sábado, 22 de setembro de 2018

DUDA




DUDA

       Cinco minutos, cinco longos minutos que Maria Eduarda se encontra trancada no banheiro chorando horrores. Como isso pode acontecer? Como ela foi dar sorte pro azar? Agora é tarde demais, o estrago já foi feito.
           - Duda, tudo bem aí? – pergunta sua mãe preocupada.
          - Sim, mãe. – enxuga as lágrimas. – já estou saindo.
        Não tem jeito. Agora é encarar a realidade e se preparar para o que virá. Hesitante ela puxa o cordão da descarga. Molha o rosto, respira fundo e sai.
          - Tudo bem? – sua mãe continua a preparação do almoço.
          - Sim, posso ajudar?
          - Obrigado, pode ir descascando aquelas batatas ali.
        Pensativa, incomodada e principalmente, grávida. Sua demora no banheiro teve motivo. Duda comprou um teste de gravidez de farmácia e o resultado deu positivo. A menina morena clara de cabelos cacheados, com apenas 17 anos se encontra grávida. E agora? Como sua mãe vai reagir?
        Ela segue descascando as batatas enquanto sua mãe reclama da vida. Os pensamentos falam mais alto que os comentários de dona Fátima, por isso ela chama atenção da filha.
          - Qual o problema, Maria Eduarda?
          - Oi, sim mãe, a senhora estava falando?
          - Eu estava falando sobre a igreja, de como é difícil conviver com certas pessoas.
          - Pois é, por isso que eu não quero fazer parte dessa turma, eu estou muito bem assim.
          - Duda, Duda, cuidado minha filha, o juízo de Deus pode vir sobre você, cuidado.
      O juízo de Deus. Para Duda o juízo de Deus já veio sobre ela e a presenteou com uma sementinha. Dona Fátima, uma cristã rigorosa, que gosta de seguir os mandamentos bíblicos cegamente. Claro que esse radicalismo de Fátima já gerou mal estar entre sua filha e ela. Maria Eduarda não quer saber de igreja e nem tão pouco sobre os ensinamentos de Cristo. Para Duda, igreja é um lugar onde as pessoas são submetidas a verdadeiras lavagens cerebrais. Todos estão loucos.
        - Tudo bem em você não querer participar dos cultos, mas, entenda, Jesus é o único caminho, pense nisso.
          - Legal mãe. – se levanta. – eu vou pro meu quarto, não estou me sentindo bem.

*

         Uma menina vem passando distraída com sua mochila nas costas falando alto ao telefone. Apesar do sol forte e também do movimento na rua ninguém descarta a possibilidade de um assalto em plena luz do dia. Ela vem andando discutindo e gesticulando. Ao dobrar a esquina ela é abordada por um meliante armado com uma pistola.
            - Perdeu, me passa o celular.
            - Calma.
            - Que calma o que, sai fora, vamos.
         A garota corre desesperada enquanto o assaltante desaparece entrando em uma das ruas que dão acesso a comunidade. Sandro, esse é o seu nome. Ele ganha a comunidade segurando uma sacola de supermercado com meia dúzia de aparelhos telefones. Magro, alto, negro, Sandro tem somente vinte anos e já conhece bem o lado negro da vida. Perdeu seus pais para a bebida, ambos morreram queimados depois que dormiram fumando e as cinzas dos cigarros os transformaram também em cinzas. Foi terrível. Sandro perdeu toda sua precária estrutura que ainda lhe restará.
Sandro passa por dois garotos armados com fuzis na subida do morro.
          - Fala aí, vai aonde? – pergunta o bandido.
          - Quero falar com Tuca.
          - O que você quer com ele? – pergunta o outro.
          - Estou com umas paradas maneiras aqui pra ele.
         Um dos  bandidos saca seu rádio olhando com cara feia para Sandro.
          - Fala Tuca, aquele maluco está aqui embaixo querendo falar com você, o que faço?
          - Quem?
          - Fala com ele que é o Sandro. – finalmente Sandro se identifica.
          - Se liga Tuca, é um tal de Sandro.
          - Pode deixar subir.
          - Vai lá.
         Sandro passa pelos garotos e começa a subir as escadas. A favela é realmente a mais perigosa da cidade. Em apenas uma semana já houve três incursões da polícia. Houve tiroteio e é claro mortos e feridos. Mesmo vivendo num clima de terror e insegurança, os moradores continuam a vida, não há nada que eles possam fazer. Ali quem manda é o tráfico, o homem com a arma na cintura.
Finalmente Sandro chega aonde Tuca se encontra. Cercado por cinco seguranças fortemente armados com armas pesadas, o chefe o recebe com cara de poucos amigos.
          - Qual foi mano, já conseguiu meu dinheiro?
          Intimidado até os ossos, Sandro engole seco antes de responder.
          - Eu tenho telefones pra você, quer ver? – estende o braço segurando a sacola.
          - Deixa eu ver.
         Logo de cara o chefe do tráfico ficou empolgado com a qualidade dos aparelhos. Um específico o interessou.
         - Vou ficar com esse IPhone, o resto você pode levar e vender.
         - Mas como assim, eu pensei...
         - Mano, aqui não é loja de celular, eu quero meu dinheiro.
         Agora sim Sandro se vê diante de um problema sério. Caso ele não consiga o dinheiro de Tuca com certeza ele será executado. Assustado ele recolhe a sacola com os telefones e vai embora. Se ele se arrepende de ter pedido droga fiado? Sim, claro, Sandro poderia ter pensado nas consequências antes. Solitário, com medo, ele desce morro e quando dá por si já se encontra no asfalto. Logo de cara uma viatura da polícia.
          - Merda.
         Faz a volta entrando num beco onde há crianças brincando e mulheres jogando conversa fora. Sandro conhece bem aquela comunidade, sabe onde ficam as saídas secretas usadas pelos bandidos. Pronto. Mais alguns passos e ele estará na rua.

