segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A SOMBRA DO VINGADOR - Lobo caçando Lobo


A Sombra do Vingador
Lobo caçando Lobo


Conviver com saudade de Carol faz do meu dia a dia um verdadeiro inferno existencial, porém ter que engolir esse sentimento letal que é a vingança é ainda pior. Ele me persegue e quando estou sozinho ou quando me deito para tentar dormir esse sentimento se intensifica ao ponto de me incendiar. O sangue da minha querida Carol precisa parar de clamar, precisa parar de implorar por justiça. Eu estou ficando louco, falo sozinho e sou assombrado todas as noites. Me entupo de medicamentos fortes e isso tem prejudicado meu estômago que dói toda vez que fico nervoso, ou seja, o tempo todo.
    Sou policial a 15 anos e amo o que eu faço, sempre gostei de proteger as pessoas dessa cidade infernal. Comigo a bandidagem não consegue espaço, seja quem for. Desde o vendedor de trouxinha até o tubarão que mora na coberta na zona sul, não alivio mesmo. Trabalho sozinho, faço questão de não ter parceiro me enchendo o saco ou me dizendo como devo proceder. Minha viatura minhas regras. Confesso que as vezes penso em sair na próxima baixa e seguir com minha vida miserável como instrutor numa academia de defesa pessoal, porém quando vejo um crime sendo cometido algo me toma por completo e lá vou eu mais uma vez servir e proteger a qualquer custo.
     A noite mal começou e eu já estou no décimo café. Amargo como é a minha vida. Preciso me manter acordado e em alerta. Nessa vida que escolhi consegui algumas dezenas de inimigos que salivam só em me ver. Por isso escolhi um bar menos movimentado, bem pé de chinelo mesmo de beira de estrada. Fico perto da porta de saída caso haja um confronto. Minha inseparável Glock se encontra no coldre, doida para cuspir bala na carcaça dos vagabundos. Pago os cafés e saio já sacando o maço de cigarros no bolso da jaqueta.
      - Detetive Bruno Junior? – perguntou um sujeito de barba longa e branca.
      - Ele mesmo. – respondo sem muita vontade.
      - Posso ter o prazer de lhe pagar uma bebida?
      - Olha, eu... – cocei a barba por fazer.
      - Já sei, já sei, o senhor vai falar que não bebe em serviço, acertei?
      - É que eu já estava de saída mesmo.
      - Gabrielle Montanari.
      Esse nome me faz mal, muito mal. Esse desgraçado destruiu a minha vida, me matou e me deixou vivo. Gabrielle Montanari, um dos maiores tubarões do crime organizado. Conseguiu fortuna através de muito sangue derramado, assassino de policiais e explorador de putas. Ele precisa ser morto o mais rápido possível.
      - O que tem ele? – o seguro pelo colarinho.
      - Não me mate, por favor, eu só quero ajudar.
      - Eu não preciso de sua ajuda, agora vai falando. – saco minha arma e a enterro no olho esquerdo do velho barbudo.
      - Pelo amor de Deus.
      - Fala velho maldito. – sinto meus olhos umedecerem.
      - Calma, calma.
      - Venha, vamos dar uma volta.

*

Gabrielle Montanari, herdeiro do trono dos Montanari, uma família de mafiosos de altíssima periculosidade. Quando ainda viviam na Itália Dom Giuseppe Montanari liderava o seu bando com braço de ferro e quem falhava era morto da pior maneira possível e isso servia para qualquer um, inclusive para filhos e sobrinhos. Quando migraram para o Brasil Giuseppe foi morto por mafiosos rivais e teve sua cabeça cortada. O caso repercutiu aumentando dez vezes mais a rivalidade. Carlo Montanari assumiu a liderança. Houve guerra. Inocentes e policiais foram torturados e mortos até que o irmão de Gabrielle cometeu uma falha e o próprio Gabi, como é chamado meteu uma bala na cabeça de Carlo assumindo o trono Montanari.
     Gabi é um pouco mais democrático, porém muito mais reativo. Fez alianças com políticos e megaempresários, investiu bastante e hoje ele não é só um mafioso perigoso, mas sim um mafioso, rico, perigoso e poderoso. Hoje é dia de festa em sua casa. Muita droga, mulheres, bebidas de todas as marcas e fartura em comida. Sempre bem vestido de terno e gravata, Gabi recebe em seu gabinete dezenas de pessoas importantes para um breve bate papo as portas fechadas. No momento ele termina uma audiência com o dono de uma rede de supermercados.
      - Então podemos fechar assim dom Gabrielle?
      - Exatamente. – fala com um sotaque muito carregando. – conhece as regras não é?
      - Sim Senhor. – diz gaguejando.
      - Divirta-se. – aponta para a porta.
      Assim que o sujeito saiu do gabinete Montanari foi até o corredor e sinalizou para uma mulher loira, alta vestindo um vestido vermelho colado ao corpo.
      - Venha, agora é a sua vez de ser atendida.
      A tal loira apertou suas partes íntimas e o beijou.
       - Pelo contrário, eu quem vou lhe atender.

*

     Um chute e depois dois socos quebrando o nariz do velho. Bruno Junior permitiu que o mal policial assumisse o controle da situação. A barba que era branca se transformou num chumaço vermelho devido o sangue que escorre da boca.
      - Pra que isso cara?
      - Você acha que eu estou brincando? Sei muito bem que Montanari te mandou aqui. Agora você vai falar o que está rolando.
      Outro chute na cara e depois na costela. Esse é Bruno Junior, alguns de seus poucos amigos o chamam de bruto Junior e ele gosta. Certa vez para arrancar uma confissão de um traficante ele enfiou uma caneta no nariz do marginal e ameaçou empurra-la devagar caso não ele não colaborasse. Lógico que o vagabundo confessou, mas Bruno Junior enterrou a caneta, mas não o matou, foi somente para ter o prazer de ver o meliante gritando.
      Mais um soco e o velho desmaiou. Furioso Júnior apertou seu pescoço com o pé e o velho recobrou a consciência.
      - O que Gabrielle quer?
     - Ele anda recebendo autoridades e empresários. Dentro de muito em breve ele se tornará o manda chuva da cidade, ele está comprando tudo e a todos, está se tornando poderoso demais. E... – cospe sangue.
     - Estou perdendo a paciência com você, velho. – apoiou um joelho no peito do idoso que arfou. – fala logo.
     - Ele sabe que você está na cola dele, por isso ele me mandou aqui para tentar te pegar, só que eu não quero. Não quero que um monstro tome conta da minha cidade.
      Montanari matou Carol, ela não teve chance de se defender. Foi morta covardemente e teve o corpo jogado num lixão. Foi a pior tarde da vida de Bruno. Ver sua quase noiva morta, com uma expressão de agonia no rosto foi de fazer o estômago dar um nó. Tudo que ele queria era poder matar o Italiano, pagar com a mesma moeda.
     - Vamos, levanta. – o puxou. – me conte devagar tudo o que está acontecendo.
     - Aí, meu Deus, eu sei que eu vou me arrepender, mas, vamos lá.
     Depois de alguns minutos Bruno Junior ficou por dentro de tudo o que seu inimigo está tramando. Agora ele sabe que Montanari está se cercando de todos os lados afim de se tornar num curto espaço de tempo o homem mais temido de toda cidade. Bruno tem todos os motivos para solicitar uma mega operação, porém optou em agir sozinho. Essa guerra é entre Gabrielle e ele.
     Assim que terminou de ouvir tudo o que o velho tinha a dizer, júnior o colocou no carro e percorreu algumas quadras até encontrar uma velha ponte onde um rio corta o bairro.
      - O vamos fazer agora? - perguntou o velho.
      - Desça e fique de costas para mim.
      - Pelo amor de Deus, eu só quero ajudar, não precisa me matar.
      - Quem você pensa que está enganando? Sei bem que foi Montanari quem bolou esse plano, você ganharia a minha confiança e depois seria os olhos dele comigo.
      - Mas, mas...
      - Desça do carro e comece a rezar.
      O bandido desceu quase se urinando. Bruno Junior pegou no porta luvas seu trinta e oito não registrado e explodiu o crânio do velho barbudo que caiu no rio tendo o corpo levado pelas águas verdes. Júnior voltou para dentro do carro e respirou fundo. Hora do lobo caçar outro lobo.





sexta-feira, 1 de novembro de 2019

ALTO PREÇO - Um conto policial com Jaime Prates


Alto Preço
Um conto policial com: Jaime Prates


      - Tem certeza que você quer estragar sua vida fazendo isso?
      - E desde quando você se importa com a vida de alguém?
      - Por Deus, você não entendeu nada. – vociferou o reverendo.
      - Cale a boca, quem manda prometer e não cumprir, sua vida de mentiras acaba essa noite. – saca a faca e desfere um forte golpe no pescoço do religioso que ainda lutou pela vida segurando o ferimento jorrando sangue.
       - Me, me ajude, chame socorro. – fala com voz rouca.
       - Vou ficar aqui, assistindo sua morte.
      Aos poucos o líder de uma das maiores igrejas evangélicas vai perdendo as forças e empalidecendo. Ainda segurando inutilmente o furo profundo no pescoço, Walter Medeiros escorrega no banco do motorista batendo com a cabeça no volante. Seu assassino antes de sair do veículo retira do bolso um bilhete com palavras digitadas em fonte Arial e em negrito “É isso que acontece prometer e não cumprir”
      Com toda calma do mundo ele coloca o pedaço de papel nas costas do morto e o fixa com a faca enterrando até o cabo. Tranquilamente ele deixou o veículo e caminhou em direção ao ponto de táxi mais perto naquela região solitária da cidade.



