sábado, 28 de maio de 2016

VACINADOS

O coletivo sobe o viaduto conduzindo um maior número de pessoas em pé do que sentadas. Por mais que o ônibus seja do tipo executivo, a Super lotação nesse horário supera as expectativas. Um rapaz sentado ao lado de uma senhora no acento preferencial se levanta e anuncia o assalto. Logo em seguida o seu comparsa também anuncia o terror.
- Olha só, não queremos machucar ninguém, mas se tentarem fazer gracinha, meu amigo logo ali atrás está com o dedo coçando. – Logo o pânico se espalha entre os passageiros. O meliante retira a mochila das costas e inicia o recolhimento. Celulares, tabletes, jóias e dinheiro são recolhidos. Tudo acontece muito rápido. Um cidadão com porte físico invejável se levanta e corajosamente enfrenta os assaltantes:
- Muito bem, vocês dois, entregue já o que pegaram. – Um dos bandidos olha para trás e aponta sua arma.
- Por um acaso você está usando colete à prova de bala seu miserável?
- Veja você mesmo. – Abre sua blusa mostrando o peito nu. As pessoas se apavoram temendo o inicio de um tiroteio dentro do ônibus.
- Então o que faz pensar que eu não irei te matar seu, merda?
- Nada, eu só quero que devolva os objetos que estão dentro da mochila para essas pessoas. – O outro bandido ri e mira na cabeça do sujeito.
- Vai dar ordens no inferno. – Atira na cabeça do homem que permanece de pé. O assaltante fica em estado de choque ou ver a quantidade de sangue que sai e mais ainda em ver o sujeito andando em sua direção.
- Satisfeito seu cachorro. – Cara a cara com seu atirador, o homem o segura com suas mãos gélidas. O outro atira mais uma vez acertando o peito o deixando furioso. – vai gastar toda a munição seu otário. – A briga é ferrenha dentro do coletivo que está a 90 por hora numa via de grande movimento.

O ônibus encosta e os dois rapazes são jogados porta a fora. Machucados gravemente, os dois gemem no acostamento pouco movimentado. Mais adiante o sujeito ainda com o buraco da bala na cabeça desce sendo observado pelos olhares mais espantados possível. Ele anda rumo às casas de luxo com seus olhos amarelos e lábios roxos.

Semanas depois do acontecido, o fato ainda causa terror para quem o presenciou. Duas senhoras foram hospitalizadas e agora fazem tratamento contra a síndrome do pânico. Homens estão sob efeito de remédios e tremem da cabeça aos pés. Meninas choram o tempo todo e crianças estão aterrorizadas. A imprensa decide correr atrás de novas informações e tentar chegar até o tal homem que evitou o assalto.
- Quer dizer que ele foi alvejado com um tiro quase a queima roupa e na cabeça e não morreu? – Pergunta a reporte.
- Sim senhora, essa imagem eu tenho nítida em minha mente, o tiro pegou certeiro e o sangue jorrou e ele permaneceu de pé. – Responde um dos passageiros do ônibus.
- É verdade que o outro bandido também o acertou no peito? – O homem estremece.
- Sim senhora, foi verdade, uma cena chocante, parecia coisa de filme, sabe.

A criança brinca próximo a escada. Por distração a mãe esqueceu de fechar o portão que dar acesso as escadas. Mais alguns passos e a menina de apenas um ano irá rolar vinte degraus abaixo. A mãe na cozinha sente falta da menina e corre até a sala e ao ver sua princesa se aproximando da queda fatal ela corre e na corrida escorrega batendo forte a cabeça. Logo o sangue misturado a um tipo de massa se espalha no chão. A criança chora mais em seguida sua mãe já a conforta colocando-a em seu colo.
- Não chore, a mamãe está aqui. – Sorrir arregalando os olhos amarelos e seus lábios roxos.

A repórter resolve de vez entrar no caso, ela reúne o maior número de provas e decide sozinha investigar. Com base no relato das testemunhas, Cris, como é chamada na redação suspeita de que novos experimentos andam circulando nos laboratórios bancados por políticos e empresários do alto escalão.
- Você acha que o governo deixaria esse tipo de coisa vazar? – questiona o chefe.
- Sim, eles são falhos, tudo é possível, Jorge. – Cris acende mais um cigarro.
- Não está pensando em fumar em minha sala não é? – coça a barba.
- Me desculpe força do hábito. – apaga na sola da sandália. – então, tenho seu aval? – Jorge hesita por um instante.
- Cai dentro.

A balada não tem hora para terminar. Os jovens se aglomeram num espaço estreito e se esbarram o tempo inteiro. A música ajuda aumentar a agitação e também os ânimos. Um garoto aparentando ter menos idade do que a permitida na entrada, dança, se requebra arrancando gritos das meninas. Dois sujeitos não gostam nada do que vêem. Um com uma camiseta regata mostrando seu tórax trabalhado em horas de academia e o outro com pinta de lutador de UFC. O jovem continua a encantar as gatinhas não sobrando nada para os dois grandalhões. Um deles entra no meio da dança empurrando o garoto com suas mãos enormes.
- Sai fora seu pirralho, pague sua comanda e dê o fora daqui.
- Quem é você?
- Eu sou o que sou, moleque, agora cai fora. – o peitudo esfrega os punhos cerrados.
- Vai me bater, então tente. – as gargalhadas são abafadas pela música alta.
- Você quem pediu.
A pancadaria rola solta e é claro que o menino leva a pior. Socos, chutes, e golpes de vários tipos. Em menos de dois minutos o garoto já se encontra caído e morto. A galera desesperada tenta ajuda-lo, mais ele mesmo se levanta tirando onda com os dois brutamontes.
- Essa é à força de vocês. – os homens se olham e se afastam.
- Você está morto garoto, eu lhe apliquei um golpe fatal.
- Que pena, não funcionou.  – limpa o sangue que escorre da boca roxa. Seus olhos amarelos assustam a dupla.
- Vamos sair daqui cara, eu nunca vi isso antes.
Enquanto os gigantes feitos de músculos giram nos calcanhares uma menina o abraça.
- Não acha melhor irmos ao hospital?
- Que nada, vamos continuar dançando.
Um outro garoto salva a filmagem do espancamento em seu telefone celular.
- É disso que eu estou falando.
A primeira coisa que faz ao chegar em casa foi postar na rede social o seu vídeo e o nomeou de “O GAROTO IMORTAL”. Apesar de ser alta madrugada, enquanto foi à cozinha preparar um lanchinho rápido, as visualizações tiveram inicio. Pela manhã o vídeo já havia chegado a um número bastante expressivo na rede. Cris como sempre conectada foi uma das milhares de pessoas que viram o vídeo.
- Agora sim.

Ansiosa, Cris quase não dormiu,antes mesmo das galinhas acordarem ela já estava de pé enfiando seus pertences em sua bolsa tira colo. Ela olha mais uma vez o vídeo na tentativa de identificar onde fica o local onde tudo aconteceu.
- Se meus cálculos estiverem certos, esse lugar fica aqui próximo. – Aciona o botão destravando a porta do carro.

A farmácia ainda não abriu mais em seu interior há pessoas circulando. Homens importantes com seus respectivos ternos e sapatos que mais parecem espelhos. O mais mal humorado deles esbraveja gesticulando com seu dedo indicador no rosto de um sujeito que engole seco.
- Se essa porcaria vazar estamos perdidos. – Pigarreia. – era para ser algo sigiloso e olha o que aconteceu, deu merda.
- Mais senhor, eles chegaram aqui com dinheiro vivo como o senhor mesmo exigiu e também assinaram o termo de sigilo absoluto, o negocio é que ninguém sabe guardar segredo, entende?
O homem de terno gira nos calcanhares e olha para a farmácia.
- Veja bem, eu confiei em você. – Faz uma pausa. – quer continuar sendo o dono dessa espelunca?
- Sim senhor.
- Quer que ela cresça e tenha outras filiais?
- Essa é a minha sina.
- Então daqui pra frente faça seu serviço direito entendeu, direitinho, senão farei eu mesmo uma formula letal e aplicarei em você. – O dono da farmácia assentiu com a cabeça.

Cris chega à boate. Ela está fechada mais o escritório logo a cima se encontra funcionando. Cris é uma mulher de baixa estatura e tem os cabelos cortados bem curtinhos, sempre gostou do estilo “Joãozinho”. Ela aproveitou e os pintou de vermelho vivo. Seu andar é marcante, rebola mais do que anda. Sempre foi uma menina inteligente e encantadora. Não foi a toa que optou pelo jornalismo, Cris adora estar por dentro dos assuntos. Ela toca o interfone e uma voz firme metalizada a atende.
- Bom dia, pois não?
- Sou Cris do jornal “Um minuto” gostaria de falar com o proprietário.
- Entre. – A porta solta um estalido.
Dentro do escritório tudo normal. O dono é mais jovem do que Cris imaginava e atraente também.
- Bom dia senhor?
- Tiago, nada de senhor, sente-se. – Aponta para a cadeira. – em que posso ajuda-la, Cris.
- Houve uma briga aqui ontem não foi? Um espancamento. – Tiago entrelaça os dedos.
- Esse tipo de coisa é bastante freqüente nas casas noturnas, eu lamento muito.
- Tiago, não estou aqui para falar disso. – Retira o celular da bolsa. – e sim disso.
Tiago assiste ao vídeo e fica boquiaberto.
- Incrível. – Cris o olha mais encantada por sua beleza do que outra coisa. – isso aconteceu em minha casa?
- Sim.
- Como tem tanta certeza? – Tiago aperta os olhos o que o deixa mais atraente.
- Já estive aqui antes e reconheci o lugar por esse vídeo. – Tiago com ar de riso a elogia.
- Bastante observadora, Cris.
- Sou mulher, isso talvez ajude.
- Bom, no que posso ajudar?
- Conhece o garoto que foi espancado ou quem fez o vídeo? – Tiago pega o aparelho e hesita. – acho que estamos enfrentando o desconhecido. – continua Cris. - e eu preciso apurar isso, se puder ajudar. – O empresário se levanta e apanha algo na estante.
- Ele é filho de um magnata muito poderoso chamado Meirelles, tem mansões em todo o país e fora dele também.
- Pode me dizer onde encontra-lo? – Tiago volta a sentar-se.
- Sim, pra falar a verdade também quero saber por que esse garoto não morreu depois de ser espancado por dois pitbulls daquele tamanho.
- Ele e outros que não morreram depois de serem assaltados e sofrerem acidentes domésticos, estamos diante do desconhecido, Tiago, e isso pode ser perigoso. Obrigado por cooperar. – Tiago mostra um cartão de visitas entre seus dedos.
- Aqui você irá encontrá-lo, nesse endereço.
- E quanto a esse número de celular escrito a caneta?
- É o meu. – Cora. – gostaria de lhe ver fora do horário de serviço. – Pisca. Cris mantém o mesmo ar profissional, mais por dentro está explodindo de alegria.

Dentro do carro ela grava o número de Tiago em seu celular com um sorriso largo no rosto. A baixinha, além de estar avançando em sua reportagem, ganhou o coração do partidão do pedaço.

Uma família inteira adentra a farmácia a procura do senhor Gustavo. Família de posses. Os funcionários de nada suspeitam. O gerente pelo radio comunica a chegada dos visitantes. Gustavo imediatamente aparece no interior da loja recepcionado os convidados com sua simpatia invejável.
- Chegaram cedo.
- Estávamos ansiosos, por isso resolvemos vir antes do horário combinado. – Explica a mulher.
- Ótimo. – Olha ao redor e chama uma funcionária. – não estou pra ninguém, esses são meus sócios e preciso fechar alguns assuntos com eles entendeu?
- Sim senhor, pode deixar.
- Muito bom.

Eles saem do salão e passam por uma porta onde há um letreiro “Entrada restrita, somente pessoas autorizadas”. Andam por um corredor pouco iluminado. Chegam ao final do corredor e passam por mais uma porta. Para abri-la Gustavo precisou digitar algumas palavras na fechadura eletrônica. Com um silvo a mesma se abre e o frio que sai de lá de dentro é impressionante, fora o cheiro de material de limpeza que incomoda bastante. A família logo atrás de Gustavo acompanha em silencio todo o proceder do empresário alto e magrelo.
- Já estamos quase lá.
- Nossa, algo bastante escondido né? – Pondera o chefe da família.
- Eu diria bastante seguro.

Mais uma porta e mais uma fechadura eletrônica. Mais alguns dígitos e pronto, eles estão dentro de um tipo de laboratório futurístico escondido nos fundos de uma farmácia.
- Vou pegar os papéis. – Diz Gustavo se dirigindo a mesa.
- Senhor Gustavo, quero informá-lo de que só estou fazendo isso por que amo minha família, entendeu? – Gustavo para e sorrir.
- Louvável senhor Antônio, louvável.

Os papéis são assinados e o primeiro a tomar a dose é o chefe da família Souza seguido de sua esposa. As crianças choram não querendo tomar, mas são forçadas por seus pais. Gustavo faz as cobranças. O valor é alto, bastante alto.
- Muito bem, foi bom fazer negócios com vocês. – Se gaba o empresário.

Minutos depois o celular de outro empresário toca.
- Essa linha é segura?
- Sim senhor, acabei de fazer um depósito em sua conta, mais alguma recomendação?
- Não. – Pigarreia. - Eles assinaram os papeis?
- Sim.
- Muito bom, veja bem, como prometi, abrirei mais uma espelunca sua e dessa vez na zona nobre da cidade, o que acha disso?
- Não sei o que dizer senhor.
- Um “muito obrigado” serve.
- Obrigado senhor.  – O homem do outro lado da linha desliga.

Cris chega ao endereço. Realmente a mansão é de tirar o fôlego de qualquer um. Dois seguranças no portão e guaritas com homens armados com automáticas. Câmeras de segurança na esquina e mais algumas coisas. O receio logo vem e ela permanece alguns minutos dentro do carro. Isso levanta suspeitas, um dos gorilas fala algo no rádio e saca sua pistola. Ele anda lentamente apontando sua arma para o para brisa do Gol.
- Coloque suas mãos no volante. – Cris obedece. – bem devagar abaixe o vidro. – Cris faz exatamente o que foi pedido. – o que quer aqui?
- Sou repórter, gostaria de falar com o senhor Meirelles, ele se encontra?
- Aqui é a casa dele, marcou hora?
- Não, me esqueci desse detalhe.
- Então não importune mais e vá embora senhora.
- Eu preciso falar com ele.
- Saia, por favor.
- Tudo bem, tudo bem, vocês estão só cumprindo ordens.

A mulher no banco do carona grita a pleno pulmões para que seu marido dirija mais devagar. As crianças gostam da velocidade em que o carro está. O marido discute calorosamente com sua mulher quando ele perde o controle do veículo que derrapa na pista e bate de frente com outro veículo. A colisão é feia e não sobra quase nada do carro da família Souza. O rapaz que conduzia seu carro em sua pista, morreu na hora. Já a família de Antônio sobrevive mais ambos estão feridos com seus olhos amarelos e os lábios roxos.
- Calma, vou tirá-los daí. – Antônio consegue sair das ferragens. As crianças estão machucadas demais, mais vivas. O acidente foi fatal, ou pelo menos deveria ser para ambos. Com uma força sobrenatural, o chefe da família consegue tirar os filhos dos destroços e coloca-los no acostamento. Antônio corre e abre a porta tirando sua esposa que continua a discutir.
- Eu falei, eu falei, você e sua mania de correr. – Ela para de falar e olha para o rapaz morto dentro do carro amassado. – coitado, se tivesse se vacinado.
- Fale baixo caramba, ninguém pode saber disso.


Antes mesmo de o socorro chegar, a família Souza já havia se retirado do local do acidente deixando lataria amassada e o corpo entre as ferragens do outro motorista.

Cris hesita bastante antes de discar o número de Tiago. Diferente do que pensou, Cris é atendida com simpatia e surpresa por parte do rapaz.
- Cris, você me ligou mesmo. – Cris tenta ao máximo não esboçar na voz a satisfação que está em seu rosto.
- Eu estive na mansão do poderoso Meirelles, mas os gorilas não me deixaram se quer me aproximar do portão.
- Onde você se encontra?
- Em casa, por quê?
- Me passa seu endereço, juntos pensaremos melhor. – Do outro lado da linha a mulher engole seco.
- Tudo bem, anote ai.

Em uma hora Tiago chega à casa de Cris. Mais antes disso ela deu um jeitinho no barraco, tomou um banho e se perfumou. O partidão buzinou e como uma adolescente ela o atendeu da janela.
- Como vão as coisas Cris? – A simpatia do jovem empresário a deixa ainda mais gamada.
- Tudo bem, vamos entrando. – Sorrir. – só não repare a bagunça.
- Quer dizer que os seguranças não deixaram você falar com ele? – Senta no sofá e cruza as pernas.
- Pois é, pelo visto Meirelles é o cara.
- Se é, com certeza ele está por trás desse negócio. Meirelles sempre esteve envolvido em falcatruas e negócios de natureza duvidosa. – Cris franze o cenho.
- E como sabe disso? – Tiago respira fundo.
- Infelizmente eu tive o desprazer de me envolver com ele á alguns anos atrás e sinceramente me senti um estranho no ninho. – Ele olha para Cris que escuta a tudo. – ele me ofereceu uma boa grana para eu abrir o meu negócio, dinheiro ilícito e é claro que eu não aceitei, preferi lutar, conseguir as coisas com unhas e dentes. Esse sempre foi o meu lema.  – Essa declaração deixou Cris fascinada por ele.
- Então você acha que Meirelles está chefiando essa organização?
- Acho não, tenho certeza. – Se ergue.

Meirelles e Gustavo brindam à inauguração da nova filial da farmácia junto com outros associados.
- Parabéns Gustavo, seu negócio vai de vento em poupa hein! – Ergue o copo de uísque.
- Graças ao senhor.
- Deixe de modéstia, você merece, vem fazendo seu trabalho formidavelmente bem, saiba de uma coisa, quanto mais pessoas se vacinarem, maior ficará sua rede de farmácias. – Rir contagiando a outros. Gustavo o chama no canto particular.
- Senhor, e quanto aos efeitos colaterais? – Meirelles muda o semblante e o segura firme pelo braço.
- Esqueça que me perguntou isso, esqueça que pode haver efeitos colaterais em minhas vacinas, tudo bem? – Aperta ainda mais o úmero de Gustavo.
- Sim senhor.
- Agora trate de arrumar mais clientes pra mim.

Tiago limpa o canto da boca depois de degustar um macarrão feito no alho e óleo preparado as pressas por Cris. Sem graça a repórter volta para sala depois de lavar a louça.
- Me desculpe faze-lo esperar é que não consigo relaxar sabendo que minha pia está cheia.
- Entendo. – Toma mais um pouco do vinho. – bom, estava uma delicia seu macarrão, Cris, e espero que tenha mais sorte da próxima vez com Meirelles.
- Você já vai? – Se desmancha.
- Tenho alguns compromissos pela manhã, mas, se precisar de mim não hesite em ligar.
Tiago a beija na face e ela sente o perfume caro do jovem. Enquanto ele sai com o carro ela acompanha tudo olhando pela janela. Depois que o importado de Tiago some ela corre e mesmo com roupa a reporte baixinha se enfia debaixo do chuveiro gelado. Excitada demais para dormir.