*

         Assim que Josué passa pela secretaria do curso ele é chamado para uma conversa cujo o assunto ele sabe muito bem. As coisas não andam tão bem para o jovem negro de boa aparência. Sua vida financeira se encontra pedindo socorro faz algum tempo. As mensalidades do curso de eletrônica vem atrasando e isso vem lhe causando certos desconfortos.
          - Oi? – diz a secretária com um sorriso forçado.
          - Oi.
          - Então, chegamos ao dia dez, você conseguiu pelo menos um mês?
          Josué abaixa a cabeça. A resposta a secretária já sabe.
           - Veja bem, Josué, vou permitir que você assista aula hoje, mas eu não garanto a de amanhã.
           - Dona Márcia, esse é o meu sonho, eu preciso concluir esse curso, preciso ter uma profissão.
           - E nós as mensalidades.
           - Eu prometo que trago pelo menos uma mensalidade em atraso.
           - Veremos.
         Josué prometeu algo que ele mesmo não tem garantia alguma. Como conseguir três meses de mensalidades? Será preciso trabalhar vinte quatro horas sem parar. Ser um profissional em eletrônica, essa é a meta do jovem pobre, morador de um bairro esquecido pelo poder público. Sua mãe, uma mulher doente que mesmo sofrendo com dores na coluna trabalha de sol a sol limpando escritórios e casas. A vida não tem dado trégua, mas o que vale mesmo é a vontade de vencer.

*

         Chorar, essa tem sido as condições de Duda desde quando soube que estava grávida. Ela precisa dividir essa dor, mas com quem? Talvez com o pai da criança? Duda pega o celular e disca o número de seu atual namorado. Ele a atende no segundo toque.
        - Oi mô?
        - Oi, está no curso?
        - Sim, algum problema?
        - Não, só queria ouvir sua voz. Vai passar aqui depois?
        - Se você quiser...
        - Vou te esperar.
        Ligar para Josué lhe fez muito bem. Eles estão juntos faz algum tempo e simplesmente o rapaz mudou a vida dela e para melhor. Josué é carinhoso e atencioso, trabalhador e principalmente, tem um futuro promissor. Maria Eduarda se sente segura ao lado dele. Duda arrisca em dizer que o ama, de vez em quando.
         O estar grávida não é o principal problema, mais sim, de quem. Duda teve dois relacionamentos e em ambos ela se relacionou sexualmente sem proteção. Essa dúvida vem lhe tirando a paz. Com o ex ela se entregou e com o atual também. Conselhos foram dados por dona Fátima, porém entraram por um ouvido e saíram pelo outro. E agora, como administrar isso?
*

