Um conto policial com Luís Souza
1
Marcelo
Duarte leva uma surra cada vez que ele chega para colocar o carro na
garagem de sua casa. Depois de alguns minutos tentando, por fim ele
consegue. O dia foi longo. O dia a dia de um policial tem seus altos
e baixos. Viver sempre na linha de frente é algo que poucos são
capazes de encarar. Duarte é um desses agentes que se arriscam para
proteger o cidadão de bem. Negro e de boa aparência, Marcelo tem
orgulho de sua profissão e não se imagina sendo outra coisa na
vida.
Subindo
as escadas que dá acesso à porta da frente, o policial estranha o
silêncio e também a escuridão em que se encontra sua casa. Ele
estranha por que sua esposa Sara jamais sairia sem antes o avisar.
Mesmo desconfiado o agente tira a mochila das costas para pegar a
chave que está no bolso. Ele abre a porta e a sala está num breu
total. Tateando ele encontra o interruptor e quando a lâmpada lança
sua luz, Sara e Júnior deixam o esconderijo cantando “parabéns
pra você”
-
Nossa, dessa vez vocês me pegaram. - diz sem graça.
-
Feliz aniversário papai. - pula nos braços do pai.
-
Boa noite filho, você está pesado hein.
-
Feliz aniversário meu amor. - beija o esposo.
-
Obrigado, com a correria de hoje, até havia me esquecido.
-
Vamos para cozinha, temos salada, frango assado e um bolo que o
Júnior fez.
-
O que, meu garotinho fez um bolo? - pega o garoto no colo.
-
Sim, de chocolate, como o senhor gosta.
Sara
em fim consegue fazer Marcelo Júnior dormir. Duarte confere algo na
internet quando sua bela esposa passa chamando sua atenção.
-
Vem logo, estou subindo pelas paredes.
-
Sério, a festa ainda não acabou?
-
Claro que não, ela está apenas começando, garotão.
Mais
tarde, esgotados pelas horas de sexo intenso, o casal Duarte conversa
jogados na cama sobre um assunto que incomoda um pouco o policial.
Marcelo não quer mais ter filhos, para ele, um só está de bom
tamanho.
-
Mas amor, pense, será que Marcelinho vai entender o fato de ser
sozinho?
-
Espero que ele entende que o pai dele rala muito para manter os
estudos, a roupa que ele usa a comida que ele come e muito mais.
-
Marcelo, é claro que ele não vai entender, ele é apenas uma
criança, só tem cinco anos.
-
As coisas precisam melhorar, Sara, colocar mais um filho no mundo
será mais uma responsabilidade.
-
E se eu começar a trabalhar?
-
Esquece esse assunto. - se levanta. - mulher minha não trabalha, eu
me arrebento todo, mas, definitivamente isso está fora de questão.
-
Nossa, falou o policial durão Duarte, que machismo. - gesticula.
2
Cadeia
é coisa para animal. Pra falar a verdade, nem animal merece viver
num lugar como esse. As celas estão hiperlotadas. Não há higiene.
Não há ventilação que dê vazão. Os presos estão a beira de uma
rebelião caso nada seja feito pelas autoridades. No meio desse
inferno de homens que se aglomeram existe um que sorrir de orelha a
orelha. Alan Silva, o assassino. Enquanto seus companheiros dão voz
de ordem batendo nas grades, ele se limita a ficar em pé no canto,
observando a calamidade. Um dos lideres da cela ao ver a calma do
assassino, grita.
-
Junte-se a nós, Alan.
Ele
apenas gesticula dizendo que não. Tudo isso tem um motivo. Alan vai
ganhar a liberdade em questão de horas depois de seis anos
trancafiado nesse esgoto. Ele precisa sair bem dessa. Ele não pode
morrer caso haja uma rebelião. Alan ganhou o respeito de todos ali
devido ao seu aspecto. Baixo, careca e de grandes olhos verdes. Ele
assusta realmente. Assim que chegou na cadeia ele quase matou um
preso de tanta pancada com as próprias mãos. Com isso ele
conquistou o repeito e o temor da galera. Como assassino, Alan tem
inúmeros crimes em seu curriculum. Ele mata pelo prazer de matar.
Ele adorar ver sua vítima lutando contra a morte certa. Alan é
sujo, covarde, um ser digno do inferno. Daqui a pouco ele ganhará a
liberdade. O monstro estará de volta as ruas para destruir vidas e
retalhá-las.
Duas
horas depois o advogado de Alan chega a penitenciaria com os papéis.
Sorridente por ter feito seu trabalho, o sujeito encara os agentes
penitenciários homem a homem.
-
Quero ver o meu cliente.
-
É complicado. - comenta um agente. - a polícia prende esses merdas
e ai vem um outro merda e o solta.
-
Como disse? Vou iniciar uma ação contra você seu idiota.
O
doutor é conduzido pelos corredores úmidos e estreitos até chegar
onde seu cliente mais ilustre se encontra algemado.
-
Quem fez isso, tire as algemas dele, por favor.
-
Não posso, ordens da direção.
-
Tudo bem, doutor. - diz Alan de cabeça baixa. - podemos andar logo
isso?
3
O
sol forte cozinha os miolos, mas Souza continua com a pesca. Ele já
perdeu a noção do tempo em que está sentado na beira do rio com
sua vara sem pegar nada. Para distrair ele abre mais uma lata de
cerveja.
-
Até agora nada, Luís? - pergunta o velho a seu lado.
-
Acho que os peixes estão de férias também.
-
Acho melhor você tentar lá do outro lado. - se abana com o chapéu
de palha.
-
Eu acho melhor eu voltar para o meu quarto antes que o sol termine de
derreter meu cérebro.
O
velho de poucos dentes sorrir quando sua vara é puxada.
-
Opa! Acho que o problema é com você cara.
-
Acabei de crer.
Souza
está de férias. Pelo menos por quinze dias ele estará fora do
departamento. Coisa difícil é tirar o departamento de policial de
dentro dele. De volta ao quarto do hotel ele faz uma ligação para
Márcia que assumiu seu lugar.
-
Não consegui pescar uma sardinha se quer.
-
Acho que você como pescador é um bom policial, Souza.
-
Como vão as coisas por ai? - se joga no sofá.
-
Tudo tranquilo, aquela rotina de sempre. - Márcia olha pela janela.
- Souza, relaxa, não precisa se preocupar, curta as férias e deixe
que eu resolvo tudo por aqui.
-
Você é a melhor assistente que já tive. - brinca.
-
Olha que eu acredito hein.
Tirar
férias sozinho é bom e ruim ao mesmo tempo. Claro que Luís
gostaria de estar junto com Suzana e Jéferson. Certamente ele
ensinaria seu filho como pescar enquanto que sua esposa ficaria no
quarto lendo um bom livro. As férias renderiam mais. Todas as noites
eles jantariam num restaurante diferente escolhido por Suzana, é
claro. Quando se estar sozinho você tem mais liberdade e só. Souza
sente falta deles e isso machuca bastante.
