sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Território da Morte


TERRITÓRIO da MORTE


Pela primeira vez o cavalo de Djalma não o decepcionou. O animal galopava a uma velocidade superior a de três puxando uma carruagem estrada afora. Nem mesmo as pedras soltas e as cortantes foram capazes de atrapalhar a fuga desastrosa do matador. Não será dessa vez que ele será capturado, não dessa vez, não por esse xerife metido a besta. Djalma crava as esporas no lombo do bicho que entendeu o comando. Hora de fazer esse merda engolir poeira.
     Chegando perto onde a estrada se divide, Djalma escuta um disparo. Ele olha para trás e lá está ele, o maldito do xerife com seu rifle apontado. Ele não vai sossegar enquanto não me levar arrastado para Crateras. É preciso dar um jeito nesse sujeito assim como dei nos outros dois.
      - Djalma, pare! – grita Francisco.
      Claro que o matador não tem a intenção de obedecer as ordens de um policial, mas essa perseguição precisa terminar, daqui a pouco eles estarão fora das terras de Crateras. O lombo do cavalo de Djalma escorre sangue e sinceramente ele não quer ver seu animal ferido por culpa desse bosta.
       - Estou avisando, Djalma, o próximo eu não vou errar. – alerta quase perdendo a voz.
       Xerife Neves mais uma vez não é atendido pelo matador, nada mais pode ser feito. Uma pena, bem que ele gostaria de voltar para cidade com o bandido algemado, isso sim entraria para a história daquela cidade. Mesmo montado e com a mira vacilante devido os galopes o xerife atira. O corpo do matador abandona o cavalo que segue correndo. Ao bater no chão, o corpo de Djalma levanta uma considerável nuvem de poeira até parar de rolar.
     - Eu avisei. – fala descendo do cavalo.
     Devagar o xerife anda até o matador que se encontra debruçado naquele chão quente. A mira do rifle está na cabeça sem o chapéu. A capa preta de Djalma caiu aberta e cobriu seu corpo de maneira perfeita assustando Neves que faz o sinal da cruz.
      - Parece um morcego gigante.
      Vendo que o matador já não é mais uma ameaça, Neves recolhe o rifle o colocando pendurado nas costas pela bandoleira. A capa preta de repente se levanta ocultando o revólver do matador que dispara duas vezes. Um tiro o acerta no ombro e o outro no abdômen. O homem da lei cai ainda tentando entender o que aconteceu. Djalma se levanta ficando de pé perto do xerife que sangra.
      - Nada como uma encenação, não é, xerife? – continua apontando o revólver.
      - Água, por favor. – fala cuspindo sangue.
      - Comece a rezar, Francisco e deixe o resto comigo.
     Três tiros, todos no rosto. É assim que se elimina um policial ou pelo menos alguém tão importante como Francisco Neves. Djalma olha para o horizonte e não consegue ver seu cavalo. Volta a olhar para Neves que ainda tem os olhos abertos. Se agacha, faz uma curta prece e com os dedos fecha os olhos do xerife. Se levanta, coloca o revólver no coldre, joga sua capa para trás e pega seu chapéu e o  limpa da poeira na calça. Djalma Brando segue a pé pela estrada. Boa hora para desaparecer por algum tempo, quem sabe por anos.

*
     - Por favor, só uma caneca de cerveja. – implora Kátia ao dono do salão. – tá calor.
     - Sei que está calor, Kátia, mas não posso dar cerveja, eu vivo desse negócio. – continua passando pano nas mesas.
     - E quem disse que será de graça? – coloca as mãos na cintura.
     - Você por um acaso tem dinheiro? – olha para ela.
     - Veja bem, o salão ainda não abriu, eu posso lhe pagar prestando um serviço prazeroso. – passa a língua nos lábios.
      Josué olha para Kátia, uma mulher pequena somente no tamanho porque na sensualidade ela se torna gigante com seus seios volumosos e lábios bastante chamativos. Transar as nove da manhã até que não é má ideia para um homem de meia idade.
      - Desde quando se transformou em prostituta, Kátia?
      - Não sou prostituta. – fecha a cara. – eu só quero uma caneca de cerveja bem gelada, nem que para isso eu tenha que trepar com um sujeito gordo e imundo como você.
      - E se vender por uma caneca de cerveja não é prostituição?
      Kátia reflete. Morde os lábios. Imagina aquele líquido amargo, gelado descendo por sua garganta e depois abre os olhos.
      - Vai querer ou não?
      - Sim, mas primeiro vamos ao serviço. 

