LINHA
POLICIAL
Parte
dois – Série completa
A violência é um monstro que impede
toda uma sociedade de crescer e evoluir. Temos medo de sair durante o dia e
principalmente a noite quando esse monstro toma proporções gigantescas e
consome vida por vida. Medo, essa é a palavra que não falta no vocabulário de
quem já foi abordado por esse terrível mal assolador. A violência se apresenta
de várias formas. Estupros, sequestros, agressões, roubo seguido de morte,
arrastões, entre outras vertentes. O pior de todas essas ações são as de quem
deveria estar nas ruas combatendo-a, financiam o crescimento do monstro. Homens
de terno e gravata, sentados em seus gabinetes. Bandidos de farda. Esses
contribuem para que o câncer assuma o controle com sua metástase e mate sem
piedade o cidadão de bem.
Nos últimos meses o roubo de carro cresceu assustadoramente ao ponto de
haver a incrível diminuição de veículos circulando nas ruas. Já não bastasse
você perder o seu bem conquistado com suor, a vítima é agredida não importando
idade, limitações físicas ou sexo. Os bandidos levam seu carro e lhe deixam um
trauma marcado na pele. Covardes. Quem se arrisca, antes de sair de casa
recorre a fé para buscar proteção e assim foi com a família Barbosa.
Carlos esperou com paciência tamborilando os dedos no teto do veículo a
saída da esposa. Dentro do carro seus filhos, ainda sonolentos também aguardam
a vinda da mamãe.
- Papai, vamos chegar atrasados na escola. – disse a menina.
- Podes crer que sim. – respondeu a olhando pelo vidro.
Por fim ela chegou. Maquiada, perfumada e muito bem arrumada, arrancando
aplausos do marido apaixonado. A primeira missão de Carlos antes de ir para o
escritório é deixar seus rebentos no colégio. A segunda é levar sua mulher até
a rodoviária onde ela trabalha como atendente e pronto. O carro mal pegou a via
principal e dois sujeitos armados numa moto os abordou aos berros. Pois é, mais
um bem conquistado com sacrifício será levado e o que é pior, às vítimas não
terão a chance de se defender. Como ordenou os meliantes, Carlos encostou o
carro. Dentro do veículo a mãe tenta sem muito sucesso acalmar as crianças,
talvez por que ela mesma esteja tão desesperada quanto aos seus filhos.
- Perdeu, desce. – falou o que descia da garupa segurando uma pistola.
A demora começou a irritar os vagabundos que iniciaram com as agressões.
Carlos foi puxado a base de socos e coronhadas na cabeça.
- Calma, cara! – gritou.
A esposa conseguiu retirar o casal de filhos e se afastar com os dois em
seu colo. Outros carros ao verem a ação criminosa davam marcha ré e enquanto
isso o chefe da família Barbosa era surrado deitado no asfalto.
- Tá bom, ele já aprendeu a lição, vamos embora. – falou o piloto da
moto.
Carlos Barbosa acompanhou deitado seu veículo sumindo de sua vista ao
som dos choros dos filhos. A sensação de impotência é arrebatadora,
principalmente quando atinge ao homem. Ele prende o choro quando as pessoas vão
a seu socorro e tudo o que ele quer é o abraço de sua família. A violência saiu
ganhando mais uma vez. Até quando isso? Até quando iremos nos sentar diante da
tela do televisor a sermos noticiados sobre mais um caso de roubo, morte,
sequestro e Eteceteras?
Carlos se colocou de pé com a revolta saindo pelos olhos. Notou que
havia um jovem filmando toda a situação e foi até ele.
- Meu jovem, aonde pretende postar esse vídeo?
- Em todas às minhas mídias. – respondeu meio trêmulo.
- Ótimo, jogue o zoom, foque o meu rosto.
*
Janaína ainda dormia quando Paulo
recebeu um vídeo de dois minutos pelo whatsapp. Um vídeo de um cidadão aos
prantos fazendo sua denuncia, “ Levaram meu carro, me agrediram, meus filhos
não param de chorar e minha mulher está a base de remédio. Até quando iremos suportar
isso? As autoridades polícias deveriam ter vergonha, os criminosos estão
dominando nossa cidade, nosso país. Por favor, façam alguma coisa”. Alves
pausou o vídeo, já ouviu o bastante. Janaína acordou com o áudio alto do vídeo.
- Bom dia. – falou bocejando. – posso ver?
- Bom dia. – a beijou. – ainda hoje vou iniciar uma operação. O número
do roubo de carros aumentou absurdamente. Acho que deixamos de olhar para essa
questão.
- Acha que existe uma quadrilha por trás disso? – se sentou.
- Acho não, tenho certeza. – entregou o telefone. – vou tomar um banho e
sair fora.
A jornalista ouviu e viu o vídeo, mas também leu a mensagem de Mara para
Paulo e não gostou do teor da conversa. O relacionamento entre o agente e ela
vai bem, ambos estão se curtindo bastante. Pelo visto, a ex de Alves ainda não
se resolveu emocionalmente. Janaína tocou na foto de perfil e a mesma mostrou
uma mulher estupidamente linda, gostosa, dona de um sorriso mágico capaz de
enfeitiçar qualquer marmanjo. Paulo Alves voltou do banho enrolado na toalha.
- O que achou?
- Do vídeo ou da mensagem da Mara?
Alves encolheu os ombros.
- Pois é, eu iria te mostrar, mas acabei esquecendo. Não vou mentir,
temos nos falado com frequência.
- Sobre? – cruzou os braços.
- Mara ainda não deu por encerrado o nosso lance. – colocou as mãos na
cintura.
- E você, já deu por encerrado? – segue com os braços cruzados.
- O que você acha?
- Bom, eu não chego aos pés dela, mas...
- Janaína, por favor, esquece isso, estamos juntos agora, você é tudo
que importa para mim. Deixe Mara prá lá. Você é uma negra sensacional. –
sorriu.
- Mesmo?
- Sim!
- Então vem aqui, você vai receber um prêmio.
*
Antônio Carlos, mais conhecido como
Peixe desde quando ainda defendia as cores da polícia. Antônio Carlos hoje
comanda uma poderosa quadrilha, especializada em furto e roubo de veículos. O
esquema é o seguinte; o grupo menor pega o produto na rua e o leva até o galpão
onde será desmanchado e suas peças vendidas. Peixe paga pelo trabalho do grupo
menor. Já o grupo maior o acompanha nas grandes negociações. Peixe, como todo
mafioso, tem seu braço direito, Felipe Chagas, o Filé. Perigoso. Filé é o
assassino mais letal que Antônio já conheceu. Bom com números e intimidador,
perfeito para ser o segundo homem na ausência do chefe.
Mais um veículo é negociado, exatamente o carro da família Barbosa.
Peixe analisa demoradamente o material. A seu lado, Filé, portando uma
metralhadora apontada para o assaltante. Antônio joga o cigarro fora e o
amassa.
- Carro de família metida a besta, mas é bom. Quanto você quer nele?
- Pensei em dez mil. – disse gaguejando.
- Pago quatro.
- Mas, ele vale mais de sessenta mil, que tal sete mil?
- Que tal o Filé te fazer de peneira?
O sujeito engoliu seco e se afastou.
- Pago quatro e não se fala mais nisso. – pegou outro cigarro.
- Já é então. – coçou a nuca.
- Filé, dá o dinheiro dele. Estarei no escritório caso haja qualquer
problema, ok?
- Deixa comigo.
Peixe estava subindo as escadas que leva ao seu escritório quando
recebeu outra ligação. Mais um carro mas dessa vez um baita produto.
- Sério? Sem nenhum arranhão ou amassado? – pausa. – caramba, precisou
balear o cara? Azar o dele. Trás aqui, vou avaliar. Quanto você quer nessa máquina?
– arqueou as sobrancelhas. – ótimo, apareça aqui as 16 horas hoje. – entrou na
sala. – faremos um bom negócio meu caro, um bom negócio. – se jogou na cadeira.