Para
distrair, o detetive resolve tomar um banho e descer para mais
algumas cervejas no bar do hotel. Como de praxe ele se senta no banco
do balcão e fica ali olhando o movimento do luxuoso hotel a beira
mar. O agente pede mais uma latinha quando uma linda morena cor de
jambo encosta no balcão já fazendo seu pedido.
-
Um suco por favor.
Ela
é demais, alta, cabelos cacheados e olhos negros. Cheirosa e dona de
um corpo impressionante. Souza deixa de lado sua cerveja para
apreciar aquela paisagem digna dos deuses. Ela percebe os olhares do
policial que intensifica a paquera. O suco chega e a morena continua
ali, no balcão a alguns centímetros de seu paquerador. Para não
perdê-la de vista, Souza aguça sua audição quando ela diz o
número do quarto.
-
Quarto 412, por favor.
Luís
está no 414. Mais uma vez ela cruza olhares com ele que joga todo o
seu charme pra cima dela que retribui com um sorriso pra lá de
iluminado. Muito sem jeito ela termina o suco e sobe. Em seguida
Souza pede sua comanda e sobe também. Mais tarde eles se esbarram no
elevador. O detetive cria coragem para dizer um “oi”.
-
Tirando férias ou a trabalho? - ele pergunta.
-
Um pouco de cada, e você? - o elevador chega.
-
Eu estou curtindo. - eles entram. - me chamo Luís.
-
Clara, prazer.
Eles
ficam em silêncio.
-
Eu estou trabalhando duro em minha monografia. - ela começa.
-
Nossa, isso deve ser muito chato.
-
Se é, vou me formar em publicidade, eu precisava ficar num lugar
tranquilo, então resolvi vir para a costa.
Eles
saem do elevador e continuam a conversa.
-
Bom, desejo sucesso em sua carreira. Se eu puder ajudar eu estou no
414.
-
Obrigado, Luís, prazer em conhecê-lo.
4
A
liberdade é algo valioso para qualquer homem. Depois de seis anos
trancado naquele chiqueiro humano, Alan está nas ruas novamente. De
calça jeans e casaco preto com o capuz cobrindo sua careca, ele
caminha com as mãos enterradas nos bolsos do casaco olhando cada
pessoa que passa por ele. Realmente seu aspecto causa estranheza em
quem passa. Seus olhos verdes transmitem pânico e ele sabe disso.
Sem dinheiro e sem ter para onde ir, Alan precisa colocar seu plano
em ação. A cadeia não o recuperou. Pelo contrário, ajudou a
nutrir o desejo de vingança guardado dentro dele.
A
última vez em que ele cometeu um crime foi um prato cheio para um
psicopata como ele. Sua vítima foi uma mulher, linda, maravilhosa.
Alan a desejou assim que seus olhos bateram nela. Era quase noite e
ela certamente estava vindo do trabalho. Como um animal enfurecido
Alan a seguiu até descobrir onde ela morava. A moça branca de
quadris largos morava numa casa simples num bairro de classe média.
Só de lembrar ele saliva. É um assassino contumaz. No momento da
abordagem logo pela manhã quando ela fazia sua caminhada, sua faca
fria encostou no abdome da mulher que não teve poder de reação.
-
Sem fazer escândalo, venha comigo.
-
Por favor, não!
Alan
a forçou a andar de mãos dadas com ele até seu destino final. O
beco para onde ele a levou costumava ficar deserto as sete da manhã.
Local ideal para um monstro cometer suas atrocidades. A vítima só
sabia chorar e engolir seco. Seu maior medo sempre foi ser
violentada, penetrada por um doente do inferno como Alan Silva. E foi
bem ali, naquele beco sujo, com uma faca na garganta que ela foi
estuprada e morta. Enquanto executava tamanha barbaridade, ele sorria
e exibia seu olhar de satisfação para ela. Depois que ejaculou,
Alan cortou lentamente seu pescoço deixando seu corpo ali mesmo em
meio ao sangue fresco.
Era
noite do mesmo dia e Alan já estava louco de vontade de matar. Ele
saía de uma galeria quando um policial negro o abordou apontando sua
arma.
-
Você está preso, Alan, venha comigo.
Tal
policial é conhecido pelos seus métodos nada profissionais de
arrancar confissões. Seu companheiro enquanto dirigia a viatura
ouvia os pedidos de Alan.
-
Pelo amor de Deus, pare.
-
Duarte, acho que ele vai nos mostrar onde ele estuprou e matou a
mulher hoje de manhã, não vai? - olha pelo espelho interno Duarte
torturando Alan que berra.
-
Ele é durão, me passe esse outro alicate.
Alan
os levou até o beco. Duarte se controlava para não atirar na cabeça
do miserável. Ainda com o alicate na mão Marcelo olhava para o
local ainda com as manchas de sangue e imaginou o sofrimento da
vítima.
-
Eu poderia acabar com você agora mesmo, você sabe disso, não sabe?
- olha nos olhos de Alan. - vou quebrar seu galho, vou deixar que os
seus parceiros de cela façam isso por mim. Andando.
Isso
foi a seis anos. Seis miseráveis anos guardando dentro dele a
vontade de acabar com Duarte. Foi esse sentimento que o manteve vivo.
E agora que ele ganhou a liberdade, nada melhor que caçar o
desgraçado e matá-lo. O assassino agora se mistura entre os civis
de bem com o coração cheio das piores maldades que possam existir.
Alan Silva, o inimigo do estado, um perigo para a sociedade, solto
nas ruas. Verdadeiramente um país da impunidade.
5
Antes
de voltar para o trabalho, Duarte acorda bem cedo para colocar o lixo
na caçamba e passar na padaria. Ao voltar para casa, antes de abrir
o portão ele para e olha para os dois lados da rua. Algo ou alguém
o observe, isso ele sente no ar. Uma senhora que faz sua caminhada
passa vagarosamente e o cumprimenta.
-
Bom dia senhor Marcelo.
-
Bom dia dona Tereza.
Ele
mal olha para a mulher. Seus olhos se fixam nas Árvores que enfeitam
a calçada. Com certeza tem alguém entre elas o observando. Logo
hoje que ele deixou sua arma dentro de casa. Quando ele entra, lá
fora uma sombra se move atrás da amendoeira. Já dentro de casa Sara
prepara o café quando seu marido aparece com os olhos arregalados.
-
O que foi, viu um fantasma?
-
Sabe quando você tem a sensação de que estão te observando?
-
Sim!
-
Acho que tinha alguém entre as árvores da calçada.
Sara
termina de passar o café.
-
Então, pensou no assunto?
-
Que assunto? - se senta e abre o jornal.
-
Meu Deus, será que já esqueceu?
-
Meu amor, vamos dar esse assunto por encerrado por enquanto, tudo
bem?
-
Diga isso ao seu filho.
Lá
fora Alan continua a olhar para a casa de Duarte. Descobrir onde seu
inimigo mora não foi tão difícil. Agora ele sabe que Marcelo tem
uma família. Alias uma bela família. A esposa é deliciosa, seria
um desperdício somente matá-la. Já o garoto seria uma novidade,
ele jamais matou uma criança, mas não custa tentar. O portão da
casa dos Duarte abre e Alan acompanha a manobra desajeitada que o
policial faz com o carro. Sara fica no portão por alguns instantes o
suficiente para o assassino salivar de desejo. Hora de começar com a
festa.