Minutos depois Kátia bebe tranquilamente sua caneca de cerveja no canto do salão enquanto que Josué se recupera dos momentos de intenso prazer proporcionado pela pequena mulher. O sujeito gordo, bigodudo e calvo volta para o salão disposto a abrir o estabelecimento para receber seus costumeiros clientes.
      Assim que a placa que informa a abertura do salão é pendurada, um por um dos frequentadores vão adentrando e ocupando seus lugares religiosamente.
       - Josué, manda vê na cerveja que hoje o sol tá rachando a moleira. – diz um velho cliente de dentes apodrecidos.
       Kátia Brás tem companhia, um homem atarracado fumando um pedaço de charuto no canto da boca. Eles conversam sobre vários assuntos, porém o que realmente lhe interessa é levá-la para cama. Kátia por sua vez vê uma grande oportunidade de conseguir tirar proveito da situação.
       - Gostaria muito poder tomar mais uma cerveja.
       - Deixa comigo. – ergue o braço chamando Josué. – duas canecas para mesa três, por favor.
       De repente na porta do salão aparece uma figura bastante hostil. O falatório cessa e as atenções se voltam para o sujeito parado usando uma capa preta e um chapéu bem surrado. Barbudo, feições grossas e olhar sombrio. Djalma Brando. Em carne e osso. Josué e todos ali prendem a respiração pois sabem exatamente de quem se trata. Djalma, assassino de três poderosos xerifes de Crateras.
    - Bo, bom dia, Djalma, que surpresa. – Josué esfrega as mãos. – vamos entrando, quanto tempo, dois anos é isso?
     - Você tem boa memória. – anda e passa pelo dono do salão em direção ao balcão.
     - Chegou hoje? – transpira.
     - Sim, voltei hoje, tem cerveja?
     - Claro. – corre para trás do balcão.
     Djalma estranha o silêncio que se instalou no salão. O matador olha ao redor e seus olhos vão direto nos peitos de Kátia. Ela tem medo, mas o seu companheiro de mesa tem pavor. A bebida de Djalma chega. Ele volta a olhar para a única mulher no recinto.
      - Quem é a peituda?
      - Kátia Brás, ela apareceu por essas bandas logo depois do seu sumiço, ela é uma vadia.
      - Uma vadia bem interessante diga-se de passagem. – bebe da cerveja. – quem é o panaca com ela?
       - Doca, um cachaceiro sem vergonha. – Josué ajeita o avental. – já sabe do novo xerife?
      A palavra xerife lhe causa um certo mal estar. Djalma passou dois anos distante de tudo e de todos para tentar fazer do passado algo morto e enterrado. Se tem alguma coisa a qual Djalma quer distância é confusão.
      - Não. – bebe e limpa a espuma da barba com as costas da mão.
      - Wander Neves, filho de Francisco Neves.
      Pois é, certas coisas não nos deixam em paz. Brando está fadado a viver com a fama de matador de autoridades policiais. Tanto faz se ele matava por gosto ou por dinheiro. Morte é sempre morte.
      - Caramba. – rosna.
      - Tenha cuidado, os tempos são outros aqui em Crateras.
     Djalma ignora o comentário, preferiu se concentrar no par de seios de Kátia que já percebeu os olhares do forasteiro. Doca percebe que está sobrando e abandona a mesa.
      - Com licença. – sai de fininho.
     Caminho livre. Djalma pega sua caneca e pede mais cerveja para a mesa do canto do salão. Ele sabe muito bem dos problemas que virão, mas antes ele quer descarregar seu estresse quem sabe sob os gemidos de uma vadia como Kátia.
    - Posso me sentar, princesa?

*

Uma ocorrência atrás da outra. Crateras mudou muito em relação a segurança. Parece que todos os arruaceiros e bandidos migraram para aquela terra a transformando em um território de morte e destruição. O novo xerife não passa um dia sequer sem prender alguém. Para que os números não cresçam ainda mais com relação a roubos e assassinatos, Wander precisou montar um esquema onde seus subordinados circulem vinte quatro horas dentro e fora da cidade.
      Aos empurrões ele guia um sujeito maltrapilho até sua cela. O lugar já é ocupado por mais cinco presos. O calor e o mal cheiro é de deixar qualquer chiqueiro no chinelo.
      - Entre. – Wander o empurra.
      - O senhor não pode fazer isso comigo, entendeu?
      - O que não pode é você assaltar em minhas terras.
       Wander Neves volta para sua sala mal iluminada e abafada. Na mesa há diversos casos ainda por resolver. É desanimador. As vezes ele pensa em como seu pai conseguia lidar com tudo isso e ainda cuidar da família. Ele tira o chapéu e se abana. Um policial toca na porta.
      - Com licença senhor.
      - Diga? – começa a ler os conteúdos dos papéis.
      - Djalma Brando foi visto entrando no salão do Josué.
      As vísceras do xerife se retorceram. As letras no papel se embaralharam e ele perde completamente o chão. O nome Djalma quase que o nocauteou.
       - Hoje?
       - Sim senhor, o que faremos?
      É preciso ser e agir rápido. Não se trata de um malfeitor de merda. Djalma matou seu pai a sangue frio, tiros no rosto, igual fez com outros xerifes. Wander vem alimentando essa sede de vingança desde quando encontrou seu pai morto naquela estrada. O novo xerife não quer apenas prendê-lo, Wander quer matá-lo, do mesmo jeito. É preciso agir dentro dos procedimentos. Ir atrás de um matador não é tarefa para uma simples patrulha de rotina, Djalma os eliminaria como moscas, seria como levar as ovelhas para o lobo.
      - Vamos observar, galinha de casa não se corre atrás, vou elaborar um esquema e quando for a hora daremos o bote certo.
      - Sim senhor.
     De repente aquela pilha de ocorrências passa a não significar nada para Wander. Sua mente agora está focada num único caso. Para colocar as mãos em Djalma é preciso mais do que determinação. Ele terá que deixar de lado o medo e receio. Ele já matou três xerifes o que lhe custará matar o quarto? Claro que ele não quer e nem fará parte dessa lúgubre lista. Deixar Crateras livre de pessoas como Djalma é conquistar a confiança de todos e fazer com que nome Neves se perpetue.
*