         Pior que ter uma pesadelo é vivê-lo. Sandro se vê num beco sem saída e com a vida por um fio. O que fazer para sair dessa ileso? Tuca é conhecido por ser um bandido violento, que adora torturar suas vítimas antes de executá-las. Só de pensar seu corpo todo se arrepia. Ele precisa conseguir a grana nem que para isso ele arrisque sua vida.
         Não tem outro jeito a não ser tomar de alguém. Logo Sandro que sempre foi contra esse tipo de ação.  O assalto para ele sempre esteve em último lugar. Agora ele se encontra ali, sentado num banco de praça no centro da cidade criando coragem para abordar suas vítimas. A vontade que ele tem é de sumir do planeta, se livrar de vez das ameaças de Tuca. Como a vida é injusta. Porque logo com ele? Já não foi o bastante perder toda sua família?
        Antes de abordar alguém ele resolve levar os celulares para mercado negro e quem sabe conseguir alguma grana. Sandro respira fundo e se levanta. Hora de acabar de vez com esse sofrimento.

*

        O beijo é molhado, suculento, bastante convidativo para algo a mais. Duda se deixa levar pelo calor que emana das mãos de Josué. Trancados no quarto da menina, o casal faz com que o clima fique ainda mais quente quando em fim o rapaz consegue toca os seios por baixo da blusa. Maria Eduarda se arrepia, fica mole e respira forte. Josué por sua vez sente que terá mais um dia de sexo com sua garota.
          Eles se deitam ainda trocando beijos. A blusa de Duda é retirada e jogada no canto da cama. Ela o puxa pra cima dela o apertando. Ela o deseja, excitada demais pra falar a verdade. Nessa música é Duda quem conduz a dança. Com habilidade ela consegue abrir a bermuda do namorado sentindo o volume formado. Josué não vê a hora de penetrá-la e fazê-la gritar de prazer.
          Os problemas vem a tona. O coração acelera a deixando sufocada. Duda para o que iniciou com tanto desejo contrariando seu namorado.
           - O que foi? – Josué pergunta ofegante.
           - Não vou conseguir, me desculpe. – sai de baixo do rapaz.
           - Fala sério, Duda, e o que eu faço agora?
           - Me perdoe. – se encolhe no canto da cama com os olhos marejados.
           - Tudo bem, mas, eu posso saber o que está acontecendo? – se senta.
         Duda ainda não criou coragem o suficiente para dizer a verdade. Ela tem uma criança sendo gerada dentro dela e simplesmente ela não sabe quem é o pai de seu bebê. Como ela gostaria que Josué fosse o pai, mas disso ela não tem certeza.
           - Quero ficar sozinha.
          - Mas, mô, você me pediu para vir aqui e agora manda uma dessa?
          - Josué, por favor, me entenda.
        Josué deixa a casa da namorada confuso e também irritado. O que Duda fez não se faz com um homem depois dele estar envolvido por ela. Enquanto caminha de volta para sua casa, mil coisas rondam sua cabeça. Teria Duda outro em sua vida? Estaria ela doente? Dona Fátima conseguiu finalmente fazer a cabeça dela e agora ela só pensa em igreja? Perdi minha namorada para a religião? Nossa, como essas coisas martelam a mente. Não bastasse a falta de grana para poder pagar o curso, agora ele se vê diante dessa situação pra lá de complicada. Vá entender as pegadinhas que a vida prega.