Dentro de seu escritório, Meirelles conversa pela web com o professor Honório sobre as vacinas. Realmente ele anda preocupado com os possíveis efeitos colaterais que ela possa causar.
- Fique tranqüilo doutor esse possibilidade é bastante remota. – A voz metálica de Honório soou como música aos ouvidos do magnata.
- E no caso de haver algum incidente, o senhor já tem algo em mente?
- Sim.
- Me diga então?
- O extermínio é a melhor solução. – Meirelles torce os lábios.
- O governo não vai gostar nada dessa sua solução professor.
- Meirelles, você tem o controle total de todas as pessoas vacinadas não tem? – Meirelles não diz nada. – então, se algo der errado, vamos pedir para que elas se vacinem outra vez, mas, dessa vez iremos exterminá-las com uma substancia letal. – Meirelles gira a cadeira.
- Professor, quando me falou que havia criado essa coisa o senhor me assegurou que pretendia proteger as pessoas da violência que cresce a cada dia em nosso país, lembra?
- Sim, e estou protegendo.
- Quando o senhor diz chances remotas o senhor quer dizer que há possibilidade de haver um incidente não é?
- Como todo medicamento, sim. - Meirelles soca a mesa.
- Que diabos. – vocifera.

Um homem se revira na cama. Suando em demasia ele se levanta com seus olhos amarelos e boca roxa. Caminha até o quarto onde sua esposa dorme com as crianças.
- Beth, Beth.
- Oi Carlos, acabei pegando no sono junto com eles, o que foi?
- Estou com fome.
- Vou esquentar alguma coisa pra você no micro-ondas.
- Não Beth, quero carne. – A mulher que também tem os olhos amarelos e boca roxa estranha.
- Como assim, bife?
- De preferência cru. – Saliva.
- Cru, você quer carne crua?
- Loucamente.


Temendo uma catástrofe Meirelles, Honório, Gustavo e outros envolvidos se reúnem secretamente para discutirem o futuro das pessoas vacinadas caso aja um efeito contrario. Meirelles no centro da mesa tenta ao máximo se manter calmo, mais está difícil.
- Nossas famílias correm risco, eu tenho vizinhos que a tomaram Honório, meu filhos convivem com os filhos deles.
- Meirelles, esfrie a cabeça, ainda não temos índices de efeitos colaterais da vacina, ela é eficaz. – Gustavo e os outros apenas assistem à discussão. – imagine o nosso país, o povo desse Brasil vacinado e não temendo essa violência que cresce a cada segundo meu amigo, logo chegaremos ao exterior e ficaremos bilionários, pense.
- Seria ótimo. – Entrelaça os dedos e apóia os cotovelos na mesa. – mas, pense também na tragédia que seria. – Um dos investidores atravessa a palavra de Meirelles.
- Professor, o senhor poderia nos dizer o que essa vacina pode causar caso ela dê errado? – Honório olha para Meirelles que se mostra irritado.
- Canibalismo. – Responde suspirando. O investidor engole seco.
- Canibalismo?
- Sim, tal pessoa sentirá uma fome voraz de carne seja ela humana ou animal. – Um outro investidor se levanta.
- Zumbis? – Meirelles debocha.
- O senhor anda assistindo muito esses seriados doutor, saiba de uma coisa, um apocalipse zumbi seria impossível. – Honório faz um comentário.
- Um apocalipse zumbi é impossível, mas, um canibal é quase que certo. – O silêncio é sepulcral. Meirelles se levanta bastante arrependido de ter topado financiar tal experimento. Ele caminha até a janela e observa a movimentação dos carros e pessoas. O mega empresário se volta para os presentes e se dirige a Honório.
- Se eu souber de qualquer caso, o mais simples que seja, vou iniciar a caçada e o extermínio dessas coisas que o senhor criou...
- Com a sua ajuda, diga-se de passagem, senhor Willian Meirelles.

O gato usa todo seu instinto de defesa para se livrar das mãos do garoto, suas unhas afiadas não foram capazes de afastar o perigo e logo ele é devorado. Na parte dos fundos da casa o pai termina de comer o cão que tanto gostava. O animal sofreu muito antes de dar seu ultimo latido. Dentro da casa a funcionaria ainda tenta se livrar mais sua patroa a morde no pescoço rompendo sua jugular.
- Meu Deus, me ajuda. – A mulher cai segurando o ferimento. O sangue suja o rosto da patroa que não perde tempo e a ataca mordendo membros superiores. O pestinha ainda com pêlos do gato na boca aparece na porta.
- Mãe, também quero. – A mãe mal olha para filho.
- Cai fora, ela é minha, só minha. – Vocifera.

Ainda com muita fome o garoto dispara pelo portão e como um animal faminto ele procura por sua presa. Seus olhos amarelos buscam comida, carne fresca. Um policial organiza o transito aterrorizando a todos com seu apito. Douglas o garoto, atravessa a rua fazendo os carros brecarem bruscamente.
- Ei moleque. – O motorista coloca seu braço pra fora e Douglas o morde tirando um bom pedaço de carne. – Socorro.

O guarda ao ver tal cena saca sua pistola.
- Parado garoto. – Douglas corre na direção do policial ainda mastigando o pedaço que arrancou do outro homem.  – pare se não vou atirar. – O menino não obedece e é alvejado com um tiro certeiro no meio da testa. – meu Deus, ele estava possuído?
As pessoas se aglomeram em volta do corpo que ainda se move. Douglas solta alguns rosnados e espuma pela boca.
- Nossa, acabe logo com o sofrimento dessa criança. – Penalizado o policial aponta mais uma vez sua arma e atira, num salto a vida de Douglas tem fim. O guarda se abaixa e abre os olhos do menino.
- Amarelos? Que diabos é isso?

Cris está pronta para sair de casa quando recebe uma ligação de Tiago, seu coração vem à boca.
- Que surpresa boa. – Diz ela.
- Queria que fosse a primeira a sabe, houve um incidente próximo do meu escritório, um menino louco causou um pandemônio hoje cedo.
- Explica isso melhor.
- Passe aqui.

Com um vestido azul marcando as curvas de seu pequeno corpo, Cris adentra o escritório refrigerado de Tiago que a recepciona com a mesma simpatia de sempre.
- Está linda, Cris.
- Obrigado.
- Aceita uma bebida, um suco, café?
- Um suco talvez. – Cruz as pernas. – você dizia que um menino aterrorizou as pessoas hoje de manha

- Sim. – Abre o frigobar e apanha uma lata de del valle de uva. – e eu tenho certeza de que se trata de uma das pessoas de Meirelles.
- Meu Deus, esse homem precisa parar com esses experimentos.
- Como? Ele é poderoso, ele está envolvido até o pescoço com o governo federal.
- Alguém precisa detê-lo. – Suga o suco geladinho. – a bosta toda é que precisamos de provas.
Tiago se vê olhando para Cris e ela percebe.
- Fica ainda mais linda preocupada. – Ela cora as maças do rosto. – quando terás um folga? – Cris quase que engasga com o líquido.
- Folga?
- Sim folga, descanso, de bobeira. – Rir. – Gostaria de levá-la para jantar, conheço um lugar fantástico.
- Pelos meus cálculos, daqui a dois dias estarei de bobeira.
- Ótimo, está combinado então.

Um reboliço acontece no centro da cidade. Pessoas são atacadas com violência por três furiosos. A policia tenta em vão controlar a situação mas, as pessoas assustadas correm de um lado para outro desesperadas. Um idoso corre e tropeça, um furioso se aproveita e o ataca mordendo seu braço, o velho grita e pede por socorro mais é devorado. Os carros se colidem ou atropelam as pessoas que fogem dos ataques dos furiosos. O pânico e geral. O medo agora faz parte da vida de quem transita pelas ruas movimentadas.


Desesperado um homem acelera seu carro e atropela um furioso o arremessando contra uma parede. O corpo cai já sem vida e com ferimentos. O policial atira nas costas de um deles, mesmo ferido o furioso ainda tenta ataca-lo. O ultimo disparo esfacela a cabeça do vacinado.
- Que coisa horrível. – Lamenta o PM.
Restando apenas um vacinado o policial atira mais não o acerta. O furioso corre e pula mordendo a mão do PM. Os dois rolam numa briga no meio da avenida. Um civil se aproxima com um pedaço de madeira e acerta a cabeça do bicho que nada sente. Aproveitando a distração do animal o policial consegue segurar os braços e quebra-los com facilidade.
- Vamos lá valentão, me morda outra vez. – Soca a boca quebrando também os dentes.
Para evitar mais acidentes o PM atira na cabeça colocando um ponto final na história.
- De onde veio isso? – Coloca a arma de volta ao coldre.

A mesa é virada mesmo com os notebooks sobre ela. Meirelles xinga a todos e pensa em romper com os contratos de todos.
- Quero que entre em ação o grupo especial de extermínio agora. – Honório entra na sala com alguns papéis na mão.
- Nada de decisões extremas meu caro, olhe isso. – Estica o braço e com “delicadeza” Meirelles pega os papeis das mãos do professor.
- O que é isso? – Esbraveja Meirelles. – Contrato?
- Isso, acertamos com o exterior e faturamos bilhões. –Os olhares se cruzam. Meirelles se aproxima de Honório e ao pé do ouvido pergunta.
- Quanto?
- O suficiente para construirmos quinze fabricas. – Sussurra.
Mesmo com dificuldade o mega empresário consegue levantar a mesa.
- Sentem-se. – Pigarreia. – quanto aos aparelhos pago outros novos. – Sorrir.

Cris acessa a internet dentro do carro de Tiago no caminho para o restaurante. A principal noticia é o ataque dos furiosos que acabou com bastante gente ferida e morta.
- Enquanto estamos aqui, Meirelles e seu cartel continua a criar aberrações.
- Talvez estejamos agindo errado.
- Como assim?
- Com certeza ele tem um ponto fraco. – Cris se ajeita no banco do carona.
- O senhor pode se mais específico. – Ironiza.
- Muito bem, Meirelles é raposa velha, com o apoio do governo ele deve ter uma fortaleza, um lugar secreto, um lugar camuflado, ou seja, Meirelles trabalha com laranjas.
- Laranjas! – Franze a testa.
- Sim, lembra que ele tentou me comprar querendo financiar meu negocio?
- Sim, lembro.
- Então, é claro que ele queria algo por trás disso, Meirelles não é tão cordial assim. – Cris volta a olhar para frente.
- E esse lugar chega ou não chega?
- Já chegamos.

Gustavo recebe mais clientes ricos interessados em se vacinarem. Como de costume, eles são levados para os fundos da farmácia e lá se imunizam contra a violência e também contra os acidentes e incidentes.

O peixe estava maravilhoso, alias, a noite estava maravilhosa. Cris e Tiago se divertiram, jogaram conversa fora e principalmente se paqueraram. Mais algo chamava mais atenção da repórter do que o rosto lindo do jovem empresário.
- O que aquela farmácia tem de tão importante. – Indaga Tiago.
- Não sei as pessoas talvez.
- É uma rede nova, inaugurou á pouco tempo.
- Mais ela tem algo de estranho, o que é vendido lá além de medicamentos?
- Se você quiser podemos passar lá depois da sobremesa.

Depois de tomarem sorvete, Cris e Tiago atravessam a rua e entram na farmácia. O lugar é típico de uma drogaria. Cris olha ao redor e logo a balconista oferece seus serviços.
- Boa noite em que posso ajudar? – Sem saber o que dizer Cris gagueja.
- É, é, absorvente. – Tiago cora.
- Temos sim logo ali.
- Obrigado.
Enquanto se dirige para ao as prateleiras Gustavo sai acompanhado de um casal em silêncio. Cris observa e tenta ao máximo escutar algo. Tiago olha ao redor e anda até a saída da farmácia e memoriza a placa do carro do casal.
- Cris, vamos.
- O que?
- Vamos. – Faz uma careta.
Dentro do carro Tiago anota o número da placa e o entrega para Cris.
- Sabe aquele homem magro que saiu junto com o casal?
- Sim.
- Ele é o dono da rede, Gustavo. Na época ele estava junto com Meirelles quando ele queria me comprar.
- E ele te reconheceu? – Arregala os olhos.
- Não, pelo menos eu acho.

Gustavo chama a funcionaria no canto.
- Aquele casal, comprou alguma coisa?
- Ela queria absorvente, senhor.
- E comprou?
- Não, saíram sem levar nada. – Gustavo coça o queixo pontiagudo.

Gustavo disca o número de Meirelles e no segundo toque o empresário atende.
- Fale rápido e sem nomes.
- Acho que o Tiago esteve aqui.
- Tiago?
- Sim, o dono da boate.
- Aquele arrogante orgulhoso?
- Sim, ele e uma mocinha, baixinha de cabelos vermelhos vivos e curtos, muito bonita por sinal.
- Merda, eles desconfiaram de alguma coisa?
- Não sei, entraram e saíram sem comprar nada.
- Não vou colocar meu esquema em risco por causa de um moleque e uma anã.



Tiago estaciona seu carro na calçada em frente à casa de Cris. Ainda pensativo o jovem não escuta a proposta da repórter.
- Tudo bem?
- O que disse?
- Eu perguntei se você não quer entrar um pouco.
- Sim, claro.
Dentro da casa de poucos moveis e bastante organização, Cris acomoda seu visitante no sofá enquanto vai a cozinha pegar uma bebida. Tiago fica a observar o jeito interessante da mulher que o atrai. Ela volta com algumas latas de suco.
- Era só o que tinha. – Justifica envergonhada.
- Relaxa.
- Então, você acha que esse tal de Gustavo está mesmo por trás disso tudo junto com Meirelles?
- Tudo é possível, Cris, por dinheiro esses caras fazem de tudo, até vender sua alma. – Cris faz o sinal da cruz.
- Cruz credo, me deu até arrepios. – Tiago descruza as pernas e se vira para Cris.
- Bom, você não me chamou até aqui para falar de problemas creio eu.
- Bom, sim, quero dizer, não, não sei.
- Mais eu sei. – Segura nas mãos minúsculas da mulher. – pra falar a verdade, gostei de você desde o primeiro dia em que foi no escritório. – Aproxima o rosto.
- Tem certeza? – Cris gagueja.
- Sim. – A beija e ela aceita de cara.

Ofegante um morador de rua corre ladeira a baixo com seu saco nas costas. Cansado ele tropeça e cai dando uma cambalhota. Um furioso o alcança e começa a devorá-lo. Os gritos de socorro do mendigo são abafados pelas mãos do vacinado em sua boca. Uma outra furiosa se junta ao jantar funesto comendo as vísceras. Ao termino da carnificina os vacinados se olham.
- Então, o que achou? – Pergunta o homem.
- Não gostei.
- Vamos atrás de outro então.

Deitada em sua cama de casal Cris sorrir em meio à escuridão do quarto. Já fazia algum tempo que ela não beijava tanto. Apaixonada, esse é o resumo do que ela está sentindo. Paixão. Se pudesse essa noite não acabaria. Como adolescente ela se levanta e acende a luz e se observa no espelho e com o batom escreve Tiago nele. Diferente de seu ultimo relacionamento, Cris sente que está diante de um homem de verdade e não um boçal com foi seu ex. ela volta para cama e com muita dificuldade ela pega no sono.

Pela manhã ela é acordada com o toque do celular. Bocejando ela atende.
- Bom dia, dormiu bem?
- Não, e você?
- Como uma criança.
- Fiquei preocupado, um carro preto não saiu da esquina, tenho a impressão de que estão me vigiando, Cris. – Ela se ergue na cama.
- Nossa e você não chamou a policia?
- Vamos manter a policia fora disso.
- Esse carro preto ainda está ai?
- Não, já foi, preciso te ver.
- Tudo bem, já passo ai.
Meirelles escuta atento tudo o que seu contratado tem a dizer.
- Ele mora sozinho não será difícil pega-lo.
- Ótimo e quando fizer mate-o, e suma com o corpo.
- Pode deixar.
Honório também está presente e opina.
- Temos que eliminar qualquer coisa que possa nos incriminar entendeu Meirelles, estamos faturando com as vacinas, nosso esquema precisa continuar em sigilo.
- Esse sujeito não passa de hoje. – Afirma o capanga.

Os corpos se fundem e os corações batem no mesmo rítmo. Cris e Tiago namoram na sala da casa do rapaz. O beijo é longo e molhado. Na ponta dos pés a repórter se esforça para alcançar a boca do homem.
- Me desculpe nem me atentei pra isso.
- Não precisa se desculpar, só precisa me beijar.

A policia é chamada para mais uma emergência e dessa vez o problema é ainda maior. Um grupo grande de furiosos avança contra civis. As viaturas param bruscamente no meio da rua e os fuzis são disparados. A ordem é para atirar sem hesitação. O governador e o prefeito já se reuniram para tentarem resolver essa questão. Já o governo federal ainda não se pronunciou. Meirelles recebe um telefonema.
- Senhor Meirelles é para o senhor.
- Passe a ligação. – Um bipe e pronto. – Willian Meirelles falando.
- Pelo jeito o seu esquema já foi por água a baixo não é? – Meirelles sente o chão sair debaixo de seus pés.
- Presidente, me desculpe a falta de...
- Pode parar de gaguejar seu idiota, acabou, está tudo acabado, daqui a pouco a imprensa vai cair de pau em cima de você, a menos que resolva isso rápido.
- Já estou tomando as devidas providencias senhor.
- Acho bom, quando vi o projeto achei que estaríamos protegendo a população e não criando aberrações.
- Lhe a seguro que em breve terás boas noticias senhor.
- Assim espero. – Desliga.
Mediano, nem muito gordo e nem muito magro, Meirelles ostenta uma barriga de cerveja e um rosto de expressão marcante, olhando direito ele é quase um psicopata. O telefonema repentino do presidente o deixou sem norte e muito furioso. Como um leão enjaulado ele anda toda a sala bufando como um Pitbull. Honório abre a porta e de longe sente o clima pesando mais de uma tonelada.
- Fedeu?
- E a culpa e tua, Honório.
- Minha? Ou nossa?
- Eu não vou me ferrar sozinho, você vai junto, isso se eu não lhe matar antes.
- Está me ameaçando seu monte de merda. – Os dois ficam se encarando. – pense bem, temos dinheiro o bastante para sumirmos do mapa, eu já estou pensando num plano de fuga, mais por enquanto vamos manter o plano entendeu? Mate esse tal de Tiago e tudo voltará a normalidade. – Muito ofegante Meirelles se afasta.
- Merda. – Soca a mesa.

