar. E principalmente a tortura de ser a essas horas um homem procurado. Transpirando bastante e com uma cara pavorosa o medico pula da cama. Procura os óculos. Sua respiração é de um animal que esta preste a ser abatido “ preciso fugir”. Esse é o único pensamento que lhe vem a cabeça. Ao descer as escadas ainda atordoado Cristóvão tropeça e rola pelos degraus quebrando o silencio vespertino da casa:
- Minhas costas – geme – fica estirado no piso frio até a dor passar. Depois de alguns longos minutos tentando se levantar em fim o clinico geral ruivo se coloca de pé e relaxa debaixo de um chuveiro morno. A dor de cabeça que esta sentindo parece deixa-lo com a queda das águas. O choro repentino se confunde com o barulho das águas tocando o chão. Cristóvão souza, quem diria um assassino frio. Já em seu quarto abarrotando a mala de roupas e tentando fecha-la, Cristóvão observa uma foto em que Márcia e ele estão com os rostos colados sorridentes. Esta foto foi tirada no dia do primeiro aniversario de casamento. O restaurante era de luxo. Cristóvão havia economizado para fazer uma surpresa para sua esposa. Foi nesse dia em que Márcia sabendo que ele era louco por crianças lhe prometeu filhos pela primeira vez:
- Lhe darei um monte de filhos – diz com os olhos marejados.
- Sério? – pega a mão gordinha de Márcia e a beija – Eu te amo.
- Também te amo – se inclina e ambos se beijam.
   Foi uma noite memorável. Ótimas lembranças. Ele resolve guardar o foto junto com as roupas. Ainda revirando alguns documentos Cristóvão encontra o resultado do exame que constava a esterilidade de Márcia. Ele empurra os óculos ate a testa e  em sinal de tristeza ele coloca o polegar e o indicador nos olhos e o mesmo sentimento volta com a mesma intensidade de quando ele leu o resultado a tempos “ não posso ser pai”. Lentamente o medico amassa o papel. Faz uma bola com ele. A raiva em seu olhar circula por todo o seu corpo desengonçado ate que ele explode:
- Droga. Tudo acabou – vocifera – você me prometeu filhos e não cumpriu. Hora de fugir. Cristóvão termina de “arrumar” as coisas e desce com a mala pesada. O telefone toca. Ele teme “ é a policia”. Caminha ate o aparelho que toca novamente. O medico temeroso pega o telefone. Mil coisas passam por sua cabeça. Ele resolve atender:
- alô – voz tremula.
- alô é da casa da doutora Márcia Souza?
- Sim. Quem deseja?
- aqui é do laboratório. Sou a medica dele e queria informar que o exame deu positivo o senhor é o marido dela?
- sim – olha para o chão – que exame?
- Que bom. Parabéns ela esta com semanas de gravidez.

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- Então o nosso suspeito é um medico e tem nome? – diz o delegado Miranda.
- Sim senhor – responde Brito conferindo o nome no papel – é o doutor Cristóvão Souza – coçando o enorme bigode Miranda diz:
- será que ele tem algo haver com o corpo que encontramos no lixão?
- Encontraram um corpo no lixão?
- Pois é. É de uma mulher. Estamos investigando. Quero ver as imagens.
  Brito e Miranda, observam atentamente as imagens em que Cristóvão mata o promotor no portão de sua casa sem defesa. Isso desperta o ódio de Miranda:
- Conheço André desde-a faculdade. Era um homem de bem. Não tinha inimigos. Não merecia uma coisa dessas.
- Eu acho que com o passar do tempo ficamos mais sensíveis com certos casos. Eu também conhecia o promotor André. É era um homem realmente admirável – Miranda se levanta e vai ate a janela.
- Quero esse tal doutor Cristóvão preso custe o que custar – Brito assentiu.
  Em poucos minutos alguns carros policiais saem em busca de Cristóvão que no momento esta em estado de choque ao saber que Márcia estava grávida. Uma duvida ronda seus pensamentos “ aquela vagabunda não engravidou de mim mais sim daquele sujeito que eu mandei pro inferno”.