*

         Encarar o mercado negro é ainda melhor que ficar frente a frente com Tuca. Aquele cara lhe causa arrepios. Sandro sobe as escadas daquele prédio antigo com sua pintura desbotada e fachada precisando de uma reforma urgente. Lá dentro a situação é ainda pior. O ar é pesado e o cheiro de mofo é quase palpável. Ele passa por uma porta onde um cara com aspecto sujo aguardando sua vez de transar. A porta se abre o cliente sai puxando o zíper da calça ao som da voz da prostituta chamando o próximo. O sujeito asqueroso entra levando com ele seu mal cheiro.
          Sandro finalmente chega ao andar onde tentará a sorte em vender os aparelhos. Logo de cara ele é revistado por um homem fumando segurando uma pistola.
           - Trouxe o que pra gente?
           - Celular. – mostra a sacola.
           - Hum, acho que o chefe vai gostar, entra lá.
        Sandro passa por uma porta de madeira bruta. O chefe é um sujeito gordo, calvo com um bigode nojento meio amarelado devido a fumaça do cigarro. No momento ele está terminando de devorar o quinto sanduíche de mortadela e mal percebe a presença do rapaz ali.
          - Opa. – diz Sandro chamando atenção do obeso.
          - Sim. – levanta a cabeça. – o que mandas? – limpa a boca com a costa da mão.
          - Tenho alguns celulares, lhe interessa algum?
          - Por favor, coloque-os sobre a mesa.
         Com cuidado Sandro vai ajeitando um ao lado do outro sobre a mesa de vidro cheia de papéis e bingas de cigarros. O medo sempre fez parte de sua vida e agora mais ainda diante do tubarão do crime organizado. O assaltante termina de organizar seus produtos e aguarda que o velho gordo pare de comer.
           - Ótimo, eu pago 300. – finalmente olha para Sandro.
           - Cada? – arqueia as sobrancelhas.
           - Não, nos cinco, e fim de papo.
           - Mas...
           - Seu ladrãozinho de merda, é pegar ou largar.
          Trezentos reais não vai dar nem pro cheiro. O que Sandro deve a Tuca é quase o triplo disso. Que enrascada você se meteu senhor Sandro. Muito contrariado ele pega os trezentos reais e dispara porta afora antes que seja morto. Não tem jeito, o lance é encarar os assaltos e se livrar do torturador do Tuca.

*

          No rádio uma música dançante e na cabeça um furacão que devasta todo seu entendimento. Duda agora precisa colocar as ideias no lugar e resolver essa situação. Ela tem sonhos. Como qualquer outra menina da sua idade, Maria Eduarda quer muito crescer na vida, sair da comunidade e ser uma profissional respeitada. Ser mãe não estava nos seus planos, não agora. Duda ajudará a engordar a lista de meninas com menos de vinte anos que são mães. Quem diria.
           Não, ela não está pronta pra isso, ela mal completou o segundo ano, não consegue desenvolver uma redação sequer, não conhece o português direito. Meu Deus, e agora? Além de se atrapalhar, ela irá atrapalhar a vida de outro. Que cadeia implacável.
          O pai de seu bebê, quem seria ele? Josué ou infelizmente seu ex. Seu antigo namorado é um sujeito sem futuro, sem segurança alguma. Ele não será um pai de fato e isso ela não quer para a criança. Melhor tirar logo essa história a limpo. Duda diminui o volume do rádio e em seguida pega seu telefone e liga.

*

         Não adianta. Quem é de trabalho sempre dará um jeito para conseguir uma grana e pagar suas contas. Josué é uma dessas pessoas que engolem o orgulho e vão a luta. Ele tem um objetivo, uma meta traçada e ele não pode perder tempo. Infelizmente o namoro com Duda não está em primeiro plano, ainda mais depois do que aconteceu. Não, isso não pode lhe tirar o foco. Ao chegar em casa ele não pensa duas vezes em buscar recursos para continuar no curso.
         Depois de alguns minutos ele sai de casa com suas ferramentas de trabalho. Vassoura, pá e ancinho. Vamos ver no que vai dar toda essa loucura. O bairro onde Josué mora é pobre. Falta interesse dos governantes cuidá-la. A rede de esgoto é precária. Em boa parte das ruas o asfalto já quase não existe, sem falar da infraestrutura.
           Ele foca uma casa onde o quintal precisa de uma limpeza completa. Chegou a hora da verdade.
           - Oi, tem alguém em casa? – ele grita do portão.
           Na janela uma senhora de mais ou menos 60 anos aparece desconfiada.
           - Sim, o que deseja?
           - Limpo o seu quintal, a senhora poderia me ajudar?
         A janela é fechada. De repente toda aquela empolgação se transformou em íra. Como pode fechar a janela na cara de alguém assim? Josué dá as costas para o portão quando o mesmo se abre.
          - Oi. – disse a senhora.
        - Ah, oi, estou precisando trabalhar e vi que o quintal precisa de uma limpeza, eu posso fazer, cobro barato.
          Aquela senhora conseguiu ver nos olhos daquele rapaz bonito porém sofrido uma sinceridade jamais vista. Ela pensa por alguns segundos e depois o contrata.
           - Tá certo. Veja bem, sou aposentada, posso pagar trinta?
           - Qualquer ajuda será bem vinda.
        E assim foi. O quintal não é muito grande por isso Josué terminou em meia hora. Enquanto recolhia o lixo seus pensamentos voavam longe, para a sua loja de eletrônica onde ele pretende ser especialista.
           - Dona Helena, acabei, eu já vou indo.
          Pagamento no bolso, cliente satisfeito e outra missão em mente. Enquanto há dia o trabalho não pode cessar. O sucesso segue um homem determinado.