      Um dos segredos de Rafa ter conquistado um número espantoso de clientes é com certeza, além de seu belo corpo e performance, é sem dúvida o seu rosto de menina sapeca. Sim, os homens adoram isso e Rafa sabe disso, por isso ela tem cobrado o dobro de outras garotas. Ela não se importa de realizar as fantasias e feitiches de seus clientes, pra falar a verdade ela curte também. Essa noite foi mais uma em que ela teve que se caracterizar de colegial e passar uma hora chamando um velho de professor. Foi até engraçado.
      Calça jeans com rasgos na altura dos joelhos. Blusa fina de alças também finas e um decote de curar qualquer disfunção erétil. Rafa deixa o prédio do velho empresário um pouco mais endinheirada e também desconfortável. Ainda no portão, com a noite já avançando ela olha para ambos os lados da rua. Alguns carros passam e outros estão estacionados, em sua maioria táxis. Rafa não está tão longe de casa, ela teria que caminhar uns vinte minutos até lá, mas resolveu pagar por uma corridinha.
       O taxista é um oriental magrelo de mais ou menos quarenta anos que ainda não aprendeu o português direito. Rafa antes de entrar ela olha para trás e consegue ver um vulto entre as árvores. Com o coração acelerado ela se apressa em se fechar dentro do veículo.
        - Para onde senhora?
        - Só me tire daqui, por favor.

*

      Se tem uma coisa que Jaime detesta é perder seja que partida for, independente do que esteja jogando. Ele não gosta de perder, ainda mais para Marcão que rouba em todos os jogos que disputa. Os policiais estão a horas jogando dominó e até agora o brutamontes ganhou todas as trintas rodadas.
      - Vou falar sério agora, Marcão, eu estou quase pegando as algemas e as colocando em seus pulsos. – Jaime disse entre os dentes.
      - Prove que estou roubando então! – bate na mesa.
      - Ah, pra mim já deu. – se levanta.
      - Está vendo, você é um péssimo perdedor.
      - Você tem sorte, eu não vou encarar um sujeito de quase três metros de altura e pesando 150 quilos.
      - 149 bobão, consegui perder um quilinho.
      Nesse momento o telefone tocou na sala de Jaime Prates que ainda discutia com o companheiro. Ele deixa Marcos falando sozinho e dispara porta a fora.
       - Policial Prates falando!
       - Graças a Deus. Detetive Prates, aconteceu uma coisa horrível, nos ajude.
       - Calma senhora, me diga o seu nome, respire e fale devagar.
       - Mataram o nosso reverendo, Walter Medeiros.
       - O que, Walter Medeiros, aquele pastor? – Marcão apareceu na porta da sala.
       - Isso mesmo, nos ajude detetive.
       A mulher passou o endereço. Jaime terminou de anotar e acalmar a senhora. Ele pegou sua jaqueta no encosto da cadeira e olhou para o gigante parado na porta.
       - Vem comigo ou vai continuar roubando outro trouxa.
       - Walter Medeiros?
       - Ele mesmo, foi encontrado morto dentro de um carro.
       - Vou contigo.

*

     Walter Medeiros, ou melhor, reverendo Walter Medeiros, fundador da igreja evangélica ministério de Deus. Walter, como todo líder religioso começou pequeno com um espaço para apenas vinte pessoas numa loja alugada. Os seus frequentadores foram se multiplicando, eles gostavam das palavras e do jeito autoritário de pregar do pastor. Walter precisou mais de espaço e com o tempo ele conseguiu comprar um terreno onde construiu a cede onde hoje acomoda cerca de três mil pessoas sentadas.
      A igreja Ministério de Deus conta hoje com mais de mil templos espalhados pelo país além de emissora de rádio e programação na TV. A MD como é conhecida também tem um trabalho social reconhecido onde milhares de jovens adictos são tratados e pessoas em situação de rua são acolhidas. O reverendo Medeiros ganhou credibilidade e respeito ao ponto de se tornar um dos conselheiros do ex presidente. Quem diria que aquele homem mediano, cabelos crespos e aparência comum se tornaria uma das autoridades evangélicas reconhecida dentro e fora do país?
     Antes da polícia chegar ao local, curiosos já circulavam ao redor do ocorrido como moscas varejeiras. Todos já sabiam que se tratava do pastor, todos estavam horrorizados com o fato do homem que proporcionava cura em nome de Cristo no altar ter uma faca cravada nas costas. Alguns profissionais da imprensa também já se movimentavam por ali registrando e fazendo anotações. Prato cheio para o jornalismo sensacionalista que no dia seguinte irá martelar na mente da população o assassinato do homem que desafiava o Diabo.

*

     Jaime e Marcão chegaram ao local tendo que driblar a massa de curiosos. Os seguidores do reverendo improvisaram uma celebração na calçada e cantavam a plenos pulmões hinos e cânticos. Jaime permitiu que seu parceiro fosse na frente se fazendo valer de sua largura e altura.
      - Licença, polícia, com licença. – dizia Marcão.
      O carro era um importado, deveria valer alguns milhares de dólares. Jaime olha para Marcos e usa de sarcasmo.
       - Vou ser pastor também. – sussurrou.
       Lá está ele, ou melhor, o corpo do líder da MD, caído para frente, com o rosto no volante e uma faca enterrada até o cabo no pulmão direito. Ao ver aquela cena, Prates começou a botar a cabeça para funcionar levantando hipóteses. Influente, rico e poderoso, esse cara colecionava admiradores e com certeza desafetos, muitos deles.
       - Jaime, veja, um corte profundo bem ali. – Marcos aponta.
       - Eita! O que o senhor aprontou, pastor?
       Jaime faz a volta no carro ficando ao lado do parceiro. É impressionante o quanto Marcos é grande, um gigante de dois metros de altura. A seu lado Prates parece um anão.
       - O que acha? – perguntou Jaime.
       - Pois é. Vamos deixar que a perícia faça o trabalho. Aquele bilhete ali tem muito a nós dizer. – cruzou os braços.
       - Com certeza estamos diante de um quadro de vingança.
       - Será?

*

     O mundo evangélico está em crise e também de luto. A todo momento os plantões de telejornais informam sobre o assassinato brutal do reverendo Medeiros. Na internet os canais não falam de outra coisa e os especialistas debatem o tempo inteiro não chegando a lugar algum. Todos querem saber o que o dono da MD fez para merecer um fim tão trágico. Na TV, num dos programas de maior audiência no horário nobre, foi convidado o fundador da segunda maior igreja evangélica do país para uma entrevista. O pastor Roberto Freire preferiu se manter na imparcialidade respondendo somente o necessário.
      - O senhor acredita numa vingança? – perguntou o apresentador.
      - Isso quem vai dizer é a polícia.
      - O senhor conhecia pessoalmente o reverendo Medeiros?
      - Nos encontramos algumas vezes em eventos como congressos, cruzadas e jantares.
      - E o que senhor achou?
      - Um homem de Deus. Só isso.
      As respostas do pastor já estavam irritando Jaime quando Rafa voltou da cozinha com os sanduíches.
       - Que homem idiota. – começou Prates. – por que aceitou participar do programa então?
       - Ele é concorrente direto do falecido. Você acha que ele vai ficar defecando pela boca num programa popular como esse? – serve suco ao policial.
       - No bilhete estava escrito “ É isso que acontece prometer e não cumprir”.
       - Nossa, quanto rancor.
       Jaime desliga a TV.  Há uma semana ele vem notando uma certa inquietação em sua namorada. Por mais que ele já tenho perguntado e ela tenha negado que esteja passando por problemas, Jaime insiste no assunto.
       - Rafa, me conta, vai. Eu sei que você não está bem.
       - Deixa de ser paranóico, garoto. Eu estou bem.
       - Algum problema com cliente?
       Rafa termina seu lanche e recolhe sua louça.
       - Está tudo bem. – se levanta. – coisas de mulher.
       “Bem uma ova!” assim pensou Prates. Por mais que Rafa não passe de uma namorada ou sabe-se lá o que, Jaime conhece bem quando ela está desconfortável. Na cozinha Rafaela decidiu deixar para lavar a louça depois. Sua cabeça não para de girar e relembrar os últimos acontecimentos. Mais uma vez ela foi seguida. Rafa havia terminado de atender seu último cliente do dia e estava saindo de seu apartamento quando viu aquele vulto entre os carros estacionados na calçada. Na hora ela pensou em ligar para Jaime, mas pensou melhor. Ela não quer envolvê-lo nisso, ele já tem problemas demais para solucionar. Mas o fato é que a garota de rosto redondo vem sendo observada por algo ou por alguém e isso vem lhe tirando o sono.