Souza
está no quarto, deitado na cama quase dormindo quando tocam na
porta. Hesitante em se levantar o detetive rola de um lado para outro
até criar coragem para se levantar. Pronto, resta apenas caminhar
até a porta e abri-la. Mais um toque na porta e a voz serena de
Clara faz o desanimo do policial desaparecer.
-
Opa, já vai.
Antes
da porta ser aberta o perfuma suave da morena já invadia o quarto.
Souza contempla aquela maravilha negra a sua frente com um sorriso
brilhante. Ela é uma gata.
-
Oi, desculpa o incomodo, é que você se ofereceu para me ajudar com
a monografia, então achei…
-
Sim, veio ao lugar certo.
Luís
Souza passou duas maravilhosas horas ao lado da morena que se sentia
bem em estar ali. Souza esclareceu muita coisa e agora o trabalho
está praticamente pronto.
-
Nossa, você é muito bom mesmo. - diz fechando o notebook.
-
Nem tanto. - sorrir sem graça.
-
Como posso lhe pagar pela ajuda? - coloca o aparelho dentro da bolsa.
-
Aqui perto tem uma petiscaria ótima, você aceitando em jantar
comigo hoje a noite já está de bom tamanho.
Clara
rir não acreditando. Foi isso mesmo que ela ouviu? Depois de sair de
um relacionamento conturbado ela volta a ouvir um convite de um
homem? Ela aceita. Clara resolve dar um crédito ao homem de sorriso
fácil a sua frente.
-
Que horas?
-
As vinte, o que acha?
-
Ótimo!
Marcelinho
joga videogame na sala enquanto que Sara lava a louça do café
quando a campainha toca.
-
Droga! - enxuga as mãos.
Ela
atravessa o jardim dando saltinhos pois está sem as sandálias. Abre
o portão e um sujeito baixo, careca de olhos verdes aparece
segurando uma maleta.
-
Oi, tem algo que eu possa consertar?
7
Ser
um bom policial não significa ser um bom motorista. Duarte toma uma
coça toda vez que precisa guardar o carro na garagem. Ele passou o
dia inteiro envolvido com depoimentos demorados e conversas com seus
superiores. Além disso sua cabeça também girava a mil por hora com
o fato de ter mais um filho. Isso sim vem lhe tirando o sono. O dia
passou e ele tomou uma decisão. Não passaria de hoje. Ele faria
amor com Sara e a engravidaria. O agente sai da garagem assoviando
uma canção. A princípio ele não estranha o silêncio. Enfia a
chave na fechadura e a gira.
-
Cheguei pessoal!
Orientado
por Sara, Duarte sempre limpa os sapatos no tapete antes de entrar. O
silêncio é sepulcral. A essa hora já era possível ouvir o barulho
de Marcelinho jogando e sentir o cheiro maravilhoso do refogado. Nada
disso acontece.
-
Pessoal, já chega de sustos, certo?
Na
cozinha tudo em ordem. Há uma mistura de sentimentos dentro de
Marcelo. No fogão não há panelas e na mesa somente a jarra com as
flores. Ele vai ao banheiro e nada, tudo normal. Passa pela área de
serviço e o cesto de roupa transborda. Mais estranho ainda, Sara
jamais deixaria esse monte de roupa acumulando ali. O coração
começa a acelerar quando ele ganha a sala de visitas e há uma gota
de sangue na mesa. Ele vai em direção ao quarto de Júnior e o
cômodo se encontra vazio. Com as pernas tremendo ele abre a porta do
seu quarto e ambos se encontram deitados com suas expressões mais
serenas do que manequins de lojas.
-
Gente, isso já foi longe demais não acham, já chega de pegadinhas.
Duarte
acende a luz e Sara e Marcelinho não se movem. Ele anda até próximo
da cama tirando o paletó e o joga ao lado do filho.
-
Vamos lá pessoal. Acabou.
-
Acabou nada, está apenas começando. - diz Alan na porta do quarto
apontando uma pistola com um silenciador.
Por
fora Souza se mostra um homem fino e educado, mas por dentro ele
explode de paixão. Com Clara não é muito diferente. Ela tirou
sorte grande em conhecer um sujeito como Luís. Ela se cansou de
homens que se aproximavam dela querendo apenas uma noite de sexo. Seu
último relacionamento acabou por que a pessoa não se importava com
seus sentimentos e sequer se preocupava com o futuro dos dois. Assim
que rompeu com seu ex, Clara prometeu que daria um tempo e se
dedicaria aos estudos. Até se esbarrar com o detetive.
-
Então você é policial?
-
Sim, chefio um departamento lá na cidade. - belisca a comida.
-
Deve ser uma loucura, correr atrás de bandido.
-
Já me acostumei.
-
Você tem família?
-
Meu pai e minha mãe moram no interior…
-
Não, Luís. - risos. - quero saber se você tem família.
Souza
ri da pergunta.
-
Já tive, agora estou divorciado, pronto para negócio.
-
Negócio? - olha nos olhos dele.
-
Isso mesmo. - segura nas mãos
de Clara. - estou aberto a novas e emocionantes aventuras.
-
Não gosto de aventuras, adoro romantismo.
-
Está falando com o cara mais romântico do planeta.
Quando
o medo se transforma em pânico não adianta tentar tomar o controle
da situação. Tudo está perdido. Marcelo Duarte olha fixo nos olhos
vivos de Alan que respira ameaças a todo tempo.
-
Você os matou! - diz em meio as lágrimas.
-
Sua mulher deu um pouco mais de trabalho, já o garoto foi tranquilo.
- entra no quarto. - sabe, a morte por envenenamento é angustiante,
a pessoa sabe que em breve
tudo
escurecerá, por isso ela sofre, não tem volta, agora chegou a sua
vez, Duarte.
-
Seu miserável. - vocifera olhando para os corpos.
-
Cuidado com as palavras, policial, elas pode definir seu futuro. -
olha para Sara. - uma bela mulher não acha? Eu pude senti-la também,
maravilhosa.
Duarte
se descontrola e tenta em vão agredir seu inimigo que atira em seu
ombro. O grito ecoa pelo pequeno cômodo e Alan mais uma vez está no
controle.
-
Você me jogou naquela lixo e agora chegou a minha vez de triunfar. -
transpira. - de joelhos e implore por sua vida, miserável.
8
Fazia
tempo que Souza não sentia o calor de um beijo apaixonado. Por
alguns instantes ele voltou a ser adolescente abraçado a Clara no
sofá. Eles não se desgrudam nem por um minuto. De um lado um homem
experiente e machucado por dentro. Do outro uma menina começando sua
vida. Clara se entrega. Ela
se esquece do que passou com seu ex, das ignorâncias, das transas
forçadas e
das
brigas. Por fim ela tem um homem de verdade a seu lado.
-
Nossa, que calor. - ela diz se abanando com as mãos.