*

          Bem que a vida poderia dar uma trégua nos problemas que ela coloca diante de nós. Sandro espera sua vítima, porém sua cabeça está longe do crime que está na iminência de cometer. Sandro recebeu uma ligação que o destroçou e agora mais do que tudo ele precisa rever o que ele tem feito de sua vida.
           Sua ex namorada, grávida, como assim? Que loucura é essa? Com certeza não é dele, mas sim do cara que está com ela atualmente. Duda está querendo um otário que a banque. Isso nunca.
          Um garoto com pinta de universitário passa apressado por aquela rua deserta quando Sandro o aborda.
          - Perdeu, me passa a carteira.
          - Calma. – o rapaz perde a cor.
          - Calma o cacete, me passa a carteira.
         Rapidamente o jovem estudante lhe passa a carteira. Sandro manda que o rapaz ande sem dar alarme. Retira o dinheiro e joga a carteira com os documentos para ele.
           - Aí, segura.
      Bastante temeroso o estudante volta e pega sua carteira do chão enquanto o assaltante se distancia. Essa onda de assalto é algo arriscado, Sandro sabe que a qualquer hora alguém pode sacar uma arma e reagir, porém ele precisa correr esse risco. Cair nas mãos de Tuca é ainda pior que ser surpreendido por uma vítima armada. Antes de partir para o próximo ele faz a contagem e fica aliviado ao ver que falta pouco para completar o que deve.

*

      Dona Fátima está sentada na copa com os cotovelos apoiados na mesa e com os dedos entrelaçados. De sua boca nenhum som, somente os lábios mexem. Fátima está orando. Sempre que algo sai do controle ela recorre ao Deus de toda criação para que entre com auxílio. Duda aparece na porta da copa e mais uma vez ela presencia sua mãe falando com Deus. Pela primeira vez em muito tempo ela não faz desse momento algo casual. Maria Eduarda sente vontade de estar ali, ao lado dela conversando com o Senhor. Hesitante ela caminha ficando próximo de sua mãe. Fátima abre os olhos e olha para a filha.
           - Orou por mim? – Duda sorrir.
           - E como, ultimamente tenho enchido os ouvidos de Deus pedindo por você.
           Duda puxa uma cadeira.
           - Mãe, preciso falar algo com a senhora.
           - Sou todo ouvido.
        As palavras fluíram e quando Duda deu por si sua mãe já estava boquiaberta com os olhos inundados.
          - Minha filha, tanto que eu lhe pedi, tanto que eu lhe falei.
          - Mãe...
      - Fique quieta. – levanta a mão. – agora é a minha vez de falar. Duda, você é ainda uma adolescente, não completou os estudos, não trabalha, não sabe o que quer da vida, como você ainda tem coragem de engravidar? Ter um filho não é brincadeira.
          - Mas, mãe, aconteceu...
          - Logo eu que confiava nesse tal de Josué
          - Mãe, eu...
          Como falar isso para ela? Como dizer que simplesmente ela não sabe quem é o pai? Duda sente que está destruindo o que restou do mundo de sua mãe. Desde quando Joaquim a abandonou, Fátima não tem feito outra coisa a não ser se lamuriar.
           - O que foi Maria Eduarda, só falta me dizer que não sabe quem é o pai.
          Quem cala consente. O silêncio respondeu a pergunta.
        - Meu Deus. – coloca a mão no peito. – me ajude, onde eu errei? Filha, não me diga que é daquele marginal do Sandro?
           - Eu também não sei mãe. – chora.
         Um mundo em ruínas. Um lar destroçado. Mãe e filha choram juntas. As lágrimas de Fátima caem molhando a toalha da mesa. Em sua última oração ela pediu forças para superar as barreiras e intempéries. Ela olha para sua filha e vê aquele Bebezinho que chorava querendo o seu colo. Fátima estende seu braço e abre sua mão. Duda olha fixo para sua mãe e consegue ver uma mulher indestrutível.
             - Você errou, mas conte comigo, juntas iremos superar essa fase.
           Duda praticamente se joga nos braços da mãe. O choro é compulsivo, longo, porém serve como uma válvula onde ela deixa esvair tudo que pesa na alma.