*

     Mais uma vez a noite foi perfeita. Jaime e Rafa dormiram juntos, fizeram amor e caíram cada um para o seu lado. Antes das sete da manhã o investigador já havia despertado e agora ele se encontra conferindo algo no celular. As notícias sobre o crime do pastor chegam a todo instante e com isso os jornais adoram despejar notícias sem fundamento, espalham fakes. Segundo um desses blogs o reverendo Medeiros foi morto por que era envolvido com a milícia. Jaime meneia a cabeça - esse povo quer saber mais do que ele que está investigando o caso.
      Prates deixa o celular em cima da cômoda e antes de ir ao banheiro ele observa Rafa deitada, com o rosto enterrado entre os travesseiros, semi nua. Ela é linda, gostosa, muito gostosa, ele estaria tirando sorte grande se um dia ela aceitasse ser sua esposa e não uma garota que ele pega de vez em quando. No banho ele volta a pensar nas investigações. Jaime acredita que o crime tenha sido motivado por uma desavença interna. Mas até onde uma simples discussão ou desentendimento pode levar? Afinal um líder religioso foi morto. Um homem que pregava as obras de Cristo. Um homem que vivia num ambiente cercado de pessoas bondosas, amáveis e que só queriam ouvir palavras que amenizassem o sofrimento. Pois é, nem tudo é o que parece ser. Um assassinato no seio da igreja.
*

       As dez da manhã Jaime estacionou o carro em uma das muitas vagas da cede da MD. Andou até o portão gradeado e tocou o interfone. Uma voz metalizada de mulher o atendeu.
       - Pois não, bom dia!
       - Bom dia, sou o policial Jaime Prates, tem alguém com quem eu possa conversar?
       - Um minuto!
       Já sabendo qual seria o próximo passo Prates sacou do bolso da jaqueta o sua identificação como policial. Mas estranhamente o portão foi destravado. O lugar é moderno. Na recepção, atrás do balcão há a logo gigante do Ministério de Deus com letras douradas. A recepcionista, uma moça usando um coque ornamentado por um laço rosa o recebeu com um sorriso pintado de vermelho.
       - Bom dia, já falei com o pastor Aluísio, ele vai recebê-lo.
       - E quem seria esse?
       - O vice presidente da MD. Venha é por aqui.
       Jaime é encaminhado por um corredor com salas e seus ocupantes concentrados em seus monitores, tudo no mais perfeito silêncio. O policial também não pode deixar de notar no par de pernas da recepcionista onde a meia-calça a deixava bem mais sensual dentro do uniforme. Ela bate numa porta onde há escrito “direção” e entra.
        - Pastor Aluísio, o policial Prates.
       Camisa branca, gravata azul marinho, magro porém ostentando uma barriga saliente, esse é Aluísio Lima, o segundo homem da MD. O seu rosto é sério, fechado e o bigode ajuda a deixá-lo mais imponente.
       - Entre e sente-se detetive. Aceita um café, suco?
       Jaime se recorda que ainda não havia tomado nada antes de sair, por isso aceitou o café.
       - Renata, por gentileza, dois cafés.
       Jaime mais uma vez olhou para as pernas  da mulher só que agora ele sabe o nome da dona delas.
       - Em que posso ser útil, policial?
       - Bom, desde já lamento o ocorrido. E pelo que vejo o trabalho continua a todo vapor.
       - Isso mesmo. A Ministério de Deus cresceu muito, podemos dizer que não se trata mais de uma igreja. Contamos hoje com mais de sessenta funcionários, uma dezena de serviços prestados, ou seja, a MD como é conhecida se tornou uma empresa e das grandes e isso tudo somente aqui nessa cidade.
        Nada do que o vice presidente falou impressionou o policial. Jaime sabe como as coisas funcionam. Primeiro alguém abre uma minúscula congregação, depois parte para algo maior e aí se o trabalho for realmente sério dentro de pouco tempo você estará diante de um império.
         - Como era a relação dos senhores?
         - O reverendo Medeiros era um visionário. Veja, ele começou tudo isso sozinho. – a recepcionista entra na sala com as xícaras de café e volta a ser alvo dos olhares de Jaime, mas dessa vez ela percebeu.
        - O senhor tem ideia de quem possa ter feito isso, alguma desavença?
        - Walter levava muito a sério tudo o que fazia e não admitia falhas, como patrão era exigente, mas não a ponto de criar inimigos.
        Renata termina de servi-los e antes de sair ainda olha para o agente.
        - O senhor por um acaso esteve com o reverendo na noite em que ele foi morto? – belisca o café.
        Aluísio diante da pergunta permitiu que seu semblante caísse e os olhos ficassem marejados. Ele soltou a caneta e entrelaçou os dedos. Jaime acompanhou com paciência o curto desconforto do pastor.
        - Sim, estive com ele sim. Foi rápido, mas muito significativo para mim.
        - Pode me dizer o que aconteceu?
        - Reverendo Walter Medeiros era antes de tudo o meu pastor. Eu havia pregado naquela noite e ele veio me elogiar pelas palavras. Me deu um beijo na face e me abençoou e... – para a frase no meio do caminho devido ao nó formado na garganta. – e se foi.
        - Bom. Lamentamos muito pastor Aluísio. Vou deixar com o senhor o meu número, se souber de qualquer coisa me liga. Bom dia.
        - Bom dia. Estou a disposição.
        Jaime Prates caminha em direção a saída ainda tentando fazer com que as peças se encaixem. Uma morte por vingança. Uma faca cravada nas costas e um recado “É isso que acontece prometer e não cumprir!” o que Walter Medeiros teria prometido e não cumprido? Por que Prates ligou o sinal de alerta em sua mente ao sair da sala de Aluísio?
       Renata sai de trás do balcão para levá-lo até a porta de saída. Seja o que for ele não pode deixar passar as oportunidades.
       - Renata, acertei?
       Ruborizada ele assentiu.
       - Posso deixar o meu número com você?
       - Sim, sim. Quer o meu também?
       - Adoraria.

*

      Do que adianta ter uma “profissão” que lhe rende conforto, uma certa estabilidade, um homem que é apaixonado por você mesmo sabendo que todas as noites você se deita com homens de todos os tipos, se você não tem paz? Do que adianta? Rafa não está sabendo lidar com essa situação. Nenhum pouco. Enquanto sente as penetradas fortes de seu cliente, um sujeito viciado em academia por trás dela, Rafaela se desvirtua do que está acontecendo e sua mente está mais uma vez em seu perseguidor. Quem será esse cara? O que ele quer de fato? Ele pode ser qualquer um, até mesmo esse monstro de músculos atrás de mim.
       O homem bateu nas nádegas da prostituta já retirando o preservativo.
        - Já fui!
        - Ah, o que?
        - Podia ter pelo menos ter dado alguns gemidos. E eu ainda terei que pagar?
        O constrangimento é grande mais uma vez. Realmente Rafa não está em sua melhor fase. Ela olha para seu cliente, um homem até atraente com boa parte do corpo coberto por tatuagens. Ela precisa fazer algo por ele afinal de contas ela é uma profissional do sexo disputada a tapa.
        - A segunda será por conta da casa.
        - Ah, mais agora eu já me esvazie.
        - Deite aí. – empurra a montanha na cama. – nada como um showzinho da Rafa para te animar outra vez. – iniciou uma dança deixando o rapaz louco.