Arrastar uma mulher como Kátia Brás para um canto reservado e explorar seu belo corpo não é tão difícil. Djalma não precisou mais do que duas palavras para arrastá-la para fora do salão, caminhar até um beco e ali provar dos lábios da mulher. Dois anos. Há dois anos que o matador não toca na pele macia de uma fêmea. Encontrar a senhorita Brás foi muita sorte.
     - Promete comprar um chapéu novo?
     Brando para de lhe beijar o busto e olha para ela.
     - E eu sou homem de duas palavras? Se eu falei tá falado.
     Kátia Brás não deu muita sorte na vida. Se relacionou por algum tempo com um sujeito que não amava. Mesmo sendo bonita e atraente ele a traiu com prostitutas. A gota d'agua foi ele ter perdido tudo num jogo de cartas. Por fim ela perdeu a casa com tudo o que tinha dentro. Humilhante.
      Agora ela resolveu dar a volta por cima. Tudo o que conquistou até hoje foi através de troca de favores. Para conseguir o que quer ela permite que tarados abusem de seu corpo por uma soma em dinheiro ou por coisas que ela almeja, tipo um chapéu novo.
    Djalma já está no auge do tesão quando um sujeito montando um puro sangue o interrompe.
     - Olá?
     Irado e excitado, o matador se vira para ver do quem se trata.
     - Diga? – balbucia.
     - Você é o Djalma Brando, não é?
    Imediatamente sua mão vai ao coldre. Kátia sente o clima e se afasta.
     - Calma. – ergue os dois braços. – vim em paz.
     - Diga logo o que você quer e caia fora.
     Tranquilamente o sujeito magro, alto e pálido feito cera de vela desce do cavalo.
     - Ouvi falar sobre você, soube que mata por dinheiro, é verdade?
     Essa fama não lhe trás orgulho algum, somente remorso e noites mal dormidas. Tirar a vida de alguém por um saco de moedas ou pacotes de cédulas realmente é a pior coisa que um ser humano pode fazer.
     - Fala logo. – diz entre os dentes.
     - Preciso que mate para mim. Pago agora se quiser. – aponta para a bolsa pendurada no animal. – quero que mate minha mulher e o amante dela.
      - Ficou louco? – Kátia vocifera.
      - Não, eu não fiquei louco, só estou cansado de ser enganado por aquela vagabunda. – olha para Djalma. – e ai, vai aceitar ou não?
      A dificuldade financeira de Djalma já ultrapassou a linha do impossível. Ele não vê dinheiro de verdade a dois anos, desde quando fez seu último serviço. A pessoa lhe pagou vinte mil para matar um assaltante de beira de estrada. Foi fácil. Djalma o identificou, esperou o momento certo e o finalizou com três tiros na cara. Hoje ele não quer mais fazer isso. Chega de ser a última figura que a pessoa vê antes de morrer. Chega de ouvir “pelo amor de Deus, não faz isso comigo”. Chega.
     - Lamento. 
     - Tem certeza? Tenho quinze mil dentro da bolsa, são teus se quiser.
      Djalma olha para o sujeito e depois olha para Kátia. Tira o chapéu e cospe no chão.
     - Larguei essa vida. Procure outro. Estou fora. – volta a por o chapéu. – com licença.
     Apesar do aspecto bruto Djalma sabe muito bem como ser educado e principalmente como ser um cavalheiro. O agora ex matador dá o braço para Kátia que se dependura nele. Com certeza será uma tarde repleta de prazer dentro de um quarto de motel pé de chinelo.

*

Mortes e mais mortes. Três delas de autoridades. Com isso Djalma se tornou o homem mais odiado e também o mais admirado dessa região. Jamais existiu um inimigo tão perigo. Seria ele um predestinado? Djalma nasceu para ser esse monstro? Essas perguntas são feitas diariamente, sua mente é invadida seja qual for a hora do dia por essas questões, não importando o momento.
     Enquanto se deleita naquela cama estreita com Kátia, mais uma vez ele se pega pensando em sua vida. Dessa vez ele foi obrigado a parar o ato sexual.
      - O que foi? – Kátia fecha as pernas.
      - Preciso de uma bebida.
      Puxar o gatilho é algo fácil. Difícil é conviver com esse fantasma do matador implacável. Enterrar o passado não é para qualquer um, por que seria diferente com ele?
      - Uma cerveja? – Kátia se levanta procurando as peças íntimas.
      - Não, sei lá, preciso de algo forte. – esfrega os cabelos.
      Momentos depois Djalma toma de uma só vez doses de Rum deixando sua parceira preocupada. Ela o observa em silêncio enquanto o mesmo se serve de outra dose.
       - Não vai deixar um pouco pra mim?
      O copo para na metade do caminho. Brando olha para a rapariga com aquele olhar típico de quem odeia ser questionado.
       - Se coloque em seu lugar. – toma mais rum.
       - Posso lhe fazer uma pergunta?
       - Sim. – enche o copo.
       - Você matou o pai do novo xerife, não foi?
       Esse tipo de pergunta é um espinho em sua carne, ela incomoda bastante.
       - Matei, por que? – engole a bebida.
       - Wander Neves assumiu a segurança de Crateras, a essa hora ele já deve estar sabendo de sua volta, você não teme uma represália?
       A garrafa de rum está quase vazia e Djalma ainda sóbrio. Claro que ele teme por sua vida, porém a sua volta tem um propósito. Ele sabe que um dia alguém irá se vingar ou tentará acertar as contas com ele. É um risco que ele precisa correr.
       - Se eu disser que sim, você acreditaria?
       - Você é um ser humano, de carne e osso, não é porque você matou muita gente que esse lado ficou esquecido.
       - Em todos esses anos como matador não teve um dia sequer que eu não acordasse de madrugada achando que alguém viria atrás de mim. Cansei de dormir com um olho aberto e o outro fechado. Chega. Se esse tal de Wander quiser vir acertar as contas, estarei preparado.