*
Chefe Damião Ramos observa a grande
movimentação da cidade de pé segurando a persiana. Está um dia claro, com um
sol jorrando seus raios que são refletidos em toda parte. Como pode, uma cidade
linda, moderna como essa servir de palco para bandidos? Como pode o governo
federal não fazer nada, o governo estadual fechar os olhos e tão pouco o municipal.
Poucos são aqueles que a amam e querem o bem dela. Seria ele o único a pensar
assim? Claro que não. Ramos tem em seu DP os melhores profissionais, homens que
dariam a própria vida em favor da população.
Ele deixou a janela e se sentou. No encosto da cadeira o seu paletó
repousa. Em sua mesa diversas ocorrências, casos em andamento e outros que
ainda não foram solucionados. Damião não sabe por onde começar. Paulo bateu na
porta e a empurrou em seguida.
- Atrapalho?
- Não. O que houve, por que o atraso? – entrelaçou os dedos.
- Tive contratempos, me desculpe, chefe. – se acomodou.
- Antes que eu me esqueça, fez um belo trabalho na operação Boi de
carga, conseguimos desarticular uma quadrilha inteira de uma só vez.
- Valeu! – ruborizou. – senhor, quero iniciar uma nova operação. Veja
esse vídeo.
Damião assistiu ao vídeo com sua expressão mudando a cada segundo. Ele
devolveu o celular ao detetive e depois voltou para a janela. Se Paulo percebeu
o abatimento do chefe? Sim, claro que percebeu.
- Chefe? O senhor está bem?
- Inicie essa operação imediatamente, Alves. – se virou para o policial.
– se eles, presidente, governador não fazem nada para proteger a cidade, nós
faremos. Vamos prender esses vagabundos.
Paulo Alves deixou a sala do
chefe empolgado, mas também bastante intrigado. Nesses quase dois anos
trabalhando no DP ele jamais viu os olhos de Damião faiscarem daquela forma. Um
justiceiro, foi isso que ele viu lá dentro, um homem com sede de justiça.
Determinado a honrar essa vontade de seu superior, Alves ligou o computador e
digitou no Google “ roubo de veículos” logo apareceu diversas páginas falando
sobre o assunto. Vítimas, mortes, números de roubos, depoimentos entre outras
coisas.
- Hora de enjaular esses bichos.
LINHA POLICIAL
Paulo Alves
Depois de assistir exaustivamente a
todos os vídeos sobre roubo de carros e de fazer anotações, Paulo se viu louco
por um café fresco e forte. Ao se levantar, uma breve alongada na lombar e nos
braços. Posicionando o copo na máquina ele voltou a pensar em Mara. O que ela
estaria fazendo nesse momento? Com quem está compartilhando a vida? Por que o
traiu? Ele a amava de verdade e chegou a imaginar constituir uma bela família
com ela, porém ele não sabe se isso também era os planos dela. Pelo visto não.
Ele não foi o bastante para Mara. O copo transbordou. Até nos pensamentos Mara
o atrapalha. Sacanagem.
Após limpar a sujeira Alves voltou para sua mesa que por sinal está uma
bagunça. Ao se acomodar tomando seu café extraforte o celular vibrou entre a
papelada. O nome no visor o fez sobressaltar.
- Mara?
- Oi, amor, posso dar uma passadinha aí?
- Mara, eu estou trabalhando e mais uma coisa, vê se me esquece, acabou,
estou em outra, tenha dignidade, caramba.
- Dúvido você conseguir falar tudo isso pra mim pessoalmente.
- Não me provoque.
- Venha, estou no bar ao lado do departamento.
Paulo enxergou nessa situação a chance de colocar um ponto final nessa
história. Será complicado, mas é preciso resolver. Enquanto sua ex falava com
seu tom de voz meio rouco, Alves sentiu que estava apertando o aparelho de
tanta raiva. A raiva em si não era só por Mara, mas sim pelo fato dele ainda
não conseguir resistir aos encantos dela.
- Tudo bem, Mara, cala a boca. Estou descendo.
*
O rapaz bem vestido deixou a loja de
artigos para o lar segurando duas sacolas. Entrou em seu carro e deu a partida
saindo devagar da área reservada para clientes. Ao pegar a via, outro veículo
deu a partida também.
- Dá hora esse modelo. Peixe vai vibrar. – disse o motorista.
- Deve valer uns vinte mil, ou mais. – completou o outro segurando uma
pistola.
- Eu já estou de olho nesse há dias e hoje ele não me escapa.
- Beleza, vamos esperar um mole dele.
Lá fora o carro visado pelos bandidos sai da principal e entra numa
secundária de baixo movimento. Depois de andar mais trezentos metros o carro de
trás acelerou e ficou lado a lado com ele. O homem armado abaixou o vidro,
apontou a pistola e o rendeu.
- Desce do carro, vamos, vamos.
Nervosa, a vítima abandonou seu bem e correu para a calçada. O vagabundo
o fez voltar simplesmente para agredi-lo com chutes e coronhadas.
- Caraca, deixa o cara, vamos embora. – gritou o motorista.
- Seu merda. – mais um chute. – otário. – entrou no carro roubado e se
foi.
Revoltado, machucado, impotente, assim ficou a vítima sentada na calçada
tentando ligar para a polícia. Moradores daquela rua ao ouvirem a confusão
deixaram suas casas e foram ao encontro do rapaz lhe prestar socorro.
- Meu jovem, você está sangrando na cabeça, venha, entre. – falou um
senhor.
- Essa rua está a cada dia mais perigosa. – comentou outra moradora.
Por fim ele foi atendido.
- Alô, por favor, acabaram de levar meu carro, me bateram, foi aqui na
rua...
Na verdade tudo o que é preciso fazer é simplesmente uma reforma na
segurança pública. Entra governo, sai governo e nada muda, pelo contrário, só
piora. A instituição policial já perdeu sua credibilidade há anos. A corrupção
faz parte e está entranhada dentro dos batalhões. O que mais se ouve falar é de
comandantes envolvidos com traficantes ou chefiando milícias, com isso, toda a
confiança que a população tinha na corporação foi pelo ralo.
Mas nem tudo está perdido, nem todos são corruptos, há sim quem queira
fazer um trabalho sério, honrar seu juramento. Homens como Paulo Alves e chefe
Damião Ramos que amam a polícia e se doam sem medir esforços para o bem de toda
uma cidade. Esses sim são os verdadeiros heróis.
*
Mara, sinônimo de mulher gostosa.
Tudo nela chama atenção. Olhos, boca, pernas, quadril, seios, é difícil não
passar por ela não se excitar. Vestido vermelho um pouco acima dos joelhos e um
decote gritante. Pernas cruzadas e tomando um refrescando suco de abacaxi com
hortelã, essa é a incrível Mara Santos.
- Você precisa entender que eu já estou em outra. – falou mais uma vez
Paulo salivando olhando para a enorme boca da mulher.
- A tal jornalista, qual o nome dela mesmo? – sorveu mais suco com o
canudo.
- Janaína Lopes.
- Eu a vi, bem sem graça ela hein, sou mais eu.
- Você não a conhece, ela é uma mulher maravilhosa...
- Você também falava isso pra mim, principalmente quando fazíamos amor,
lembra?
- Pois é, e mesmo assim você me trocou por outro, eu nem sei porque eu
estou conversando com você aqui. – se levantou.
De maneira proposital Mara esbarrou em seu molho de chaves as jogando no
chão. Educadamente Paulo se abaixou para pegá-las. Na mesma hora Mara descruzou
as pernas. Inevitável. Como se fosse um ímã. Paulo pode conferir as partes
íntimas descobertas da mulher.
- Você não resiste, detetive Paulo Alves, você é como todos os homens.
Gostou?
Paulo ergueu o corpo e deixou o molho em cima da mesa e olhou nos olhos
dela.
- Você não presta, Mara. Não presta nem um pouco. – saiu.
*
Assim que Alves colocou os pés no DP
alguém o informou sobre a solicitação do chefe. Damião mais uma vez se sentiu
desafiado ao saber de mais um roubo de carro em menos de vinte quatro horas
quase que no mesmo lugar. A temperatura subiu e Ramos se encontra pronto para a
guerra se preciso for. Paulo Alves entrou na sala do gigante negro com sua
expressão fechada, como é de costume.