*

      Engana-se quem pensa que com a morte brutal e inesperada de Walter Medeiros a igreja MD perderia seus membros para a concorrência. A Ministério de Deus só cresce desde então. Quem era fiel se tornou mais fiel ainda e faz questão de relatar fato por fato dos milagres realizados por Deus sob a intercessão do reverendo. Um das frequentadoras mais antigas conversa com os novos seguidores sobre o que a fé do reverendo proporcionou na vida de seu filho.
        - Meu filho mais novo foi desengano pelos médicos dizendo que ele só tinha alguns dias de vida. Foi quando num dos cultos o reverendo parou de pregar e apontou o dedo em minha direção e disse lá do altar “ tenha bom ânimo, seu filho está sendo curado hoje” e quando fui ao hospital no outro dia meu filho recebeu alta.
       Essa é apenas uma das milhares de maravilhas contadas pelos membros aos novos. A imprensa numa reportagem especial relembrou o dia em que a MD alugou um estádio de futebol onde numa tarde de sábado ajuntou cerca de duzentas mil pessoas. Ali houve expulsão de demônios, recolhimento de ofertas e operação de milagres. Paralíticos, pessoas com doenças na pele, e até cegos saíram do estádio curados.
         - Você não veio aqui atoa, você não pode sair daqui do mesmo jeito que entrou. Eu determino a vitória em sua vida. – berrava a plenos pulmões no microfone.
        Hoje, mesmo diante do desse quadro, os cultos acontecem diariamente, manhã, tarde e noite, qualquer hora e em qualquer lugar a MD está com suas portas abertas para lhe ajudar.
*

    Um sanduíche de mortadela aguardando no prato e o outro pela metade na mão. Marcão é uma das milhares de pessoas que vive brigando com a balança. Mesmo sendo um homem com quase dois metros, ele precisa perder peso e urgente. Não bastasse as dores nos joelhos, agora a lombar resolveu dar sinal de vida.
        - Como foi a conversa com o vice de Medeiros? – se acomodou na cadeira bem a frente de Jaime.
        - Tranquila. Mas algo me diz que ainda nos veremos outra vez.
        - Se eu te conheço bem, você vai querer depoimento de todos os membros da MD. – pegou o outro sanduíche.
        - Pensei nisso também, mas acho que não será necessário, eu só preciso achar as pessoas chaves e bingo. Sobrou alguma coisa para mim? – aponta para o sanduíche.
        - Ih, me desculpa, esqueci de você, mas se preferir, que tal aquela coxinha da padaria da outra esquina?
*

      A noite nunca significou problema para Rafa. Pelo contrário. O seu faturamento triplica ao cair da noite. Mas hoje às circunstâncias são outras. A noite agora é sinônimo de perigo iminente. O dia foi até rentável e as vezes satisfatório. Assim que Rafa termina de fazer sua transação bancária ela deixa a agência olhando os dois lados da rua e seus sentidos. O medo de mais uma vez cruzar com aquele vulto perseguidor é de fazer com que suas entranhas se movam lhe causando desconforto. Para aliviar a tensão ela resolveu andar um pouco mais e entrar numa rua onde há mais movimento.
        A rua a qual Rafa optou é conhecida pelo número de bares e lanchonetes. Os olhares para ela são os mais indiscretos possíveis, também poderá, não são todos os dias que uma beldade desfila sua beleza e gostosura por aquelas bandas. Ela olha para trás e nada vê, mas Rafa sente que ele está ali, logo atrás dela.
        Quando percebeu Rafa já estava correndo em direção ao portão de seu prédio. Na testa as gotas grossas de suor lustram seu rosto. A escada é a melhor opção já que o medo de encontrar seu perseguidor dentro do elevador é de fazer arrepiar todo o couro cabeludo. Cansada, porém aliviada. Finalmente a porta de seu apartamento. Ela enterrou a chave na fechadura olhando para o final do corredor e entrou. O seu pé direito chutou algo que estava no chão, um pedaço de papel amassado.
       - Droga!
      Rafa deixou sua bolsa em cima da mesa da cozinha e pegou a bolinha de papel. Antes de joga-la no lixo do banheiro a meretriz desfez a bolinha e ao ler o conteúdo suas pernas ficaram bambas a obrigando a se sentar no sanitário.
       - Precisamos nos encontrar. Caso seja possível esteja no fim da semana no Jardim Parque central da cidade as 21h.
       Náuseas. Náuseas fortíssimas. Por que estão fazendo isso, o que eu fiz de mal? O choro vem acompanhado de soluços. Fazia bastante tempo que Rafa não chorava dessa maneira. Chorar de medo é uma das piores sensações que um ser humano pode sentir. Rafaela deixou o banheiro disposta a ligar para Jaime chegando a procurar por seu nome nos contatos, porém hesitou. Não seria uma boa ideia incomodá-lo. Ela conhece Jaime o suficiente para saber que ele a pediria para desistir de seu trabalho. Não. Melhor não. Isso é algo para se resolver sozinha, sozinha e Deus.

*


      Quem era Walter Medeiros? Quem era o reverendo longe do púlpito e das ovelhas? Quem era Medeiros como homem de negócios? Descobrir o que aquele ícone evangélico fazia nos bastidores não será nada fácil, quase ninguém está disposto a falar a verdade. Medeiros tinha inimigos, disso não há dúvidas. Hora de colocar esses inimigos contra a parede. 
      Sabendo que a cede da MD estaria lotada as 19h, Jaime e Marcos chegaram uma hora mais cedo. Um palácio, um verdadeiro palácio com sua fachada absurdamente iluminada. O letreiro é bastante chamativo com uma luz que vem de trás de cada letra em azul.
        - Como vão as coisas com a Rafa? – Marcão cruzou os braços diante do volante.
        - Vão bem. E você e a Tati?
        - Confuso. De uns tempos para cá ela tem me evitado. – expirou.
        - Mas, assim, do nada?
        - Lembra quando eu chegava todo empolgado dizendo que havia conhecido uma mulher quentíssima? Pois é parceiro, quando a esmola é demais o santo desconfia. Estamos a quase dois meses sem transar.
         Marcos é sempre brincalhão, seu bom humor supera as crises. Vê-lo falando sério causa estranheza em Jaime.
          - E ela não lhe contou o motivo?
          - Pior que não, mas eu sei. – abaixou a cabeça. Prates segue olhando para o gigante a seu lado. – meu sobrepeso, com certeza o motivo é esse.
          - Mas, cara, ela te conheceu assim, enorme.
          - Sim, mas eu sigo engordando todo dia e isso realmente tem atrapalhado demais na hora da relação. Entendeu?
          - Meu amigo, só há uma solução para isso? – bateu no ombro. – converse com ela e se for esse o motivo, emagreça. – Marcão assentiu. – vamos nessa?
         - Bora!

*

      Aos poucos os quase três mil lugares vão sendo ocupados, sem falar da parte externa onde há um telão transmitindo o culto em tempo real. Jaime e Marcão são recepcionados gentilmente por dois homens engravatados com sorrisos largos.
       - A paz! Sejam bem vindos.
       - Obrigado. – Marcos retribuiu com outro sorriso.
       Lá dentro o ambiente é transformador. Para onde quer que se olhe há alguém de joelhos orando. Há também grupos conversando moderadamente pelos cantos e no altar os possíveis organizadores fazendo os últimos ajustes antes do início da celebração. Jaime olha para seu parceiro e depois para o quadro de anúncios onde há fotos dos livros escritos por Walter Medeiros a preço de custo. Alguém toca no ombro do policial o tirando do devaneio.
       - Veio cultuar ou investigar?
       - Pastor Aluísio Lima.
       A expressão do vice da MD não é das melhores.
        - Digamos que viemos fazer as duas coisas.
        - Tire as sandálias quando pisares nesse lugar. – olha para o alto tentando encarar Marcos. – por que esse lugar é santo.
        - Estamos fazendo nosso trabalho. – disse Marcos.
        - Sim, claro, mas recomendo que faça o seu trabalho lá fora ou aguarde o término do culto.
        Marcão já estava com a boca aberta para retrucar quando Jaime o interrompeu acatando as ordens do pastor. Aluísio se afastou andando em direção a porta que dá acesso ao altar juntamente com outros homens usando terno e gravata.
        - Não gostei dele. – Marcão cruzou os braços.
        - E acho que nem ele de você. Vamos ficar aqui só na observação.
        A última vez em que Jaime Prates colocou os pés numa igreja evangélica foi a mais ou menos vinte anos quando ainda sonhava em ser um agente da lei. Certa vez disseram a ele que numa determinada igreja havia um pastor que revelava mistérios e desvendava sonhos e ele comprou a ideia. Jaime se recorda que ocupou o último lugar nos bancos feitos de madeira bruta e acompanhou a celebração onde o tal pastor era o foco das atenções. As vinte e uma o culto terminou e também a paciência do jovem Prates
      - Esse pastor não está com nada. – disse consigo mesmo.
      Assim que subiu em sua Garelli alguém o chamou pelo nome.
      - Boa noite querido jovem, recebeu o que veio buscar?
      Prates engoliu em seco olhando diretamente para o pastor, um homem simples de olhar sereno e fala acelerada.
       - Como assim? – gaguejou.
       - Prestou atenção na mensagem?
       - Sim, sim.
       O pastor o tocou no ombro e o apertou.
       - Então vá nessa força, Deus é contigo.
       Enquanto voltava para casa Jaime estampava no rosto um sorriso diferente, sincero e satisfatório. Ele buscou na memória uma das palavras ditas pelo pastor na mensagem “Deus não fará nada sem antes você dar o primeiro passo”. Isso marcou Jaime e é nisso que ele acredita.
        Uma voz rouca e forte o tirou de suas lembranças. Marcos prestava atenção no culto e também foi surpreendido.
        - Senhores, o reverendo Lima pediu que se retirassem.
        - Ah, como assim? – Jaime olhou para Marcos.
        - Só estou seguindo ordens senhores.
        - Somos policiais, estamos no meio de uma investigação. – Marcão alterou o tom de voz.
        Nesse momento outros homens engravatados surgiram rodeando e chamando atenção de outros membros da mega igreja. Do altar Aluísio Lima faz gestos ordenando que retirem os agentes o mais rápido possível. Jaime pensou em dar voz de prisão a todos, inclusive ao líder, porém se conteve.
       - Vamos, Marcos, já vimos o suficiente.
       - O que, como assim, Prates?
       - Marcão. – pega no braço do parceiro. – vamos.