*

Wander Neves reuniu seus melhores homens. Profissionais capacitados, bons no tiro, bons com arma branca e até mesmo com as mãos vazias. A orientação é para quem conseguir pegar o matador não matar. Wander não abre mão de deixá-lo estirado no chão crivado de bala.
     - Sabemos que ele voltou para Crateras e que anda se envolvendo com a tal de Kátia Brás.
      - Kátia Brás, já comi. – comenta um dos agentes.
      - Pois é. – Wander volta ao raciocínio. – vocês são homens preparados, confio na competência dos senhores, mas devo lembrar que Djalma Brando é um sujeito de altíssima periculosidade, ele não brinca em serviço.
      - Xerife, a honra do xerife Neves será lavada, pode deixar com a gente.
      - Ótimo. – se levanta da cadeira. – estão dispensados.

      O salão do Josué está lotado. As conversas e risadas se fundem causando uma grave poluição sonora. A todo momento o dono do estabelecimento é solicitado para servir rodadas de cerveja e sardinhas fritas. Na parte dos fundos do salão uma roda de bêbados brigam na disputa do último gole de pinga. Farto da bagunça dos bebuns Josué corre até atrás do balcão e pega seu porrete feito de perna de três.
      - Saiam todos, agora. – ergue o porrete.
      - Você está nervoso, Josué, olha o coração hein. – diz um sujeito negro maltrapilho fedendo a mijo.
      - Você ainda não me viu nervoso. Agora saiam.
      Assim que os homens deixam o salão Djalma adentra na companhia de Kátia. A conversa cessa e o clima fica pesado. Ninguém respira e nem pisca. O ex matador percebe a tensão e sorrir.
      - Relaxem. Sou um novo homem.
      Aos poucos as conversas vão voltando, mas o assunto Djalma sabe muito bem o seu teor. O casal ocupa o balcão. Brando pede duas canecas de cerveja quando o bar volta a ficar em silêncio. Ele gira o pescoço e vê dois policiais na porta. Alguns temendo o que possa acorrer deixam o salão. Djalma tranquiliza sua parceira, ou pelo menos tenta.
       - Fica fria, ninguém vai morrer hoje.
       - Promete?
       Uma piscadinha e Djalma volta a beber. Os dois policiais caminham com cuidado. No meio do salão eles se dividem. Um vem por trás e outro pela frente já sacando o revólver.
       - Djalma Brando, você está preso. – diz o agente negro e mais alto.
       - Estou tomando minha cerveja com minha mulher, não está vendo.
       - Além de matador você é comediante é? – diz o outro policial branco e mais baixo. – deixe sua arma no balcão e venha com a gente. – pressiona o cano da arma contra as costas de Djalma.
      - Vamos com calma senhores, ninguém precisa morrer hoje. – olha para Kátia. – e quanto a ela?
      O policial negro coloca a mão livre no meio das pernas num ato obsceno e sorrir.
       - Ela vem comigo.
      Jamais cutuque uma fera com vara curta. O sangue quando ferve é difícil controlá-lo. Num jogo rápido de corpo Djalma consegue desarmar o policial menor e tomá-lo de refém.
      - Jogue sua arma fora, já. – diz tranquilamente.
      - Djalma, eu...
      - Vou contar até três senão serei obrigado a explodir a cabeça dele. Um, dois...
      - Tudo bem. – Joga o revólver atrás do balcão. – como você mesmo disse, ninguém precisa morrer hoje.
      - Me deixem em paz. Digam ao xerife que Djalma Brando já ergueu a bandeira branca. Eu poderia matar os dois, mas não vou. Sumam daqui.
     De mansinho os dois policiais vão saindo sob os olhares estarrecedores dos clientes. Josué volta a respirar e agradece aos céus por seu salão não se tornar local do assassinato de dois agentes. Djalma mudou realmente. A situação ficou insustentável obrigando aos poucos clientes restantes a pagarem suas contas e saírem de fininho. Kátia engole seco e depois toma todo o sumo de cevada de uma vez.
      - Vamos. – Djalma deixa uma nota de vinte sobre o balcão.