- Alves, quero uma viatura em cada esquina, temos que encurralar esses
vermes até eles saírem dos buracos. – Socou a mesa.
- Calma, chefe, vamos pensar com calma.
Damião ficou com o braço estendido e com a mão aberta durante um tempo.
- Está dizendo que eu não estou
pensando, é isso? – falou com os olhos faiscando.
- Não, eu não quis dizer isso. Eu só quero que o senhor se acalme, tá
bom?
Ramos deu as costas para o investigador e colocou as mãos na cintura e
depois esfregou o rosto. Deve ter contado até dez, pensou Alves.
- Tenho que admitir, você está certo. – se virou ficando de frente. – o
que você tem em mente? – puxou a cadeira e se sentou.
- Fiz um levantamento. Comparei alguns números. Chequei pontos. Estamos
diante de uma quadrilha especializada. Eles querem fortuna e estão conseguindo.
- Houve mais um, agrediram o rapaz. – expirou.
- São os mesmos. É a marca desses vermes, eles não se satisfazem em
somente tomar o seu bem, querem marcar a pessoa.
- Entendi. Bom, o que pensa em fazer, Alves?
- Não será um trabalho fácil, digamos que teremos que caçar quem está na
ponta da linha para capturar o tubarão.
- Tem a minha permissão para seguir com a operação. – se recostou e
esfregou os olhos. – feche a porta quando sair.
Ao ficar novamente sozinho, Damião voltou a socar a mesa. Paulo estava
certo. Policial que troca tiro com bandido é policial burro. É preciso pensar,
fazer uso de inteligência também. Defender o povo dessa cidade, quem disse que
seria coisa fácil? Esse é o preço que se paga quando se tem polícia correndo
nas veias e justiça batendo forte no peito. Ele confia no trabalho do novato,
ele não sabe o porquê, mas algo lhe diz que Alves ainda será um líder e tanto.
*
Os homens de Peixe cautelosamente
abriram o portão para o chegada de mais dois produtos. Armados com fuzis eles
revistaram os dois homens e depois os levaram para o escritório do chefe. Na
chegada mais uma surpresa. Na mesa de vidro vários maços de notas de cem,
cinquenta e vinte reais. Antônio de pé olhava para elas.
- E aí, meus caros, vamos terminar logo com isso, quanto vai me custar
as duas maravilhas lá em baixo?
- Trinta mil, cada. – disso o mais magro e alto.
Peixe cruzou os braços e olhou para Filé.
- Que tal trinta nos dois? – Zombou o braço direito de Peixe. – certo,
chefe?
- Certíssimo, Felipe Chagas. – riu.
- Qual foi, Peixe, você nunca aceita o que a gente pede, assim fica
difícil. – declarou o gordo.
- Você acha mesmo difícil? – saiu de trás da mesa. – vou dizer uma coisa
seu ladrão de merda, tem sorte de eu estar num bom dia hoje senão as coisas
iriam ficar bem ruins para os dois.
- Vamos fazer o seguinte. – tomou a palavra o magro. – aceitamos os
trinta mil nos dois, mas, a partir de hoje não trabalhamos mais para você.
Certo?
Silêncio entre as partes.
- Legal. – Peixe andou até Filé. – vá com eles. – bateu no ombro do
comparsa. – receberão o dinheiro.
Os dois foram levados para os fundos do galpão. Filé conectou o
silenciador na pistola e os matou.
- Ninguém brinca com o Peixe.
LINHA POLICIAL
Paulo Alves
Chegou a hora de atacar, mostrar para
a vagabundagem que a polícia está com os olhos bem abertos. Paulo Alves reuniu
sua equipe na saída do estacionamento do DP para uma última conversa. A ideia é
capturar pelo menos um que faça parte da quadrilha e daí iniciar de fato a
operação. Paulo achou melhor fazer uso das viaturas descaracterizadas.
- Rapazes, não será fácil, eu sei, mas, pior que não fazer nada é ficar
medindo os esforços. Nossa cidade está sendo sitiada e os civis, a população de
bem não tem a quem recorrer a não ser a nós. Vamos dar o nosso melhor e
enjaular esses merdas.
Estaria Damião Ramos certo? Paulo Alves é realmente o líder tão esperado
no meio policial? Apesar de ser ainda jovem na idade e novato na profissão, ele
tem se mostrado um destemido soldado no campo de batalha e isso tem sido
perceptível aos olhos de todos. Essa introdução no estacionamento provou mais
uma vez de que a pessoa não se forma policial na academia, mas sim, se nasce
policial. Um a um os carros foram saindo do DP. Destino traçado, todos focados,
vamos ao combate.
Paulo sempre fez questão de conduzir a viatura. Para ele, um líder, para
ser líder precisa estar a frente em tudo e não só verbalmente. Além do mais,
dirigir para ele nos últimos dias vem sendo uma espécie de terapia. Mulheres,
sempre elas, o motivo maior para que a vida de qualquer homem saia fora do
rumo. Ele ama Janaína e pretende fazer com ela o que não conseguiu com Mara,
construir uma família. Mas para que tudo isso venha se tornar realidade, o
fantasma da ex precisa ser de uma vez por todas extirpado. Vale um telefonema?
Lógico que vale.
Janaína Lopes estava concentrada em sua nova matéria quando o celular
vibrou.
- Oi, amor, como vão as coisas? – Paulo.
- Estou enrolada, mas sempre tenho um tempinho para você. – respondeu
digitando.
- Estou no meio da operação, estamos indo buscar essa casta dentro de
casa.
- Tenha cuidado, essa quadrilha é especializada, não são amadores.
- Também penso assim, vou tentar chegar até o chefe ainda hoje.
- Vish, pelo visto meu detetive predileto vai chegar tarde em casa hoje.
- Acho que sim, por que, você
tinha planos?
- Eu vou fazer uma receita nova que aprendi, mas tudo bem, vou deixar no
forno pra você e por favor.
- Sim?
- Me acorde se eu estiver dormindo, quero transar.
- Ah, quanto a isso você não precisa se preocupar. – risos. – beijo
amor, te amo.
- Eu também te amo meu gato.
Pois é, ao falar com a mulher amada o gás do policial foi renovado. Ele
olhou para o companheiro ao lado que tentava em vão segurar o riso.
- Alguma novidade? – perguntou jogando o aparelho em cima do painel.
- Sim, nos mandaram ir para o próximo bairro, me parece que lá o índice
de roubo é bastante alto.
- Passe um rádio para a equipe 2, mande-os pra lá, nós iremos seguir com
o plano.
- Sim, senhor.
*
O carro da polícia parou enfrente a
uma pequena loja onde há dois veículos a venda. O valor chamou atenção de
Alves. O investigador desceu e andou apressado até um sujeito de mais ou menos
cinquenta anos de idade que varria o estabelecimento no momento. Antes de
entrar, Paulo deu uma olhada nos dois veículos.
- Boa tarde, o valor é esse mesmo? – perguntou Alves.
- Exatamente. – continuou varrendo.
- Rapaz, mas, o valor dos dois, equivale a esse. – bateu no carro
branco. – por que quer se desfazer deles?
- O senhor pode entrar, por favor? – se apoiou na vassoura.
O sinal de alerta de Paulo já foi acionado.
Dentro do estabelecimento há várias coisas a venda, desde discos antigos
até capas de celulares, sem falar da poeira que orbitava no ar pesado. O homem
foi para trás do balcão e se esforçou em se mostrar simpático ao suposto
cliente.
- Agora podemos conversar mais a vontade. O senhor se interessou por
qual deles?
- Bom, na verdade eu me interessei pelos dois e...
- Olha, se o senhor levar os dois eu ainda posso fazer uma pequena
promoção. – sorriu.
- Tá de brincadeira? Vai ficar ainda mais barato? – fingiu estar surpreso.
- Claro. Então, vamos fechar negócio?
Rapidamente Paulo sacou sua pistola. O sujeito ergueu os braços e
arregalou os olhos.