A policia mantém a resistência contra os furiosos e o número de corpos se acumulando no asfalto só aumenta. A população estarrecida tenta se proteger dos ataques mortais dos vacinados de Meirelles e como o presidente mesmo falou, a imprensa já se posicionou com suas câmeras e microfones.
- O número de furiosos só aumenta e a policia tenta ao máximo combater essas criaturas. – Uma pessoa passa apressada atrás da jornalista. – com licença, um minutinho só, o senhor acha que o governo tem culpa?
- Sem duvida nenhuma, eles ficam criando experiências mirabolantes secretamente e dá nisso ai que vocês estão vendo, criando monstros.
- Obrigado por suas declarações, Zeni Silveira Dosan para o jornal municipal.

O clima começa a esquentar e pouco a pouco os dois vão se entregando ao prazer. Cris e Tiago estão apaixonados e loucos de desejo um pelo outro, isso é visível. Como mestre na arte da sedução, o jovem empresário vai tirando as alças do vestido e acariciando os ombros da baixinha charmosa. Os beijos são quentíssimos e cheios de má intenção. Tiago a quer em seus braços, envolvida em seu corpo esbelto. Cris por sua vez se derrete como manteiga na faca quente. Excitada, ela aperta seu corpo contra o de Tiago numa respiração irregular. Tudo é favorável quando uma bala ultrapassa a janela e acerta a TV que explode. Cris solta um grito agudo e Tiago ainda sentindo a sensação gostosa se joga no tapete puxando sua repórter predileta para junto dele.
- Fique aqui. – Se levanta.
- O que vai fazer?
- Pegar minha arma.
- Você tem uma arma em casa? – Cris tenta se levantar quando outro disparo é ouvido.
- Fique abaixada. – Corre até o armário e pega uma 45 cromada.

Lá fora a Doblô estacionada na calçada abriga dois homens fortemente armado com automáticas. Um dos homens abre a janela e atira acertando a fachada. Inesperadamente um tiro de pistola acerta a lataria do carro.
- Ele está armado. – Afirma o brutamonte de máscara.
- Vamos revidar então.
Ao mesmo tempo os dois atiram fazendo do portão da casa uma peneira. Tiago não é lá essas coisas como atirador, mais consegue assusta-los. Cris abaixada próximo do sofá tenta se manter calma enquanto que Tiago se abriga no corredor dá acesso à sala.
- Fique ai, eles não estão brincando.
- Também acho.
A resistência é mantida por Tiago e isso faz com que os matadores desistam pelo menos por enquanto de executá-lo
- Vamos embora – A Doblô arranca fazendo os pneus marcarem o asfalto. Tiago respira aliviado.
- Já foram, pode sair do canto.
- Com certeza? – Pergunta Cris se esforçando para se levantar.
- Sim.
- Agora eu tenho certeza de que Meirelles está por trás disso tudo, Cris, você tem suas provas.
- E que provas.
Evidente de que a casa de Tiago não é mais segura, por isso ele pega só o necessário e acomoda tudo em seu veículo juntamente com sua pistola. Cris escreve tudo em seu celular ainda nervosa.
- Para onde vamos?
- Ainda não sei, Meirelles, não vai sossegar enquanto não me ver morto.
- Tem algum plano. – Tiago termina de fechar o porta malas.
- Contra atacar.
As ruas se tornaram um campo de guerra. Humanos contra humanos. Gente comendo gente. A policia usa tudo o que estar a seu alcance para eliminar os vacinados de Meirelles que mais parece se multiplicarem. Foi estabelecido um perímetro para proteger a população e também toque de recolher, todos devem ficar trancados dentro de suas casas a menos que queiram ser devorados até os ossos pelos furiosos. O apoio aéreo foi acionado com seus atiradores com ordens para disparar.

O presidente junto com o governador e o prefeito finalmente faz um pronunciamento a nação tentando amenizar a situação que esta fora de controle.
- Estamos investigando e com certeza chegaremos aos culpados. – Diz o presidente. – mais por enquanto peço a todos que evitem saírem de suas casas, protejam seus filhos e confiem no trabalho das forças auxiliares.

Meirelles bate com a cabeça várias vezes contra a parede na intenção de transformar sua vontade de chorar em dor. Fugir será sua ultima saída. Ele olha para sua mesa onde há uma foto de sua mulher e filhos. O que direi a eles? Sou um criminoso fugindo da justiça? Ou simplesmente vou embora os abandonando a própria sorte? Covarde, isso é uma coisa que nunca fui. Meirelles se apressa em ligar.
- Alessandra, arrume as coisas, vamos viajar. – Ele desliga e disca o número de Honório. – Honório hora de partir.

O carro importado de Meirelles dirigido por ele mesmo corta a avenida tendo como visual a Baía. No banco do carona Honório faz as contas.
- Pronto, farei a transferência agora. – Meirelles observa com atenção a estrada.
- Transfira toda minha parte para a conta de minha mulher.
- Posso fazer isso com a minha parte também? – Pergunta o professor.
- Esta usando minha esposa como laranja. – Meirelles rir.
- Seria ótimo.
- Tudo bem, faça a transferência.
Depois de tudo feito Meirelles olha pelo espelho interno.
- Tudo isso são as provas, os experimentos.
- Está tudo ai, nada pode nos incriminar.
- Ótimo. - Meirelles saca sua pistola e atira contra a cabeça de Honório que tomba. Ele liga para um número que está na memória do celular. – vou encostar.

O lugar é deserto onde o importado de Meirelles para. Em seguida um outro carro de marca inferior encosta e de dentro saem os dois brutamontes que foram contratados para eliminar Tiago.
- Fala chefe.
- Coloque o corpo dentro do porta mala.
O corpo ainda quente de Honório é retirado brutalmente do importado e colocado em seu porta malas. Como um psicopata Meirelles acompanha tudo. Seus olhos vivos passeiam pela imensa Baía de águas verdes. O serviço foi feito.
- Pronto chefe. E quanto ao garoto, vamos continuar a missão?
- Não, vamos abortar essa missão, agora peguem meu carro e sumam com ele junto com o corpo desse merda, vou dirigindo essa lata velha mesmo.
- Sim senhor.
Os dois entram no carro e ficam a admirar os compartimentos do veículo, o painel, o cheiro. Meirelles da à volta e pede para que o brutamonte abra o vidro.
- Já ia me esquecendo, o pagamento de vocês. – Meirelles atira matando os dois. Aliviado por não haver ninguém que o incrimine ele empurra o vagabundo morto pro canto e destrava o freio de mão deixando que seu caro carro ande até cair na Baía espalhando água podre. Mais rico do que nunca ele ajeita o paletó e entra no Gol mil e segue para sua residência.

Mais tarde o carro de Tiago para na porta da empresa de Meirelles e antes de sair Cris tenta mais uma vez convence-lo de não enfrentar o leão cara a cara.
- Tiago, por favor, já temos provas, será que vai valer a pena?
- Quero tirar essa história a limpo. – Ele abre a porta e Cris segura em seu braço.
- Te amo. – Eles se olham e depois se beijam.
- Também te amo.

Armado em todos os sentidos Tiago adentra a empresa que parece que saiu dos filmes de ficção cientifica. Na recepção uma moça de sorriso simpático o atende.
- Pois não senhor?
- Gostaria de falar com o senhor Meirelles.
- Tem hora marcada senhor?
- Não.
- Só com hora marcada, e outra, o senhor Meirelles saiu em viajem. – O semblante de Tiago desmorona.
- Obrigado. – Sai quase se arrastando.
Distraída Cris se assusta com Tiago xingando.
- O que foi?
- Meirelles meteu o pé.
- A justiça irá pega-lo.
- Como Cris? Como? Meirelles não dá ponto sem nó, com certeza ele eliminou as provas contra ele. Merda. – Bate no teto do carro.
- E o tal dono da farmácia?
- Esse, coitado, pagará o pato.
- Nossa, e tudo que passamos. O atentado, e agora?
- Cris, nada vai adiantar, somos nós dois contra governo federal, municipal, estadual o carambra a quatro. – Gesticula.
- Então de nada serviu toda essa história? – Cris olha para o parabrisa. – nada valeu a pena?
- Serviu sim, eu te conheci e isso valeu muito a pena.

O presidente, para não sujar mais ainda seu mandato se viu obrigado a fazer da empresa de Meirelles uma estatal. Eliminou todas as provas contra ele e pediu a prisão de Gustavo. O exército entrou na luta contra os vacinados e pouco a pouco eles vão sendo destruídos. Os associados de Meirelles também sumiram do mapa, certamente o governo permitiu que eles gozassem de férias em um paraíso fiscal, ou seja, um cala boca e fica tudo certo. Quanto a Meirelles, bom, ninguém mais ouviu falar.

- Que pena, seria a reportagem da minha vida, imagina, “empresário cria vacina anti morte”. – Diz Cris olhando o Tablet.
- Pois é nem tudo é como a gente imagina. Mais você é boa, vai conseguir outras matérias. – Se ajeita no sofá.
- Sou boa mesmo?
- Sim, por quê?
- Já me viu nua?
- Como? – Tiago gagueja.
- Apague a luz. – Se joga no colo do homem.  FIM.                                          

                                                     

quinta-feira, 26 de maio de 2016

HEMORRAGIA (Série completa)


O pecado


Ela tenta se livrar das mãos enormes que prendem seus braços. Com as pernas ela tenta acertar as partes baixas do homem que insiste em mordê-la no pescoço. A violência empregada no ataque fez com que a mulher caísse já sem defesa. Os machucados nos joelhos e cotovelos demonstram a voracidade do ataque da criatura. O que fazer agora? A luta pela vida deve continuar? Quero mesmo sobreviver? Enquanto gira a cabeça para não ser sugada, Miriam repassa sua vida em sua mente. Arrependimentos, decisões tomadas por puro ímpeto e amores que a fizeram chorar em todas as madrugadas. Qual o seu pecado então? Miriam cometeu diversos pecados. Um deles foi ter saído à noite mesmo sabendo do perigo que corria.

Tarde demais para voltar atrás. As presas do vampiro já entraram em contato com sua carne e agora os lábios da criatura sugam seu precioso sangue com força. Ainda há esperança para Miriam? Conseguiria ela se safar de tão mortal ataque? Ela tenta chutar mais uma vez as partes baixas do demônio, em vão. Deitado sobre ela o vampiro rosna ao sentir o sangue quente descer por sua garganta. Com certeza ela morrerá, disso ela não tem duvida. A questão é; para onde irei depois disso? Céu, ou inferno? Fui uma boa pessoa?

Sentindo sua vida se esvair, Miriam ainda tenta virar o pescoço. Um erro gravíssimo, aliás, mais um de seus erros na vida. A virada do pescoço só serviu para acender ainda mais o desejo do vampiro que a morde mais uma vez. Miriam não grita, sua voz não sai. A secura na garganta anuncia que seu fim está próximo. Os olhos reviram e a sequencia de espasmos se inicia. Adeus mundo maldito, adeus mãe, pai e irmão, adeus Marcos seu traste, obrigado por me fazer tão infeliz.

O corpo esbelto de Miriam é encontrado pela manhã por pessoas que circulam por aquele parque sucateado. Curiosos se aglomeram tentando dar uma espiada no presunto fresco. A policia chega e cobre a infeliz com um saco preto de corpos. Um policial abre sua bolsa tira colo e saca de lá o celular. O ultimo número para o qual a vitima ligou é discado. Ao terceiro toque um homem atende ainda sonolento.
              - Oi Miriam o que houve, fiquei te esperando a noite inteira?
              - Oi, bom dia, aqui é o policial Bastos...
Fim

A máscara


             O baile teve inicio exatamente às duas da manhã. A casa é imensa com seus lustres e móveis pra lá de luxuosos. O salão principal está repleto de convidados com suas indumentárias típica da época. As mulheres com seus vestidos decorados, pesados e rodados. Os homens com suas casacas batendo na altura da canela dançam elegantemente ao som de um violino bastante afinado. A comida é regada. Uma enorme mesa oferece aos convidados um banquete digno de rei. Todos estão à vontade na sala dançando com seus pares. Alguns degustam das delicias ali oferecidas. Mas, a maior atração da madrugada não é o baile e nem a comida. E sim o senhor da escuridão. O ser apavorante. Segundo a lenda ele surgirá descendo a escada e chamará a mais bela das mulheres para uma dança.

           Todas as mulheres capricharam na vestimenta e abusaram do decote deixando os homens com água na boca só de olhar. O relógio marca três e até agora nada do mestre da noite. Todos dançam e conversam. Uma donzela de olhos azuis como o céu e pele branca macia olha para a escada e seus olhos contemplam um homem de pé. Uma máscara oculta seu rosto. Sem fôlego ela alerta aos demais quanto à presença marcante da figura. A musica para e os passos de dança também. O silêncio é sepulcral. Todos prendem a respiração enquanto o homem mediano desce lentamente as escadas. A capa negra vem varrendo todo o chão lustroso. Os cabelos umedecidos com um tipo de óleo o deixa mais atraente. Pela máscara ele vislumbra Marta a menina de olhos azuis como o céu. As outras donzelas aguardam o desenrolar da situação. O homem se aproxima de Marta e a toca no queixo.
           - Quer ser minha esposa?
           Marta engole em seco e nada responde.
           - Você se tornará minha condessa e viverá eternamente.
           Marta abre um sorriso tímido.
           - Posso ver seu rosto?
           Insatisfeito com o pedido o tal homem tenta convencê-la a mudar de ideia.
           - Veja o lado bom minha cara, você não precisará mais de ninguém, serás rica a meu lado, jamais morreremos.
           - Ah, meu caro conde, como eu gostaria de passar toda a eternidade a seu lado.
           - Qual o seu nome minha condessa?
           - Marta!
           Com um estalar de falanges do mascarado a música volta e ele a convida para dançar. Próximo das quatro da manhã o mascarado vocifera.
           - É chegado o grande momento em que eu, conde Drácula irei me casar. – com delicadeza ele tomba a cabeça deixando pescoço de Marta livre e quase salivando ele vê a jugular pulsando. O violinista toca uma canção frenética enquanto Drácula crava seus dentes na pele branca de Marta que faz uma expressão de dor. O vampiro rei suga apenas o suficiente para matar a sede. Outra vez ele estala as falanges e a música frenética para abruptamente.
           - Seja bem vinda ao mundo dos mortos minha condessa.
           Após essas palavras todos inclusive o violinista se transformam em criaturas horrendas e voam tomando o céu negro pelas janelas. Drácula e sua condessa permanecem no salão.
           - Uma dança minha esposa?
           - Sem música?
           - A música tem esse poder, você pode imaginá-la.
           Lentamente eles dançam no silêncio no salão vazio numa noite tenebrosa.
Fim

A meretriz

           Seu verdadeiro nome é Lucia, porém como profissional do sexo é Loba. Depois de atender seu segundo cliente da noite seu celular toca e uma voz rouca a faz imaginar coisas:
           - Alô, quem deseja os serviços da Loba?
           - Boa noite, quanto está para uma hora?
           - Só uma hora com a Loba? – cospe o chiclete.
           - Sim!
           - Cem reais. – acende mais um cigarro.
           - Feito, eu estou na rua 15 apartamento 8

            Abandonando seu apartamento ela se desloca com seu andar de modelo e seu vestido justo. O lugar não é muito distante, durante o percurso ele rejeita vários outros programas dando prioridade à voz misteriosa.
            Finalmente Loba chega ao local. Um prédio modesto. Ela passa pela portaria sem ser percebida. Não há elevador. Loba xinga. No quarto andar ela já está com um palmo de língua pra fora. Resultado de alguns anos de fumo. Finalmente o oitavo andar. Seus grandes olhos negros contemplam o apartamento oito. Seus dedos finos tocam a campainha berrante. Alguns segundos depois um homem alto, pálido e de olhos azuis atende nu.
           - Opa, já estamos assim? – Loba comenta com sua voz aguda enjoada.
           - Entre e antes que eu me esqueça, toma aqui seu dinheiro.
           - Gostei de você, branco, tenho certeza que você não irá se arrepender.

           O programa demorou além do acordado. Pra falar a verdade Loba passou a noite ali. O misterioso homem a possuiu até a mulher morrer de exaustão. A policia a encontrou em um estado lastimável, com os olhos saltados e língua para fora da boca. Uma imagem terrível. Além de duas perfurações no pescoço.

Guerra

             A noite começa vencer o dia. O dia foi chuvoso, cinzento. O líder da resistência humana contra os noturnos se reúne com seus homens. Alguns armados com crucifixos e outros com armas de bala de prata. Será o ultimo depois de alguns longos anos de agonia. Anos sem poder sair à noite com tranqüilidade. Anos sofrendo com essa casta maldita de sugadores de sangue. Hoje os humanos resolveram dar fim a todo esse sofrimento. Venâncio fala com veemência com seus liderados e pede atitude e gana.
             - Só assim sairemos vencedores!
             Já em seus veículos, os homens deixam a base para irem de encontro aos demônios da noite. Alguns deles rezam pedindo proteção aos céus por suas vidas. Outros vibram declarando vitória antes o tempo. O condutor do carro de Venâncio pilota com se fosse um fugitivo.

             No aguardo do combate estão os malignos vampiros com seus dentes pontiagudos. Dessa vez não haverá misericórdia e nem compaixão, se é que um dia houve. Hoje será diferente, o ultimo combate, a ultima guerra, será forte demais. Já é possível ouvir o barulho dos motores se aproximando ensurdecedores. O sangue vai jorrar.

             Da arma de Venâncio é disparada a primeira de muitas balas de prata acertando o demônio na cabeça. O corpo cai e se transforma em cinzas incandescentes. Os homens vibram.
              - O primeiro já foi pro saco.
              Em seguida uma revoada tem inicio. Como pássaros cobrindo o céu, os vampiros contra atacam os humanos. Logo o confronto se mostra violento e sem controle. Um dos guerreiros de Venâncio tem o braço mordido quase decepado. Gritando horrores o homem cai do carro segurando o que restou de seu membro superior. Um deles com uma facão banhado de prata atinge o noturno no alto do crânio espalhando massa por todo lado. Dois vampiros devoram um senhor que mesmo com suas carnes na boca dos malditos, ainda tenta lutar, porém a dor é maior e ele se entrega.

              Um sujeito negro mal encarado possuindo uma foice também banhada na prata, usa de sua habilidade cortando dois vampiros com um só golpe. Outros dois noturnos se aproximam. O negro gira o corpo e decepa a cabeça de um deles. O outro ele soca a cara quebrando lhe o nariz e em seguida crava a foice em seu tórax.
               As armas disparam sem parar derrubando dezenas de uma só vez. Claro que a baixa humana é significativa, mas a diabólica é maior. Cortes profundos, mordidas mortais, golpes violentos na cabeça e muita gritaria. Observando com cuidado é possível ver um garoto cravando descontroladamente sua lança improvisada varias vezes num maldito já em cinzas. O ódio rege sua vida.