*

          Mais um dia de curso e pela primeira vez Josué passa pelos portões da instituição sem culpa, sem medo. Antes de ir para a sala de aula ele se dirige a secretaria. 
           - Oi? – a secretaria afasta os óculos.
           - Sim, vim acertar as mentalidades.
           Cética a mulher deixa de lado o notebook e abre a gaveta de arquivos.
           - Você é um homem de palavra, Josué.
           - Me esforço. – coça a cabeça.
         Tudo resolvido. Josué vai para a aula mais leve e decidido a permanecer trabalhando como faxineiro até concluir o curso. Ele alimenta seu sonho a cada passo dado. Na mente ele consegue ver seu empreendimento, sua família, todos sorridentes. Que venha o futuro.

*

          Josué está sentado no banco da praça acariciando os cabelos de Duda. Ainda processando tudo o que aconteceu ela se mantém em silêncio.
           - Sua mãe é forte demais.
           - É.
           - Tenho uma novidade pra te contar.
           Duda não se empolga apenas aguarda a conclusão.
           - Me deram uma bolsa no curso.
           Essa sim é uma ótima notícia. Maria Eduarda se ergue e beija o namorado.
           - Estou feliz por você amor.
           Voltam a se beijar.
           - Me desculpe por aquele dia, eu não tinha cabeça para transar.
           - Sem problemas, teremos muito tempo pra isso.
           - E se o bebê for do Sandro?
          Josué levanta os olhos tentando esconder as lágrimas.
          - Hoje, eu tive uma visão. Vi você, eu e o nosso bebê, estávamos felizes, você tinha um sorriso lindo.
          Duda chora sorrindo.
           - Deu pra ver se era menino ou menina? – ela funga o nariz.
           - Um garotão Lindão, igual ao pai. – solta uma gargalhada sincera.
           - Seu bobo. – o abraça.
          - Esse bebê não é do Sandro, nem meu, esse bebê é nosso, nosso filho, você entendeu? Vamos criá-lo com amor e dedicação.
           Um homem de verdade. É assim que Duda consegue ver Josué. Tanta determinação contagiou a adolescente que decide lutar por um futuro diferente mesmo sabendo dos desafios que virão. Estudar e ser alguém na vida. Esse é o seu alvo.