-
Eu quem diga, você não existe. - dá um selinho carinhoso. - quer
passar a noite aqui?
-
Não sei, Luís, melhor não avançarmos o sinal.
-
Tudo bem, que tal uma cerveja?
Viaturas
estacionadas nas calçadas. Fitas amarelas cercam a casa dos Duarte.
Diversos policias circulam apressadamente pelo quintal e dentro da
residência também. No meio desse inferno está Márcia Bernardo
usando seu terninho cinza claro. Visivelmente
abalada, a assistente demora um pouco a sair da casa. As imagens
ainda lhe causam revolta e tristeza. Surpreendentemente ela visualiza
Ubiracir entre as viaturas. Para o secretário de segurança estar no
local do crime, isso indica que a situação é pra lá de grave, é
emergencial.
-
Senhor?
-
Você viu os corpos? - Ubiracir enxuga o suar do bigode com um lenço.
-
Sim, não gosto nem de lembrar, o assassino realmente veio para se
vingar, não sobrou ninguém para contar a história.
-
Eu conhecia
o Duarte, era um agente que vestia a camisa, tinha seu jeito grosso
de trabalhar, mas, não merecia
o fim que teve, lamento muito.
-
Será necessário falar com o Souza? - aperta os olhos por causa do
sol.
-
Pois é, eu estava devendo
essas pequenas férias ao Souza a algum tempo,
seria uma covardia interrompê-las, mas, acho que ele não vai gostar
do fato de sequer avisá-lo, ligue para ele.
Como
diz a lenda, o assassino sempre volta para ver o resultado de sua
obra. Não foi diferente com Alan. Como um simples transeunte ele
passa observando toda aquela agitação na casa. Um sorriso cínico e
isso basta para alguém como ele. Sua missão está completa, hora de
desfrutar da felicidade que só a liberdade proporciona. Um homem
livre, é isso que ele é, um perigoso homem livre.
Dá
para ver nos olhos dela que a paixão a pegou em cheio. Ainda no
banho Clara volta a sonhar com Luís, com seu novo amor. Não importa
se ele é mais velho do que ela alguns anos, o que importa é o
sentimento. O
que importa é o coração. Ela sente que Souza a fará feliz e isso
basta. Clara ainda não está
acreditando que tudo isso esteja acontecendo. A linda morena sorrir
como boba com a água morna escorrendo por suas costas. Como ela
gostaria que ele estivesse ali. Clara se vê tentada a ligar, mas se
segura. O melhor desse relacionamento ainda está por vir e nada
melhor do que se resguardar para o grande momento.
As
latas vazias de cerveja estão se acumulando na mesa de centro e
Souza não está nem ai pra isso. O que ele queria realmente era
Clara ali junto a ele. Ela o fez esquecer de Suzana e isso é um
ótimo sinal. Vida nova finalmente. Valeu apena esperar tanto tempo
pelas férias. Conhecer Clara foi algo providencial, o vento agora
está soprando a eu favor e é bom tirar proveito disso. De vento em
polpa, Souza toca o barquinho de sua vida. Até que o celular toca.
-
Fala Márcia. - silêncio. - o que? - as expressões variam a cada
palavra da assistente. - mais que droga, chego ai amanhã.
Clara
já está deitada, mas ainda acordada quando seu celular toca. O nome
Luís aparece no visor.
-
Oi! - ela diz com voz adocicada.
-
Posso passa ai?
-
Luís, tem meia hora que sai do seu quarto. Já bateu saudade?
-
Preciso falar com você.
-
Tudo bem.
Como
um relâmpago ela se levanta. Se olha no espelho, se perfuma, observa
se sua roupa de dormir não está tão insinuante quando ele toca na
porta. Clara tenta segurar o riso mas não consegue, será agora o
grande momento?
-
Oi? - o “oi” sai animado, mais do que ele esperava.
-
Oi.
9
Souza
dirige pela estrada no automático. Ele não sabe em que pensar, se
em Clara ou em Duarte e sua família. Uma baita perda.
Ele conhecia Duarte e era fã de seu trabalho. Eles trabalharam
juntos apenas uma vez, foi o suficiente para o detetive manter uma
amizade com ele. Foi durante uma investigação sobre roubo de
carros. Graças a Duarte eles conseguiram capturar não só o chefe
da organização como desarticular toda quadrilha. Souza não se
importava com o jeito bruto de agir de Marcelo, isso era favorável a
operação. Nos últimos tempos eles se afastaram um pouco. Duarte
foi transferido para outro departamento e eles perderam o contato.
Agora, tudo que resta são recordações. Toda família morta com
requinte de crueldade. Souza quer pôr as mãos em quem fez isso e
não descansará enquanto isso não acontecer. O policial passa pela
placa de boas vinda a cidade quando o celular toca. Clara.
-
Oi, já estou chegando.
-
Me avise quando estiver em seu apartamento.
-
Farei isso, não se preocupe.
-
Beijo!
-
Outro!
Toda
polícia da cidade está empenhada nesse caso. Até mesmo a impressa
cobra resultado. Ubiracir já perdeu o número de vezes em que pediu
paciência aos jornalistas.
-
Os senhores já tem um suspeito?
-
Não, tudo o que temos são hipóteses. - há uma guerra de
microfones.
-
É verdade que Alan Silva conseguiu a liberdade?
-
Veja bem meu jovem, o foco agora é descobrir quem
fez essa barbaridade.
Em
todos os telejornais o assunto em voga é o massacre da família
Duarte. A imprensa investigativa cita o nome de
Alan sempre que pode e isso causa um certo desconforto aos agentes.
Souza chega a cidade e ela está pegando fogo. Mesmo abalado o xerife
quer saber a fundo tudo o ocorrido. A reunião com o secretário de
segurança foi as portas fechadas, uma longa
conversa sem direito a
cafezinho como é de costume.
-
A imprensa está cobrando resultado, Souza, e tudo o que temos até
agora não passa de hipóteses, mais nada. - Ubiracir apoia os
cotovelos na mesa.
-
Vou pedir para que Márcia faça o levantamento do histórico de
Duarte, caso ela encontre algo partiremos desse ponto.
-
Faça o que for preciso, mas faça.
-
Tudo certo, vamos trabalhar.
Luís
já estava de saída quando Ubiracir faz um comentário.
-
Suas merecidas férias foram por água a baixo, me desculpe.
-
Secretário, eu não o perdoaria se o senhor tivesse me deixado de
fora. Vou resolver esse caso, vou por esse maldito na cadeia.
Souza
e Márcia vão
ao IML. O detetive quer se mostrar forte, porém as lembranças o
fazem esmorecer. O médico responsável pelos exames conduz os
agentes pelos corredores frios até
chegarem a sala onde os corpos dos Duarte aguardam liberação para o
sepultamento. O legista alto e albino limpa a garganta antes de
falar.
-
Tanto a mãe como o filho tiveram morte por envenenamento. Já o pai
sofreu várias lesões na cabeça, foi o que causou a morte.
-
Desgraçado! - Souza fecha os punhos.
-
É só isso? - Márcia anota tudo no bloco.