              Venâncio briga feio com um vampiro magrelo cheio de veias negras no rosto fino. O bicho por varias vezes tentou sugá-lo. Venâncio o acertou bem no queixo deslocando seu maxilar. O vampiro gritou ao sentir a força do golpe. Logo o líder sacou sua arma e atirou no olho do verme que caiu em espasmos. Enquanto partia para o próximo embate, Venâncio foi surpreendido por um ser alto, forte que tinha chamas nos olhos, quem seria ele? O soco no rosto do chefe foi tão intenso que foi possível ouvir o estalido do osso. Venâncio cai segurando o rosto inchado. O gancho o faz girar e cair novamente. O sangue escorre do nariz e boca do líder que sente uma forte dor na cabeça. Um, dois, três, quatro socos fortíssimos e os olhos do homem começam a ficar turvos. Venâncio está fora de combate não falando coisa com coisa. Vendo seu oponente se aproximar para finalizá-lo ele ora entregando sua vida nas mãos de Deus. o ser o puxa pelos cabelos e o ergue até ficar cara a cara.
             - Nem Deus te livrará da morte. – a voz do bicho é pastosa e grave.
             O bicho vai socando, socando até não existir mais rosto. O corpo do chefe é deixado no chão. Como era previsto os humanos foram perdendo as forças. Devorados até os ossos, os homens perdem a guerra para os vampiros. Os que restaram foram levados cativos. Certamente vão se tornar vampiros como eles. Teria a humanidade alguma chance?

Esse foi o ultimo capítulo da série HEMORRAGIA. Obrigado a cada um que acompanhou.      



domingo, 22 de maio de 2016

O EXTERMÍNIO (Um conto com Luís Souza)

Depois de um dia inteiro envolvido nos preparativos para uma singela confraternização com os amigos, finalmente João Victor pode ver o quintal de sua casa pronto para recebe-los. A pequena piscina ele fez questão de enchê-la caso alguém queira dar um mergulho. Nas paredes, nada de bolas, mais nas mesas muitas guloseimas como salgados e doces. Será uma festinha adolescente organizada pela turminha da escola de João. Eles combinaram entre si que cada final de semana iram na casa de cada um dos componentes do grupo. Chegou a vez de João e ele não que ficar por baixo,na ultima festa rolou até um DJ animando a galera. Ao vê sua mãe enrolada com a iluminação, o único filho do casal César e Paula, desce as escadas voando para ajudar:
             - Filho, vá tomar banho, daqui a pouco o pessoal está ai! – diz com uma voz cansada.
             - Valeu mãe!
             Como Paula previu, aos poucos a galera vai invadindo o quintal pouco gramado. O som pesado já rola fazendo a rapaziada se mexer. Para que tudo corra bem, mãe e filho se esforçam para que todos comam e bebam a vontade. Um certo adolescente um pouco mais descolado chama o anfitrião num canto:
             - Qual foi magrelo, só vai rolar refri?
             - Pô cara, eu não bebo! – diz um pouco intimidado.
             - Sem essa, eu trouxe algo mais quente. – mostra a pequena garrafa de Vodka.
             - Olha só, se vão beber, façam isso escondido da minha mãe senão ela acaba com a festa em dois tempos valeu?
             - É assim que se fala parcerão. – o cumprimento é estilo das gangues americanas.
             A festa rola e João Victor contempla seu quintal repleto de garotos e garotas da mesma idade que a sua dançando e bebendo. Alguns mais animados outros nem tanto e outros até trocando salivas como no caso do casal Marcos e Vanessa. É notável que os dos já passaram do beijo na boca a muito tempo. João Victor ao ver tal cena se sente o ultimo dos virgens. Ele sabe que seu aspecto não ajuda muito, magro, com o rosto coberto por acnes e muito branco, João sabe que está fora dos padrões que as meninas adoram. Marcos é alto, tem músculos salientes e dono de uma beleza peculiar. Com certeza uma menina como Vanessa iria ficar com ele. Vanessa é linda, cabelos vermelhos, só usa roupas sensuais e maquiagem capaz de deixar qualquer cueca boquiaberto. É, nenhuma garota por enquanto se mostrou interessada no magrelo João Victor.
             Ao voltar da cozinha com mais latinhas de refrigerante, João nota que uma de suas amigas se encontra sentada no sofá com as pernas cruzadas e com a cabeça apoiada na mão. A tristeza é notória. Em outras ocasiões ele jamais se aproximaria dela, João conhece a fama de dar “passa fora” nos outros de Vânia. Mais agora ela estava dentro de sua casa, ele precisa fazer alguma coisa:
             - Oi Vânia, tudo bom? – ela descruza as pernas e balança a cabeça negativamente:
             - Não, João, não está nada bom. – fala sem olhar para o garoto em pé a sua frente.
             - Posso ajudar? – pergunta se atrapalhando com as latas.
             - Bom, você não é a melhor pessoa para compartilhar mais... – João Victor sentiu vontade de arremessar todas aquelas latas na cara de nojo de Vânia, mais se controlou, afinal, apesar de metida ela é uma gatinha. Vânia contou tudo o que esta rolando e João escuta tudo com atenção – então é isso! – João não sabe o que dizer e apenas olha para a menina que espera algo que possa conforta-la:
             - Bom, é, do outro lado é bem melhor. – Vânia franze o cenho:
             - Do que está falando?
             - Sei lá, eu li, ou ouvi isso em algum lugar. Bom, deixa eu levar isso para as mesas lá fora. – João sai deixando Vânia ainda mais problemática:
             - Garoto maluco, do outro lado é bem melhor, que doidera.
             De madrugada João não consegue dormir e se revira na cama. Ele pensa no fato de mesmo aos 15 anos ainda ser virgem, tanto de boca como de sexo. Das acnes em seu rosto. Da falta de grana. Tudo isso se torna um turbilhão e ele se levanta. Abre o armário onde estão os dois únicos pares de tênis e retira os cadaços. Amarra uns nos outros e os envolve em seu pescoço fino. Sobe na cômoda e amarra a outra ponta no suporte que fixa o ventilador de teto e pula para a morte lenta. O corpo ainda se movimenta mais em questão de segundos a vida vai o abandonando.

&

             O desespero do casal César e Paula é comovente até mesmo para policiais experientes como Souza e Márcia. Depois de um trabalho minucioso dos peritos o corpo enrijecido de João é levado. Márcia tenta manter os pais calmos mais é impossível:
             - Calma senhor e senhora, nos acompanhem até a delegacia por favor.
             Na delegacia, Márcia e Souza ficam sabendo que a família Guedes vivia bem, sem motivos fortes para que João Victor viesse a se suicidar. O negro policial coça o queixo coberto por uma rala barba e tenta organizar os pensamentos quando mais uma chamada o deixa em parafusos:
             - Mais um? Mais como assim. – Márcia aguarda. – esta bem já estou indo pra ai. – desliga e olha para a parceira. – Uma menina se suicidou. – o coração da policial acelera:
             - O que está havendo?
             - Isso nós veremos, venha!

&

             João Victor e Vânia são sepultados no mesmo dia e horário. As famílias se unem em lamentos. O cemitério está lotado de amigos, parentes e conhecidos. Tudo ainda é muito estranho. A mãe de Vânia chora copiosamente sendo amparada pelo novo marido:
             - Ela chegou em casa dizendo palavras estranhas, sem sentido. – Souza e Márcia acompanham tudo e tentam identificar algo que possa esclarecer o caso. Mais tudo é muito estranho, obscuro, sombrio.
             A semana vai passando e mais um caso faz aumentar o mistério. A mãe de Vânia e encontrada caída no quarto do casal com um tiro na boca. O marido possui uma arma e ela sabia onde ele a guardava. O choro amargo do homem mistura tristeza e arrependimento. Márcia jamais viu casos como esses, muito menos Souza.

&

            A noite, ainda lembrando das coisas boas que fizeram juntos. O viúvo da mãe de Vânia está jogado no sofá. O cansaço de ter passado o dia inteiro tendo que explicar porque possuía uma arma em casa sem ter porte o deixou exausto. Ele lembra das ultimas palavras de sua amada e as lágrimas brotam sem ele sentir. O profissional em informática se levanta e vai até a janela e a abre. O apartamento do casal fica no décimo andar de um bairro de classe media. Mais uma vez a ultima palavra que sua amada falou vem a mente, ele pula para a morte. Seu corpo bate no chão da calçada com força se esparramando. Logo todo o lugar está repleto de curiosos e loucos por corpos. Souza desce da viatura e abre caminho no meio da multidão. Em sua cabeça nada se encaixa. Que mistério é esse? Porque pessoas estão tirando a própria vida? Aquela pequena cidade nunca viveu momentos tão tenebrosos. A imprensa local já percebeu e polemizou o assunto colocando na primeira pagina “O extermínio” se a situação está ruim não precisa ficar pior.
         Os dias vão passando e a onda de suicídios só aumentando. Há manifestações nas ruas e celebrações nas igrejas lideradas por padre Ivan que prega exortando as pessoas:
          - Deus está nos dando uma lição para que possamos daqui pra frente vivermos uma vida diferente, sem rancores e medos. – a multidão que se aglomera para ouvir o conceituado padre falar, chora, lamenta e reza. Enquanto os religiosos estão ali pedindo ajuda dos céus, mais um adolescente interrompe sua longa vida pulando de um carro em alta velocidade, seu corpo foi triturado, foi atropelado por vários carros na estrada. Será mesmo um extermínio divino como estão dizendo por ai? Souza e Márcia acompanham de perto. Para eles resta apenas uma pergunta; qual de nós será o próximo?
          Ao termino da celebração padre Ivan abençoa os fieis que de alguma forma vê no sacerdote um conforto, um alivio. Souza espera pacientemente toda idolatria acabar e se aproxima do padre:
          - Acha mesmo que Deus está fazendo uma limpa? – pergunta cético.
          - O mundo anda complicado meu caro policial, a bíblia diz que no fim dos tempos o amor de muitos esfriaria e é o que está acontecendo, o amor pela própria vida se esfriando, não é que Deus esteja fazendo uma limpa, isso tudo Cristo profetizou, crê quem quer. – Márcia pede benção ao pároco e entra na conversa:
          - Mais padre Ivan, suicídio não vai de encontro com as leis divinas?
          - Sim, nesse caso o livre arbítrio entra em ação, Deus jamais vai interferir nessa história.
          - Quer dizer que Ele nos abandonou a própria sorte? – questiona Souza. Com ternura Ivan coloca a mão no ombro do policial:
          - Souza, você está acostumado a resolver as coisas do seu jeito, experimente deixar que Deus resolva, fale com Ele ao invés de confiar em ti ou em sua arma. – o sacerdote pede licença e se retira deixando a dupla ainda a refletir em suas palavras. Voltando para o departamento, Souza dirige a viatura sem fala nada. Márcia mexe em seu Tablet conferindo se há algo nas redes sociais. Se não fosse o ronco do motor o silêncio seria sepulcral. Faltando poucos metros para chegarem ao DP, Souza quebra o silêncio:
         - As vezes acho que estou fazendo parte de um dos filmes do Hitchcock. – Márcia franze o cenho.
         - O cineasta de “Psicose”?
         - Sim, com todo esse mistério que estamos vivendo, as vezes acho que estou vivendo em um de seus filmes.
         - Pois é meu amigo, o negocio é mais sério do que pensei. – diz olhando para o aparelho iluminado em suas mãos. – veja, mais um adolescente se suicidou. – Souza suspira e esfrega uma das mãos em seu rosto.




EXTERMÍNIO
Parte final

           Os casos de suicídios só aumentam fazendo piorar a dor de cabeça de Souza. Márcia confere as atualizações e lê algo que a deixa aterrorizada:
            - Meu Deus, uma família inteira se suicidou tomando veneno de rato. – olha para o parceiro que se debruça na mesa. – isso está parecendo uma epidemia.
             - Alguma coisa aconteceu naquela festa, Márcia, pelo que me lembro tudo começou lá. Temos que voltar a casa e revira-la. – Márcia mastiga a tampa da caneta.
             - Mais, Souza, já fizemos isso lembra? Não encontramos nada! – pondera Márcia.
             - Então o que se faz?

&

            Padre Ivan reza com fervor pelas famílias das vitimas. Ele acredita piamente que está havendo o cumprimento das profecias bíblicas e que as pessoas precisam se consertar perante Deus. Com tantas mortes acontecendo quase que todos os dias, o céu parece que se entristeceu juntamente com os familiares e resolveu se esconder atrás de nuvens densas, escuras, deixando a cidade sombria. Poucas pessoas circulam pelas ruas. As igrejas vivem lotadas. Tanto Católicas quanto evangélicas estão com fieis até o teto. Os centros espíritas dobraram o número de reuniões e os que se consideram ateus, agora clamam por Deus e choram pedindo ajuda. Já faltam vagas nos cemitérios e já há sepultamentos em terrenos abandonados. A calamidade está instalada e as autoridades já não sabem o que fazer. Vez por outra a viatura da defesa civil passa nas ruas desertas dos bairros indo atender algum chamado desesperado.

&

            Uma moça chega em seu quarto vestindo uma saia curta e justa. Se joga na cama e não consegue conter as lagrimas que teimam em descer. O término de um namoro para uma adolescente é doloroso demais, ainda mais se essa adolescente ama o namorado e faria qualquer coisa para reatar o relacionamento. Jéssica é dessas meninas grudentas que sufocam o namorado até não pode mais. Como era de se esperar, Renato não suportou tanta bobeira e terminou com Jéssica que ainda tentou convence-lo que iria mudar. Claro que o garoto não acreditou, ele já havia pedido para ela mudar e tudo ficou só na promessa. Mais hoje Renato pois um ponto final na historia e acabou com o namoro. Jéssica rola na cama e chora de soluçar. Jéssica e Renato eram amigos de João Victor e estavam na festa. Jéssica era coleguinha de Vânia e estavam na mesmo ano no colégio. Antes de se matar, Vânia foi a casa de Jéssica e as duas conversaram longamente. Vânia contou os problemas que vinha passando com o novo marido de sua mãe. Jéssica também desabafou sobre o namoro que já não andava tão bem das pernas. Agora ela está ali, no canto do quarto frio pensando sobre o fim do namoro. Alguns minutos depois a mãe de Jéssica bate duas vezes na porta e a menina não responde. Mais duas batidas e Fátima resolve quebrar a promessa de não invadir o quarto da filha enquanto ela estiver lá dentro e entra. O grito sai abafado seguido de:
           - Jorge, socorro! – o pai que já se encontrava deitado, deu um salto da cama e resmungando:
           - Na certa é mais um rato ou barata! – ao chegar ao quarto da filha, Jorge, vê seu mundo desmoronar com Fátima chorando em cima do corpo de Jéssica esvaindo sangue pelos pulsos. Jéssica já esta morta e mesmo assim a ambulância é chamada. O corpo sujo pelo sangue é retirado do quarto sob os gritos de Fátima que ainda está sem entender o porquê do suicídio da filha. Jéssica namorava sem a permissão dos pais.

&

         Souza deita para dormir mais o sono não vem. O mundo desmorona lá fora. O veterano policial teme por seus familiares, conhecidos e até por ele próprio. Como Márcia falou, uma epidemia, mais parece uma epidemia. Ele se levanta. Precisa fazer alguma coisa. Souza nunca foi chegado a religião. Acredita em Deus e só. Abre a janela e dá de cara com uma noite escura, sem lua. O céu é tenebroso. O medo sopra em seus ouvidos e ele parece ouvir os lamentos das almas que tiraram a própria vida. Souza tapa os ouvidos e tranca os dentes:
          - Quem são vocês? – gira e cai. Em posição fetal ele treme no piso gelado.

&

          O amanhecer é carregado. O silencio na cidade é sepulcral. Nada de burburinhos, nada de carros passando a cima de cem, nada de som alto nas casas. Dirigindo a menos de quarenta por hora, o elegante policial pode conferir de perto o luto coletivo dos moradores da cidade. Tudo o que estava ao alcance das autoridades foi feito. Nada de concreto foi esclarecido. Com tantas duvidas rondando sua cabeça, o negro investigador resolve voltar sozinho onde tudo começou. A casa de João Victor.

&

          Ao estacionar o carro em frente a casa, algo de ruim passa na mente de Souza. Relutante ele sai do veículo. Tudo é muito estranho. A casa parece que atravessou séculos. O jardim que outrora bem cuidado, agora tem sua grama crescida e com moitas de capim. Souza toca no portão e ele está trancado. Sem hesitar o policial pula o muro vestindo terno e gravata. Meio desajeitado Souza cai no gramado alto. Restabelecido do tombo o policial anda até a porta de entrada e pela janela ele parece ter visto alguém no interior da casa. O coração acelera. Será algo da minha cabeça? Toca na maçaneta e a gira. Trancada. Souza pensa em arrombamento, mais para isso ele teria que ter um mandato. Que se dane o protocolo, o mundo está acabando mesmo. O chute na porta a faz bater com força na parede interna da simples casa. O ar é pesado e trás com ele um odor de comida estragada. Souza anda até a cozinha e a geladeira esta desligada com alimentos passados em seu interior. Olha o local em meio a penumbra e nada de suspeito. Vai até o quarto do casal, a cama desarrumada denuncia o desespero de sair logo da residência. Souza mexe no armário, nada de roupas ou sapatos. Olha em baixo da cama, só poeira acumulada. Ao se levantar ele sente a presença de alguém ali. Será o espírito de João Victor rondando por ali? Se Souza tivesse cabelo estaria com o couro cabeludo arrepiado. Toda a casa esta as escuras por isso ele procura nos bolsos do paletó sua pequena lanterna e a encontra no bolso interno. Sai do quarto do casal e vai até o quarto de João que fica ao lado. Tudo está como o finado adolescente deixou. A tristeza se aloja no coração do experiente policial e de repente ele deixa que uma lágrima brote. Aponta sua lanterna para os cantos do cômodo buscando algo que ele ainda não sabe o que é. Por um instante ele parece ouvir o barulho da festa que aconteceu antes de tudo começar. O som alto, os namoros, as bebidas proibidas, as risadas e João com sua mãe servindo os convidados.
          Ele olha tudo e nada que justifique a onda de suicídios naquela cidade. Quando já está desistindo, Souza resolve novamente quebrar o protocolo removendo o armário do adolescente. O celular vibra. Uma nova mensagem de Márcia; MAIS UM CASO. Ele balança a cabeça negativamente e lança o facho de luz atrás do armário e visualiza um volume. Se apertando ele consegue alcançar o tal objeto, um pequeno caderno, um diário. O diário está coberto de poeira causando espirros no investigador:
         - Droga! – espirra novamente. Souza vai folheando lentamente o caderno e quando vê esta sentado na cama de João lendo os segredos ali guardados. Lendo mais um pouco ele percebe que o tal diário não pertencia a João e sim a uma menina. – estranho, o que João fazia com um diário de uma menina? – passa mais folhas e uma delas chama sua atenção. – Querido diário, hoje foi o pior de todos os dias de minha sofrida vida. Mais uma vez meu pai me espancou tendo o apoio de minha mãe. Doeu bastante e pra falar a verdade está doendo até agora. Mais do que a dor física é a dor emocional, eu amo meu pai e minha mamãe, mais pra falar a verdade eu já não os suporto, por isso resolvi por um ponto final na minha historia. – Souza para e reflete. – resolvi dar fim aos espancamentos indo para o outro lado e sei que do outro lado é bem melhor. Por isso tomei o veneno que meu pai coloca para os ratos e acredite, já estou me sentindo mal, termino aqui me despedindo de você. – Souza para e pensa. Se levanta levando como ele o tal diário.