  Cristóvão se prepara para fugir mais antes revira as coisa de Márcia e encontra uma espécie de apostila intitulada “ casados para sempre”. Pouco a pouco ele vai passando as folhas e seus olhos batem com a foto do promotor André como sendo o autor da apostila:
- Promotor e pastor André Gouveia. Fundador do projeto casados para sempre da igreja batista da região – respira fundo – então o safado era pastor – continua a passar as paginas – o projeto tem como missão unir e solidificar os casais que estão á beira do abismo no relacionamento – faz cara de nojo – como um cara pode escrever essas coisa e comer a mulher do outro – joga a apostila para o ar. Mexendo um pouco mais ele encontra uma agenda bem estilo adolescente, toda decorada e com o desenho da “Puca” na capa. Uma ponta de tristeza o abate. O medico começa a passar as paginas devagar. Já havia bastante coisas escritas como; “tenho que emagrecer ate o casamento do tio Fernando”. “ preciso por em pratica a minha leitura diária da bíblia”. Mais uma pagina é virada. “ tenho que me acertar com o Cristóvão mais não sei como fazer isso”:
- Bastava conversar Márcia – tom de voz triste – Bastava conversar – mais abaixo ele leria algo que faria seu coração parar – Eu o amo demais e faria de tudo para que o nosso casamento não acabe – engole o choro – Ela escreveu isso a poucos dias meu Deus - E isso não foi tudo. Na outra pagina Cristóvão ler – hoje procurei o pastor André para me aconselhar e foi muito bom ele me levou ate sua casa e lá conheci sua linda e adorável esposa que também faz parte do ministério casados para sempre – ele eleva as mãos a cabeça em sinal de desespero. O estomago faz um nó e as náuseas são constantes – o que eu fiz meu Deus! – por fim ele ler – a reunião com o restante do pessoal do ministério no hotel foi marcante lá eu pude ver o quanto eu estava errada tentando pagar com á mesma moeda tudo o que Cristóvão fez. Aprendi  que devo ama-lo e certamente o terei de volta. Cedo ou tarde vou apresenta-lo em uma das reuniões. Peço a Deus que nos abençoe pois estou num processo para engravidar e se isso se confirmar, vou lhe presentear com um filho ou filha algo que ele deseja muito. Ser pai.
  Prostrado. Arrasado. Querendo morrer. Tudo isso Cristóvão esta sentindo. Três vidas inocentes ceifadas, inclusive de seu filho ou filha. Márcia só queria voltar a ser feliz com ele. Pastor André também só queria ajudar e acabou morto covardemente. Não há conserto. Tudo o que restou para ele é fugir. Ser mais um foragido de policia. Coloca o que ainda resta na mala. Sai sem fechar a porta. Entra no carro e toma a direção da rodoviária. No caminho ele confere as noticias pelo radio. Passa por varias estações ate ouvir uma chamada “ a policia já esta a procura do clinico geral doutor Cristóvão Souza acusado de matar friamente o promotor e pastor André Gouveia...”. Cristóvão desliga o radio antes da jornalista concluir. Mais parece um pesadelo. Uma pessoa com um futuro promissor. De repente joga tudo pela janela por não apurar direito os fatos, por dar ouvidos a alguém que não merece credito, por ser um idiota. Ele tem um destino; o interior. Ficará escondido com rato no bueiro. Ao procurar sua arma ele a encontra debaixo do banco. Para se livrar do flagrante, ao passar por uma ponte o medico a arremessa no valão e continua seu caminho rumo á rodoviária. Ele sabe que haverá policiais por lá a sua espera. Mais não importa “ minha vida acabou mesmo!”.

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  Neste mesmo instante a policia cerca a casa do medico. Brito e seus comandados entram na residência abandonada juntamente com os peritos:
- O desgraçado fugiu e deixou a porta aberta, é um covarde mesmo – diz Brito olhando ao redor.
- Aparentemente não há sinal de sangue – fala Miura indo em direção da escada – veja as fotos, a mulher encontrada morta era mesmo a esposa dele.
- Como pode? Uma moça tão bonita se envolver com um cara tão ridículo.