-
Não, o pior vem agora. - limpa mais uma vez a garganta. Luís e sua
assistente congelam. - ambos foram violentados, lamento muito.
Enjoo,
é o que se pode resumir o que Souza sente ao ouvir da boca do
legista que seu amigo Marcelo e toda sua família foram estuprados.
Um monstro. Um terrível
monstro que agora, nesse exato momento pode estar fazendo outras
vítimas.
-
Tudo leva a crer que a violência sexual ocorreu quando já estavam
mortos. O pai teve a parede do reto rompida.
Num
ato de puro ímpeto Souza deixa a sala e anda apressadamente pelos
corredores até chegar ao estacionamento. Antes de entrar na viatura
ele ainda esmurra o teto do veículo algumas vezes. Márcia chega
ofegante.
-
Tenha calma, estamos mais perto desse monstro do que você pensa.
-
Como assim?
-
O doutor disse que encontrou uma pequena quantidade de sêmen em
Sara, isso vai nos ajudar, vamos, eu dirijo, você não está em
condições.
11
O
dia demorou a passar e tudo o que Souza mais quer é um carinho. Sua
namorada está a quilômetros da cidade e ele a quer ali, junto a
ele. Suzana também vem em seu pensamento e os sentimentos se
misturam fazendo de sua cabeça um tornado devastador. Dia
ruim, dia péssimo. Tudo que resta é se jogar na cama e apagar, mas
ele não consegue. O
policial saca o celular do bolso e disca com cuidado os números de
Clara que demora atender.
-
Me desculpe, estava no banho.
-
Hum, nada mal. - sorrir.
-
O que aconteceu, estou vendo pelos noticiários.
-
Isso mesmo, perdi um amigo, um amigo distante, porém ainda tínhamos
algum laço
souza
polpou Clara dos detalhes contando apenas o que interessava.
Tudo o que ele queria na realidade era ouvir a voz de sua morena e
escutar algumas palavras que
acalentasse seu coração. Ele conseguiu e finalmente ele dormiu. Não
foi um sono leve como costuma ser. Souza teve
diversos pesadelos onde o assassino de Duarte o matava. No meio da
madrugada ele se levantou transpirando a procura de água. Sua língua
grudara
no céu da boca. No
pesadelo o bandido não tinha rosto e o cortava com uma espécie de
punhal enquanto gargalhava. Foi tudo tão real, tudo muito
assustador. Com a madrugada chegando ao seu final o agente declara
aberta a temporada de caça.
Medo,
isso é tudo o que Alan sente no momento, medo. Medo de voltar ao
inferno de grades com demônios enjaulados
com ele. Se arrependimento matasse, com certeza ele já estaria
morto. Debaixo do viaduto as quatro da manhã o assassino da família
Duarte termina de roer o que sobrou de suas unhas. Sem
dinheiro e sem ter para onde fugir e com a polícia em seu encalço
ele decide seguir seu rumo, deixando a vida levar. Alan decide pagar
pra ver.
Pela
manhã Souza e Márcia já estão a mil por hora dando ordens aos
agentes convocados para as buscas. Todos
os terminas rodoviários, estações, aeroportos, rodovias e até
portos estão sob vigilância intensa. Ninguém sai sem antes passar
pelos agentes.
-
Temos que achar esse cara nem que seja no inferno.
Márcia
trabalha com Souza a bastante tempo, tempo o suficiente para saber
que seu superior está com os nervos a flor da pele. O celular da
assistente toca e ela atende
ao segundo toque.
-
Sim, ela mesmo, ok, vou avisá-lo.
Luís
arqueia as sobrancelhas.
-
Qual a boa notícia?
-
Saiu o resultado do exame do sêmen encontrado em Sara Duarte,
trata-se de Alan Silva.
O
nome não soa estranho. Alan Silva. O desgraçado que destruiu a vida
da família de seu amigo. Agora sim as investigações estão
caminhando. Agora
sim eles tem um suspeito. Alan Silva, o assassino. Pode
esperar, seus dias estão contados.
-
Volte para o departamento e faça um levantamento sobre esse tal de
Alan Silva.
-
Pode deixar.
Souza
entra em seu próprio carro e segue para o aeroporto onde se
encontrará com Ubiracir que já o aguarda. O nome de Alan Silva
martela em sua cabeça com força. Ele não só deu fim a vida de
Duarte, como também o estuprou depois de morto. O ódio volta a
dominar o experiente detetive que reluta contra a vontade de matar o
sujeito assim que o encontrar. Mesmo que Alan já tenha saído da
cidade ou do país ele está decidido em ir atrás sem medir
esforços.
-
Vou pegá-lo! - soca o volante.
12
A
estadia de Clara termina. Com muita tristeza ele arruma as malas e se
despede do quarto. Foram dias memoráveis onde ela em fim encontrou o
homem que roubou seu coração, Luís Souza. Nunca em sua vida ela
imaginou se apaixonar por um homem mais velho. Será tudo isso um
sonho ou uma simples aventura? Antes de sair ela ainda se recorda de
seu último encontro com ele, o quanto foi maravilhoso. Como é bom
estar apaixonada. Clara já havia se esquecido disso. Ela
tranca a porta e se vai.
O
grande amor de Clara no momento não tem cabeça para pensar em
romances. A seu lado o secretário de segurança lhe faz cobranças
emergenciais e ele não escuta palavra alguma de seu superior.
-
Alan Silva, esse cara é um assassino frio, cruel, como pode a
justiça dar liberdade a um monstro como esse? - Ubiracir ruboriza.
-
É como funciona a lei em nosso país, nós os tiramos de circulação
e a justiça os coloca em atividade para matar bons profissionais
como Duarte.
-
Foi Duarte quem o prendeu da última vez, se eu não estou errado.
Foi uma vingança. O desgraçado fez tudo isso de caso pensado.
-
Na cadeia eles tem tempo para pensar no que aprontarão aqui fora. -
Souza limpa a garganta. - é o que eu penso secretário, homens como
Alan jamais deveriam sair de lá de dentro. Mas
pode ficar tranquilo, vou colocá-lo de volta na cadeia e dessa vez
será diferente, ele cometeu um crime hediondo.
-
Justamente, vamos terminar o que viemos fazer e partir para o porto.
Um
carro passa em velocidade abaixo do permitido numa rua secundária a
estrada principal. Alan surge apontando sua arma para o para-brisa
rendendo os ocupantes.
-
Perdeu, perdeu, sai, sai.
-
Calma, calma, vamos sair.
Dentro
do carro há uma mulher e duas meninas adolescentes. Ao vê-las Alan
saliva de vontade de cometer mais um estupro, mas dessa vez com a
vítima viva. Ele olha com seus
olhos ameaçadores para a menina mais alta e se distrai. O chefe da
família comete um erro gravíssimo colocando não só sua vida em
risco como a de toda sua família. Ele tenta desarmar Alan que se
desvia do golpe certeiro. As
mulheres gritam enquanto o assassino desfere duas coronhadas.
-
Viu, seu trouxa, vai apanhar
na frente delas agora.