&

         - Uma maldição! – afirma padre Ivan. – só pode ser isso Souza.
         - O senhor está certo disso padre?
         - Pode acreditar meu caro, com certeza esse garoto, João Victor, leu esse diário amaldiçoado.
         - O senhor realmente acredita nessas coisas! – diz Márcia.
         - Há coisas no mundo espiritual que nós nem imaginamos minha jovem. O espírito dessa menina está preso ao diário disso eu não tenho duvidas.
         - Me prove então! – fala Souza cético.
         - Leia sem falar essa frase aqui. – aponta. Souza lê só em pensamento. “Do outro lado é bem melhor”. – quem falou essa frase trouxe para si a maldição e logo..., vocês sabem muito bem.
         - O suicídio! – afirma Márcia. – agora tudo começa a fazer sentido, os familiares dos suicidas falavam que antes de cometerem tal coisa eles falavam coisas estranhas sem sentido.
         - Isso mesmo e provavelmente tudo começou com João Victor indo para Vânia chegando a sua família e logo se espalhando pela cidade. – fala Souza se dirigindo a janela. – e para quebrarmos a maldição? O que podemos fazer? – padre Ivan se levanta e recomenda.
        - Queime-o, tenha fé, só assim essa maldição terá fim.
        - Queima-lo. – olha para o diário em suas mãos.
        - Sim, agora.

&

         Os três observam o pequeno diário em brasas no quintal da casa do padre que reza. Souza obre os olhos antes da oração terminar e vê as nuvens densas e escuras dando lugar ao sol que penetra no solo trazendo vida com seus raios. As chamas consomem o caderno e no coração do trio um único sentimento rege os corações; tudo chegou ao fim.
        Os suicídios acabaram. A vida dos moradores da cidade aos poucos vai se normalizando inclusive a de Souza e Márcia. Os dois estão tomando um café na lanchonete e conversam sobre tudo o que aconteceu:
         - Você sabe que eu nunca fui ligado a esse negocio de religião! – Márcia diz que sim com a cabeça. – mais esses acontecimentos me abriram os olhos e agora eu sei que...
         - Que existe um Deus no céu? – interrompe Márcia com um sorriso contagiante. Souza com um ar de riso afirma.
        - É, realmente existe um Deus lá em cima olhando para nós. – ele para e fica a contemplar a beleza da parceira que exibe seu par de olhos cor de mel e cabelos lisos. – eu vejo Deus em tudo inclusive em você! – Márcia cora:
        - Em mim? – sorrir sem jeito.
        - Sim, só ele mesmo para fazer uma mulher linda como você. – Márcia da mais um gole no café.
        - Por um acaso você está me cantando investigador Luis Souza?
        - Está funcionando?
        - Podes crê que está.

FIM


















Esquece-me Permita-me Envolva-me


 Enquanto adoça o café lentamente, Laura mais uma vez repassa sua agenda mentalmente. As visitas são muitas e ela não sabe por qual começar. Desde quando entrou nessa de vender cosméticos de porta em porta, Laura não sabe o que é ter um dia sequer de descanso. Porém, ela dá graças a Deus por isso. Quando ela se divorciou de Miguel com quem foi casada por vinte anos, a bonita Laura teve que se virar para poder sustentar Junior, filho único do casal. As vendas estão indo muito bem. Por dia ela chega vender de dez a vinte produtos e quase todos a vista.
               O divorcio pode ter acabado com sua alegria, mas, não com sua beleza. Laura ainda ostenta um brilho digno das divas. Branca, mediana e de cabelos negros batendo nos ombros, a vendedora ainda arranca suspiros dos cinquentões de plantão por onde passa. Depois de fazer seu roteiro mentalmente finalmente ela toma do café. Olhando pela janela ainda vestida com sua roupa de dormir, Laura faz uma viagem dolorosa por um passado recente.

               Laura não sabe se está vivendo um sonho ou realidade. O cheiro de fruta e pão quente é quase tangível e ela desperta. A sua frente uma cesta de café da manhã suspensa no ar pelas mãos fortes de Miguel. O sorriso do homem é iluminado:
               - Feliz aniversario meu anjo! – Miguel coloca a cesta no colo da esposa.
               - Ai amor, obrigado, não precisava.
               - Como não. – a beija na testa. – faço questão.
               - Nossa que cesta maravilhosa. Quer uma maça?
               - Adoraria. – se deita ao lado da mulher a beijando no pescoço.
               - Hum, já vi que a festinha vai começar mais cedo não é?
               - Adivinhou. – a puxa para debaixo do edredom.

               Ao ouvir seu nome pela voz pastosa de Junior, Laura volta à realidade:
               - Preciso de um café forte, coroa. – Junior se espreguiça.
               - Você precisa de uma lição isso sim, bebeu ontem de novo, Miguelzinho.
               - Xi, Miguelzinho não, Junior, dona Laura Mendonça.
               Laura se aproxima do filho e sente o forte cheiro de álcool.
               - Você tem apenas 18 anos, Junior, e já está nessa vida, como será daqui pra frente?
               - Mãe, por favor, hoje não, amanhã talvez. – sobe para o quarto.
               Além de ter que conviver com o abandono do ex marido, a vendedora precisa lidar com o problema do filho. Miguel Junior experimentou álcool quando tinha quinze anos e desde então não parou mais. Laura vive um pesadelo toda vez que ele volta das noitadas com os amigos. Junior já passou noites e mais noites na rua, dormindo na sarjeta. Muito preocupada Laura saiu às cegas pelas ruas tarde da noite o procurando. Junior foi encontrado apagado numa calçada a alguns quarteirões de casa. Sem dinheiro a mãe precisou quase que carrega-lo até em casa. Muito complicado.

***

                Bem vestida e muito bem maquiada, Laura encara a primeira visita. A casa é linda com duas câmeras de segurança na entrada. A dona a recebe com um bom dia pra lá de empolgante.
               - Bom dia, Laura Mendonça, pontual hein, gostei de ver.
               - Quando o assunto é trabalho, a cama fica em segundo plano.
               - Isso mesmo, vamos entrando.
               Depois de comprar dois hidratantes, cinco sabonetes de ervas, perfume e cremes e tudo avista, dona Socorro pede sua funcionária que sirva o café mesmo Laura dizendo que não precisava. A bandeja veio repleta de iguarias deliciosas. Praticamente um almoço.
               - Então, Laura, como vão as coisas?
               - Bem, na medida do possível.
               - Senti uma ponta de tristeza em sua resposta.
               - Que nada, está tudo bem. – ajeita os cabelos atrás das orelhas.
               - Então me explica o que faz uma mulher linda como você trabalhando duro.
               - Eu gosto. – belisca o bolo de laranja.
               - Gosta ou precisa?
               - Dona Socorro, eu tenho outras clientes para visitar e eu já vou indo.
               - Não vai experimentar a torta salgada, eu mesma fiz.
               - Terá que ficar para uma outra oportunidade. – se levanta e pega suas bolsas.

***

                Na hora do almoço, como de costume, ela sempre dá uma passadinha na pensão da Malu para degustar do melhor bife a milanesa da cidade, segundo a própria Malu. Há quem diga que o bife apanha mais que os torturados na época do militarismo. A comida é boa sim , mas poderia ser ótima se Malu não pesasse tanto no sal.
                 - Qual a boa Laura? – pergunta com sua típica touquinha e um chamativo batom vermelho comprado justamente com Laura.
                 - Trabalho, acho que não vou conseguir descansar o almoço, terei que ir correndo para a próxima visita.
                 - Tentando ficar rica? – Malu retira o prato do almoço e coloca o da sobremesa. Um delicioso doce de abóbora com côco.
                 - Tenho muitas dividas, é só isso.
                 - E o Junior, como ele tem passado?
                 - Na mesma, bebeu ontem de novo. – prova do doce. – acho que terei que tomar medidas drásticas com ele. Para o bem dele.
                 - Que barra hein amiga.
                 Malu poderia ser muito bem uma filha mais velha de Laura. A diferença de idade entre as duas não atrapalha nenhum pouco o relacionamento entre as duas. Malu pode ser um pouco extravagante com suas roupas curtas e decotes abusados, porém é uma moça madura e inteligente. Laura gostou dela assim que a conheceu. É a única cliente que a vendedora gosta de compartilhar seus dramas pessoais.
                 Quando Laura estava para se separar de Miguel e a mesma enfrentou uma tempestade em sua vida, foi justamente a jovem escandalosa quem a apoiou, aliás, a única.
                 - E o crápula, tem ligado?
                 - Nem sinal de fumaça, acho que desapareceu.
                 - Pelo visto nem da casa ele faz questão. – recolhe a prato da sobremesa.
                 - Já pensou, eu nessa altura da vida ter que pagar aluguel, fala sério.

***

                 Escutando rock pesado no volume máximo em seu fone de ouvido, o filho de Laura dança freneticamente no pouco espaço de seu quarto. Sozinho ele é capaz de ser até a bailarina do municipal se deixar. No intervalo de uma música para outra ele dá boas e longas goladas na garrafa contendo vodca e suco de laranja. Já meio doido ele se joga na cama e canta alto num inglês até que perfeito, porém arrastado pela embriagues. Miguel Junior é um rapaz apresentável, puxou muito de seu pai até mesmo no jeito de lidar com as coisas. Miguel pai nunca foi um sujeito organizado. Das inúmeras brigas entre ele e Laura eram por causa desse jeito do empresário. O golpe da separação dos pais mexeu bastante com o jovem que trancou a faculdade de engenharia civil quase que na metade. Ele já bebia antes, mas com o acontecido, Junior fez do álcool seu único e exclusivo amigo.
                 O dia passou. Junior não comeu nada. Dormindo ele se desliga da vida. Um sono pesado. Sem sonhos. O gosto amargo em sua boca o faz tossir várias vezes até despertá-lo. Ao tentar olhar o relógio ele não consegue. Sua visão ainda meio desfocada não permite.
                 - Droga, ainda estou bêbado.
                 Vendo que ainda resta uma pouco da mistura na garrafa ele saliva. Sua mão tremula não consegue segurar a garrafa. Com as duas Junior consegue levá-la até a boca. Imediatamente o tremor cessa e ele está pronto para outra.
                 - Agora sim!

***

                 O dedo fino com unha bem feita pressiona o botão do interfone. A voz metalizada atende. Laura aguarda alguns segundos até que o barulho do portão destravando é ouvido. Não há elevador, o prédio tem menos de seis andares. O novo cliente mora no segundo andar, exatamente no 201. A campainha é berrante. Quem atende é um homem alto, grisalho e de barba também grisalha.
                 - Boa tarde, vamos entrando. – convida ele gentilmente.
                 O apartamento é grande, bem decorado. A estante repleta de livros denuncia a intelectualidade de seu dono. Muito cautelosa, Laura evita certos comentários.
                 - Bebe alguma coisa, suco, chá ou café?
                 - Prefiro água mesmo.
                 O sujeito não passa despercebido. Esbelto e bonito, Laura sente o coração bater forte. Ele volta com um copo embaçado pela água fresca.
                 - Desculpe a falta de educação, me chamo Murilo, quem te recomendou foi uma vizinha. Você deve trabalhar com produtos como loções pós barba e tudo mais não é?
                 - Sim, a nossa linha homem é fantástica, quer dar uma olhada?
                 - Adoraria!
                 Sim, Murilo é um homem encantador, educado, fino, sonho de consumo de toda mulher. Ele olha atentamente ao catalogo junto com Laura. Vez por outra ela discretamente o olha e sente seu perfume.
                  - Gostei desse, posso saber o valor?
                  Desatenta ela não responde.
                  - Oi, tem alguém ai? – brinca Murilo.
                  - Ah, sim, vou ver pra você. – nervosa pela mancada ela ajeita os cabelos atrás das orelhas.
                  Laura termina de preencher o recibo enquanto Murilo volta com o dinheiro das compras. Feliz pelas boas vendas que fez nesse dia, a vendedora agora só pensa em voltar para casa e cuidar de Junior, porém o charme de Murilo a deixou sem chão e se ele a convidasse para ficar um pouco mais, com certeza ela não hesitaria em aceitar.
              - Prontinho dona Laura, aqui está. – estende a mão com as notas.
              - Obrigado!
              - Você está com muita pressa?
              Realmente a pergunta a pegou de surpresa. Quase engasgando Laura demora a responder. Murilo com paciência aguarda a resposta com um olhar meigo irresistível.
              - Sim, quero dizer, não, eu estou indo para casa.
              - Não quer ficar e...
              - Seu Murilo, bem que eu gostaria, mas, tenho que voltar para casa.
              - Tudo bem. – enterra a mão no bolso e saca um cartão. – caso mude de ideia é só me ligar.

***

              Se sentindo a pior de todas as mulheres e se xingando em pensamento, Laura cruza as ruas quase no automático. Murilo não sai de sua cabeça, seu cheiro ainda é sentido, sua voz a convidando pra ficar é bastante presente em sua mente. Por que não aceitei ficar? Enquanto espera o sinal fechar ela imagina o que poderia acontecer se ela tivesse ficado, uma boa conversa, um jantar romântico, um bom vinho e depois sabe-se lá o que. O semáforo fecha e todos os pedestres atravessam correndo sem necessidade, inclusive Laura. Mais alguns quarteirões e ela estará em casa.

***

               A noite apenas começou e Junior já está na quinta lata de cerveja. Os amigos ao seu redor dançam como loucos. A casa noturna está lotada de jovens que dançam, bebem e fazem sexo sem pudor algum nos cantos do estabelecimento. O ambiente é pesado, carregado. Em alguns pontos é possível ver traficantes vendendo trouxinhas de cocaína para os “playboy” metidos a besta. A policia finge que não vê. Vez por outra uma viatura para em frente à boate e um dos garotos se debruça na janela da viatura:
                - Fala meu chefe, veio pegar a merenda? – pergunta o traficante.
                - Sim, e o nosso esquema?
                - Firme e forte. – abre a pochete e pega um maço de notas de vinte e cinquenta. – pega ai meu chefe.
                Junior resolve dançar no meio do salão. Trocando as pernas ele dança como se fosse um boneco de marionete. Uma garota de vestido curto e preto se junta a ele numa dança pra lá de sensual. Se insinuando para o filho de Laura a mulher rebola até o chão. Não resistindo aos encantos da diva a sua frente, Junior a toca. No mesmo instante um brutamonte surge no meio da escuridão o socando no rosto.
               - Tire as mãos dela seu pivete.
               O corpo de Junior cai no chão frio da boate assustando a todos. Sangrando bastante Miguel Junior tenta se levantar. A dor e o álcool o deixam meio tonto. A garota tenta impedir que seu namorado o agrida ainda mais.
               - Me solte sua piranha senão vai sobrar pra você.
               Depois de muito tentar, Junior está de pé. Uma roda é feita no meio do salão como se fosse um ringue. O gigante de músculos desfere mais um soco fazendo a cabeça de Junior girar. Mais uma vez ele está no chão.
               - Levanta!  - vocifera.
               Quando estava se preparando para acertar mais um de seus poderosos murros no rosto frágil do rapaz, dois seguranças ainda maiores aparecem salvando a vida de Junior.
                - Chega, Dragão, a festa acabou. – diz um segurança de cabeça raspada.
                Felizmente Junior sofreu ferimentos leves e não precisou ser hospitalizado. A dor de cabeça é forte, semelhante a um martelo pregando um prego. Dentro do carro seus amigos o zoam.
                - Só você mesmo para dar em cima da mulher do Dragão cara.
                - Cara, eu estou tão chapado que não a reconheci.
                - Gente. – diz uma menina de cabelos coloridos. – e se ele consegue levá-la para um lugar mais reservado? Iria tirar onda “magrelo esquisito fura o olho do valentão da noite”
                - Obrigado pelo “magrelo esquisito” Dany. – resmunga Junior.

***

                A vontade de pegar o cartão e ligar para Murilo é grande, quase a consome. Laura já deitada em sua cama não desgruda os olhos do teto imaginando e relembrando os momentos com seu cliente charmoso. Devo ligar? Mais uma vez ela olha para o relógio, ele já deve estar dormindo à uma hora dessa. Vestida com seu roupão rosa bebê a vendedora se levanta. Pega sua bolsa e encontra o cartão.
                 - Murilo Pinheiro, empresário. – fala para ela mesma.
                 O celular é solicitado. Devagar os números do celular de Murilo são digitados. Respirando com dificuldade Laura hesita em discar. Desiste e volta para a cama. Qual foi Laura Mendonça, está igualzinha a uma adolescente apaixonada.

***

                  A noite demorou a passar. O relógio ainda não havia marcado sete e Laura já estava passando o café. O dia não está tão cheio, as visitas são poucas, Laura acredita que antes do almoço ela já esteja em casa. Junior sente o cheiro do café e desce. O susto de sua mãe ao ver seu rosto é inevitável.
                  - Junior, o que houve?
                  - Cai! – boceja.
                  - Não minta para mim!
                  - Certo, certo, eu nunca consegui te enganar mesmo. – boceja mais uma vez. – um sujeito me bateu.
                  - Te bateu ou te espancou? – Laura analisa os ferimentos. – foi para o hospital?
                  - Claro que não.
                  - Você bebeu outra vez Miguelzinho, quando isso terá fim meu filho?
                  - Miguelzinho de novo não Mãe, foram só algumas cervejas e nada mais.
                  Laura se afasta de maneira abrupta.
                  - Algumas cervejas que quase lhe custou à vida. Meu filho, você só tem 18 anos, não trabalha, trancou a faculdade, o que você quer da vida Junior?
                  - Mãe, por favor, ainda não são nem oito da manhã e já vem você com bronca, pelo amor de Deus né, ninguém merece. – se afasta rumando para a garrafa de café.
                  - Hoje nós iremos procurar ajuda, eu não vou ficar de braços cruzados vendo a destruição de meu filho.
                  Enquanto se serve do café fumegante Junior a olha bem nos olhos.
                   - Eu não preciso de ajuda! – falou bastante categórico.
                   - Tem certeza?
                   - Se meu pai estivesse aqui ele com certeza me entenderia.
                   O clima pesou. O coração de Laura se desfaz em mil pedaços.
                   - Você ainda pensa em morar com seu pai, é isso? – a fala de Laura é baixa, sem força.
                   - Pra ser sincero penso sim. – toma um gole. – nossa vida mudou bastante desde quando vocês romperam. Ninguém na verdade me perguntou como me senti ou como estou enfrentando essa situação.
                   Laura sente que colocaram uma tonelada em suas costas. Miguel Junior sempre foi apegado ao pai. Quando pequeno vivia para cima e para baixo com ele. Foram diversas pescarias, passeios no parque, disputas no vídeo game além das sessões de cinema. Quando Miguel foi embora de casa a desculpa que Laura arranjou foi que ele voltaria em alguns meses. Esses meses se transformaram em alguns anos.
                   - Você acha que será melhor viver com seu pai? – voz embargada.
                   - Não sei, às vezes penso em alugar um apartamento e morar sozinho.
                   - E vai viver do que? Você não trabalha meu filho.
                   - Eu posso arrumar um, sem problema.