*

      O site de moda é a única coisa capaz de prender atenção de Rafa e fazê-la esquecer de seus percalços, porém essa noite sua cabeça está acelerada, imaginado mil coisas a cada um segundo. Bastante a vontade dentro de um camisolão que trás na estampa personagens de desenhos infantis e com as pernas em formato chinês e meias coloridas, Rafa busca o tempo todo esquecer das perseguições que vem sofrendo. Para ficar um pouco mais tranquila ela desligou todas as luzes do apartamento. Somente a luz da tela do notebook clareia parte da sala. Ela está com medo, muito medo. Quem seria esse maldito que vem lhe tirando a paz? Qual seria a sua motivação? Por que está fazendo isso? Mais uma vez Rafa volta a pensar no encontro no final da semana. Será essa sua última semana? Meu Deus, que tortura.
       Uma mensagem chega no celular. Jaime anunciando sua chegada. Ela respirou aliviada. O computador é deixado de lado. Ela não queria, mas será necessário e bom para ela. Com rapidez ela abriu a porta e não esperou o empolgante “boa noite” do policial. Rafa foi direto lhe abraçando e o beijando. Tudo o que aquela mulher com rosto de garota arteira quer é fazer amor a noite inteira.
        - Opa! Calma, deixa eu entrar, que fogo é esse?
        - Me abraça, me beija, diz que me ama.
        - Nossa. – falou quando sentiu a mão de Rafa apertando suas partes baixas. – estou faminto.
        - Venha me comer primeiro.
       Desde a porta até o sofá há peças de roupa no chão. O casal passou uma hora fazendo sexo intenso na escuridão do apartamento ouvindo apenas as próprias respirações profundas. Se foi bom? Não! Foi maravilhoso. Jaime acaricia o rosto cheio da namorada e a indaga.
       - Posso saber o porquê de tanto fogo?
       - Nada, só muito tesão mesmo. – beijou o peito do agente. – vamos mudar de assunto? Como vai a investigação?
       - Avançando. Marcão e eu estivemos na cede da MD e podemos dizer que estamos no caminho certo.
       - E ele, Marcos, está bem? – se ajeita no colo de Jaime.
       - Um pouco para baixo devido ao seu peso. Acredita que ele e a Tati não transam a meses por causa disso?
       - Meu Deus, o caso é sério mesmo.
       - Seríssimo. – bocejou. – bom, vou fazer um sanduíche, vai querer?
       - Sim!

*

      A Ministério de Deus indo de vento em popa. A nova direção sob o comando do pastor Aluísio Lima vem trabalhando dia após dia e arrecadando muito a cada culto realizado. Quase que diariamente o novo reverendo – como já é chamado entre os membros, se reúne com sua equipe na sala que um dia pertenceu a Walter.
       - Senhores, o nosso sucesso tem um nome.
       - Jesus! – respondeu o diretor financeiro.
       - Por favor, eu não gostaria de ser interrompido. – ergueu a mão direita.
      Houve um silêncio pra lá de incômodo. Reverendo Lima pigarreou e logo seguiu com seu discurso.
       - Como eu estava falando, o nosso sucesso tem um nome. Trabalho. – olhou para o seu diretor de finanças. – eu sempre acreditei que a prosperidade anda lado a lado com o trabalho duro, longe de tudo aquilo que nos foi ensinado durante décadas.
       Nesse momento todos os dez presentes se recordaram das mensagens do falecido Walter Medeiros que gostava de enfatizar que a prosperidade é uma recompensa de Deus pelos nossos bens feitos em sua obra.
       - Esse tempo acabou na MD. Aliás, muitas coisas irão mudar nessa igreja. Chega de discursos, é hora de agir. Chega de promessas sem fundamento, um novo tempo nos aguarda.
       A reunião terminou, mas nós corredores o clima hostil só estava começando. As primeiras impressões do novo chefe não são lá tão boas. Todos estavam acostumados a terem um patrão manso, espiritual, um pouco sonhador, mas muito espiritual. Aluísio é o oposto de Medeiros que já toca a MD como se fosse uma mega empresa, não que ela não seja. Mas antes de tudo a Ministério de Deus é um templo, templo esse onde pessoas buscam socorro e descanso para alma.
       É bem verdade que reverendo Medeiros e seu vice nunca tiveram uma convivência amistosa. O diretor de finanças enquanto toma café olhando alguns gráficos, conversa com outro membro da equipe sobre os dias de reunião onde Aluísio sempre brecava os projetos importantes ou até de uma certa relevância do reverendo.
      - Isso aqui é antes de tudo uma igreja. – pondera o diretor.
      - O que ele quer, transformar a MD num amontoado de setores onde o lema é salve-se que puder?
       - Estou dando uma olhada nos gráficos e realmente crescemos muito. Resta saber o que ele vai fazer com todos esses recursos.
       - Esse era o sonho de Aluísio, um dia assumir a presidência da MD. – olha ao redor.
       - E como você sabe disso? – fechou a pasta com os gráficos.
       - Meu amado, isso era evidente.

*

      Jaime precisa pensar, colocar as coisas em ordem. Alguma coisa não está batendo nessa história. O assassinato de Walter Medeiros foi violento e dentro dos padrões que o leva crer que se trata de uma vingança. Uma promessa não cumprida o levou a morte, uma morte brutal, carregada de sentimentos malignos. Em sua mesa há um computador, agenda e inúmeros papéis dos quais ele ainda não teve tempo de analisá-los. Ele abre a primeira gaveta e tira de lá uma folha em branco. Do porta canetas Prates sacou a sua preferida, uma esferográfica preta. No papel ele traçou uma linha na horizontal. Na ponta dessa linha Jaime desenhou – mal e porcamente uma igreja com direito a uma cruz no alto e no centro do desenho escreveu MD. Ao lado da igreja colocou um sinal de adição e em seguida escreveu pessoas e ao lado de pessoas desenhou uma moeda com um cifrão no meio. Jaime olhou para a linha. Igreja, pessoas, dinheiro e ainda há espaço para terminar a linha. Sim, quem deve ocupar o último lugar na outra extremidade da linha? Ele deixou em branco.
       Enquanto ainda pensava o celular tocou. Sobressaltado o policial atendeu mesmo não reconhecendo o número.
       - Agente Prates.
       - Olá, sou a Renata, lembra?
       - Renata? – franziu a testa.
       - Sim, eu trabalho, ou melhor, trabalhava na Ministério de Deus como recepcionista.
       Na hora Jaime se lembrou do par de pernas da mulher.
        - Ah, sim, Renata, tudo bem?
        - Tudo ótimo, melhor agora falando com você.
        Do outro lado da linha Jaime engoliu em seco “ Rafa vai me matar”.
        - É, sim, diga?
        - Gostaria muito de conversar, será que tem um tempo?
        - Claro, claro.
        - Que bom, pode anotar o meu endereço?
        Assim que encerrou a ligação Jaime se pegou sorrindo e logo em seguida mudou sua expressão. Pode não parecer, mas Jaime sempre respeitou Rafaela. Ele a ama de verdade. Mas como todo homem ele não resistiu ao convite de outra mulher, ainda mais sendo essa mulher dona de belas pernas. Jaime adora pernas. Mais uma vez ele olha para o papel onde fez seu desenho. O dobrou muito mal e o guardou no bolso da jaqueta. Hora de se encontrar com Renata. Quando estava saindo esbarrou com Marcão voltando do cantinho do lanche.
       - Vai sair? – pergunta com a boca cheia de biscoito.
       - Vou sim.
       - Vou com você?
       - Não, não será preciso.