Alan
o machuca bastante. Ele bate até o homem ficar desacordado no
asfalto. Antes de entrar no carro ele ainda olha para a menina e
sorrir para ela.
-
Que desperdício. - entra e arranca com o veículo.
Dentro
do carro ele encontra uma quantia em dinheiro, doces, estojo com
maquiagem e um canivete. Alan está decidido a deixar a cidade nem
que seja a pé. Ele roubará um carro a cada uma hora, mas ele
precisa dar o fora. Na saída para a estrada ele esbarra com uma
viatura parada com dois policiais.
-
Merda, não tem como voltar.
O
bandido pega o canivete e o dinheiro e sem ser percebido ele desce do
carro e volta para a cidade. Os outros veículos começam a buzinar
diante do carro abandonado no meio da pista e isso chama atenção
dos agentes. Alan aperta o passo e desaparece numa rua de pouca
iluminação. Ele jamais imaginou estar nessa situação, sendo
procurado por todos os departamentos policiais. Sua cabeça está a
prêmio. A polícia não costuma aliviar a barra de um assassino e
principalmente se esse assassino matou um policial. Ele sente medo,
porém não passa pela sua cabeça se entregar e nem se encontrado
com facilidade. Se tiver que morrer, não morrerá de joelhos.
Jamais.
Ainda
no estacionamento do departamento a ficha criminal de Alan Silva se
encontra nas mãos de Souza, ou melhor, na tela de seu celular.
Dentro da viatura ele analisa cada detalhe do sujeito. Na foto Alan
parece sorrir. O bandido
desperta o que há de mais perigoso no detetive e antes mesmo de
terminar de ler a ficha ele
fecha a guia e sai do carro.
O
agente entra no departamento e não consegue ver ninguém a sua
frente. No automático ele entra em sua sala onde Márcia se encontra
buscando algo na internet. Souza passa calado por ela e se acomoda em
sua cadeira. Percebendo a agitação do chefe, a assistente deixa de
lado o computador.
-
O que foi?
-
O que foi o que? - Souza mexe
nos papéis.
-
Te conheço, Luís Souza.
-
Não está dando certo, temos que cercar a cidade, a essa hora Alan
Silva pode estar cometendo outros crimes, eu li a ficha dele, ele é
perigoso.
-
Não estou falando de Alan.
Souza
franze o cenho.
-
Do que está falando então?
-
De suas férias, o que aconteceu por lá?
Um
curto, mas significativo sorriso deixa claro para Márcia o que se
passa com o agente.
-
Clara!
-
Esse é o nome dela?
-
Sim!
Ciumes,
nesse momento tudo que a agente sente se resume numa só palavra,
ciúmes. Não é de hoje que Márcia gosta de Souza. Ela sabe que seu
chefe jamais se envolveria com ela, por mais que ela seja uma mulher
interessante. Sempre que ela escuta da boca de Souza que ele se
envolveu com outra mulher, parece que seu coração foi partido em
mil pedaços. Mas, como sempre faz, Márcia faz questão de ser
imparcial nesse tipo de conversa.
-
Foi legal?
-
Muito!
-
E Suzana?
O
nome Suzana fez Souza voltar para a realidade e saber o quanto ele
ainda a ama. Clara é a sua paixão, mas Suzana é o seu significado
de vida.
-
Bom, acho que podemos dar por encerrada essa conversa, vamos focar no
caso.
13
A
vítima é uma mulher de seus cinquenta anos. Ela derrama lágrimas
de amargura com Alan em cima dela a penetrando. O lugar é uma casa
inacabada num terreno distante da cidade. Depois de estuprá-la por
algumas vezes, Alan a amarrou com as mãos para trás. Ela chora
enquanto seu assassino amola a faca.
-
Cale a boca, serei rápido, você nem sentirá.
Na
manhã seguinte o lugar estava
repleto de policiais olhando para o corpo de uma mulher loira fatiada
do peito ao umbigo. Isso
aconteceu a 15 anos e o crime repercutiu na imprensa nacional
e internacional como
o “açougueiro”. Alan sempre foi um bandido escorregadio para a
polícia. Até mesmo quando uma
recompensa por sua captura
foi divulgada, ninguém conseguiu pôr as mãos nele.
Hoje
mais uma vez ele é considerado inimigo publico número um. Todos
sabem de sua existência, todos querem sua prisão ou morte. A
população está indignada. Como pode a justiça dar liberdade a um
monstro que já provou que não é capaz de viver em sociedade. Um
indivíduo de altíssima periculosidade, solto para cometer mais de
suas atrocidades. Para não ser reconhecido Alan anda fazendo das
sombras o seu abrigo, seu lar. Nas ruas ele jamais levanta a cabeça.
Sem banho, com fome, com
um canivete
e uma pistola com munição acabando, essa é a sua situação atual.
Para não levantar suspeitas
Alan caminha na calçada. Cada viatura que passa o seu coração
acelera e é preciso apertar o passo e fingir que é um civil normal.
Saindo de uma rua muito movimentada ele ganha uma praça, passa por
uma estátua e um chafariz e dali para
a estação ferroviária. No
bolso apenas alguns reais, mas o suficiente para uma passagem. Para
passar pelo guichê será fácil, ele fará
uso de sua baixa estatura. Ha
uma pequena fila e para disfarçar o nervosismo ele procura não
pensar muito. Alan apenas observa o vai e vem de pessoas no terminal,
no
anúncio e na voz da locutora chamando um funcionário. Finalmente
sua vez. A mocinha dentro da cabine do guichê tem uma voz irritante,
porém suportável.
-
Boa viagem, senhor.
Alan
não responde, é típico dele ser mal educado. Quando o assassino
está saindo do guichê rumo ao portão que dá
acesso à plataforma ele
percebe que cometeu um erro terrível. Ao
olhar para trás ele visualiza uma câmera de segurança instalada na
parte de cima da cabine.
-
Essa não!
Um
vigilante mais atento certamente o reconhecerá. Como ele pode ser
tão ingênuo.
Bem a sua frente uma dupla de
guardas da estação conversam quando o mais alto e negro saca o
rádio. Alan faz uma meia parada antes do guarda branco olhar para
ele. Para disfarçar, o bandido anda até a máquina de salgadinhos e
refrigerantes e simula uma compra. O guarda não tira os olhos dele e
fala algo com seu companheiro. Os olhos verdes e vivos do
assassino cruzam com o do
segurança. Sem perceber Alan já está andando apressadamente, quase
correndo para a plataforma.
Os
dois guardas descem as escadas olhando para todos os lados.
-
Tem certeza de que é ele mesmo? - pergunta o negro.
-
Sim, se não for é muito parecido.
Já
na plataforma eles se separam. O negro vai para esquerda e o branco
para direita onde ficam os caixas vinte quatro horas. Alan se
encontra atrás de uma delas segurando seu canivete. Quando o guarda
fica a dois passos das máquinas, Alan aparece cravando o canivete
até o cabo no peito do segurança. Sem conseguir esboçar qualquer
reação o homem vai caindo. Com dificuldade Alan arrasta seu corpo
para trás das máquinas. Uma mulher idosa ao ver a cena grita
chamando atenção de todos ali na plataforma.