*

Ao ser notificado sobre o acontecimento no salão, Wander Neves descobre que ele terá que ser um pouco mais cauteloso. Se Djalma já inspirava cuidados, imagina agora ao saber que ele intimidou dois dos seus homens. A bandeira branca foi hasteada, mas o matador é ainda uma realidade. Seria válido aceitar o pedido de cessar fogo? E quanto a morte de seu pai, ficará por isso mesmo? Djalma não pode simplesmente fazer esse pedido e sair impune. As regras no velho oeste são claras, olho por olho e dente por dente.
    Francisco Neves, célebre xerife de Crateras. Um exemplo a ser seguido. Wander se recorda quando seu pai saiu para capturar um arruaceiro que havia roubado armas. Francisco não precisou mais do que dois policiais para mandá-los para o xadrez. Houve perseguição por entre as ruas empoeiradas da cidade, mas graças a boa pontaria de Neves o bandido caiu do cavalo esfolando seu corpo no chão rústico.
     Lembrar de seu pai não lhe trás bons sentimentos. A vingança sempre supera as sensações mais salutares. Seu coração só há de sossegar quando uma bala fizer um orifício na testa de Brando, ai sim ele terá paz. Mas para que tudo isso possa acontecer sangue inocente não pode ser derramado. Wander defende a seguinte ideia, se quer algo bem feito faça você mesmo. Ele abre a gaveta, pega sua arma. Confere a munição. Não será o suficiente caso aja uma troca de tiros. Abre a última gaveta onde há uma caixa extra de munição. Agora sim ele está preparado.
      - Mario. – grita o policial escalado para fazer a segurança de seu gabinete.
      O agente com cara de marrento aparece mastigando algo.
       - Chamou xerife?
       - Diga aos outros que por hora as buscas estão suspensas.
       - Mas senhor...
       - É só isso, Mario, obrigado.
      O revólver é posto no coldre. O chapéu preto com uma estrela dourada é colocado na cabeça. Até que Wander cai bem dentro do uniforme. Sempre bem barbeado e olhos azuis o jovem xerife não passa despercebido. Claro que sua beleza foi herdada de sua também finada mãe, se fosse ao contrário Wander não passaria de um sujeitinho sem sal como era Francisco seu pai. Ele deixa seu gabinete na responsabilidade do policial de plantão e sai sem avisar para onde está indo.

*


Josué está terminando de virar as cadeiras em cima das mesas quando sente alguém atrás dele. Respirando fundo o gordo comerciante gira nos calcanhares e dá de frente com Wander.
     - Xerife? – engole seco. – eu estou fechando, mas ainda posso lhe servir algo...
     - Poupe o trabalho Josué, só estou de passagem. – olha ao redor do salão.
      - Então, em que posso ser útil?
      - Djalma Brando.
      - Sim, o que tem ele? – quase engasga.
      - Quando ele aparecer quero que entregue isso a ele. – entrega um pedaço de papel aberto.
      - Sim, senhor.
      Wander Neves deixa o bar e monta em seu corcel. Josué coloca a última cadeira virada em cima da mesa e depois lê o conteúdo do bilhete. “ Enfia sua bandeira branca no rabo. Me encontre amanhã no ponto exato onde você matou meu pai as 16h. Estarei lhe esperando sozinho”.
       A saliva desce como se fosse espinhos pela garganta e Josué procura onde se apoiar.
       - Deus nos a cuda.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

CORAÇÃO INIMIGO


1


Ela é a ultima a entrar em casa. Antes dela seu filho adolescente que ainda bastante abalado sobe as escadas vagarosamente se segurando no corrimão. Silenciosa, vazia, lúgubre, é esse o quadro da enorme casa dos Lemos. Renata antes de se jogar no sofá da sala, olha para a mesa de centro onde há um porta retrato. O choro é inevitável, amargo e a faz perder as forças. Ali mesmo na entrada ela se derrama. Foi preciso ajuda de seu motorista para ampará-la.
- Dona Renata, a senhora precisa ser forte. – se abaixa.
- Eu o amava, Chico. – diz entre soluços.
- Sabemos disso, agora mais do que tudo a senhora precisa se recompor para tocar a vida. – a coloca de pé. – vou buscar água para a senhora.
- Não será preciso, Chico, pode ir, eu ficarei bem.
- Tem certeza?
- Sim, obrigado!
- Qualquer coisa estou por perto.
Renata respira fundo e dá mais um passo. Muito bem vestida e maquiada, a viúva do empresário de sucesso Caio Lemos agora terá que conviver com a dura realidade. Hoje ele não voltará para casa. Isso dói, dói demais. Ela passa pelo porta retrato e não o pega. É melhor assim, se poupar dos duros golpes das lembranças.

***

Depois de quase meia hora finalmente ela consegue chegar ao quarto. O cômodo ainda guarda o cheiro do perfume amadeirado de Caio. O guarda-roupa ostenta as peças de roupa do empresário. Renata abre e vê aquela calça, o motivo das inúmeras brigas:
- Mais Caio, você tem outras calças e só gosta de usar essa?
- Ah, amor, eu me sinto confortável nela, deixa vai!
- Tudo bem, mais no Sábado você promete que vai comprar outra?
- Pelo nosso amor. – a abraça.
Caio era divertido, carinhoso, bom pai e um ótimo marido. Fazia questão de estar em todas as reuniões e festinhas de Maurício seu único filho. Caio vivia dizendo que ele era o “ruim” que deu certo, até mesmo na vida sentimental. Não era um homem bonito. Durante toda a sua vida teve duas namoradas, uma delas é justamente Renata, que conseguiu enxergar nele um homem de verdade. Mediano e calvo, Caio conseguiu vencer na vida depois de muito trabalhar duro como vendedor de livros de porta em porta. Juntou um bom dinheiro e conseguiu montar sua micro empresa de transportes. Hoje a Lemos transportes presta serviços para outras grandes empresas e estatais.