*

     No YouTube é digitado o nome de reverendo Walter Medeiros e logo aparecem vários vídeos de cultos na MD e também notícias de sua morte. É clicado num vídeo cujo o título diz Reverendo Medeiros cura mulher de câncer usando unção do anjo. O vídeo começa já com Medeiros impondo as mãos sobre a mulher que chora absurdamente.
      Canalha, cretino, por isso morreu. Enganador. Graças a Deus o mundo está livre, menos um charlatão. Eu não poderia deixar que esse circo continuasse. O meu Deus não age dessa forma.
       Medeiros terminou a oração.
       - Faz o que você não podia fazer irmã.
       A mulher mexe os braços, pula, grita anunciado sua cura enquanto a igreja aplaude.
        - Viram, esse é o poder da fé. Vá em paz irmã, está curada. Volte aqui na próxima semana trazendo os exames.
        As coisas de Deus não podem ser levadas na brincadeira e esse impostor fazia isso o tempo inteiro. Tomara que todos tenham aprendido a lição. O salário do pecado é a morte.

*

       Jaime não está entendendo o porquê do nervosismo. Um simples encontro com uma mulher o está deixando em estado de choque. Ele já tocou a campainha duas vezes e até agora nenhuma resposta. O detetive volta a olhar para a rua e depois para o portão social chapeado que bloqueia toda visão da casa. Finalmente passos. A voz de Renata parece tranquila.
      - É o investigador Prates?
      - Oi, sim, boa tarde.
      Ela abre o portão. Se Jaime já estava uma pilha de nervos, vendo Renata com os cabelos soltos e molhados ele quase teve um ataque cardíaco. Nada como uma bela dama de cabelos molhados.
        - Vamos entrando.
        O mesmo olhar, a mesma simpatia de uma recepcionista. Claro que Prates não deixou de reparar nas pernas. Não deu tanta sorte já que Renata usava uma calça jeans. Mas mesmo assim ela não deixou de ser uma bela mulher.
       - Acabei de passar um café.
       A casa é simples porém muito bem cuidada. O lugar tem a cara da dona. Quadros com lindas paisagens e vasos de flores coloridas. O computador ligado num site de venda de cama, mesa e banho mostra o quanto a ex funcionária da MD gosta de ornamentar seus móveis.
       Enquanto ela serve o café e fala do quanto gostava de trabalhar na MD e que não sabe o que vai fazer quanto ao dinheiro do aluguel do mês seguinte, Jaime se pega imaginando como fará para conciliar o namoro com Rafa e o relacionamento com Renata.
       - Droga! – disse alto
       - O que disse? – Renata colocou a xícara na frente do policial.
       - Nada, nada, só pensei alto. Me desculpa. – toma do café. – então?
       - Detetive Prates, eu...
       - Por favor, apenas Jaime.
       Eles trocam olhares por alguns segundos antes de Renata prosseguir.
       - Eu trabalhei na MD por quase dez anos, conheço tudo. Tive a oportunidade de participar de longas reuniões com o conselho, presidenciais e diretores. Vou logo dizendo, por mais que fosse uma instituição religiosa as reuniões não eram nada harmoniosas e quem dirá amistosa.
       - Eram acaloradas?
       - Ferviam. – brinca. – o reverendo Medeiros pensava totalmente diferente do conselho e de seu vice presidente.
        - Pode ser mais específica?
        - Vamos lá. – toma mais café. – na última reunião, antes de ser morto, Medeiros e Aluísio quase chegaram as vias de fato. Aluísio é um cara que age muito pela razão, ele pensa mais, é um estrategista nato. Já Medeiros era emoção, espiritual, sabe? As coisas infelizmente não ficaram nada boas nesse dia. Os diretores tiverem que intervir e separar os dois. Na saída o pastor Aluísio soltou algo que me preocupou.
        - O ameaçou?
        - Ele disse em alto e bom som que Medeiros não prestava mais como presidente da igreja, não servia nem para ser membro. Precisava ser afastado.
         - Então você acha que Aluísio Lima matou ou mandou matar o reverendo Walter Medeiros?
         Renata olhou para o teto.
         - Não sei. Eu só sei que eu deveria te contar isso.

*

       Foi melhor do que Jaime imaginou que seria. Houve até uma ponta de decepção, mas, sair da casa de Renata com uma gama de informações daquela importância foi melhor até que passar o dia com ela. Como homem ele não conseguiu saciar seus desejos, porém como policial, Prates tem agora um suspeito em potencial. Aluísio Lima tinha todos os motivos para tirar Medeiros da jogada. Ser presidente da maior instituição evangélica do país e fazer disso o seu feudo, claro, é o sonho de muitos lá dentro. Imediatamente ele ligou para Marcos.
       - Grande dia.
       - O que mandas? – fala mastigando.
       - Vá para MD. Já.
       - Mas, assim, agora, o que houve?
       - Lá eu te conto.

*

      É preciso ter estômago. Fazia tempo que Rafa não atendia um cliente chato e fedido. Não bastasse ser gordo de aspecto desleixado o homem parece ter um esgoto na boca que se espalha por todo o seu corpo grande e flácido. Não suportando mais o forte odor, Rafa precisou se afastar para não vomitar a cama inteira.
       - O que aconteceu?
       - Oi? Nada, nada, vamos continuar.
       Rafaela também não consegue tirar da cabeça o encontro com seu perseguidor. Ela precisa encarar essa situação de frente ou isso a consumirá por completo. Finalmente o velho gordo ejaculou se desmanchando em cima da cama exalando odores pela boca e axilas. Para não correr o risco de receber outro cliente mal cheiroso Rafa resolveu encerrar o expediente mais cedo.
       Assim que se viu sozinha ela voltou a pensar no encontro e mil coisas surgem em sua mente. Dúvidas e mais duvidas. Contar ou não para Jaime? Claro que não. No banho, com direito a bastante sabonete líquido por todo o corpo, Rafa se imagina sendo perseguida e talvez até torturada. Isso lhe causa arrepios – devo levar uma arma? Outros pensamentos circundam como, abandonar a vida de prostituta, há outros meios de se ganhar a vida. Mas o que fazer? Rafa não tem profissão, não quer aprender, assim fica difícil. O jeito é tentar tirar esse merda da sua vida nem que para isso ela tenha que matá-lo.

*

       Cede da poderosa MD. Funcionários trabalhando a todo vapor. Diretores reunidos em suas salas amplas e modernas discutindo verbas e analisando gastos e em seu gabinete Aluísio termina de conversar com novos investidores que trarão para igreja o que há de mais moderno em questão tecnológicas. Assim que os quatros homens saem, Marcos e Jaime entram mudando a expressão eufórica do líder evangélico.
       - Desculpe a visita surpresa senhor Aluísio, mas o assunto não poderia esperar. – disse Jaime puxando uma cadeira.
       - Sim!
       - Eu gostaria de saber se procede uma briga que teve com Medeiros dias antes de sua morte.
       O pastor foi pego de surpresa, seu estômago até se revirou. Ele olha para Marcão de braços cruzados em pé atrás de Jaime.
         - Briga? – franze a testa.
         - Isso, briga, o senhor disse que Walter já não servia para liderar a igreja. Não foi?
        Outro golpe e dessa vez ele não teve como disfarçar.
        - Bom. Digamos que a convivência com o ex pastor não era lá tão amigável. Sim, nós tínhamos nossas diferenças.
         - Agora o senhor está sentado nessa cadeira, que certamente um dia pertenceu a Walter Medeiros. – se inclina. – se sente confortável?
         - Por um acaso os senhores estão me acusando de ter enfiado aquela faca em Walter? Com licença, vou ligar para meu advogado.
         - Faça o que quiser. – se levantou Jaime. – o senhor vem com a gente.
         - O que? – arregalou os olhos.
         - Aluísio. – Marcos descruzou os braços. – creio que tenha muito o que explicar.