- Que tal você me falar de onde vem esses carros?
- Eles são meus...
- Chega dessa atuação ridícula. – mirou na testa. – então, vai me dizer
de onde vem ou...
- Tá bom, tá bom, vamos conversar.
Paulo Alves o puxou de trás do balcão e o sentou com truculência.
Devagar, mas com detalhes o comerciante foi revelando o esquema. Por precaução,
Alves chamou um de seus homens para guardar a entrada da loja. Foram meia hora
de conversa e no fim o sujeito pareceu arrependido e por que não dizer
temeroso.
- Então o líder do bando é o tal de Peixe?
- Sim! – falou de cabeça baixa. – aí, meu Deus, aonde fui me meter. –
tampou o rosto com às mãos. – ele vai me matar, vai acabar com a minha família.
- Você deveria ter pensado nisso antes de aceitar entrar no jogo. –
despejou outro policial.
- Eu, eu não consigo tirar nem do aluguel o que vendo aqui na loja e do
nada alguém me oferece semanalmente não só o do aluguel, mas o equivale a um
ano de vendas. Eu não pensei duas vezes. Mas agora...
- Pois é. – disse Paulo. – o senhor será levado para o DP, quanto a sua
família vou ver o que posso fazer. Feche a loja. Vamos lá pessoal.
*
Durante a volta para o DP o
comerciante, instigado pelo agente sentado a seu lado, fez mais revelações
sobre o chefe do bando e como funciona o esquema. Na verdade a loja só serve de
fachada e periodicamente Peixe passa por lá para saber como está o andamento
das coisas e é claro deixar o pagamento.
- Ex policial? – Paulo perguntou mais uma vez.
- O senhor promete proteger minha família? – chorou.
- Chico. – falou Alves. – pode deixar comigo, ainda hoje vou enviar uma
patrulha na sua casa. Agora só me diga como funciona a parada.
- Já que o senhor está dizendo. – puxou ar. – vamos lá. O Antônio
Carlos, quero dizer, o Peixe é o mandachuva e ele conta com o apoio do Felipe
Chagas, o Filé, um sujeito cheio de marra, perigoso demais e...
Sorte. Alves sabe muito bem que não basta ser um bom policial, ele
precisa contar com a sorte de vez em quando. Passar por aquela rua e dá de
frente com a loja do seu Francisco, além de ter sido usado o faro de tira,
Paulo teve o auxílio das forças positivas que regem o universo. Assim acredita
ele. O comerciante laranja entregou todo o esquema, mostrou como funciona as
engrenagens.
- Muito bem, seu Chico, não vou prometer, mas vou tentar uma redução de
pena para o senhor. – o carro desceu a rampa do estacionamento do DP.
- Tudo que eu mais quero é me livrar de vez do Peixe. Vou cumprir minha
pena e quando tudo isso acabar, vou voltar para mim terra, viver do plantio. –
desceu algemado.
Francisco foi conduzido por um agente enquanto Paulo pedia a todos que
se juntasse afim dele refazer o plano. O detetive tem algo em mente. Ele sabe
que a essa altura Peixe já deve ter sido informado sobre a ação da polícia. E
ainda há um agravante, Antônio Carlos é um ex agente da lei e sabe quais são os
padrões utilizados. Por isso o cuidado deve ser redobrado.
- Rapazes, o nosso alvo é perigoso e ele conta com ajuda de outro igual
ao pior que ele, então temos que atacar às bases, enfraquecer o sistema. Se
preparem, daqui a meia hora sairemos.
Chefe Damião está no corredor falando
ao celular acompanhado de outro policial apaisana. Mesmo distante é possível
saber que a montanha negra, um dos seus apelidos da época em que atuava nas
ruas, se encontra nervoso. Paulo se aproximou e cumprimentou os colegas.
- É sobre a operação? – perguntou o agente de terno e gravata.
- Sim!
- Acho que você terá um novo membro na equipe. – apontou para Damião que
guardava o aparelho no bolso.
Alves torceu a boca.
- Soube que teve êxito nessa primeira fase, cadê o laranja? Vamos
arrancar mais informações dele.
- Já fizemos isso. Antônio Carlos. Conhece?
Damião apertou os olhos.
- O Peixe? Achei que já estivesse morto. Ele era um péssimo
profissional, um mal exemplo.
- Ele comanda a quadrilha, ele e um tal de Felipe Chagas, Filé.
- Já ouvi falar desse tal Filé. – falou o outro agente. – barra pesada,
matador impiedoso.
- Então, detetive Alves, qual o plano? – Damião cruzou os braços ficando
ainda maior.
- Peixe tem outras bases, vamos ataca-las.
- Um bom plano, enfraquecer o sistema. – falou o engravatado.
- Sairemos daqui a poucos minutos, o senhor vai mesmo compor a equipe?
- Se me aceitarem, é claro. – sorriu. – vai ser bom sair um pouco da
burocracia e viver novas aventuras. Então, detetive Alves, me aceita como
membro de sua equipe?
- Vamos nessa, montanha negra. – se empolgou batendo no braço do chefe.
– opa! Me desculpa, chefe.
*
Se Antônio Carlos achava a vida de
agente da lei algo sem futuro, sem perspectiva, imagina agora atuando contra a
lei. Na época em que defendia as cores do estado, ele não passava de um
soldadinho mequetrefe, mal caráter que vivia abusando das garotas de programa e
extorquindo traficantes. Na verdade, Peixe já era um bandido antes de ingressar
na polícia. Sua adolescência e parte da juventude foram marcadas pelas
badernas, saques e pequenos assaltos. Hoje ele lida com muita grana, algo que
ele sempre almejou. Antônio construiu sutilmente um império onde há homens
trabalhando para ele em toda cidade. Se ele acha tudo isso perigoso? Sim!
Quanto mais poderoso, mas os seus aliados e rivais desejam sua queda e assim
poder assumirem seu trono. Peixe não confia em ninguém e desconfia de todos.
Peixe é tão cismado que ele mesmo se encarrega de fazer a contabilidade.
Desconfiar é pouco. Filé entrou na sala trazendo péssimas notícias.
- Chico caiu. – despejou.
- Merda. – parou de contar. – já deve ter entregado nosso esquema. E a
família dele, já deram jeito?
- Sumiram.
- Eu ainda disse que ele não era de confiança. E as nossas outras bases?
- Reforçamos a segurança.
- A polícia vai cair dentro. Peça a rapaziada que coloque quente pra
cima deles, atirem pra matar mesmo.
- Deixa comigo.
Vida de cão. Vida sem paz. Chegou o momento de lutar pelo que
conquistou. Ele abriu a primeira gaveta e pegou sua arma e a deixou sobre os
maços de dinheiro.
- Venham me pegar, seus vermes.
Linha Policial
Paulo Alves
A polícia entende que precisa dar uma
resposta a sociedade, algo precisa sim ser feito ou toda cidade se transformará
num campo de batalha onde só um lado sairá vencedor. O que esperar das
autoridades que deveriam apoiar esses homens que se arriscam dia após dia para
tentar manter o que restou da cidade? Nada. Eles simplesmente fecham os olhos e
fingem que nada está acontecendo. Ou pior. Para alguns, quanto mais violência
melhor. Quanto mais vagabundo circulando pelas ruas livremente melhor para meia
dúzia de engravatados que lucram com o tráfico e outras ações.
Boa parte da população entende que é fundamental que o estado esteja
presente. O cidadão de bem sabe que mesmo em meio a esse antro de salteadores,
existe gente lutando por eles. Gente como Paulo Alves e sua equipe. Por isso,
nada está perdido, ainda há uma ponta de esperança nos corações. As viaturas
voltaram para as ruas, o plano será seguido a risca. Quando todos estão unidos
e focados, não tem como dar errado. A ordem foi dada, buscar o meliante dentro
de casa. Mais uma vez na condução da viatura, Alves voltou a pensar em Janaína
e Também em Mara. O que ambas devem estar fazendo agora? Pensou.