***

A saudade do marido a deixa sem chão. Tudo o faz lembrar. Ela se joga na cama e sente a macies do colchão e se lembra da primeira vez que fez amor com Caio. Foi na lua de mel. Renata fez questão de se guardar até o dia do casamento e Caio teve que esperar os longos três anos entre namoro e noivado. Fizeram amor a noite todo. Foi mágico. Renata é mais nova que Caio alguns anos, mas não importava, ela o amava de verdade e não ligava para os comentários maldosos do tipo – ela só estar com ele pelo dinheiro. Para ela tudo que importava era viver feliz ao lado do homem que a amava e a protegia. Muito bonita, dona de um corpo esbelto e exuberante, Renata nunca revelou, mas, recebeu diversas propostas de homens que diziam.
- O que faz você uma mulher maravilhosa ao lado de um baixinho e careca como o Caio? – diz um dos sócios da Lemos transportes.
- Ele é o meu marido e eu o amo.
Ainda olhando o teto ela lembra de Maurício e num salto ela voa para o quarto do filho.

2

- Posso entrar? – pergunta Renata depois de dar dois toques na porta.
- Oi mãe, chega mais. – tira os fones de ouvido. – estava ouvindo uma música pra relaxar, quer ouvir, Chopin.
- Adoraria! – Renata coloca os grandes fones e fecha os olhos. Viaja, por um instante ela se despoja de todo o sofrimento.
- Mãe? A senhora está bem?
- Me desculpe, estou bem sim, quer conversar, sair pra comer alguma coisa? – Renata alisa a mão magra do garoto.
- Pô mãe, se não se importa, gostaria de ficar, tenho prova essa semana, preciso estudar.
- Tudo bem, já vou indo, só não esqueça de comer alguma coisa ta bom?
- Valeu mãe.
Renata e seu filho já foram confundidos como irmãos. Realmente, o adolescente puxou muito da mãe e por ser nova ela já passou por momentos delicados com certos comentários – começou cedo hein! Isso a irritava. Antes de sair do quarto Maurício a chama.
- Mãe, o pai fará muita falta!
- Com certeza, meu filho, já está fazendo.

***

Na cozinha as duas funcionarias falam baixo enquanto preparam o jantar.
- Será que dona Renata vai vender tudo isso e ir embora do país com Maurício? – pergunta a mais gordinha.
- Acho que não. – responde a negra. – dona Renata é mulher de fibra, vai conseguir dar a volta por cima, apesar de nova.
- Hum, não sei não. Com a morte de seu Caio as coisas podem mudar, até mesmo nosso emprego corre risco.
Como um fantasma Renata aparece na porta da cozinha ainda em tempo de ouvir as últimas palavras da empregada:
- Tudo vai continuar do jeito que está Raimunda, não precisa se preocupar. – muito sem graça a mulher quase que corta o próprio dedo.
- Oi dona Renata, quer que eu faça um chá para a senhora?
- Não Selma, quando o jantar estiver pronto preciso que levem para o Maurício lá no quarto, coitado, ele não comeu nada depois do enterro, tudo bem?
- Pode deixar dona Renata, eu mesma levo. – se oferece Raimunda a empregada gordinha.
Renata deixa a cozinha assim como entrou, em silêncio.

3

O dia é ensolarado, mais do que perfeito para uma corrida na orla da praia ou um simples passeio matinal. O relógio marca quase oito e o silêncio na casa ainda impera. Em outra época o movimento já seria intenso desde as sete quando Caio descia para tomar seu café e ler seu jornal antes de sair para trabalhar. Renata sempre gostou muito de dormir, dez horas para ela ainda era de madrugada. Hoje não é diferente. Totalmente enrolada no edredom, a linda esposa do finado empresário se encontra em sono profundo. Talvez sonhando com dias felizes ao lado do marido que tanto amou. Ou envolvida em pesadelos que a faz despertar ofegante:
- Meu Deus, a empresa! – ela passa a mão pelos longos cabelos loiros. – perdi a hora.

***

Nesse exato momento o diretor da Lemos transportes está reunido com os funcionários. Marcos Tavares além de amigo íntimo de Caio é uma peça fundamental na firma. Foi ele quem segurou e está segurando as pontas desde quando Caio ficou doente e precisou ficar internado. No auge de seus 65 anos, Marcos é uma figura um tanto quanto paterna para todos. Caio o adorava e vivia dizendo que Tavares era e que sempre seria seu superior. Visivelmente abalado ele busca forças para não chorar na frente dos quase 50 funcionários:
- Peço a colaboração de todos para que não deixemos de continuar com o sonho do doutor Caio de fazer da Lemos transporte a maior do país. Em vida ele lutou muito, eu fui testemunha disso. Agora, com sua partida, nós que ficamos, devemos manter o sonho vivo e trabalhar duro para que tudo aquilo sonhado por Caio, venha se tornar realidade na vida de cada um de nós. – os aplausos comovem o velho Tavares. Nesse momento a porta da sala de reunião abre e como uma deusa loira, Renata adentra exalando seu doce perfume contaminando a todos os presentes:
- Bom dia senhores! – poucos respondem. Outros apenas olham boquiabertos a beldade de vestido longo e justo azul. Tavares anda a seu encontro:
- Dona Renata, como é bom vê-la, posso saber o motivo da visita?
- Sim. – ela olha para os funcionários. – assumirei a Lemos transportes.