       Caminhando no meio dos dois policiais sendo observado por olhos condenatórios e expressões de dúvidas. Aluísio acompanhou os homens da lei até a viatura. Por fora um homem forte, determinado e passos firmes. Por dentro um ser frágil sem certeza alguma do que poderá acontecer com ele. Do lado de fora meia dúzia de jornalistas apontam suas câmeras e microfones em busca de uma declaração do reverendo Lima. Jaime o protege com o corpo enquanto Marcos abre caminho até o carro.
        - Como souberam? – perguntou Prates.
        - É o assunto em voga no momento, chefe.
        Lima entra às pressas. Jaime preferiu lhe fazer companhia no banco de trás. Marcos assumiu o volante derrapando os pneus. Dentro da viatura o religioso esfrega as mãos nas coxas.
        - Fique calmo. – começou Jaime. – ele é bom motorista.
        - Estou sendo detido?
        - Não. Ainda não. Vamos conversar um pouco mais.

*

       O pastor Aluísio Lima não foi detido, apenas foi levado para prestar esclarecimentos. A imprensa de maneira suja informou que o líder da MD havia sido preso e isso causou um pandemônio até mesmo nas igrejas concorrentes. Nas redes sociais pastores se posicionaram dizendo que a suposta prisão de Lima nada mais é que uma perseguição e abuso de autoridade.
       Ao descer do carro da polícia Aluísio é quase esmagado por jornalistas de plantão na porta do departamento. Foi preciso auxílio de força policial para que o mesmo pudesse se locomover. Jaime e Marcão pediam calma e afastavam os mais ousados.
         - Detetive Prates, o reverendo Lima ficará quanto tempo preso?
         Irritado, Jaime disparou a resposta contra o jovem repórter.
         - Em primeiro lugar não houve prisão e em segundo, quanto a tempo isso quem determina é o juiz. Com licença.

       Aluísio é conduzido até uma sala onde há uma mesa e quatro cadeiras. Assustado o evangélico paralisa na porta. O lugar realmente o intimidou de tal forma que a única coisa que passou pela sua cabeça foi sair correndo o mais rápido possível.
      - Vamos nos sentar. – disse Marcos.
      - Irei passar por um interrogatório? – gaguejou. – nada falarei sem a presença de meu advogado.
      - Quem não deve não teme. – Jaime também entra na sala. – garanto que só iremos conversar e ainda hoje o senhor estará jantando com sua família no conforto de sua casa.
        Assim que Lima se acomodou na frente de Jaime as perguntas começaram.
        - O senhor chegou as vias de fato com Walter?
        - Sim! – respondeu olhando nos olhos de Prates.
        - Houve agressões? – foi a vez de Marcão perguntar.
        - Quase. Os obreiros interviram.
        - Por que tanta agressividade, pelo que eu saiba o ambiente religioso é nutrido de paz e harmonia e...
        - Isso quando o mentor é de paz e harmonia.
        - Como assim, reverendo Medeiros era considerado um homem santo.
        - Veja bem, detetive, a Ministério de Deus cresceu e fugiu do controle de Walter. Ele precisava deixá-la nas mãos de quem realmente podia chefia-la.
        - No caso o senhor? – Marcos cruzou os braços.
        Lima fuzilou o gigante com os olhos e depois se voltou para Prates.
       - Sim!
       - Nem que para isso...
      Usando os dois punhos Aluísio esmurrou a mesa na tentativa frustrada de intimação dos agentes que sequer se moveram.
        - Eu não matei Walter. Droga!

*

       A mentira são várias, porém a verdade é uma só. Você pode passar boa parte da sua vida se valendo de sua farsa, mas um dia as cortinas cairão e nesse dia todos saberão quem realmente é você. Uma farsa.

*

     Marcos e Jaime saem da sala deixando Aluísio ainda com o sangue a ferver. É preciso mudar de estratégia, manter a calma. No momento nada os favorece.
      - Sei não! – Marcão coçou a cabeça.
      - O que foi?
      - Jaime, acha mesmo que foi ele o assassino?
      - Pode não ter sido ele, porém temos que trabalhar com a hipótese dele ter sido o mandante.
      - Vai mantê-lo aqui detido até quando? Daqui a pouco todos os seguidores dele estarão aqui, protestando.
        Marcos não deixa de estar certo. Prates se afastou indo até a máquina de café e pegou dois copos. Voltou e olhou para o parceiro.
         - Deixa comigo.
        Ao entrar Jaime é surpreendido ao ver Aluísio orando em voz baixa. Não querendo interromper o momento íntimo entre o pastor e Deus, o policial apenas colocou os corpos na mesa antes do amém ser ouvido. Ao levantar a cabeça o rosto do religioso já estava mais tranquilo.
        - Café? – disse Jaime.
        - Cai muito bem.
        Um instante de silêncio e logo o próprio pastor reiniciou a conversa.
         - Mesmo com seus defeitos Walter não merecia esse final. Lamentável.
         - Muito triste mesmo. – toma café.
         - Eu só queria o bem da instituição, eu tenho formação, conheço os trâmites, Walter Medeiros era o nosso mentor, porém sua visão de reino de Deus mudou completamente.
         - Como assim?
         - Walter queria uma igreja movimentada, sabe. Operações de milagres e maravilhas nos cultos. Eu creio em tudo isso, porém tenho minhas convicções.
         - E de repente os cultos se transformaram em verdadeiros espetáculos com mudos voltando a falar, cegos vendo e pessoas desenganadas sendo curadas?
         - Isso mesmo. – abaixou a cabeça. – eu só queria uma igreja viva onde verdadeiramente as pessoas viessem a conhecer o Deus dos milagres e não somente os milagres. – chorou. – milagres de verdade. Entende, detetive?
        - Entendo.
       Um táxi foi chamado e Aluísio foi levado de volta para a cede da MD. Como Marcos falou, ao redor do departamento uma numerosa multidão já havia sido formada por membros e admiradores do novo líder da igreja. Para Jaime a investigação ficou ainda mais complicada. Agora não há suspeitos e também não há pistas. O jeito é começar do zero.
        - Vamos voltar a cena do crime. – disse Jaime já pegando a chave da viatura.
*

      O assassino de Walter fez tudo de caso pensado. Escolheu um lugar aberto porém sem levantar suspeitas. Há casas por perto e a rua não é tão movimentada no período noturno. Marcos desce da viatura ao mesmo tempo que seu parceiro.
      - Ela falou que não tem nada haver com o meu peso.
      - Menos mal então. Não é? – Jaime observa o asfalto exatamente onde o carro do pastor foi encontrado.
      - Pois é. Segundo ela a fase não era das mais favoráveis na firma e isso a estava travando.
      - E como foi o recomeço? – olha para árvore tentando descobrir qual o fruto produzido por ela.
       - Ah, foi demais, minha pretinha arrebenta na cama. O que estamos procurando?
        Jaime apontou para um ponto de táxi logo a frente.
        - Aquilo.
*

     A presença da policiais nunca é algo agradável. Para um velho e fadigado taxista, a chegada de um rapaz mediano, cabelo cortado a máquina e outro gigante, negro com pinta de comilão fez o sono do idoso sumir da face da terra.
       - Corrida? – perguntou com sua voz fraca e pastosa.
       - Não, somos da polícia. – Jaime mostrou o distintivo. – quantos mais trabalham aqui?
       - Sou o único, bom, pelo menos a um mês, os outros resolveram trabalhar por aplicativo.
       - E o senhor não? – Marcos.
       - Eu não me adaptei a essa modernidade, prefiro ficar aqui e aguardar. – sorriu mostrando a perfeição de uma prótese.
       - Quantas corridas tem feito por dia? – Prates observou um caderninho amassado e sem capa no bolso da camisa do velho.
       - Poucas, graças a Deus eu não dependo disso, sou aposentado. Por que?
       - O que tem anotado nesse caderno?
       Pego de surpresa o taxista apalpa o bolso vazio antes de acertar o outro com caderno.
       - Ah, sim. Eu sou bastante sistemático, costumo anotar o dia, a hora e o lugar onde deixei o cliente.
       - O senhor não é sistemático. – pegou caderno. – o senhor acabou de solucionar um crime. – brincou Marcos.