-
Velha filha da mãe.
Souza
ainda escreve pensativo em sua sala. Ele tenta colocar seus
pensamentos em ordem depois da conversa com Márcia. Será que
realmente Clara foi capaz de fazê-lo esquecer de Suzana, ou ela não
passa de uma aventura? Isso
só o tempo dirá. O detetive toma o maior susto ao ouvir sua
assistente entrando sem bater.
-
Pegue suas coisas, rápido.
-
O que houve?
-
Alan Silva está no terminal ferroviário e já fez nova vítima.
-
Desgraçado, vamos lá.
14
Na
mão direita o canivete, na esquerda a arma e atrás dele um
exército. Alan sabe que tudo está perdido, mas não será fácil
pegá-lo. As pessoas que esperam a composição se espalham ao verem
o tumulto formado, alguns pulam nos trilhos arriscando a vida.
Mulheres guardam os filhos enquanto que os guardas tentam manter a
ordem. O assassino corre em direção ao final da plataforma onde é
possível ver algumas grades. Porém suas esperanças se vão quando
ele bate de frente com viaturas do outro lado das grades. Antes de
ser visto ele volta e se esconde entre um vão da escada e a
lanchonete. Tremendo bastante ele confere a munição.
-
Droga, preciso sair daqui.
Souza
e Márcia já estão no local. Alguns jornalistas também se
aglomeram por ali. Patrulheiros da polícia fazem um cordão de
isolamento. Ninguém sai ou entra. Souza se identifica.
-
Luís Souza! - diz com o distintivo na mão. - estamos numa situação
critica senhores, o meliante se encontra armado e cercado, todo
cuidado ainda assim é muito pouco. Cerquem esse lugar, quero os seus
melhores atiradores em posição.
-
Sim senhor!
Imediatamente
homens de preto e com rifles ocupam os melhores lugares nos prédios
vizinhos a estação. Até mesmo na rua um deles se encontra deitado
com seu olhar fixo na lente do rifle aguardando ordens. Souza entra
no terminal junto com outros agentes.
-
Quero duplas, se espalhem, virem esse lugar de ponta cabeça, mais me
tragam ele vivo.
Não
há com fugir e nem sair dessa com vida. Sua respiração começa a
ficar descontrolada. Alan Silva pela primeira vez pensa em se
entregar a acabar de vez com esse pesadelo. Não! Isso não
acontecerá. Ele tem um nome e um status a zelar. Inimigo público.
Se tiver que fazer desse lugar um inferno isso ele fará. Enquanto a
plataforma e evacuada ele olha para dois polícias e sai do
esconderijo atirando nas costas de ambos. Diante do som dos disparos
outros tiras ficam em alerta. Alan se aproxima e rouba as armas.
-
Essa foi fácil.
Souza
e seu parceiro descem as escadas em dois lances.
-
Será que o pegaram?
O
detetive não responde. Eles chegam a plataforma.
-
O som veio de lá. - Souza aponta para as lanchonetes.
De
repente mais tiros obrigando os policiais a se jogarem no chão.
Souza rola para junto da parede ainda segurando sua pistola. Alguém
chama pelo rádio.
-
Souza!
-
Temos dois policiais caídos, não sabemos se estão mortos.
-
O que? - pergunta o outro agente.
Alan
corre para mais perto da escada rolante. Permanece ali para respirar
um pouco. Confere mais uma vez as armas dos vermes e volta a olhar
para frente e para trás. Uma dupla vem descendo a rampa apontando as
armas.
-
Parado!
Alan
atira e os policiais também. Um dos disparos acerta a vidraçaria da
loja de eletrônicos. Os estilhaços voam acertando o rosto de Alan.
Os cortes são rasos, mas permitem que o assassino piore seu aspecto.
Furioso ele atira mais uma vez.
-
Souza, o pegamos, ele está perto da escada rolante de subida. - diz
pelo rádio.
Tomado
pelo ódio, Alan sai de onde está. Usando as armas que roubou ele
atira acertando um policial bem na cabeça.
-
Pega essa, seu otário. - grita a plenos pulmões.
Vendo
seu parceiro agonizando no chão, o policial se abriga e mais uma vez
ele fala pelo rádio.
-
Ele matou o Jaime, eu consegui ver duas armas.
Souza
olha para seu parceiro e tem a terrível sensação de está sendo
caçado. Isso é inadmissível. Apenas um sujeito contra um batalhão
de homens preparados. O detetive olha para a parte de cima do
terminal e vê dois PMs e assovia. Imediatamente eles descem. Um
deles porta um fuzil.
-
Me dê isso, agora.
Clara
está viajando e olhando a paisagem. Em cada rosto ela vê o de Luís.
Ele conseguiu fisgá-la de modo que ela não consegue esquecê-lo. O
ônibus segue para sua cidade natal quando seu coração arde de
desejo em tê-lo ali juto a ela. Chorar é o que lhe resta. Algo que
ela jamais imaginou, chorar de paixão feito uma adolescente.
15
Os
passos de Souza são rápidos e precisos. Em toda sua carreira como
policial, ele segurou um fuzil apenas duas vezes. Hoje ele faz
questão de ter um em suas mãos. Uma arma de guerra, uma arma que
causa destruição quando o alvo é atingido. De onde ele está já é
possível ver a escada rolante. No chão os pedaços de vidro. Seu
olhar faz o exato caminho de Alan. Os telefones públicos. Se ele
fosse o perseguido, com certeza, ele buscaria abrigo ali. Souza não
está sozinho, há agentes lhe dando cobertura em pontos
estratégicos. De repente um tiro que acerta a estrutura da cobertura
da plataforma. Nem isso foi capaz de fazer Souza parar. Mais alguns
passos e ele está perto dos aparelhos telefônicos. Uma rápida
olhada no piso e é possível notar rastros de sangue fresco.
-
O desgraçado se feriu. - sussurra para ele mesmo.
Luís
Souza avança quando outro disparo acerta em cheio o seu ombro
direito. O susto foi tão grande que Souza não conseguiu conter o
berro que deu. Mesmo sentindo uma dor lancinante ele se apoia no
fuzil. Agora será difícil manter a posição. Chega dessa história,
hora de contra atacar. Com o disparo Souza soube exatamente onde Alan
está.
-
Saia com as mãos para cima, você está cercado, Alan Silva.
Mais
dois disparos vindos de trás da banca de jornais. Souza foi abrigado
a abrir fogo. Um longo silêncio se fez. Depois de um tempo Souza se
vê prendendo a respiração. Mais uma vez ele tenta fazer contato.
-
Não piore as coisas, Alan, não precisa terminar assim.
-
Eu não vou voltar para aquele chiqueiro. - a voz sai abafada. -
nunca. - atira.
Luís
dispara duas vezes na direção da voz e mais uma vez silêncio. Ele
sabe que homens como Alan em situações extremas como esta estão
dispostos a tudo, até morrer se for o caso. Alan não tem mais saída
e ele sabe disso. Ele atacará mesmo sem arma. Usará as próprias
mãos se preciso for. O jeito é sufocá-lo, fazê-lo sentir medo,
pânico, pavor.