***

                  Dessa vez Laura não quis andar até o ponto final do ônibus e preferiu pega-lo cheio em frente sua casa. Em pé e sendo esmagada por um sujeito obeso a seu lado, Laura se esforça para não chorar. As palavras de seu único filho cortam seu coração como lâminas afiadas. O divorcio destruiu um lar que aparentemente era feliz. Miguel era dedicado, cumpridor de seus deveres como chefe do lar. Laura se esforçava para manter a casa organizada e gastava horas na educação do filho. Tudo funcionava muito bem até que a bomba explodiu espalhando sonhos por toda a parte.
                   Só depois de muito tocar é que o celular é atendido em meio ao aperto do coletivo.
                   - Alô?
                   - Bom dia, eu falo com a vendedora Laura Mendonça?
                   A voz do outro lado da linha é familiar.
                   - Sim, ela mesma. – o ônibus breca.
                   - Aqui é o Murilo, lembra?
                   Mais uma vez o coração de Laura salta quase vindo à boca.
                   - Oi senhor Murilo, bom dia. – Laura se esforça para não parecer tão interessada.
                   - Você não me ligou então eu achei que eu deveria ligar.
                   - O senhor quer comprar mais alguma coisa?
                   - Sim, você pode passar aqui?
                   - Hoje? – o coletivo faz uma curva.
                   - Sim se não for atrapalhar.
                   - Tudo bem, vou passar ai hoje a tarde.
                   - Lhe aguardo ansiosamente.
                   De repente todos os problemas, todas as dificuldades deram lugar a voz de Murilo a convidado para ir até sua casa. Ele me ligou! Mais um pouco e ela passa do ponto pensando no empresário.

***
                  Depois de faturar mais um pouco com suas vendas, chegou o momento de visitar seu cliente charmoso e encantador. Vale a pena toda uma produção antes de tocar o interfone. Até mesmo um perfume de leve Laura passou. Nervosa ela toca o interfone, ao terceiro toque Murilo atende. Autorizada, à vendedora cruza o portão principal do prédio.
                  Ele nunca esteve tão bonito, nunca esteve tão elegante e atraente. Murilo a recebe com um sorriso iluminado.
                   - Seja bem vinda de volta Laura.
                   - Boa tarde senhor Murilo, eu...
                   - Opa, chega desse negocio de senhor Murilo, tudo bem?
                   - Desculpe-me, podemos ver o catalogo agora?
                   - Sim, acomode-se por gentileza.
                   Após ver e rever os produtos ali expostos no catalogo, Murilo em fim compra avista alguns cremes e sabonetes. Laura já estava se ajeitando para se despedir quando ele puxou uma conversa pra lá de interessante.
                    - É casada, Laura?
                    Engolindo seco a mulher demora a responder.
                    - Não, divorciada.
                    - Sinto muito!
                    - Tudo bem, você vai querer mais alguma coisa?
                    - Não. Na verdade eu estava pensando em convidá-la para sair.
                    Nocaute, com essa ela não esperava.
                     - Como? O que disse?
                     - Eu estava pensando em convidá-la para sair, um amigo meu que é músico estará se apresentando num restaurante, então? Gostaria de ir?
                     Muito nervosa Laura começa a rir causando estranheza no empresário.
                     - Algum problema, Laura?
                     - Não, claro que não, adoraria.
                     - Ótimo, me passa seu endereço.

***

                    Dany é do tipo que transa com qualquer um que fale algumas palavras bonitas em seu ouvido. Junior de vez enquando se dá bem elogiando a gata. Mesmo no auge de uma tarde ensolarada eles transam no quarto da menina de cabelos coloridos. Com Junior o assunto é outro. O filho de Laura Mendonça é o único que a cobre de carinho e isso ela já vem notando á muito tempo. Ofegantes eles se jogam na cama buscando fôlego. Dany acaricia seu tórax com pêlos ralos.
                    - Você me ama? – indaga Daniele.
                    - Sim!
                    - Até que ponto?
                    - Não sei.
                    - Se casaria comigo?
                    Junior não responde, porém afirma uma outra coisa.
                    - Eu namoraria com você.
                    A menina abre um sorriso largo e o abraça forte.
                    - Você está falando sério?
                    - Sim, por quê o espanto?
                    - Ora, a gente já transou várias vezes e nunca você me disse nada.
                    - Você também nunca me perguntou né!
                   - Quer transar de novo?
                   - Essa pergunta é para selar de vez o nosso namoro? – o jovem ex universitário a segura no rosto.
                   - Sim!
                   - Então vamos!

***

                  O show é simplesmente maravilhoso. O amigo de Murilo presenteia a todos os clientes do restaurante com sua voz doce e afinada. Laura está adorando e aplaude a cada canção executada.
                   - Hum, estou vendo que estou diante de uma apreciadora da boa música romântica.
                   - Amo de paixão, adoro Roupa Nova, Roberto Carlos entre outros.
                   - Quer que ele toque alguma de sua preferência?
                   Ela pensa por alguns instantes.
                   - “Um sonho a dois”, Roupa nova.
                   - Uau, gostei, faz tempo que não a ouço. – estala os dedos.
                   A noite foi repleta de boas músicas e de conversas agradáveis. Murilo é um exímio cavaleiro. Falou de sua trajetória de sucesso no ramo empresarial. Do quanto teve que investir para que sua empresa crescesse. Laura ouviu a tudo com uma atenção de poucos e soube interagir com ele. Tudo isso faz aumentar o interesse pelo belo homem a sua frente, não pelo fato de ser rico e sim pelo modo com lida com as coisas. Mais tarde voltando para casa, eles ainda conversam sobre diversos assuntos. Ao volante de seu carro importado, Murilo conduz um papo sadio e bem humorado. Laura vive uma noite de princesa como ela jamais teve.
                    No portão de sua casa a vendedora se despede de seu cliente meio que não querendo que a noite chegue ao fim.
                    - Gostou?
                    - Adorei!
                    - Se você quiser, no próximo fim de semana podemos repetir a dose.
                    De repente Laura se mostra insegura. Ajeita as madeixas negras atrás das orelhas e olha para baixo fixando o asfalto irregular.
                    - Algum problema, Laura?
                    - Murilo, não me leve a mal, mas, sou uma mulher que foi abandonada e devido a isso precisei me refazer, sabe, catar os pedacinhos do que sobrou de mim.  –olha para os lados. – então não sei direito o que eu quero.
                    - Veja bem, Laura, quanto a isso não se preocupe, por enquanto podemos ficar só saindo como amigos, tudo bem?
                    Laura sorrir deixando Murilo ainda mais apaixonado pela vendedora. Por ele tudo bem, tudo que é conquistado com dificuldade vale mais a pena no final. Ele resolve esperar por Laura pacientemente.
                    - Quando nos veremos outra vez? – Murilo sorrir.
                    - Quando você quiser. – responde com doçura na voz.
                    - Ótimo, eu te ligo então.
                    Depois que Murilo ligou o motor do carro e desapareceu na esquina foi que a ficha da vendedora caiu, estou apaixonada de verdade. Fazia algum tempo que Laura não se sentia assim, leve como uma pluma, radiante como uma estrela. Meio que no automático ela entra em sua casa e se joga no sofá. Pelo menos por alguns instantes ela se esquece que há uma ferida em seu coração. De que há uma marca em sua vida irreparável. O fantasma de Miguel ainda a apavora. Porém nesse momento ela só tem cabeça para o homem grisalho charmoso, que se veste e fala muito bem. Seria isso tudo um sonho? Se for, por favor, ninguém a acorde. Ela fecha os olhos e ri sozinha em meio à sala na penumbra.

***

            Os olhos de Laura se abrem e vão direto ao relógio pendurado na parede. Sete e meia. O cheiro de café misturado ao de ovos fritando é quase sufocante. Será mesmo o que estou pensando?Junior está mesmo cozinhando? Veste-se com o roupão rosa bebê e desce cuidadosamente as escadas. Ao chegar a sua cozinha uma menina bonita de cabelos coloridos pilota seu fogão desastrosamente. Sentado a mesa está Junior lendo atentamente o jornal.
             - Bom dia! Alguém pode me explicar o que significa isso?
             Dany se assusta com Laura a olhando friamente da porta da cozinha.
             - Oi mãe, devo-lhe apresentar Dany, minha namorada.
             - Namorada? – Laura cruza os braços.
             - Sim!
             Daniele engole seco.
             - Desde quando?
             - Bom, bem, começamos ontem, acho. – Junior coça a cabeça.
             - Ontem? E já dormiu na casa do namorado?
             - Bom dia dona Laura, a senhora quer ovos mexidos?
             - Pelos menos é educada. – olha para a moça. – não minha filha, pode deixar. – olha para Junior. – mais tarde conversamos.

***

             Na hora do almoço Laura degusta um macarrão a parmegiana na pensão de Malu. A proprietária se junta à amiga para colocar a fofoca em dia.
             - Qual o grilo dessa vez dona Laura?
             - Dois grilos, um bom e outro ruim, qual você quer primeiro?
             - O ruim.
             - Lá vai. Junior me apareceu com uma namorada lá em casa hoje de manhã.
             - Sério? É bonitinha pelo menos?
             - Uma gracinha, os cabelos todos coloridos, só precisa saber lidar com o fogão.
             Ambas dão gargalhadas.
             - E a boa?
             Laura termina de engolir o macarrão.
             - Estou saindo com um homem maravilhoso.
             Malu se ajeita na cadeira. Cruza as pernas e mexe no cabelo black.
             - Calma ai, deixa eu me preparar, como é mesmo a história?
             - Seguinte, vou lhe contar desde o começo. Eu fui...

***

            Miguel Junior e Dany conversam abraçados e deitados na cama. A situação constrangedora deixou a menina bastante abalada. Junior tenta convencê-la a ficar mais um pouco.
             - Fica Dany, foi só a primeira impressão, a coroa é gente boa.
             - Pode até ser. Mas acho que ela não gostou de mim mesmo.
             - Vamos tentar mais uma vez, se não de certo prometo sair de casa.
             Dany se ergue e franze a testa.
             - Sair de casa, por minha causa?
             Junior esfrega o rosto com as mãos.
             - Como eu te falei, o clima aqui em casa anda meio pesado, meus pais se divorciaram e pra ser sincero estou me sentindo sufocado aqui, vou arrumar um trampo e alugar um apartamento.
            - E o que sua mãe acha disso?
            - Sou maior de idade, eu apenas a comuniquei. – a puxa para junto dele. – quer ir morar comigo?
            Mais uma surpresa e dessa vez Dany ficou paralisada.
            - Você é maior de idade, para mim falta um ano esqueceu? Meus pais pirariam com isso.
            - E se eu for lá falar com eles?
            - Não sei qual será a reação do senhor todo poderoso Alberto Feitosa. – faz cara e bocas tirando risadas do namorado.
            - Ok, vamos amadurecer a ideia, de qualquer forma fica o convite. – inicia as caricias. – agora que tal brincarmos de papai e mamãe?

***

           A noite corre um vento fresco pela copa da cozinha e Laura aproveita para fazer anotações enquanto toma de seu chá de erva doce. Os pensamentos não são outros além de Miguel, seu ex, Junior e é claro Murilo. As anotações deixam claro que suas vendas andam em alta e que já possível à compra de uma maquina de lavar já que a velha anda mal das pernas. Junior desce e se junta a sua mãe e antes que ele possa falar, ela fala.
           - E a coloridinha?
           - Daniele Feitosa.
           - Como? – toma do chá.
           - Daniele Feitosa, é esse o nome da “coloridinha”.
           - Ah, sim.
           - Mãe, eu estava pensando seriamente em alugar um apartamento assim que eu conseguir um trabalho.
           - Já conheço essa história, Junior, “vou morar com minha namorada”, não é isso?
           - Pode ser.
           - Bom, se é isso mesmo que você quer então o que mais posso fazer, você já é adulto, só peço que você comunique ao seu pai sobre sua decisão.
           Junior se mostra surpreso com a tranqüilidade da conversa.
           - Ta falando sério, é só isso?
           - Só, por quê o espanto?
           - Sei lá, achei que você iria falar, se opor, gritar.
           - Como eu falei, você é adulto, dono de seu próprio nariz, boa sorte. – se levanta.

***

          A conversa pode ter sido tranquila para Junior, mas para Laura foi um pesadelo. Só em pensar na possibilidade de ser abandonada pela segunda vez já lhe causa arrepios. O que mais a incomoda é o fato de que Miguel não irá colocar barreiras na decisão do filho. Se Junior lhe falar que irá morar com uma menina menor de idade é arriscado seu ex dá um festa. Miguel sempre foi assim, irresponsável, liberal demais. Sentada pesando na vida Laura escuta seu celular vibrar em cima da mesa de jantar. O número ela desconhece.
            - Alô?
            - Laura!
            Realmente o coração da vendedora anda muito bem. Ao ouvir aquela voz rouca e forte a qual lhe pediu em casamento uma vez, fez seu coração gelar.
            - Miguel?
            - Sim!
            - O que você quer?
            - A casa!
            - Como?
            - Exatamente o que você ouviu, em breve estarei entrando com uma ação para tirar você da minha casa.
            - Seu sujo, eu te odeio, eu...
            - Ei, sem ofensas, eu ainda estou lhe avisando. Prepare-se, seus dias ai dentro estão chegando ao fim.
            Laura não permite que as lágrimas desçam.
            - Miguel, eu...
            Tarde demais, Miguel já havia desligado.
             E agora? O que fazer? Morar de aluguel não estava em seus planos. As vendas estão indo bem, mas não o suficiente para bancar um aluguel. Os sentimentos se misturam, porém o que prevalece é o ódio. Se Miguel estivesse ali sentado bem na sua frente ela jura que pularia pra cima dele e lhe arrancaria os olhos. Paciência, ele é o dono da casa e disso ela se lembra muito bem.

            O terreno ainda era puro mato cercado apenas por uma precária cerca. O casal de noivos vislumbra a casa ainda na imaginação. Miguel é detalhista e desenha no ar todos os cômodos que pretende construir. Laura por sua vez também faz desenhos imaginários no ar. Eles passam algumas horas ali contemplando o futuro lar, trocando ideias e por que não calorosos beijos. Miguel é insistente e depois de muito tentar ele consegue levá-la para um lugar mais discreto e ali fazem amor até o cair da noite.
            - Te amo. – declara Miguel.
            - Eu também.
            - Promete que nunca vai me deixar? – implora o noivo.
            - Que papo fora de hora é esse Miguel?
            - Promete?
            - Ai! Prometo. – Laura revira os olhos.
            - Então me beija.
            Seria a vida injusta? Ou seria mais uma de suas pegadinhas? Hoje tudo aquilo que foi prometido, tudo aquilo que era eterno se desfez, viraram pó. Agora é cada um por si e Deus por todos. Realmente Laura não entende porquê o mundo dá tantas voltas assim.

***

             O restante do dia foi complicado. Laura fez suas visitas com a cabeça explodindo de dor. Ela até pensou em cancelar as ultimas, mas algo a fez repensar, em breve vou tirar a casa de você! Laura não pode se dar ao luxo de dispensar qualquer possibilidade de venda agora. Ao voltar para casa seu celular toca. Murilo não sabe o bem que fez ao ligar para ela.
             - Oi, como foi o seu dia?
             Antes de responder Laura respira fundo.
             - Complicado!
             - Há algo que eu possa fez?
             - Acho que não.
             - Bom, acho que não foi uma boa hora para ligações.
             - Não, claro que não, pelo contrario, foi ótimo.
             - Quer sair comigo hoje?
             Até que não seria má ideia, pensou Laura ajeitando os cabelos.
             - Adoraria.

***

            Junior está na segunda lata de cerveja mesmo Dany protestando. A reunião com os amigos acontece num bar na zona nobre da cidade. Um dos jovens faz o favor de anunciar a novidade da semana.
            - Galera. – chama atenção batendo com uma colher no copo. – atenção, há entre nós um novo casal. – aponta para ambos. – Miguel Junior e Daniele Feitosa.
            Nem todos se alegraram com a noticia. Enquanto todos comemoram com aplausos e assobios, Ricardo fecha o semblante e olha friamente para Dany. Junior puxa sua namorada para junto dele e a beija.
            - Então, como estão os preparativos? – pergunta o líder da bagunça.
            Junior não entende a pergunta.
            - Como?
            - Sim, os preparativos para morarem juntos.
            - Calma amigão, primeiro preciso de um emprego legal para depois tirar minha gata de dentro de casa.
            - E principalmente deixar a cerveja de lado, não é, Junior?
            - É, vou pensar no seu caso. – todos riem com essa situação.

***

            O cheiro de hamburguer com fritas fez a fome de Laura aumentar mil vezes. Murilo está simplesmente fenomenal vestido socialmente. Depois do pedido finalmente a vendedora resolve puxar assunto.
             - Meu ex vai entrar com uma ação pedindo a casa.
             - Sério, mais que covardia.
             - Também acho. – entrelaça os dedos. – não estou ganhando o suficiente para pagar um aluguel. E para piorar, meu filho vai sair de casa.
             - Quer me contar o que aconteceu entre vocês? Entre você e seu ex marido? – Murilo apóia os cotovelos na mesa.
             - Sem problema.

             Laura já não estava suportando mais toda aquela situação. Mais uma vez Miguel chegará tarde e provavelmente contará mais uma de suas mentiras. Sentada na copa enxugando suas lágrimas de amargura ela escuta o ronco do motor. Seu coração palpita. Miguel passa pela porta e já não a beija como antes.
             - Ainda acordada? – pergunta com rispidez na voz.
             - Sim, não está vendo.
             - Qual é Laura, desencana vai, eu estava adiantando o trabalho e nem vi a hora passar.
             - Qual o nome da vagabunda com quem você estava?
             - Está delirando? – franze a testa.
             - Não Miguel, eu estou bem lúcida, me dê o nome da piranha agora.
             - Estou começando a perder a paciência com você, Laura.
             - Isso mesmo, perca a paciência, me espanque, só assim eu te coloco na cadeia seu sujo. – vocifera
             - Laura, você está fora de si, vá dormir.
             - Não me mande dormir como sempre faz seu cachorro, eu quero o nome da mulher e quero agora. – grita mesmo passando da meia noite.
             Miguel tenta em vão fazer com que Laura se cale colocando a mão em sua boca. Furiosa ela o morde. Num gesto de puro ímpeto ele a acerta no rosto.
             - Canalha, mentiroso, porco, vou colocar você na cadeia, você não perde por esperar.
             - Quer saber de uma coisa, fui!
             Miguel saiu de casa naquela noite e quando voltou foi para pegar suas coisas dias depois. Desde então a vida nunca mais foi à mesma.