***

Se Renata entrou na sala de Caio duas vezes foi muito. Desde quando o empresário montou a firma ela jamais abusou do livre acesso que tinha para circular pelas dependências da empresa. Agora o quadro mudou. Olhando para a decoração do lugar ela consegue ver nos detalhes o jeito do marido. Atrás da cadeira de presidente há uma pintura onde a paisagem é capaz de acalmar qualquer patrão estressado. A música ambiente também tem o dedo de Caio, as músicas instrumentais faziam parte do seu dia a dia. Maurício teve a quem puxar nesse caso.
Tavares coloca a xícara de café no aparador em cima da mesa.
- Dona Renata, tem certeza, essa é a sua decisão?
- Sim, Marcos, Caio, como você mesmo falou tinha um sonho e eu como esposa não posso deixar isso de lado, entende?
- Sim, claro, mas devo lhe informar que lidar com o meio empresarial não é nada fácil, requer habilidade e por que não dizer esperteza. – se senta na cadeira de cliente.
- Está dizendo que eu não sou esperta. – brinca. Tavares tenta se consertar.
- De maneira alguma dona Renata. – pigarreia. – claro que acredito nos atributos da senhora, mas, antes que assuma de vez a empresa, eu, na condição de diretor geral, devo lhe informar que as coisas aqui não andam nada bem. – Renata coloca a xícara de volta no aparador.
- Como assim as coisas não andam bem?
Tavares cruza as pernas.
- Bom, a Lemos transportes não está atravessando uma boa fase financeiramente falando, há dívidas das quais temos a obrigação de quitá-las.
- Fornecedores?
- Também, Caio precisou fazer alguns empréstimos para a manutenção das frotas, um empréstimo alto e também se enrolou com agiotas. – Renata franze a testa.
- Meu Deus, agiotas!
- Sim, ele nunca lhe contou?
- Não, eu também nunca perguntei, essa foi umas das minhas falhas como esposa, eu nunca me interessei pelas questões da empresa. – fala com a voz sumida. – sempre achei que Caio era auto suficiente.
- E era, havia questões que só ele era capaz de resolver e ele as resolvia como um mestre.
Renata se levanta e ajeita o vestido.
- Bom, agora não é hora de chorarmos o leite derramado, temos uma missão a cumprir. – Marcos Tavares também se levanta.
- E eu acho que o primeiro passo já foi dado.
- Qual?
- Nossa parceria. Quero desde já lhe dizer que darei a você mesma lealdade que dei ao Caio senhora Renata. – as mãos se unem num aparto mais que sincero, mais do que patroa e funcionário, mas sim, pai e filha. – boa sorte!
- Obrigado!

4

A vida continua, não é assim que dizem? Pois bem, para a jovem empresária não foi diferente. O sol raiou e lá está ela dando sua corridinha na beira da praia chamando atenção dos homens com seu modelito. Renata sempre fez questão de praticar exercícios físicos e incentivava seu finado esposo que era totalmente do contra. Para ele, correr não dava lucro algum:
- Se pelo menos, correndo estivéssemos produzindo algo, ai talvez eu pensaria no seu caso meu amor, prefiro ficar aqui tomando uma cerveja e curtindo essa vista maravilhosa.
- Tudo bem, mas lembre-se, o médico falou que você precisa urgente perder alguns quilinhos e parar com o álcool.
- Estou ligado meu anjo, vá dá suas voltinhas, vai.
Como todo homem claro que Caio não seguiu a orientação médica, e pagou caro por isso.
***

Tavares é o mais ansioso de todos, ele não entende o porque do atraso de sua nova chefe. Gerentes e funcionários aguardam em silêncio no salão da empresa. O nervosismo do diretor geral acaba quando radiante a nova líder adentra ao recinto mais bela do que nunca saudando a todos com um sorriso glorioso:
- Bom dia a todos, podem se sentar. – Marcos Tavares se acomoda ao lado dela e cruza as pernas. Renata permanece em pé. – bom, como sabem, a nossa empresa terá uma nova direção, porém, o sonho continua o mesmo, as metas são as mesmas, eu Renata Lemos acredito na capacidade dos senhores e junto vamos reerguer a nossa casa. Sei que o momento é de dificuldade, para mim que sofri o maior golpe da vida está sendo desafiador acordar e não ver o meu marido a meu lado.
Tavares engole seco.
- Posso lhes assegurar que não haverá cortes. – nesse momento um princípio de murmúrios deixa Renata desconcertada. – continuando, eu sei que o que temos pela frente é duro e incerto, mas, de uma coisa sei, a nossa força é maior que o nosso sofrimento e a nossa vontade é maior que a luta. – alguém inicia as palmas e finalmente ela volta a mostrar seu sorriso.
A reunião termina e Renata conversa com seus gerentes. Alguns gesticulam bastante:
- Dona Renata, penso eu que o que acabou de dizer é algo utópico, nossa firma está se arrastando.
- É verdade senhora, nosso caixa está a dias de zerar por completo e se isso acontecer até mesmo nós teremos que procurar outro lugar para trabalhar. – completa outro gerente.
- Isso não será necessário senhores, no final das contas Deus vai enviar alguém, um salvador.