-
Alan, você não vai conseguir sair daqui com vida, a menos que se
entregue. Olhe ao seu redor, há dezenas de agentes te esperando lá
fora, mesmo que me mate, eles irão te abater, tenha certeza disso.
Outro
silêncio incomodo. Na parte de cima do terminal Márcia e Ubiracir
esperam o desenrolar da situação assim como a imprensa. Olhando
daquele ponto pode se notar que o terminal se transformou num
espetáculo a céu aberto. A polícia tenta a duras penas manter o
local seguro, mas os curiosos querem as melhores posições para
baterem fotos ou filmarem com seus aparelhos moveis. Um verdadeiro
caos instaurado.
O
ferimento volta a doer forte. Souza já encontra dificuldade para
segurar o fuzil. Seu corpo pede repouso. Ele se aperta entre os vãos
dos telefones para tentar dar uma olhada na ferida. O detetive olha
para cima e consegue ver um policial subindo a estrutura pesada da
plataforma. Ele faz sinal de “ok” para o chefe e segue subindo.
Seguro de que terá cobertura perfeita Souza resolve arriscar. O
policial negro mesmo sentindo forte dor apoia o fuzil no ombro bom e
anda.
É
tudo muito rápido, rápido demais para pensar em qualquer coisa.
Como uma assombração Alan surpreende Souza saindo de um ângulo
diferente o acertando com o canivete o braço do agente. Com o golpe
Souza foi obrigado a soltar o fuzil. Ao tentar desferir outro golpe
Alan rosna e não acerta.
-
Morra desgraçado.
Transtorno,
é só o que Souza consegue ver no rosto desfigurado do bandido. Alan
desfere golpes sem direção certa e Souza apenas se defende buscando
um lugar onde ele possa acertá-lo de uma vez por todas.
-
Eu não vou voltar para aquele inferno. - vocifera.
O
canivete passa a centímetros do rosto do detetive. Alan parece se
cansar das tentativas. Souza vê nisso uma oportunidade de contra
atacá-lo. Eles se olhando por um instante e surpreendentemente Alan
sorrir para ele num sinal de puro desespero, ou não. No alto da
estrutura o policial chama pelo rádio.
-
Não atirem, eles estão num confronto homem a homem.
O
secretário de segurança passa a mão na cabeça de poucos cabelos e
olha para a assistente.
-
Meu Deus. - ele diz.
O
sangue escorre formando pequenas poças no piso escuro da plataforma.
Souza sente o corte arder feito brasa viva. A sua frente um Alan
disposto a tudo. E a cobertura, por que não o abateu ainda? Mais uma
tentativa frustrada de furar o agente que se esquiva perfeitamente do
golpe. De modo assustador Alan vocifera e arregala os olhos avançando
pra cima do agente com o canivete no alto da cabeça.
-
Morra!
Num
gesto de puro ímpeto Souza consegue tirar o objeto cortante e
acertá-lo no nariz. O soco faz o rosto de Alan explodir em sangue. O
grito é agudo e ele perde um pouco o rumo. Antes que seu oponente
possa se recompor, Souza o acerta, dessa vez na têmpora. Ele não
cai. O canivete caiu nos trilhos e como um cão furioso ele corre
para cima de Souza. Eles trocam violentos socos, chutes, cotoveladas.
A briga vai pro chão. Alan se encontra por cima esbravejando
palavras entrecortadas. Souza segura firme seus braços mesmo com
dor. Certa hora do confronto Alan acerta um soco no ferimento da
bala. Todo o corpo de Souza fica fraco. O bandido soca com vontade
duas vezes o rosto de Souza.
-
Vou te matar seu verme escroto. - cospe no rosto do policial uma boa
quantidade de saliva misturada com o sangue do nariz.
16
Não
é hora e nem lugar para morrer. Luís Souza tem polícia na veia.
Mesmo sentindo os ossos de seu rosto se partindo ele consegue
enxergar um ponto vulnerável. Um ponto onde Alan não suportará de
tanta dor. O nariz já quebrado. Souza espera que ele o acerte com
mais um soco. O exato momento onde ele abaixa a guarda e pronto.
Juntando todas as forças que lhe resta Luís mais uma vez arrebenta
com o nariz do bandido que cai para o lado gritando e chorando
segurando o rosto. O detetive se levanta e o chuta nas costelas.
-
Você está preso, Alan Silva.
-
Me mate, por favor, me mate, não quero voltar, não quero.
Antes
de algemá-lo Souza faz sinal de “ok” para o cobertura em cima da
estrutura. Aos poucos a plataforma vai sendo invadida por agentes.
Sentado no chão perto do bandido Luís aguarda a chegada da
ambulância. Márcia e Ubiracir ao verem o estado do amigo se
desesperam.
-
Ai meu Deus, Souza você está bem? - Márcia se ajoelha ao lado do
chefe.
-
Vou sobreviver. - diz com voz sumida.
O
cemitério está lotado mesmo com o tempo ameaçando chover. A
família Duarte é sepultada. Emoção e tristeza dão as ordens
naquele lugar. Souza preferiu ficar distante. Com o rosto ainda
inchado e o braço na tipoia ele olha os caixões sendo baixados a
sepultura. O agente engole seco e não evita que as lágrimas desçam.
Márcia e Ubiracir vem a seu encontro e ele não os enxerga.
-
Fez um bom trabalho Souza. - o secretário bate levemente no ombro
bom.
-
Até quando assistiremos colegas nossos serem sepultados?
Márcia
tira os óculos escuros e olha para o chefe.
-
Também sinto muito, as vezes me pego perguntando, será que vale
mesmo a pena viver essa vida? - Ubiracir olha para Souza que não
tira os olhos das três sepulturas.
-
Ubiracir, temos que continuar, por Duarte e por tantos outros que
morreram defendendo a população, eles sim são os verdadeiros
heróis.
Márcia
deixa cair as lágrimas, finalmente.
Com
o paletó jogado no ombro Souza caminha até a entrada do prédio.
Ele sente algo estranho no ar. Olha para a rua e nada vê. Volta a
olhar para a entrada e saca sua arma.
-
Mais que merda. - balbucia.
A
porta do prédio vai abrindo devagar e seu coração salta do peito.
Souza dá um passo para trás quando Clara aparece de braços abertos
para ele.
-
O que foi, vai me prender?
Ele
guarda a arma no coldre e corre para ela. O beijo é longo, repleto
de sentimentos. Souza sente o corpo da mulher junto ao seu acendendo
o desejo. Eles param de se beijar.
-
O que houve com você? - indaga Clara segurando a cabeça do
detetive.
-
É uma longa história, depois te conto, agora vem cá. - a beija
novamente.
Márcia
passa com seu carro ainda em tempo de ver os pombinhos se beijando
com a chuva começando a cair. O ciúme vem na frente, mas logo ele é
dissipado. Ela gosta tanto dele que prefere vê-lo feliz. Se Souza
está bem ela também está feliz. Vida que segue. FIM