*


     Um investigador de polícia precisa de expertise, inteligência, fontes e também um pouco de sorte. No caso da dupla Jaime e Marcão eles contaram com muita sorte. Depois analisarem com cuidado o caderno do velho taxista, eles viram que o assassino de Medeiros pagou por uma corrida de quase um quilômetro e que foi deixado num bairro pobre próximo da cede da MD. Eles ainda souberam que o tal passageiro era um sujeito jovem de aparência tranquila e pouca conversar e que na ponta do queixo há um ferimento ainda em processo de cicatrização. A viatura para enfrente a uma casa de muro baixo e portão de grade com sua pintura desbotando.
       - É aqui. – disse Jaime abrindo a porta e descendo.
       - Vamos fazer o seguinte, você vai pela frente, deixa que dos fundos cuido eu. – sacou seu trinta e oito.
      - Qualquer coisa grite.
      Jaime toca duas vezes a campainha. Segundos depois alguém o atende da porta da frente.
      - Pois não? – falou um rapaz com roupas sociais e chinelo de dedo.
      - Olá, sou o detetive Jaime Prates, podemos conversar?
      - Sobre?
      - Walter Medeiros o pastor que foi morto.
      O rapaz deu de ombros e caminhou rumo ao portão. Prates pode observar o rosto do homem e lá está o ferimento no queixo já cicatrizado.
       - Vamos entrando.
        Dentro a casa parece uma cidade devastada por um ciclone. CDs e D.V.Ds espalhados. Livros, bíblias, revistas evangélicas novas e antigas jogadas no chão e muitas roupas penduradas nas cadeiras fora o cheiro de comida podre.
        - Desculpa a bagunça, eu não recebo visitas.
        - Como se chama?
        - Cosme, Cosme Oliveira.
        - Vive sozinho, Cosme?
        O rapaz de repente ficou com os olhos cheios de lágrimas. Olhou para o policial e mal conseguiu responder.
         - Agora vivo sozinho.
         - O que houve? Você não me parece bem.
         - Minha mãe faleceu faz um mês e desde então só Deus e eu vivemos aqui.
         - Sinto muito.
         Cosme fungou o nariz e pigarreou.
          - Em que posso ser útil, detetive?
          - Não sei se você tem acompanhado os noticiários, mas o reverendo Walter Medeiros da MD foi morto perto daqui e você apareceu na linha das investigações.
         Cosme colocou a mão na boca e franziu a testa.
         - Como assim, eu apareço na linha das investigações, eu não sei de nada. Pelo amor de Deus.
         - Onde estava na noite do crime?
         - Com certeza aqui, vivenciando meu luto, morrendo de saudades de minha mãe.
         - Bom, segundo informações você saiu de dentro do carro do reverendo e pegou um táxi. Procede?
         - Jesus! – colocou as duas mãos na cabeça. – quem lhe falou isso?
          - Procede senhor Cosme?
          - Eu sou servo do Senhor Jesus, jamais mataria alguém. Eu juro.
          - Mesmo? – Jaime fixou seus olhos nos dele.
          Cosme foi até a mesa e pegou uma bíblia grande e expeça de capa preta e com as laterais das páginas em dourado. A segurou com dificuldade com uma mão e com a outra ele fez seu juramento.
         - Juro, Deus é minha testemunha.
         Jaime achou a atitude do jovem cristão exagerada e cômica. Para disfarçar o sorriso o policial precisou abaixar a cabeça. Uma dor de cabeça forte e repentina. Os olhos parecem querer saltar das órbitas e quando o policial deu por sim havia sido golpeado com a bíblia gigante na cabeça.
        Percebendo que seu alvo não caiu, Cosme desferiu outro golpe acertando a lateral da cabeça de Prates que perdeu o equilíbrio e caiu. Jaime sente que seu crânio vai explodir de tanta dor e pressão. Mesmo com a visão falhando ele conseguiu ver Cosme olhando para ele e depois saindo em direção a cozinha. A cabeça voltou a doer com mais intensidade e ele luta para não desfalecer.
         Cosme voltou da cozinha com uma faca. Se baixou e segurou a cabeça do policial a inclinando para o lado. Prates ainda tentou desarma-lo mais a dor e tontura não permitiram. Antes de cortar a jugular do agente, Cosme fez uma rápida oração.
         - Que Deus me perdoe.
        O frio da lâmina é sentido no pescoço quando uma voz familiar é ouvida dizendo “ não se mexa”. Marcão aponta seu trinta e oito para a nuca de Cosme que se levantou rápido na intenção de fugir, mas o punho enorme do policial se chocou contra o nariz do crente que apagou na hora.
         - Bons sonhos.
         Jaime consegue sorrir ao ver aquele brutamontes lhe estendendo a mão.
         - Você está bem parceiro?
         - Vou precisar de aspirinas. – mexe a cabeça.

*

       Cosme foi levado algemado para o departamento de polícia. Dentro da viatura ele ainda deu um certo trabalho cantando alguns hinos e dando brados fazendo a dor de cabeça de Jaime piorar. Marcos dirigiu o mais rápido que pode para se livrar da voz estridente do fanático. Mesmo atordoado Prates conseguiu arrancar do louco alguns relatos.
        - Aquele desgraçado pregava mentiras no púlpito. – chorou. – minha mãe adoeceu e eu a levei na MD. Ela assistiu o culto inteiro gemendo de dor e eu a seu lado, sofrendo também. O reverendo Medeiros fez uma oração prometendo a cura de todas as doenças após a oração.
        - Na certa sua mãe não foi curada. – Jaime olhou para Cosme.
        - Sabe o que é pior? Eu vi pessoas se levantarem de cadeira de rodas, vi mudo falando e cego voltar a enxergar. Eu olhei nos olhos de minha mãe e vi a fragilidade, a frustração, a fé se esvaindo. Foi então que descobri que tudo aquilo não passava de teatro, pessoas pagas para simulação. Maldito, tomara que esteja queimando no fogo do inferno.
        - Você o procurou depois disso?
        - Sim. – engoliu em seco. – minha mãe morreu dias depois. Finalmente consegui um horário para falar com reverendo. Contei a ele tudo o que aconteceu e o desgraçado de repente...
        - Fique calmo. – Prates voltou a ver lágrimas descerem e molhar a calça de Cosme.
        - De repente ele já não era o mesmo. Ele tentou me comprar, tentou calar minha boca com sexo.
        Nesse momento Marcos jogou o carro no acostamento e parou abruptamente.
        - Sexo? – Marcos virou o pescoço.
        - Sim. – respirou fundo. – sexo oral, ali mesmo e uma boa soma em dinheiro vivo.
        - E você aceitou? – outra vez Marcos.
        - Em Deus digo a verdade e não minto. O oral eu aceitei sim, só que o dinheiro não levei no dia. Marcamos um outro encontro, justamente naquele dia.
        - Quando o matou? – reforçou Jaime.
        - Isso. Eu já fui preparado pois sabia que ele não cumpriria o combinado. Dito e feito. Ele não levou a grana. Quis pagar novamente com o oral e aí vocês já podem imaginar.
         - Ótimo. – Jaime bateu no ombro de Cosme. – promete contar toda essa história ao juiz? – assentiu Cosme com um gesto de cabeça. – Marcão, toca para o DP.

*

     O final da semana sempre significou para Rafa lucro acima dos outros dias. Por baixo ela chega a faturar dez ou até cinquenta vezes mais. Como a vida é cheia de revira voltas. Hoje o fim de semana representa medo, pânico e uma vontade enorme de sumir do mapa.
      Rafaela não se produziu e nem está usado uma de suas roupas extravagantes. Básico do básico, calça jeans e camiseta baby look sem estampa. O motorista de aplicativo a deixou perto do ponto de encontro combinado e ainda lhe recomendou cuidado. Isso a deixou ainda mais em pânico. Precavida ela trouxe na pequena bolsa um estilete comprado justamente para esse encontro tenebroso.
       Dia e horário marcado. Tudo muito escuro e deserto, somente sua respiração pesada pode ser ouvida. Ele está aqui, ela pode senti-lo. Para evitar qualquer dificuldade na hora da fuga, Rafa preferiu usar tênis ao invés dos sapatos de salto. O Jardim Parque central da cidade nunca foi um bom lugar para circular a noite. Com suas árvores altas, pouca iluminação e muitos pontos cegos o lugar é perfeito para alguém mal intencionado.
       Rafaela se aproximou onde antes funcionava um trailer que vendia lanches. Um vulto é visto e ela se desesperar.
        - Apareça, chega dessa brincadeira. Eu estou armada. – pega o estilete.
        De trás do velho trailer saiu um sujeito de casaco preto com o capuz tapando a cabeça. A garota de programa dá um passo para trás e apontou a arma branca.
          - O que você quer de mim, o que eu fiz?
          Aquela figura sinistra colocou no chão uma pequena caixa preta e se afastou. Com o coração a mil e o corpo em choque Rafa observou o tal perseguidor se fundir com a escuridão.
          - O que é isso?
          Ele apontou para caixa indicando para que ela a pegasse. Ela fica paralisada. Ele dá espaço para ela. Ele volta a apontar para o objeto no chão. Respirando fundo ela caminhou e tremendo muito pegou a caixa. Olhou para o sujeito que gesticulou para que abrisse. Uma lágrima desce e a caixa é aberta.
          - Meu Deus! – vociferou. – eu não acredito nisso.
         Jaime retirou o capuz se revelando para sua namorada que chora copiosamente segurando a caixa com um anel de noivado dentro.
          - Aceita se casar comigo? – se colocou de joelhos. FIM.