*
Janaína desceu as escadas do prédio
apressadamente para tentar comer alguma coisa antes de voltar para a redação.
Vinte minutos, foi o que restou do seu almoço. Ela preferiu terminar de editar
o texto de sua matéria do que fazer isso depois do almoço. Já na calçada,
usando uma bermuda jeans e camisa de uma banda de rock internacional e sua
inseparável mochilinha de couro azul, a namorada de Paulo Alves sofreu um
esbarrão que quase a levou ao chão.
- Eita! – disse ela.
- Aí, me perdoa, Janaína Lopes. – desdenhou Mara.
A jornalista olhou fixo aquela deusa em forma de mulher engolindo toda
raiva.
- Ora, ora, se não é a amada, idolatrada, salve, salve, Mara Santos, que
desprazer em vê-la.
- Cruzes!
- Fala logo o que você quer, estou no meu horário de almoço.
- Eu? Nada, só estava passando e...
- Arruma outra por que essa não rola. Eu sei que você vem sondando o
Paulo, querendo saber como estamos, certo? – ajeitou a mochila.
- Imagina. Eu? Sondando o Paulo. Eu tenho mais o que fazer, você não
acha?
Visivelmente irritada, Janaína precisou ficar na ponta dos pés pra
falar.
- Se liga só, ó piranha, esquece o Paulo, ele já te esqueceu faz tempo,
a neguinha aqui fez isso. Graças a Deus estamos muito bem e para matar sua
curiosidade, ele e eu transamos todos os dias, entendeu? TODOS! – saiu andando
deixando a morena com a boca aberta.
- AFF, barraqueira!
*
Paulo Alves jogou o carro na calçada.
Ao ver a movimentação policial o sujeito que estava em pé, parado na porta de
um bar, correu para dentro derrubando às mesas. Alves desceu junto com outros
agentes.
- Vá por trás. – gritou.
As poucas pessoas que ali estavam bebendo foram rendidas e todas
revistadas. Paulo entrou correndo loja a dentro com a arma em punho. Um disparo
quase o acertou.
- Droga. – se abrigou atrás das caixas de cerveja.
Mais tiros. Estilhaços de vidro
voam por todos os lados. Foi preciso deitar-se no chão e revidar.
- Aqui é a polícia, você está cercado. – gritou o detetive.
Agora o atirador pegou pesado. O bandido esqueceu o dedo no gatilho
fazendo da parede, vidraças, garrafas de vinho, uísque, vodca uma chuva
cristalina. Todo vagabundo é burro e Paulo sabe disso. Eles não sabem atirar,
mas ele sim. De maneira inteligente o policial aguardou a munição de seu
oponente acabar para então mandar ver. Alves se baseou mais ou menos de onde
vieram os tiros e disparou contra o balcão de madeira. Dois disparos, não mais
do que isso. O grito gutural do marginal denunciou sua localização e Também o
seu estado.
- Saia com às mãos pra cima, vamos.
Silêncio.
- Não vou repetir.
Um policial que estava nos fundos abriu abruptamente a porta que dá
acesso ao balcão e sinalizou para o líder.
- Esse já era, Paulo.
- E lá fora, como estão as coisas? – colocou a arma no coldre atrás da
calça.
- Dominamos tudo. Me parece que aqui era um tipo de escritório. Segundo
testemunhas, Peixe, a cada quinze dias estava aqui, junto com o Filé, cobrando
e fazendo pagamentos.
- Ótimo. Leve todos para o DP. Quero mais informações.
Dois a zero para a polícia. Mais um elo da corrente da vagabundagem que
foi rompido. Paulo deixou aquele lugar com cinco elementos algemados. O corpo
do bandido morto permaneceu no local até a chegada da defesa civil. Depois de
uma rápida conferida nos documentos do cadáver, Paulo Alves pressupôs de que se
tratava de um dos homens de confiança de Peixe, o qual foi designado a chefiar
aquela região. O corpo foi retirado e junto com seus parceiros de farda, Alves
comemorou mais uma façanha.
- Ainda não ganhamos a guerra, mas, se a cada dia, uma batalha for
ganha, não tenham dúvidas, iremos desarticular a quadrilha do Peixe.
Não adianta dizer o contrário. Quando um agente se encontra focado e
principalmente, determinado, só quem tem a ganhar é a população que aos poucos
vai vendo o índice de roubo de veículos caindo. Paulo, assim como Damião Ramos,
sabem que é o tipo de trabalho que só as formigas fazem. Aos poucos e com a
concentração ligada no máximo. Todos os oficiais envolvidos nessa operação aguardam
o contra ataque que certamente virá. Peixe não vai deixar isso barato, ainda
mais sendo ele um ex policial, conhecedor dos procedimentos.
- Não vamos dar a chance deles se recomporem. Temos que sufoca-los até
eles saírem dos buracos. – disse um agente.
- Vamos nessa então. – Paulo bateu no teto da viatura.
*
Assim que entrou com o carro na
garagem, Alves sentiu o cheiro da comida sendo preparada. Se Paulo é um cara de
sorte? Sim. Janaína além de ser uma mulher carinhosa e dedicada, é também uma
cozinheira de mão cheia. Muito diferente de Mara que conseguia queimar ovo e
miojo. Não importa o cansaço. Uma boa comida faz qualquer um sorrir no final de
um dia agitado.
- Ufa! Consegui chegar cedo.
Janaína estava mexendo a panela quando Paulo a abraçou por trás.
- Já vai ficar pronto.
- Legal. Vou tomar um banho rapidinho.
- Estive com a Mara hoje.
Alves parou no meio do caminho.
- Ela teve coragem de ir até a redação?
- Não. Nos esbarramos na rua. Aquela mulher é louca mesmo. Mas pode
deixar, acho que ela não vai mais atrapalhar a gente. Mandei umas verdades na
fuça dela.
- Que assim seja. – ergueu os braços para o alto.
Janaína saiu de cima de Paulo e rolou para o seu lado da cama. Ambos
estão ofegantes depois de duas horas de sexo intenso. Suada e descabelada, a
jornalista se levantou rapidamente e correu nua até o banheiro.
- Aí, preciso fazer xixi.
- Volta logo. Já estou me animando de novo. – disse Paulo esparramado na
cama.
- Meu Deus, sério, ainda vai querer a segunda? – falou se sentando no
sanitário.
- Lógico. – riu.
O celular vibrou em cima do criado mudo. Era Damião Ramos.
- As ordens, chefe.
- Preciso que vá até a Rua Setembro. Carvalho foi morto. Tudo leva o
crer que foi obra do Peixe. Estarei chegando lá em meia hora.
*
Como não se revoltar ao ver o corpo
de um companheiro crivado de balas e jogado no canto da rua? Como não ficar
consternado ao vislumbrar tal cena? Rapidamente o local foi isolado por fita
amarela com polícias ao redor do cadáver. Paulo Alves abriu caminho entre os
curiosos e ergueu seu distintivo. Sem tocar nas fitas ele passou por entre elas
e caminhou a passos não tão firmes até o corpo. Ele não queria acreditar, mas
seus olhos disseram que sim, era Carvalho, membro de sua equipe na operação.
Soldado dedicado, um bom policial, tinha a confiança de todos, principalmente
do chefe Ramos. Um jovem agente que tinha tudo para crescer na profissão.
- Merda! – disse baixo.
- Pegaram ele numa emboscada. – começou o policial fardado. – Carvalho
estava naquela galeria do outro lado do bairro. Saiu de lá e veio andando, ele
mora aqui próximo.
- É, já estavam de olho nele desde da galeria. Foi o Peixe.
Nesse meio tempo, Damião Ramos desceu da viatura que ele próprio
conduzia acompanhado por outros oficiais. O chefe caminhou de maneira
desastrosa, esbarrando e se desculpando ao mesmo tempo até Alves que ao vê-lo
se sentiu intimidado. O suor grosso que escorre desde a cabeça até o pescoço,
encharca a camisa branca embaixo do paletó.
- Vamos tirar essas pessoas daqui, vamos, pessoal. – disse Ramos em alto
e bom tom.