   Cada cômodo da casa é cuidadosamente periciado. Não há uma gota de sangue se quer. O líder da equipe de peritos se aproxima de Brito e pede para que todos se retirem por alguns minutos:
- Ele deve ter limpado todas as provas por isso vamos ter que trabalhar com mais cautela usaremos o poder do luminol.
- assim que obtiverem alguma evidência eu quero saber.
- Com certeza doutor.
   O trabalho é demorado e isso deixa Brito cada vez mais nervoso:
- Enquanto estamos aqui ele pode esta longe.
- Tenha paciência estamos avançando ele não pode ir muito longe a cara dele é exibida a cada tele jornal – diz Miura.
  Apos longos e demorados quarenta minutos o serviço da equipe de peritos termina os procedimentos o líder transmite o recado a Brito:
- O medico a matou aqui dentro mesmo. Ele limpou tudo como eu havia suspeitado.
- Bom trabalho senhor Pires. A grande questão agora é o por quer disso tudo.
  Brito e sua equipe vão embora. Tudo ainda é um mistério para o detetive. No caminho ele recebe uma chamada do delegado:
- Como? Ele estava grávida e mesmo assim a matou?
- Isso mesmo. Estamos lidando com um sujeito perigoso. Eu o quero aqui trancado.
Ao abandonar o carro e seguir caminhando para a rodoviária para não levantar suspeitas, Cristóvão parece que envelheceu dez anos. Seu aspecto é simplesmente lamentável. Mal consegue puxar a mala. O medo é nítido em seu olhar. O som de sirene de uma ambulância  o deixou quase sem ar. A rodoviária agora parece mais sombria. Outrora havia sido o lugar onde Márcia e ele esperaram por quase duas horas o ônibus que os levaria para a melhor viagem que já fizeram. Lua de mel. Inesquecível. Como Márcia estava feliz. Ele olha para o banco de espera e lembra das inúmeras juras de amor feita pelos dois. Dentro do ônibus o clima é quente. Cristóvão pode sentir o calor vindo da pele macia de sua esposa. Tudo isso ficou para trás. Ate mesmo os amigos como Jaime que a essas horas já deve ter visto no noticiários a tragédia “ porque não me liga agora? Por quer não me diz o que fazer?”
  Cristóvão compra a passagem. Se mantém quase que o tempo todo de cabeça baixa. Anda ate a fila de espera e lá ele contempla uma família. O pai feliz por esta junto da esposa e filhos. As crianças brincam com o pai e a mãe da altas risadas. Isso mexe com o coração baleado do medico. Como ele gostaria de esta no lugar daquele homem. Pouco a pouco ele sente seu coração pedir algo. Uma força maior que ele o envolve. O choro é inevitável. Compulsivo, amargo. O medico ruivo olha ao redor, procura por alguém. Uma viatura da PM adentra e um policial sai rumo á lanchonete. Cristóvão procura por sua arma, ela ficou no carro. Ele sai da fila o qual era o terceiro. Vai de encontro ao policial:
- Senhor policial.
- Sim?
- Pela sua credencial o senhor é cabo não é mesmo?
- Sim! – O policial ainda sem entender direito continua a comer seu lanche.
- Hoje o senhor passará a sargento.
- Do que esta falando?
- Sou Cristóvão Souza o medico que estão procurando por assassinato!
   Em questão de minutos toda a policia chega a rodoviária. A imprensa em peso se aloja aos arredores. Brito junto com o delegado Miranda estão reunidos numa sala da rodoviária colhendo os primeiros depoimentos de Cristóvão e no fim de tudo Miranda diz já do lado de fora da sala:
- Um mal entendido?
- Pois é senhor. Ele apenas desconfiava da mulher e do promotor André e fez o que fez – Miranda esfrega as mãos no rosto.
- Coitado do André. Não merecia um final desses – Um silêncio perturbador os assola e Brito o quebra.
- Caso encerrado?  - Novamente o silêncio.
- Sim – suspiros – Caso encerrado.
  Cristóvão foi levado preso e julgado. Foi condenado a pena máxima por duplo homicídio.              
desconfiança. FIM