*

        Voltar a aquela comunidade é como entrar na jaula de um leão faminto. Subir as escadas estreitas, mal acabadas com pessoas se acotovelando é algo irritante. Sandro fará de tudo para que essa seja a última vez que ele pise ali. Ele passa pelos homens de Tuca que o olham de soslaio. Um deles mostra sua pistola e depois sinaliza para que ele saia da li.
            - Estou levando o dinheiro do Tuca.
          O clima realmente está estranho, isso pode ser sentido no ar. A respiração é irregular e só piora. Quem manda ser um viciado?
         Tuca está sentado rodeado por seguranças.  Ao vê-lo o traficante se levanta.
         - Cadê meu dinheiro? Vai morrer agora. – enterra a arma na cara de Sandro.
         - Calma fera, tá tudo aqui. – mostra a sacola.
        Tuca chama um dos seguranças e pede a ele que conte ainda com a arma apontada para a cabeça do assaltante. O medo faz com que a espinha fique congelada. O suor escorre denso. O bandido demora na contagem.
         - Tá tudo ai? – Tuca pergunta sem tirar os olhos de Sandro.
          - Sim.
         - Comigo não tem erro não parceiro. – gagueja.
       - Cara, some do morro, se você aparecer aqui de novo vou te comer na bala. – dá uma coronhada na testa.
        - Qual foi Tuca?
        - Vaza. – grita.
           Nem precisava falar duas vezes. Sandro desce o morro a passos largos. Um pouco mais aliviado ele está decidido a fazer tudo diferente. Duda não sai de seus pensamentos. Os momentos vividos com ela foram os mais marcantes. Tantas risadas, danças, bebidas e é claro, muitas noites de prazer. Maria Eduarda é sim uma baita de uma amante.
          Ao chegar no pé do morro Sandro sente uma movimentação estranha. Ele olha para cima e vê traficantes correndo. Seu coração dá saltos. Essa sensação ele conhece bem, algo de ruim vai acontecer. Mesmo com algo dizendo para que ele volte para dentro da favela, Sandro decide seguir em frente. Quase chegando na via, vários carros de polícia com polícias prontos para invadir o morro. O que fazer agora? Voltar não seria nada inteligente. Um dos PMs o avista.
          - Ei, você, encosta na parede.
          - Eu? – Sandro levanta os braços.
          - Encosta na parede, não vou falar de novo. – grita
         Não adianta questionar, nessas horas é melhor seguir as ordens. Os moradores da comunidade ficam apreensivos e quem pode corre buscando proteção. Sandro aguarda novas ordens. A vontade que tem é de fugir, entrar num dos becos lamacentos e desaparecer. O policial o revista.
          - Qual o seu vulgo?
          - Não tenho vulgo senhor.
          - Qual o seu nome? – pergunta aos berros.
          - Sandro, senhor.
          - Já tem passagem, Sandro?
          - Eu...
          Outro policial se aproxima olhando para ele.
          - Ei, esse é Sandro, assaltante, falei que era ele. Podem levar.
         O estômago de Sandro se revira só em pensar em ficar dentro de uma cela junto com mais trinta. O agente pega suas algemas. Tudo acontece em câmera lenta, o rapaz vê sua vida passando diante de seus olhos. Que droga de vida.
Sandro é algemado e colocado com truculência dentro da viatura. Pagará pelos seus crimes, terá muito tempo para refletir no que aprontou.
           Duda, Josué e Sandro, ambos jovens, ambos de origem humilde. Caminhos diferentes. Olhe para o lado, você conhece alguma história parecida?
FIM