- Foi uma emboscada, chefe. Um recado. – Paulo engoliu seco ao ver os
olhos de Damião faiscarem.
- Me diga uma coisa que eu ainda não saiba, detetive. – olhou para o
corpo. – qual o próximo passo, Alves?
Paulo Alves sabia que iria sobrar para ele. Chefe Damião Ramos é do tipo
de líder que adora ver seus liderados tomarem iniciativa. Ele gosta de ter ao
lado guerreiros dispostos a tudo. No momento o detetive não sabia o que
responder, mas foi obrigado a retomar o controle da situação. Ramos quer briga.
- Reúna os homens, chefe. Vamos a guerra. – saiu.
Vendo seu novato se afastar, o coração de Damião saltou de orgulho. Ele
se lembrou dos velhos tempos quando era apenas um investigador, sedento por
fazer justiça. O corpo de Carvalho era retirado quando Ramos acionou seus
homens via rádio.
- Atenção. Vamos fechar a cidade. Isso é uma ordem. Prendam Antônio
Carlos o vulgo Peixe.
O rádio foi deixado no banco do motorista. Do outro lado da rua,
encostado em seu próprio veículo, Alves olhava para o chefe.
- Chefe Damião, quero o senhor comigo.
- Às ordens, detetive Alves.
LINHA POLICIAL
Paulo Alves
Quando ainda pertencia o lado da lei,
Antônio Carlos não fazia tanto estardalhaço quando havia uma baixa na
corporação. Ele apenas lamentava e agradecia aos céus por não ter sido ele a
vítima. Para Peixe, a vida de um policial era semelhante a de um mosquito, que
nasce pela manhã e morre ao entardecer. Simples assim. Mas agora que ele se
encontra defendendo a bandeira da criminalidade, o que era comum, passou a não
ter significado algum. Matar ou mandar matar um policial não gera nele
sentimento algum, nem mesmo receio. Ele sabe que assassinar um tira e crime
hediondo e mais do que isso. O batalhão inteiro virá com força total atrás dele
e ele simplesmente segue contando seu dinheiro sujo em seu escritório – eles
que lutem!
Contabilidade feita. Tudo dentro do esperado. Conta bancária cada vez
mais gorda e muitos outros negócios rentáveis para tocar. Peixe deixou o
escritório esfregando às mãos sendo observado por Filé e outros capangas. É
nítida a preocupação no olhar de cada um deles, principalmente de Felipe Chagas
o autor dos disparos que tiraram a vida de Carvalho.
- Tem certeza de que o senhor não quer dar o fora antes que seja tarde?
– Filé coçou a cabeça.
- Absoluta. Eles virão e isso é normal. Temos que pensar da seguinte forma; o que nós faríamos?
- Bom, eu... – disse outro comparsa.
- Exatamente. Reuniria meus melhores homens e iniciaria uma caçada. –
estalou os dedos. – agora já não é mais uma investigação ou operação policial.
Tudo agora é uma questão de honra. Vingança. Aqueles canalhas safados morderam
a isca. Eles estão emocionalmente desestabilizados. Temos que tirar proveito
disso.
- Hum, agora entendi. – disse Filé. – uma guerra. Era tudo o que você
queria.
- Sim. – deu às costas. – temos um bom armamento. Estamos em maior
número, essa briga está no papo.
- Peixe. – Falou Filé sorrindo. – chegou o momento de usarmos aquele
brinquedinho?
- Divirta-se, meu caro.
*
A madrugada demorou a passar e Paulo
aproveitou para arrancar mais informações dos detidos assim como Damião Ramos
também. Na sala de interrogatório ambos apavoram quem se encontra sentado
naquela cadeira fria e algemado a mesa. Ramos é quem mais mete medo com seus
dois metros de altura e pesando três dígitos bem pesados na balança. O detido
não consegue segurar o tremor das pernas assim que o chefe se coloca em pé
atrás dele e para deixar às coisas ainda mais interessantes, Damião repousou
suas enormes mãos em seus ombros com força.
- Isso é tudo que você tem a dizer sobre o Peixe. Não acredito. – piscou
para Paulo no canto da sala de braços cruzados.
- Pode acreditar. Ele quase não aparecia lá na loja e quando aparecia
era só para deixar minha grana e pegar a parte dele. Eu juro.
- Quem jura sempre mente. – retrucou Alves.
- Verdade. – Ramos bateu na mesa. – Peixe deve ter uma base, um
escritório, sei lá, me diga alguma coisa. – disse perto do ouvido do detido.
- Preciso de garantias.
A gargalhada do chefe fez as paredes da sala balançarem, até mesmo Alves
se assustou descruzando os braços.
- Ok, lhe darei garantias. Agora fale tudo o que sabe.
Damião saiu da sala deixando Paulo colhendo às informações. Ele gostaria
de ficar, mas achou melhor que Alves terminasse o serviço, afinal, ele é o
líder em questão. Além do mais, Ramos está curtindo muito esse lance de deixar
um pouco a parte burocrática e assumir o papel de agente que coloca a cara para
bater. Nesse momento ele está nas mãos do novato e isso é muito bom. Com sono e
cansado Damião se serviu de uma xícara de café e caminhou até sua sala. A vida
de um policial é injusta demais, cercada de altos e baixos e quase sempre os
momentos difíceis superam os bons. Ao se jogar na cadeira ele se recorda de
quando ainda era um aspirante, de como era vibrante, empolgado e as vezes
impetuoso. Isso tudo o levou a chefia de polícia. Tal cargo o engessou, o
transformou num burocrata em potencial.
Mas hoje ele tem a chance de mudar. Terá a oportunidade de retornar o
campo de batalha e guerrear como um verdadeiro soldado. Ramos engoliu o café e
se levantou. Saiu de sua sala e esbarrou com Alves no meio do caminho.
- Peixe tem um escritório, fica no centro, podemos cercar o lugar hoje,
antes das seis da manhã.
- Sim. Vou junto. – colocou às mãos na cintura.
- O senhor tem certeza? Me parece cansado.
Ramos sentiu vontade de bocejar, mas se controlou.
- Normal, para quem não prega os olhos a mais de quinze horas.
- Vou reunir os rapazes.
- Eu vou na sala de armas, nada de pistola, eu quero brinquedo grande,
compatível com o meu tamanho. – riu.
*
Mara sente seu corpo sendo invadido
por Paulo enquanto o mesmo diz coisas obscenas ao pé de seu ouvido. A morena se
derrete, o suor se misturando ao do policial naquela cama ardente. A
intensidade das penetradas vão aumentando a deixando sem ar.
- Aí, Paulo! – suspirou.
Paulo Alves a morde nas costas e depois nos ombros e em seguida, de
maneira não tão delicada ele puxa seus cabelos e diz.
- Sua sem vergonha. Foi assim que aconteceu naquele quarto de motel?
Mara despertou do sonho ofegante e com a boca seca. Olhou para o outro
lado do quarto e depois para a janela. Por morar no quinto andar de um prédio
dentro de um condomínio, Mara pode se dar ao luxo de dormir com ela aberta,
principalmente nas noites mais quentes. Pois é, ela deixou Paulo escorrer por entre
os dedos e agora chora amargamente. Está difícil esquecê-lo. Agora ela sabe o
quanto burra ela foi. Trocá-lo por uma aventura que durou duas horas somente.
Foi mais que o suficiente para estragar toda uma vida promissora ao lado dele.
Chorar não vai adiantar nada. O jeito é seguir em frente e colher o que se
plantou.
*
O dia começou a mostrar seus
primeiros faixos de luz e o DP não parou um instante sequer. Faltando poucos
minutos para as seis da manhã as viaturas começaram a sair da garagem. Homens
uniformizados e armados com fuzis e outras automáticas. Acomodado no banco do
carona da terceira viatura e portando uma calibre doze entre as pernas está
Damião tendo como condutor e líder, Alves. Eles conversam, trocam experiência e
traçam planos de como será a abordagem. Tanto Alves quanto Ramos tem a plena
convicção de que haverá uma forte resistência, Peixe não joga limpo, nunca
jogou.