             A batata frita esfriou enquanto Laura contava sua historia. Murilo engole seco sem saber o que dizer. Ele segura nas mãos delicadas da mulher sentido o calor delas. Como um herói ele precisa salvá-la do perigo, protegê-la em seus braços. O empresário busca fôlego e derrama.
             - Até agora a vida não foi justa com você, Laura, até agora.
             - Até agora?
             - Sim. – aperta sem machucar as mãos de Laura. – penso em você todos os dias e sinceramente já não sei o que fazer, só você pode me ajudar.
             Eles se olham. Mergulham num mar calmo chamado amor e não querem sair dali jamais. Nada pode impedir o que virá daqui pra frente, nada e ninguém. Laura espera ansiosamente o que irá sair dos lábios de Murilo, ele busca forças, coragem para dizer.
             - Laura, você quer ficar comigo?
             Ah, quão lindas foram essas palavras. Quão maravilhosas, doces como o mais puro mel. Ela não hesita em responder que sim. Murilo não perde tempo em prova de sua boca. Tal momento poderia se eternizar, ou pelo mesmos durar a noite inteira. O beijo é longo. As respirações se misturam e os corações batem na mesma frequência. Nada pode detê-los, nada.

***

             O ronco de Junior incomoda bastante. Dany se revira na pequena cama de solteiro. Como ultimo recurso ela cobre sua cabeça com os travesseiros. O celular vibra e bastante nervosa ela atende.
              - Oi!
              - Já me esqueceu?
              - Ricardo, cai fora, o que houve entre a gente foi pura aventura.
              - Aventura? Transar e depois juras de amor, você chama isso de aventura?
              - Não, mas, se liga cara, eu agora me encontrei, Junior é diferente, eu o amo de verdade.
              - Ouvir isso me machuca, sabia?
            - Ricardo, por favor, sem drama vai, você é bonito, inteligente, com certeza tem garotas a fim de você, me esqueça por favor.
            - Ainda não me dei por vencido, você será minha mais uma vez nem que eu tenha que...
            - O que? Vai dar uma de ex ciumento agora, pare com isso cara.
            - Quem avisa amigo é, boa noite. – desliga.
             


Permita-me

            A noite foi maravilhosa. Um sonho. Laura se desmancha no beijo adocicado de Murilo e sente que seus pés não tocam mais o chão. Ele por sua vez se deixa levar pelos lábios mornos da vendedora e pede aos céus que esse momento dure para sempre. Infeliz ou felizmente o momento acaba e ambos estão tímidos evitando os olhares. Murilo pigarreia e ela sorrir olhando para baixo.
            - Você é maravilhosa Laura. – consegue dizer ainda segurando as mãos da mulher.
            - Ai, meu Deus, assim fico sem graça.
            - Permita-me lhe fazer feliz?
            Felicidade, está ai uma palavra que ela havia descartado de seu vocabulário. Seu ex arrancou dela quase tudo, nesse pacote de decepções a felicidade foi junto e sinceramente Laura já havia perdido as esperanças de mais uma vez ser feliz. A vida é engraçada. Justamente numa lanchonete cercada por pessoas comendo e bebendo e com o cheiro sufocante de hambúrguer e batata frita é que a felicidade bateu outra vez em sua porta pedindo licença para entrar. Laura não hesita em convidá-la a fazer parte mais uma vez de sua vida.
             - Legal! – Murilo beija as costas das mãos de sua mais nova namorada.

***

             Ricardo está irredutível. Circunda seu quarto tramando algo. Soca a palma da mão diversas vezes. Alto e magro, o universitário não se conforma em perder sua garota para um beberrão como Junior, ele não acredita que Dany esteja feliz ao lado de um bêbado. Ricardo é de família rica morador da zona nobre da cidade. Seu pai é médico assim como sua mãe. Seus irmãos seguiram outros caminhos e ele preferiu a medicina. Seu coração é bondoso, Ricardo não quer ser um médico convencional. Depois que se formar ele quer partir para os lugares mais miseráveis da África e ali exercer seu ofício de graça.
             Perder Daniele foi um golpe forte demais. Quando a conheceu Ricardo se entregou de corpo e alma. Quando viajaram para Paris sozinhos o universitário viveu dias de sonhos. Transavam todos os dias e namoravam tendo o arco do triunfo como testemunha de suas loucuras. Realmente ele acreditava que iria passar sua vida ao lado da menina de cabelos coloridos e rosto redondo, porém, quando ela o chamou para conversar seu mundo de encantos desabou.
            - Por quê? – Ricardo pergunta com os olhos marejados.
            - Não tem mais nada a ver.
            - Como assim não tem nada a ver? Estamos juntos à quase dois anos, Dany! – gesticula.
             - Ricardo, você é um cara maravilhoso, merece ser feliz, mas não a meu lado, entende?
             - Dany, você é a mulher da minha vida, pelo amor de Deus.
             - Ricardo, por favor, sem drama. Quero que você entenda bem essa situação. Eu estou terminado com você.
             Engolindo seco Ricardo consegue dizer o que o coração quer saber.
             - Existe outro não é?
             Seguiu-se um silêncio.
             - Sim! – exatamente desse jeito, como um punhal.
             - E você ainda tem o descaramento de responder que sim. – o semblante de Ricardo se transforma, uma sombra negra se forma em seus olhos.
             - Você perguntou, quem pergunta quer saber, boa noite Ricardo.
             Ela se foi, levando com ela os planos e sonhos do estudante de medicina. Agora dentro do quarto outra vez a sombra negra se forma em seu rosto bonito e sem perder tempo ele sai.

***

             - Que tal assistirmos um filme em meu apartamento, ainda é cedo!
             Laura engole seco.
             - Que horas são?
             - Quase onze.
             - Não sei, amanhã tenho visitas cedo.
             - Vamos fazer o seguinte, vamos assistir um Super filme, você dorme lá e amanhã lhe dou uma carona para suas visitas, o que acha?
             Seria legal aceitar dormir na casa de Murilo? Ela mal o conhece! Onde isso pode acabar? Mais que pergunta, ela sabe exatamente onde isso pode acabar, numa cama quente. Seria bom ir para cama com ele já no primeiro dia de namoro? Bom, isso ela só irá saber se aceitar.
            - Tudo bem, vamos ao filme.
            - Você vai gostar, o filme conta a história de um cara que...

***

            As mãos delicadas e lubrificadas pelo óleo de amêndoas desliza sobre as costas de poucos pêlos de Miguel. A mulher semi nua deixa o corpo quadrado do cliente relaxado. Miguel é um cliente exigente, gosta das garotas mais novas da casa de massagem e é frequentador assíduo do lugar. Mesmo casado com Laura ele já fazia suas visitas em busca de sexo. Hoje a escalada para vender prazer ao ex da vendedora é uma oriental aparentando ter seus vinte e poucos anos com o corpo de quinze. É dessas que Miguel gosta. Agora de barriga para cima ele não perde tempo em acariciar a japonesa e a elogiá-la.
            - Não sabia que no Japão as meninas fossem tão maravilhosas.
            - O senhor ainda não viu nada. – o sotaque é presente na fala.
            - Sério, ainda tem mais?
            - Sim, o senhor irá experimentar um outro óleo vindo de meu país, segundo a tradição ele tem o poder de transformar qualquer homem em qualquer idade num touro.
            - O que estamos esperando então minha deusa nipônica.
***

           Como espectros iluminados pela luz da TV, Laura e Murilo assistem ao filme sentados nas almofadas no carpete da sala. O filme é interessante, porém os pensamentos convergem, seria um pouco cedo tentar alguma coisa com ela aqui mesmo? Laura por sua vez deixa a imaginação criar asas, ele não tenta nada por que é muito educado, se fosse outro já estaríamos envolvidos nesse monte de almofadas!
            O filme está próximo de seu desfecho e o primeiro a bocejar é Murilo. Laura ajeita os cabelos atrás das orelhas.
             - Se quiser podemos continuar assistindo outro dia.
             - Não, por favor! – repousa sua mão na mão dela.
             Mesmo numa posição não muito confortável ele não retira sua mão. Aos poucos ele vai subindo chegando ao pulso. Laura não esboça reação. Murilo continua deslizando as pontas dos dedos e agora ele já está no antebraço. Rapidamente ele atinge o ombro da mulher e por fim ela mexe a cabeça num arrepio descontrolado. O que tem de ser será! Laura se deita e em seguida Murilo vem por cima lhe atacando a boca com beijos quase sufocantes. O filme continua iluminando os corpos ali envolvidos.
             Murilo domina a situação. Como um amante viril ele a deixa fraca, sem reação. Suas mãos buscam a pele branca por baixo das roupas. Aos poucos a blusa e puxada na tentativa de liberar os ombros. Finalmente ele consegue. Laura o aperte contra seu próprio corpo sugando seus lábios. A blusa fina não é mais obstáculo para o empresário que morde delicadamente os ombros, porém desejando o busto. O tórax de Laura sobe e desce numa respiração irregular e não se aquentando ela se ergue do chão.
             - Nossa! – passa a mão nos cabelos ofegante.
             - O que houve? – Murilo também está bastante cansado.
             - Acho melhor não irmos tão rápido.
             Não querendo demonstrar sua decepção Murilo se senta no sofá.
             - Tudo bem.
             - Me desculpe! – abaixa a cabeça.
             - Não precisa se desculpar, eu entendo.

***

             - Eu tinha sonhos com você, sabia?
             - Ricardo, me entenda, eu agora estou em outra, por favor.
             A conversa acontece numa lanchonete pouco movimentada. Ricardo com muito custo conseguiu convencer Dany ir com ele até ali para uma ultima conversa. Sempre bem vestido, o futuro médico está com os olhos marejados, quase implorando para que ela volte para ele. Daniele está com o coração partido, realmente Ricardo é um rapaz interessante com um futuro promissor, porém ela ama Junior e já está decidido, é com ele que ela irá passar seus dias.
             - O Junior sequer tem uma profissão, abandonou a faculdade na metade, ele é um irresponsável.
             Ricardo até que falou a verdade, e Dany sabe disso, ela não está garantida ao lado dele. Por alguns instantes a menina de cabelo colorido reflete.
             - Fique comigo, eu tenho projetos para a nossa vida. – segura nas mãos de Dany que as recolhe.
             - Ricardo, lamento, realmente Junior é o homem que escolhi para viver junto. – se levanta. – a deus Ricardo e boa sorte em seus projetos.
             Abandonado, desprezado, largado numa lanchonete chinfrim, esse é o sentimento do jovem universitário. Ricardo permanece sentado diante de um copo de suco de laranja já sem gelo. Seus olhos enchem de água. Ele não permite que as lágrimas molhem seu rosto. Enxugando os olhos com as costas das mãos ele deixa que a sombra negra volte a assombrá-lo. Abruptamente ele se levanta e joga na mesa uma nota de vinte reais e desaparece.

***

              Laura abre os olhos. A janela ainda se encontra fechada. O aroma de café fresco toma conta do quarto, Miguel a qualquer momento irá cruzar a porta do quarto com meu café na bandeja. Ela olha ao redor e não reconhece o lugar, olha para a parede, onde está meu relógio? A porta abre e um homem alto, de cabelos e barba grisalha surge carregando uma cesta enorme com frutas, pães e outras guloseimas mais, e o que é melhor, não é Miguel.
              - Murilo?
              - Eu mesmo! – sorrir. – bom dia!
              - Bom dia. – gagueja.
              - Veja bem, não sou expert na cozinha, mas, sei me virar, temos ovos mexidos, suco de laranja, geléia, torradas, requeijão.
              - Nossa, já estou com azia. – brinca.
              - Xi, pela sua cara, acho que exagerei.
              - Que nada, agradeço o carinho.
              De repente a vendedora de cosméticos fica sem graça e mais uma vez ela se desculpa pela gafe da noite passada.
              - Murilo, não quero que você pense que sou uma mulher paranoica ou coisa parecida. Eu estou me recuperando de um trauma gigantesco, traição seguida de um divórcio e agora esse fantasma de eu ter que entregar a casa.
              - Laura, você tem a mim agora, farei de tudo para lhe fazer feliz. – se senta na cama e acaricia as madeixas negras de sua namorada – eu também tenho uma história, fui casado por dez anos e a perdi para a mais terrível das doenças, foi doloroso vê-la partir, no inicio resolvi que ira dar um tempo para o meu coração, viajei, passei alguns meses fora e quando voltei lá estava você.
              Laura sorrir sem graça.
              - Sério?
              - Sério, minha finada esposa não podia ter filhos e éramos felizes assim mesmo, adotamos um felino e ficamos muito bem com ele. E seu filho Laura?
              Antes de responder Laura respira fundo.
              - Se meteu com uma garota meio punk e quer viver junto com ela, essa parte da historia você já sabe, a outra é ainda mais complicada, ele tem problemas com alcoolismo. – Murilo franze a testa. – isso mesmo, tenho um filho de 18 anos que bebe e muito.
              - Gostaria de conhecê-lo. – se deita e coloca as mãos por de trás da cabeça.

***

              A garrafa deu um certo trabalho para ser aberta, mas ele consegue agora desfrutar do líquido que desce queimando sua garganta. Nem cara feia ele faz. Junior limpa a boca com as costas da mão e cospe. Sozinho em seu quarto ele deixa o rádio no ultimo volume e xinga quando a música acaba e toma mais um generoso gole. A porta abre e Dany contempla seu namorado embriagado dançando sem música.
           - Que situação hein senhor Miguel Junior!
           - Opa, Miguel não, Junior! – a voz é pastosa.
           - Se liga cara, veja o seu estado. – vocifera.
           - Vamos fazer sexo ou não? – tenta abraça-la.
           - Você só pensa em duas coisas, sexo e cachaça né?
           - Não, também penso em Rock.- faz da garrafa uma guitarra.
           - Agora é sério, Junior, eu não sei se quero viver ao lado de um beberrão. Se você não largar isso, eu prometo que desapareço daqui.
           - E eu vou correndo atrás de você minha coloridinha. – aperta as bochechas da menina. Daniele se irrita e sai correndo do quarto deixando Junior a dançar ainda sem música.

***

           - Então já posso notifica-la sobre a casa? – Miguel aperta forte a mão do advogado.
           - Quando o senhor quiser.
           - O senhor fez um bom trabalho doutor.
           - Obrigado!
           Ainda no elevador descendo para o estacionamento Miguel ligar para Laura que atende no segundo toque.
           - Laurinha!
           - O que você quer?
           - Minha casa!
           - Como assim?
           - Isso mesmo, podemos conversar pessoalmente?
           Silêncio do outro lado da linha.
           - Tem alguém ai? – zomba.
           - Onde?
           - No de sempre.
           O de sempre é um restaurante. Quando casados Miguel e Laura costumavam comer depois do cinema ou teatro. Não é luxuoso, porém o ambiente é bastante familiar. No piano o mesmo músico de oitenta anos tocando grandes sucessos de ontem e de hoje. Laura foi a primeira a chegar. Ocupou a mesma mesa que fica próxima a janela. Um garçom simpático lhe mostra o menu e ela resolve esperar um pouco, o crápula vive atrasado! Pensado com seus botões a vendedora tenta chegar a uma conclusão, o que ele pretende me fazendo vir aqui? Laura já havia tirado o restaurante da cabeça, a ultima vez em que estivaram ali brigaram e o vexame foi enorme. Ao se virar para a janela ela vê um carro grande e dele desce seu ex marido. Pelo visto o divórcio fez muito bem a ele. Vestido como um cantor sertanejo universitário, Miguel Mendonça faz um sinal de espera para ela que bufa. A passos lentos ele entra no restaurante e se acomoda ficando frente a frente com sua ex esposa.
           - O tempo te faz bem não é dona Laura?
           - Vamos direto ao assunto Miguel. – diz sem paciência.
           - Calma meu anjo, o que vai comer?
           - Não quero comer nada.
           Miguel puxa de dentro da jaqueta de couro um envelope pardo e o coloca sobre a mesa.
           - Leia com atenção! – usa de sarcasmo.
           Miguel estalas as falanges chamando o garçom enquanto Laura lê atentamente ao papel. A expressão da mulher muda a cada segundo, a cada linha lida. Miguel percebe quando os olhos dela se enchem de lágrimas.
           - Lamento, Laura, terá que sair da casa.
           - O que vão querer? – pergunta o garçom.
           - O da casa por favor.
           - Miguel, para onde vou?
           - Para a casa do seu namorado.
           Mais uma surpresa. Laura não imaginava que ele sabia de Murilo.
           - Não fale o nome dele seu cretino. – o semblante da vendedora é fechado.
           - Opa, vamos dar outro showzinho como fizemos da ultima vez?
           Laura limpa as lágrimas furiosa.
           - Quando foi que você se tornou esse ser humano, Miguel? Cruel, sem compaixão, seu filho mora lá ele precisa de ajuda.
           - Miguelzinho já um homem feito, precisa saber se virar na vida, até quando vai viver na barra da saia da mãe?
           - Miguel, ele anda bebendo demais, precisamos fazer alguma coisa.
           - Quando vão deixar a casa?
           Nervosa Laura ajeita os cabelos atrás das orelhas.
           - Vamos vê se eu entendi. – limpa a garganta. – eu estou falando que o nosso filho se tornou um alcoólatra e você está preocupado com a sua casa, é isso?
           De repente Miguel tem uma crise de consciência.
           - Tudo bem, tudo bem. - ergue as mãos. – prometo falar com ele. – em seguida repousa-as sobre a mesa fazendo um barulho surdo. – mas quando isso terminar vou querer a casa, entendeu?