terça-feira, 4 de setembro de 2018

BATMAN BLACKOUT 2

Doze reféns e apenas cinco bandidos armados e nervosos. O assalto não saiu como o planejado. O líder anda de um lado para outro segurando sua metralhadora e olhando pelo binóculo a movimentação da polícia. A qualquer momento o chefe de polícia ordenará a invasão a agência bancária, isso é só uma questão de tempo até eles estarem mortos.
Os cinco usam máscaras negras e uniforme da companhia de limpeza pública. Os doze reféns permanecem ajoelhados de cara para os vidros do banco como escudos humanos a horas.
- Temos que dar um jeito de sair dessa enrascada. - comenta um deles.
    - Como? - grita o líder. - toda Gotham está cercada.
    - Vamos matar os reféns.
    - Cale a boca, não consigo pensar com vocês falando. - olha mais uma vez pelo binóculo. - já sei, chame um refém.
Um homem de terno e gravata é escolhido para falar com o negociador. Na base dos empurrões o bancário é colocado na linha de fogo. A polícia volta sua atenção para os gestos do homem.
    - Não atirem, não atirem, por favor.
    - Pode falar. - grita o chefe de polícia.
    - Eles querem fugir, caso não aceitem, a cada vinte minutos um de nós será morto.
    - Não posso aceitar essa exigência.
De repente da cabeça do refém sai uma nuvem de poeira rosada. O tiro dado pelo bandido chefe deixou claro que eles não estão de brincadeira.
    - Lembre-se, chefe, daqui a vinte minutos outro será executado. - alerta o líder.
O pânico foi instaurado nos arredores do banco. A imprensa de Gotham city a todo momento entra ao vivo com informações sobre o assalto ao banco. Sem muita escolha o chefe de polícia decide pela invasão a agência.
    - Senhor. - começa um sargento. - se fizer isso o estrago será ainda maior.
    - O que sugere então sargento Davis? - esbraveja.
    - Sugiro que deixemos eles saírem e depois…
    - Isso está fora de cogitação, sargento. - pega rádio. Vamos entrar.
Uma formação é organizada na frente do banco levando a todos ao desespero. Dentro da agência o terror é sufocante, todos os reféns se descontrolar forçando o bando a agir com violência.
    - Fiquem quietos senão vai haver uma chacina aqui dentro, eu juro.
    - Por favor, nos deixe ir. - implora uma senhora.
A mulher recebe um forte golpe no estômago pela arma.
    - Vá para o seu lugar sua velha. - grita o bandido.
Mais uma vez o líder precisa agir. Ele corre até uma das sacolas e retira de lá uma granada.
    - O que vai fazer Charles?
    - Vou atrasar a invasão.
    - Charles, isso só vai piorar a situação, cara, tá louco?
Próximo da saída ele retira o pino do artefato e o lança contra o cordão da polícia. O chefe de polícia ao ver o objeto vindo ordena a evacuação.
    - Pro chão, todos.
A granada explode ferindo alguns dos agentes e até civis. Furioso o chefe se levanta, olha para o banco e depois para o sargento.
    - Retire os homens da linha de frente, vamos ceder.
Imediatamente a polícia recua abrindo espaço para a fuga dos assaltantes. Os curiosos foram afastados e uma espécie de corredor foi aberto. Do megafone o chefe negocia com os meliantes.
    - Já podem sair.
O líder do bando pega duas bolsas cheias de notas de cem dólar seguido por seus liderados.
    - O que faremos com eles? - aponta para os reféns.
    - Eles vão sair junto com a gente, servirão de escudo. Lembrem-se, chegando no ponto combinado cada um segue seu rumo, certo?
E assim foi. Os reféns na frente e os cinco logo atrás. No alto dos prédios os atiradores aguardam ordem para atirar. Eles passam pelo corredor formado até chegarem do outro lado da rua. O Álamo é uma loja de sapatos, ali cada um deve seguir seu caminho com sua sacola de dinheiro. Os reféns são deixados para trás assim que começa a correria dos ladrões.
A polícia inicia a perseguição e os atiradores têm sinal verde para atirar. Virando a rua um dos bandidos é morto com um certeiro disparo na cabeça. O segundo é capturado antes de ganhar a via principal de Gotham. O terceiro tenta trocar tiros com uma viatura e é morto com um tiro no peito.
O quarto, já cansado, ao ver dois carros de polícia resolve se entregar se jogando no chão.
    - Perdi, perdi.
O líder correr feito um desesperado empurrando tudo e a todos. Ele retira a máscara e depois atira para o alto alarmando os transeuntes. Ele corta para uma rua de baixo movimento onde dará para conjunto de pequenos prédios. Olhando para trás ele diminui a velocidade. De repente algo o acerta nas costas. A dor o faz parar. Com dificuldade ele consegue tirar uma lâmina em formato de morcego.
    - Mais que merda. - atira.
Mais uma vez ele é atingido e dessa vez no ombro.
    - Vamos lá maldito, apareça. - grita.
Charles gira o corpo quando dá de cara com uma figura medonha o socando o rosto. O bandido cai e mesmo assim consegue atirar. Batman salta saindo de sua linha de tiro. Charles se levanta com o nariz sangrando a procura do morcego.
    - Você não vai estragar tudo não.
Os movimentos do justiceiro são rápidos demais, Charles se vê acuado sem saber pra que lado atirar. O bandido recebe outro murro que termina de arrebentar seu nariz. Seu grito é gutural e ele rola no chão segurando o que restou.
    - Jogue a bolsa, você está sozinho. - afirma Batman.
    - Vem pegar. - geme.
Prevendo que receberá uma rajada da metralhadora, o homem-morcego lhe aplica um chute no rosto quase arrancando todos os dentes. A visão de Charles fica turva e seus sentidos começam a falhar. Batman recolhe a arma e também a bolsa com dinheiro.
    - Me devolva seu desgraçado. - balbucia.
Outro chute no rosto e Charles apaga sangrando. As viaturas chegam e o chefe de polícia desce apontando sua pistola.
    - Ei, solte a arma e levante as mãos.
    - Senhor, é o Batman. - diz o sargento.
    - Precisamos prendê-lo também. - olha para frente e tudo o que vê é Charles desmaiado ao lado da sacola de dinheiro. - droga, ele sumiu outra vez. - saca o rádio. - atenção todos os carros, Batman está a solta na cidade. FIM