- Acredita que aquele pilantra entregou uma operação que poderia salvar
milhares e milhares de vidas. Na época ele embolsou seiscentos mil reais
limpinhos. Antônio nunca esteve do nosso lado.
- Além de levar companheiros para emboscadas. – completou Paulo.
- Sim. Nada ficou provado, mas está na cara que foi ele o responsável.
Chegou o dia. Demorou, mas a conta chegou. – bateu no cano da arma.
Se as coordenadas estiverem certas, a prisão de Peixe é apenas uma
questão de tempo. Um policial de verdade não se dar ao luxo de relaxar e achar
que tudo está sob controle. Quando isso acontece é certo o fracasso de uma
operação. É evidente que Antônio e seu grupo estejam preparados para o combate
e podem até estar em vantagem no quesito armamento, porém, o que sobra na parte
policial é a vontade e o poder de resistência. Contra isso não há bomba núclear
que posso destruir.
*
A primeira viatura parou e em seguida
às outras. Paulo Alves desceu portando seu fuzil olhando a extensão da rua.
Damião conferiu se tudo estava acontecendo como o planejado.
- Equipe um, dois, três e quatro já estão em suas posições?
- Tudo ok, senhor!
Alves pegou o binóculo em cima do painel do carro e o ajustou. Um
pequeno prédio de cinco andares logo na saída da rua.
- Quero um homem com um fuzil de mira naquele prédio. Precisamos ter
cobertura, senhor. – passou o equipamento para Ramos.
- Beleza. – chamou no rádio mais uma vez. – equipe um na escuta. Vão
para a saída da rua, preciso de um atirador no prédio verde, estão vendo?
- Copiado!
Alves conferiu o horário. Seis e trinta e cinco. Uma boa hora para
iniciar uma guerra. Lado a lado, chefe Damião e investigador Paulo Alves,
juntos caminhando rua acima.
LINHA POLICIAL
- Paulo Alves –
Final
Peixe sabe muito bem que estará
cometendo uma loucura enfrentando a polícia de igual para igual. Ele também
sabe das terríveis consequências que isso pode acarretar. Mesmo ciente de tudo
isso, ele se prepara. Mandou que seus homens ficassem em suas posições e que
abrissem fogo contra os agentes assim que aparecessem. Filé, seu braço direito
ficou responsável por dar cobertura para o bando utilizando a Ponto trinta que
ficará no ponto mais alto do galpão. Peixe por sua vez fará uso de um fuzil com
mira. Nada como um confronto para por em prática aquilo que aprendeu na época
em que defendia as cores do estado. Antônio Carlos sempre foi um bom atirador,
o melhor de seu grupo.
Um dos soldados de Peixe que se encontra do lado de fora do galpão
chamou no rádio anunciando a chegada da polícia. Imediatamente Peixe e os
outros verificaram suas armas e as destravaram. Filé segue com a mão no gatilho
da ponto trinta e mastigando uma goma de mascar. A potente arma foi
minuciosamente posicionada para não deixar que os homens da lei invadam o
lugar. Na época da compra do equipamento, Felipe foi contra, a ponto de
questionar seu chefe pela aquisição.
- Pra mim foi dinheiro jogado fora. – disse olhando para a máquina de
guerra.
- Filé, meu querido, somos o vilões aqui. Conheço as entranhas da
polícia, sei do que aqueles vermes são capaz. Um dia a casa vai cair e quando
isso acontecer, ela será nossa principal defesa. Pense.
Só o tempo para mostrar quem estava certo e quem estava equivocado.
Observando a movimentação policial usando binóculos, Filé consegue dar razão ao
seu líder. O rádio chama.
- Filé na escuta.
- Vê alguma coisa? – perguntou Peixe.
- Sim. Muitos carros e também uma montanha usando terno e gravata.
Silêncio.
- Montanha usando terno e gravata? Que merda é essa?
- Exatamente, chefe, um baita negão portando uma calibre doze cromada,
uma lindeza de arma.
Dentro do escritório Antônio balbuciou deixando o rádio sobre a mesa.
- Chefe Damião Ramos. – engoliu seco.
Antônio e Damião. Velhos conhecidos. Fazia tempo que Peixe não ouvia
falar do Montanha gigante, porém Antônio conhece muito bem sua reputação. Pois
é, logo com quem ele foi arrumar encrenca. Tarde demais para bater em retirado.
Peixe olhou para sua arma quando uma nuvem negra se apossou de seu rosto. Hora
de por fim na trajetória do chefão da polícia.
- Filé, você me ouve? – pegou o rádio abruptamente.
- Em alto e bom som.
- Quando tiver a chance não hesite em atirar contra essa montanha
gigante, ok?
- Não precisa me pedir duas vezes. – cuspiu a goma de mascar.
*
Agora os dois agentes se encontram
cada um de um lado do portão. Damião na esquerda e Paulo na direita. Faz
silêncio lá dentro e isso não é nada bom. Paz e tranquilidade são palavras que
não existem no dicionário policial, toda paz precede uma tempestade e toda
tranquilidade um desfecho trágico. Os inimigos estão lá e podem ser sentidos,
mas exatamente aonde estão? Pelo rádio Alves acionou o atirador posicionado no
prédio no início da rua.
- Vê alguma movimentação?
- Negativo, senhor.
Sem emitir som Damião se comunicou com Paulo.
- É uma armadilha.
Todos os envolvidos nessa operação sabem que se trata de uma emboscada,
por isso todo o cuidado é pouco, ter baixas não está nos planos de nenhum dos
dois, principalmente nos de Paulo Alves. A grande questão é; o galpão precisa
ser sondado e para que isso aconteça ele precisa ser invadido. Se é seguro
fazer tal coisa? Lógico que não, nem mesmo é inteligente fazer tal coisa, porém
algo precisa ser feito. Peixe está lá dentro, e trama algo. Ele por si só já é
uma ameaça, agora imagine acompanhado e muito bem armado? Nessas horas não se é
permitido pensar, mas sim agir. Alves fez um gesto rápido autorizando a invasão
do lugar.
- A hora é essa, rapaziada. – sussurrou.
*
O que é a intuição policial. Antônio
se encontra fora da polícia faz alguns anos, porém o seu faro de tira continua
aguçado. Não foi preciso ver, mas sentir quando seus ex colegas estavam prontos
para invadir. Ele acionou Filé que abriu fogo. A ponto trinta não tem o poder
de fogo da ponto cinquenta, mas ainda assim é uma baita arma letal que não
deveria estar em poder de pessoas como Felipe Chagas. A primeira rajada deixou
os agentes em pânico. Tudo não passou de um tiro de alerta, demonstração de
poder, agora a brincadeira será pra valer. Filé girou a arma e disparou contra
as viaturas paradas na calçada. Os moradores do lugar fecharam suas portas e
janelas enquanto os carros eram metralhados.
- Mais que merda. – falou Damião deitado no asfalto. – ninguém de pé,
ouviram?
Filé girou a arma para o lado esquerdo onde havia alguns polícias
abrigados atrás das árvores e postes. Dedo no gatilho e bala voando. Os agentes
mal podiam respirar. Alves chamou o atirador via rádio.
- Consegue ver o atirador?
- Ainda não, mas deduzo.
- Compartilhe.
- Ele deve estar na parte alta do galpão, lado direito, coberto por
madeira e folhas de zinco. Estou ao seu comando.
- Fogo nesse merda.
Mira ajustada. Respiração zerada. O gatilho vai sendo esmagado aos
poucos até que o dispositivo liberou a bala que atingiu Filé no ombro. Do lugar
onde Peixe estava foi possível ver a poeira rosada saindo do ombro de seu
assecla que não conseguindo sustentar o próprio peso e caiu se arrebentando no
chão. A queda lhe rendeu uma das pernas quebrada. Da cintura Filé sacou sua
pistola voltando a ser uma ameaça aos agentes. Lá fora Paulo e Damião seguem
firmes na invasão ao galpão. Antônio resolveu revidar ao ataque disparando duas
vezes contra o portão de entrada.
- Vamos precisar de um blindado, eles estão usando artilharia pesada. –
falou um policial abaixado.