***

           - Ele é mesmo um canalha, um insensível. – Malu.
           - Pois é, às vezes penso que estive casada com meu próprio inimigo, lembra daquele filme, Dormindo com o inimigo? É isso ai amiga, assim caminha a humanidade, ninguém se importa mais com o outro, somos egoísta ao extremo.
           Malu se levanta e com um forte abraço acalenta a mulher que poderia ser sua mãe.
            - O que é dele está guardado amiga.
            Ao chegar em casa depois de apanhar várias vezes da vida nesse mesmo dia, Laura ainda teria que enfrentar mais uma luta. A sua espera está Dany aparentando um certo nervosismo.
            - Oi dona Laura, tudo bem?
            - Daniele?
            - Sim, queria falar com a senhora, é a respeito do Junior.
            - O que aconteceu?
            - Podemos entrar?
            - Sim!
            Mexendo nas unhas e piscando descontroladamente a menina se acomoda no sofá pensando no que irá dizer para sua sogra.
            - Quer água minha filha? Você está pálida.
            - Não, eu estou bem, eu sempre fico assim quando o assunto é extremamente importante.
           - Diga!
           - Em primeiro lugar quero deixar bem claro que eu amo seu filho, amo de verdade, porém tem algumas coisas que estão fora do lugar. Sabe, o Junior anda bebendo muito e isso me assusta bastante, então eu estive pesando em como ajudá-lo a sair dessa fossa. Eu conheço grupos de ajuda contra drogas e alcoolismo, então estive pensando em inscrevê-lo, o que a senhora acha?
           Um nó se forma na garganta de Laura e ela não sabe o que dizer para a menina de cabelos coloridos.
            - Sabe Daniele, eu amo meu filho e só em saber que há alguém que ame nosso filho a esse ponto, é simplesmente o céu para uma mãe, você poderia cair fora desse barco, mas não, você se importa, lógico que eu quero ajuda. – abre os braços. As duas se abraçam a vendedora deixa as lágrimas molharem a blusa de Dany que não se importa com isso. – me perdoe o que aconteceu no início, tudo bem?
            - Tudo bem dona Laura, eu entendo!

***

            O som é ambiente. A música instrumental é leve com arpejos de piano. Murilo sempre gostou de trabalhar ouvindo boa música, de preferência orquestral. Em sua empresa tudo funciona harmoniosamente bem. Não é uma firma de grande porte, mas tem lá sua importância. Diante de seu notebook ele termina de enviar e-mails para seus fornecedores. Tudo na vida de Murilo foi conquistado através de muito trabalho e também de fracassos. Em seu primeiro investimento ele perdeu milhões numa sociedade. Não se dando por vencido ele se organizou e fundou mais uma empresa que faliu dois anos depois com uma crise econômica no país. Depois disso, quando todos achavam que ele voltaria a trabalhar como empregado, Murilo, como uma fênix ressurgiu das cinzas e formou a atual empresa. Suou sangue. Entregava e recebia sozinho até a contratação de seu primeiro funcionário. Hoje ele conta com uma equipe de quinze pessoas a sua disposição. Realmente o negocio deu certo e essa felicidade está estampada em seu rosto.
           Ao lado do computador o celular vibra. O nome Laura no identificador de chamadas faz seu coração acelerar.
            - Oi!
            - Oi, você pode falar agora?
            - Sim, o que houve?
            - Se importa se eu dormir em seu apartamento hoje?
            Murilo vai ao céu e volta, porém estranha a proposta de sua namorada.
            - Sim, claro, estarei saindo daqui em uma hora, vou ligar para o porteiro e pedir que te libere a chave reserva, tudo bem?

***

            O café precisa ser forte. Antes de Murilo chegar, Laura passa o café e em seguida se acomoda na poltrona reclinável que fica no canto da sala. Realmente o empresário é bastante cuidadoso com suas coisas. O apartamento é impecável, os quadros combinando com a pintura da parede, sem falar da estante repleta de coleções e enciclopédias. Enquanto aguarda a chegada do namorado a vendedora relembra a conversa que teve com Dany. Sua futura nora deu um exemplo de humanidade. Realmente Laura já havia perdido a esperança no homem, porém Daniele superou suas expectativa um milhão de vezes ao permanecer com seu filho mesmo ele passando por esse sério problema que é o alcoolismo. O ruído da maçaneta girando trás Laura para a realidade. Murilo chega trazendo sua luz. O beijo na testa deixa claro o nível de respeito que ele tem por ela.
          - O que houve?
          - Murilo, você me ama?
          - Sim, você tem duvidas disso?
          - Não, claro que não, quero dizer, você ficaria com uma mulher bastante problemática?
          Murilo se serve do café e se senta no braço da poltrona.
          - Veja bem Laura, eu decidi que quero passar o restante dos meus dias a seu lado, entende, como eu te falei, quero que você me dê essa oportunidade de fazê-la feliz.
          Laura segura no braço de Murilo e tenta não chorar.
          - Não quero que você sofra só por minha causa, você tem uma carreira linda para seguir, uma carreira promissora.
          - Laura, você é a mulher que escolhi para seguir essa carreira comigo. Quando você passou por aquela porta pela primeira vez, senti algo dentro de mim que dizia que você seria a mulher da minha vida. Desde então tenho comigo essa certeza de que sim, eu quero ficar com você mesmo que isso comprometa o meu bem estar.
          Segurança, esse quesito não pode faltar na vida de qualquer mulher. Ela precisa se sentir segura com um homem, protegida e envolvida. Murilo faz melhor que isso, ele consegue deixá-la relaxada.
          - Como é bom ouvir isso. – o beija. – sabe qual o problema, o meu filho precisa de ajuda, antes que a bebida acabe com a vida dele.
          - Bom, acho que chegou a hora de uma boa conversa com seu filho, assim eu aproveito para conhecê-lo, o que você acha?
          - Acho providencial.

***

         Frente a frente. Pai e filho. Miguel pai e Miguel Junior sentados numa mesa suja de um bar de esquina conversam sobre diversas coisas, inclusive sobre o drama que o filho vive.
         - Sua mãe me falou que você anda passando dos limites quanto à bebida, isso é verdade?
         Junior não responde de imediato.
         - Minha mãe precisa parar de me tratar como um bebê, isso sim.
         - Talvez por que você se comporte como tal.
         - Pai, sou maior de idade, sei me cuidar.
         - Estou vendo, se enchendo de cachaça. – Miguel se inclina. – filho, você precisa ser malandro, eu sempre bebi e nunca fiquei embriagado, nunca dei mole. Todos os meus amigos bebiam de cair, eu era o único que ficava de boa.
         - Como assim?
         - Vou lhe explicar.
         Em sua juventude Miguel liderou um grupo de rapazes que eram conhecidos como os desordeiros beberrões. Como ele mesmo falou, Miguel era o único que nunca se embriagou. Sempre achou que a bebida jamais poderia dominar um homem. Com isso ele ganhou o respeito do grupo e até hoje é reconhecido.
          - Você entendeu Miguel?
          - Acho que sim.

***

           Depois da tempestade vem sempre a bonança. Laura fez um singelo, porém delicioso jantar. O frango assado ficou digno dos deuses. Murilo o saboreou e até lambeu os dedos. Sentados frente a frente eles se olham e se desejam ardentemente. Laura apesar de estar passando por problemas familiares, nessa noite ela está linda, simplesmente maravilhosa.
           Na hora de dormir Murilo ocupa o sofá. Bastante a vontade ele se deita e antes de apagar a luz do abajur o empresário aproveita para ler mais um capítulo de seu romance. Meio sonolento e meio envolvido com a estória Murilo se assusta com alguém o observando na escuridão da sala.
            - Quer me matar do coração?
            Laura permanece parada.
            - O que foi, não consegue dormir?
            - Nesse sofá cabe mais um?
            Murilo engole seco. Fecha o livro e o coloca vagarosamente na mesa de centro.
            - Acho que sim.
            Sem fazer cerimônia Laura se deita coladinha com seu namorado que prende a respiração. O clima começa a mudar quando a vendedora começa a cariciá-lo nos cabelos. Ele entende o recado, todo homem percebe quando uma mulher quer atenção especial. Envolvido pelos braços dela ele entra no jogo. Suas mãos procuram por suas partes mais íntimas e não demora encontrá-las. Laura dessa vez não negou os carinhos. Permitiu que ele invadisse sua intimidade à vontade. Uma boa noite de amor, era disso que ela estava precisando para espantar os demônios.
             Logo eles estão unidos pelos beijos e abraços. O corpo de Laura queima. Fazia tempo que ela não experimentava essa deliciosa sensação de desejo. Antes mesmo de se divorciar ela já não fazia amor com Miguel. Também pudera, como se deitar com um homem sabendo que ele esteve com outra á poucas horas? Chega de viver o passado, agora é hora de curtir, se entregar, fazer sexo com o novo namorado, o novo amor de sua vida. A noite só está começando.

***

             Por um acaso Dany acorda e não vê Junior deitado a seu lado.
             - Junior?
             Esfregando os olhos e meia sonolenta a menina se levanta exibindo seu corpo na roupa ousada de dormir. Dany odeia acordar no meio da noite. A casa de Laura é grande e no escuro é de causar arrepios. Ela desce as escadas e consegue ver a luz da cozinha acessa. Descalça e sentindo o frio do piso ela passa pela sala chegando à porta da cozinha em tempo de ver Junior virando mais um copo de vodca. A garrafa vazia jogada de qualquer jeito em cima da mesa deixa claro que ele está ali faz algum tempo enche a cara.
             - Junior, não acredito que você deixou de ficar comigo para beber!
             - Amor?
             Dany não sabe direito se ele disse amor, dor, ou sei lá o que. Junior está muito embriagado, mal consegue ficar de pé. O choro é inevitável. Daniele não consegue nem brigar com ele. Ela simplesmente dá meia volta e retorna para o quarto. Calmamente ela procura por seu celular e o encontra entre os travesseiros. Procura nos contatos o número do grupo de ajuda contra o álcool e toma uma decisão.

Envolva-me

            O relógio marca altas horas da madrugada e o casal ainda se permite os longos e calorosos beijos. Laura e Murilo não poupam esforços. O empresário se esqueceu que precisa está de pé as sete para uma reunião importante na empresa. O que aconteceu naquele quarto refrigerado e confortável foi algo renovador para ambos. Laura já havia se esquecido de como é bom ser amada, toca por um homem de verdade. Murilo deixou fluir tudo aquilo que estava preso dentro dele, o homem, o galanteador, colocou a virilidade em alta proporcionando momentos de puro prazer a sua mulher. Laura não sabe o por que, mas está sorrindo envolvida pelos lençóis. Murilo ainda ofegante tenta relaxar e descansar pelo menos duas horas antes de levantar e pegar no batente.

***

             Ainda meio bêbado, Junior se levantar com os olhos ainda turvos. Demorou um pouco até ele se situar, estou em casa no meu quarto. O gosto de fel na boca o faz sentir náuseas e ele se esforça para não vomitar. A casa está em completo silêncio, Junior desce as escadas devagar e segurando no corrimão. A cozinha é o seu destino, ele precisa urgente de um café forte. Sua frustração é grande quando ele se vê sozinho sem ninguém para lhe preparar à bebida. Minha mãe depois que arrumou esse namorado não fica mais em casa, me esqueceu de vez! Bastante chateado ele se estica para pegar a cafeteira e o pó quando se assusta com Dany observando.
             - Oi Dany, você estava ai?
             - Sim, quero que se vista e venha comigo agora.
             - Aonde vamos?
             - Não importa, venha.

***

            Desconfiado Junior passa pela porta de entrada da cede do grupo de ajuda contra o álcool. Dany segura em sua mão fria e suada.
            - Fique tranqüilo, aqui só tem gente boa.
            Não há ninguém na recepção. Dany toca duas vezes no sino que emite um sinal bem barulhento. Da porta lateral surgi um rapaz alto e magrelo com roupas largas e de sorriso simpático.
             - Bom dia desejam falar com o reitor?
             - Sim, ele se encontra? – Dany retribui a gentileza do recepcionista com outro sorriso.
             - Vou falar com ele. Qual o assunto?
             Dany olha seria para seu namorado que faz um breve careta.
             - Apoio. – responde Dany devagar e ainda olhando para Junior.
             - Tudo bem.

***

             Durante uma de suas visitas Laura recebe um telefonema de Miguel.
              - O que você quer? – pergunta irritada.
              - Vai demorar muito resolver sua situação?Preciso da casa.
             - E você? Cumpriu com o seu dever de pai, conversou com ele?
             - Sim, ele me garantiu que iria parar ou diminuir.
             - Você tinha que tê-lo convencido a parar, belo pai você é Miguel.
             - Veja bem, estou fazendo o máximo que posso entendeu, resolva logo essa situação, preciso da casa.
             - Hum, pela pressa já tem outra otária pra ficar no lugar não é?
             - É claro, você acha que Miguelzinho dorme no ponto.
             Laura fica nervosa com vontade de entrar pelo celular e agarrar o pescoço de seu ex.
             - Faço questão de conhecer essa vaca.
             - Claro meu amor, as portas sempre estarão abertas pra você. – desliga.

***

            O reitor do grupo de apoio é um cidadão corpulento, careca, mas de boa aparência. Sentados a sua frente Dany e Miguel Junior estão boquiabertos com a fala mansa do sujeito.
             - Eu também já estive desse lado Miguel e confesso, estava odiando assim como você está agora. Porém, quando resolvi dar o primeiro passo, vi que tudo mudaria, só dependeria de mim mesmo. Graças a Deus e aos meus familiares hoje estou livre da bebida já faz vinte anos. – Junior arregala os olhos. – então, quer dar essa oportunidade para você mesmo?
             Junior entrelaça os dedos. Olha para Dany que devolve o olhar. Engole seco. Olha para o reitor e consegue sorrir.
             - Tudo bem, por essa menina eu faço tudo. – Dany se levanta e o abraça longamente.
             - Te amo!
             - Também te amo!

***

             Na mesa de centro as guloseimas enfeitam e dão um aroma perfeito para os presentes. Laura, Murilo, Dany e Junior conversam e comemoram.
              - Ai meu filho, estou orgulhosa de você.
              - Pois é, resolvi abrir os olhos, chega de tanto sofrimento. – diz Junior constrangido.
              - Então Junior, já está pensando em voltar para a faculdade? – pergunta Murilo mastigando um salgadinho.
              - Ainda não cara, preciso de um trampo, sabe.
              - Faz o seguinte. – pega do bolso da camisa um cartão de visita. – essa é uma empresa de um amigo meu e pelo que sei estão contratando.
              - Valeu brother. – Junior pigarreia antes de perguntar. – então senhor Murilo, quais as suas pretensões com a minha mãe? – ambos riem da pergunta um tanto quanto inusitada.
              - São as melhores possíveis, pretendo casar com sua mãe. – diz olhando para Laura que ruboriza. – ela merece uma segunda chance.
              - Nossa. – Dany bate palma. – quanto romantismo, pensei que só existisse isso nos filmes.
              - Pois é preciso aprender com você Murilo. – completa Junior.
              Laura se levanta chamando atenção de todos.
              - Gente, tenho que estragar esse momento infelizmente. Além de estarmos comemorando a volta por cima do meu filho, os nossos noivados, não é Daniele?
              - Sim! – acaricia o rosto de Junior.
              - Muito bem, estamos nos despedindo oficialmente dessa casa. – Laura olha para Junior. – seu pai a pediu. – o clima fica pesado, chato. Murilo assume a palavra.
              - Eu tenho uma casa que fica no outro bairro, então resolvi levar minhas coisas para essa casa liberando o apartamento para os pombinhos.
              Dany fica sem palavras. Se agarra ao namorado emocionada.
              - Obrigado, muito obrigado Murilo, prometo não decepciona-lo. – Junior se levanta e o abraça.

***

              O sonho acabou. O lar que um dia foi lugar de alegria, risos e prazer, agora dá lugar aos funcionários de uma empresa de mudanças. Laura acompanha com atenção cada objeto, cada móvel sendo embalado. O celular toca.
               - Satisfeito agora?
               - Como sabe que estou por perto?
               - Senti um cheiro de podre por aqui.
               - Nossa, quanto ódio, não sabia que uma pessoa como você poderia nutrir tal sentimento.
               - Chega dessa conversa Miguel, me deixe em paz. Você tem sua casa agora, vá viver sua vida com sua vagabunda safada, esqueça-me.
               - Venha me visitar quando tiver um tempinho. – tarde demais, Laura já havia desligado e entrado no carro junto com Murilo.

***

              Junior se comprometeu em fazer parte do grupo e faz questão de estar presente em todas as reuniões e palestras. Dany sempre que pode vai junto dando seu apoio. Hoje em dia ela já não é mais aquela menina de cabelos coloridos. Agora Daniele Feitosa se prepara se tornar a dona Dany Mendonça.
               Enquanto aguarda o termino da reunião na recepção do grupo de apoio, ela recebe um telefonema, um número desconhecido.
               - Alô?
               - Dany, tudo bem?
               - Ricardo? É você? A ligação está ruim, você está falando de onde?
               - Da África, estou como voluntário aqui e estou gostando muito.
               - Poxa que legal e como estão as coisas por ai?
               - Muita ralação, mas estou achando ótimo.
               Eles conversam por alguns minutos e Ricardo contou já estava se relacionando com outra voluntária européia.
                Aos poucos Dany e Junior vão se organizando. Laura e Murilo já estão instalados na casa do empresário. Quanto aos negócios de Murilo, eles vão muito bem obrigado. Ele chegou até propor que ela parasse de vender cosméticos, mas ela se recusou, preferiu continuar trabalhando duro, talvez uma forma de manter sua mente ainda funcionando, longe do passado.
                Certo dia depois passar nas casas agendadas, Laura passou na pensão de Malu. Ela não se encontrava, quem a atendeu foi um funcionário.
                 - Vai querer comer o que senhora?
                - O prato do dia. Onde está Malu?
                - Dona Malu deu uma saidinha rápida. Quer deixar recado?
                - Não, não, pode deixar.

***

                Mulher é um bicho complicado. Por mais que Laura queira esquecer o passado, ela tem uma verdadeira loucura por ele. À tarde, depois que saiu da ultima casa a vendedora de cosméticos resolveu dar uma passada na rua onde morava e o que viu fez seu coração se inflamar e logo depois quebrar em mil pedaços. Saindo de sua antiga casa na companhia de seu ex marido está Malu. Quando seus olhos se chocaram a mulher não soube o que dizer para sua amiga.
                  - Calma Laura, eu posso explicar tudo. – gagueja Malu.
                  Laura engole seco e limpa a garganta.
                  - Sou todo ouvido.
                  - Eu, eu estava criando coragem para lhe contar tudo, sabe, eu...
                  - É isso mesmo que você está vendo Laura, Manuele é sim minha mulher e já era desde quando estávamos casados, por quê? – Diz Miguel áspero.
                  De repente Miguel sente o peso da mão de sua ex entrando em contato com seu rosto e tudo o que ele sente é a ardência de um poderoso tapa e logo em seguida um zunido incomodo.
                   - Ficou louca mulher. – vocifera.
                   Laura não toma conhecimento de Miguel e se vira para Malu que começa a chorar.
                    - Faça bom proveito sua vaca. – sai andando pela calçada.

***

                    No restaurante o garçom trás os pedidos. Junior e Dany começam a rir do nada deixando Laura incomodada.
                    - Também quero rir. – diz ela provando do vinho. Quando algo bate em seus dentes. – Meu Deus, o que é isso. – ao ver o que tinha na taça seus olhos ficam marejados – você é louco e se eu engolisse.
                    - Tinha certeza que você não iria fazer isso. – pega o anel dentro da taça. Murilo se ajoelha à vista de todos. – Laura, você quer casar comigo?
                    Chorando e sorrindo Laura aceita. Todos no restaurante aplaudem. Com um logo beijo eles selam o momento, um momento único, um momento envolvente. FIM.