- Também pensei nessa possibilidade, mas eu acho iremos perder tempo. –
respondeu Alves sob mais um disparo.
- Alves. – disse Ramos. – estamos numa guerra, Antônio se preparou para
isso, vamos atacar.
Ele não deixa de estar certo, pensou Paulo.
- Tem razão. – chamou o atirador no rádio. – atenção atirador, nos dê
cobertura, vamos invadir agora.
- Positivo, senhor.
*
Atiradores um, dois e três dão
cobertura ao grupo que simultaneamente invadem o galpão. Chuva de disparos,
gritaria e ordens de rendição. Os homens de Peixe vão caindo feito moscas com o
efeito do inseticida. Damião correu para se proteger atrás das caixas e quase
foi atingido por Filé. O chefe de polícia revidou o ataque, mas sem sucesso. Do
alto, Peixe tem uma visão privilegiada. Basta somente mirar e puxar o gatilho e
pronto, mais um policial no chão. A cada corpo que cai uma comemoração.
- Venham me pegar. – gritou. – conte seus mortos.
Filé se arrastou até próximo dos carros. Sangrando e sentindo fortes
dores ele não desiste de defender seu grupo. Ele viu um policial vindo em sua
direção, por isso se antecipou atirando e o acertando no peito. Paulo Alves viu
quando seu companheiro foi atingido e isso entregou a localização de Filé. Alves
correu agachado entre os veículos e caixas e viu Felipe deitado segurando o
ferimento da bala.
- Solte a arma, você está preso.
Não dando ouvidos ao comando policial, Filé apontou para Alves, mas foi
alvejado por Damião que estava do outro lado.
- Não tive escolha. – explicou o chefe.
- Relaxa. Acho que esse era o tal de Filé. Peixe está escondido em algum
lugar lá em cima.
- Ele atira bem, estamos vulneráveis aqui em baixo. – recarregou a
calibre doze.
- O jeito é sufoca-lo até ele sair.
E assim foi feito. Chumbo grosso pra cima de Antônio que não pode nem
respirar, falar ou pensar. Ele, como um ex policial sabe bem o que é ficar
encurralado em meio ao fogo cruzado. Nesses casos o melhor a se fazer é manter
a calma e esperar. Escondido atrás de sua mesa ele aguarda até que os disparos
cessem e ele possa revidar. Enquanto isso ele tenta refazer o plano
mentalmente. Não há muito o que fazer. A fuga seria sua melhor opção. Um tiro
explodiu um quadro de moldura de vidro o assustando.
- Droga, logo nesse quadro.
Peixe se recorda de que na parte dos fundos do galpão há um carro
estrategicamente posicionado para fuga nesses casos extremos. Mas ele também
lembrou que a essa altura todo o quarteirão foi tomado por agentes e que
possivelmente estão sob ordens de Damião Ramos para atirarem. O melhor a se
fazer é ficar e manter a resistência. Antônio pensou em Filé. Estaria ele
morto? Ou ferido em posse dos vermes de farda? Por que ele ainda não subiu aqui
para me dar suporte?
Os tiros pararam. Arrastejando
até o ponto onde estava, Peixe utilizou a mira do fuzil para averiguar.
Lá embaixo ele viu Damião recarregando sua doze. Os miseráveis não desistem,
pensou. A melhor defesa é o ataque. O chefe Ramos não está em sua linha de tiro
perfeita, mas vale a pena arriscar. Ele mirou e disparou. Damião rodopiou
deixando cair sua arma alarmando a todos. Alves imediatamente o puxou para um
abrigo.
- Fique calmo, chefe.
- Droga. – disse olhando o ferimento na clavícula direita. – ele ainda
está vivo. Subam e arranquem o Peixe de lá. – berrou.
Paulo Alves entendeu a ordem, assim como os outros. Damião era socorrido
quando o novato avançava em direção ao andar. Do alto mais tiros. Peixe sabe
que é jogada perdida, mas o que vale e cair atirando. Alves alcançou as escadas
e pediu cobertura. Finalmente a porta de entrada. Por descuido Peixe a esqueceu
entreaberta. Alves deu um tempo e nesse curto período os tiros pararam outra
vez. Para não ser surpreendido Paulo se agachou. De repente o vidro da porta
explodiu cobrindo Alves de estilhaços.
- Sua mãezinha não lhe ensinou a bater antes de entrar, policial. –
atirou outra vez.
- Abaixe a arma, Peixe, você perdeu.
- Não estou afim. – disparou.
- Você está sozinho, cara, não seja burro. – atirou de volta.
- Pelo visto você é novo nessa maldita profissão. Eu já estive do seu
lado, meu caro e tudo o que consegui foi desprezo e humilhação. Agora chegou a
minha vez. – atirou duas vezes. – sabe aquele idiota lá embaixo, Damião Ramos,
pois bem, ele sempre gostou de fazer justiça aonde não cabia justiça, sempre
arruinou meus planos e quando finalmente ele atingiu seu objetivo, ele
simplesmente me ignorou, ignorou a todos.
- Isso ficou no passado. Você ainda tem a chance de se redimir. Pense.
- Você é mesmo muito bobo, oficial... Qual o seu nome?
- Alves, Paulo Alves.
- Esqueça essa ideia de ser o paladino da justiça. Ser policial hoje em
dia é sinônimo de bandido vestindo uma farda do estado.
Paulo já estava de saco cheio de ficar ali abaixado ouvindo as asneiras
de Peixe. Chega de justificativas. Antônio Carlos está errado e cometeu erros
contra toda uma cidade. Ele precisa pagar. Alves se levantou e pulou para
dentro rolando para trás do armário. Peixe atirou várias vezes. A intenção de
Paulo é prendê-lo, pelo visto isso não será possível. Ele ajustou sua arma para
o automático e saiu do abrigo surpreendendo o bandido que foi atingido várias
vezes até cair.
- A justiça sou eu.
Peixe não morreu, mas está gravemente ferido, por isso Alves correu até
a janela com cuidado e solicitou uma ambulância.
- Rápido. – gritou.
*
No dia seguinte, no hospital, Paulo
entrou na enfermaria em busca do quarto onde chefe Damião se encontra se
recuperando. A seu lado Janaína, muito falante pra variar. Finalmente o quarto
508. Paulo agradeceu aos céus pois já não aguentava mais ouvir Janaína falar
sobre suas dificuldades na redação do jornal.
- Olha ele ali, não falei que ele era enorme.
- Estou nervosa, sempre ouvi falar do chefe Ramos, mas nunca o vi
pessoalmente. Posso fazer uma exclusiva com ele? – se empolgou.
- Melhor não, estamos dentro de uma hospital. Sossega.
Damião se sentiu pai de um filho que orgulhosamente leva a namorada para
conhecer a família.
- Ora, ora se não é a famosa Janaína Lopes, gosto de ler suas matérias.
- Obrigada, chefe, podemos marcar uma entrevista?
Paulo a beliscou.
- Qual o problema, Alves? – sorriu para Janaína. – será um prazer,
querida.
- Aí, obrigada, vou deixar vocês a vontade. – bateu palminhas de leve.
Assim que a jornalista se afastou Damião desfez o sorriso e olhou para
Paulo.
- E o Peixe?
- Ainda em estado grave, mas vai sobreviver.
- Preciso dele vivo. Ele precisa pagar pelos pecados cometidos contra a
nossa farda, Alves. Entendeu?
- Perfeitamente, chefe.
- Outra coisa. – engoliu seco antes de prosseguir. – você é o orgulho da
corporação. O novato Paulo Alves ficou no passado. Eu me vejo em você, pilhado,
sedento por fazer seu trabalho bem feito, você verdadeiramente honra o
distintivo. Parabéns, meu líder. – riu.
- Eu, seu líder? Eu quem agradeço por me deixar fazer parte desse grupo.
Damião enxugou às lágrimas e completou.
- Romão Félix, quero que fique de olho nele. Acho que tem tráfico de
drogas na jogada.
- Pode deixar comigo, senhor.
- Conto com você. FIM