5

Mais um aperto de mão e pronto, Eduardo Freitas acaba de ficar ainda mais rico. Ele acaba de fechar um contrato milionário com uma empresa europeia. Eduardo quebrou aquela máxima de que o filho destrói o que o pai construiu com suor e sangue. Pelo contrário, Edu não só herdou como ampliou os negócios do falecido pai, Freitas. Agora a prestadora de serviços chegará a Europa, coisa que seu Freitas jamais imaginou que chegaria.
- Sucesso meu jovem. – diz o representante da empresa alemã carregado no sotaque Germânico.
- Obrigado Klaus.
A sede da Freitas serviços está movimentada. Há homens engravatados circulando por toda a parte. Até mesmo Eduardo se despojou de seu típico esporte fino e se enfiou num terno cinza escuro enchendo de orgulho a sua mãe dona Sílvia:
- Está igualzinho ao seu pai. – aperta o rosto do filho.
- Nossa, quanta honra em ser comparado ao velho Freitas.
- E a reunião, saiu tudo certo?
- Graças a Deus tudo certo, o contrato foi assinado e a Freitas serviços chegou a Europa.
- Estou orgulhosa de você meu filho.
- Vamos almoçar? – segura nas duas mãos da mãe.
- Sim, claro!
***

Renata dispensou a empregada e ela mesma fez a arrumação do armário onde estão guardados documentos, fotos e outras tralhas. Um pequeno álbum empoeirado chama sua atenção, principalmente pela capa, feita de camurça azul. Ao abri-lo ela dá de cara com a foto de sua mãe abraçada com seu querido pai Paulo. Tal imagem desperta nela tristeza e também ódio. Seus olhos permanecem fixos no sorriso contagiante e fácil do pai. Paulo fora assassinado por seu amigo quando ela era ainda pequena. Com a partida repentina e absurda do provedor da família, Renata e sua mãe tiveram que se virar para se manterem. Sufoco, apertos e humilhações.
Algum tempo depois, logo que sua mãe faleceu, Renata descobriu quem foi o autor da morte do pai. Seu coração se encheu de furor e ela jurou vingança. Por não saber por onde começar e nem o que fazer, Renata deixou esse sentimento adormecido. Agora, diante da imagem do pai sorrindo na foto, essa fúria se acendeu e com força. Ela não termina a arrumação e transfere a responsabilidade para a funcionaria gordinha:
- Meu Deus, quanta pressa. – diz subindo na escadinha para alcançar a parte de cima do armário.

***

Quanto mais o tempo passa, mais as coisas se apertam para a Lemos Transportes. Tavares acompanha de perto o declínio da empresa sem nada poder fazer. Em sua mesa um turbilhão de dívidas ainda não quitadas. As que lhes dão condições de pagar, são pagas em determinado número de parcelas, outras, por serem altas demais, são empurradas com a barriga, coisa que Marcos Tavares odeia fazer. No início quando Caio lhe convidou para o cargo de diretor geral da empresa ele via as coisas fluírem como rio, fornecedores e funcionários pagos no dia certo e às vezes antes. Doutor Caio fazia questão de andar certo com todos.
Claro que Tavares sabe o motivo da empresa estar mau das pernas, um negócio mal feito. Um investimento fora de hora. Na época Tavares foi totalmente contra, porém a decisão final foi dada por seu patrão e amigo. Hoje Caio já não existe mais, mas, as dívidas sim e o que fazer? Vender a empresa? Seria o melhor a fazer:
- Com certeza esse não era o sonho de meu marido, Tavares.
- Também sei disso dona Renata, mas eu sei também que nós não temos as mínimas condições de quitarmos as dívidas, as entradas não nos permite isso.
- Os salários dos funcionários estão em dia?
- Na medida do possível. – pega a folha de pagamento. – veja.
- Bom, pelo menos isso estamos conseguindo manter.
- Senhora Renata, a realidade da Lemos hoje é grave, estamos no CTI, caso não aja solução, teremos que vendê-la ou fecharemos as portas. – Renata ao ouvir isso da boca do homem de confiança de seu marido, reflete por alguns instantes e pergunta:
- Quanto tempo temos?
- Se meus cálculos estiverem certos, a Lemos transporte não resistirá por mais quatro meses. – Renata aperta os lábios.

6

Maurício convidou sua mãe para assistir com ele o pôr do sol do jardim da casa dos Lemos. O garoto anda quieto, diferente de como era quando o pai era vivo. Mesmo enrolada com as questões da empresa, Renata tirou um tempinho para passar ao lado do único filho. Sentados lado a lado, mãe e filho vislumbram o findar de mais um dia. O céu toma tons alaranjados dando espaço para a noite:
- Mãe, será que o pai está num bom lugar? – Renata é pega de surpresa.
- Creio eu que sim meu filho, seu pai foi um homem bom e merece estar num lugar legal. – acaricia as madeixas do garoto.
- Eu fiquei sabendo que a empresa do pai está passando por problemas é verdade?
- É verdade. – Renata se levanta. – problemas sérios.
- E o que a senhora pensa em fazer? Vendê-la?
- Não, claro que não, seu pai lutou muito para construir aquilo, hoje, se temos tudo isso foi graças a ele. – Maurício olha para a mãe.
- Por que você não fala do vovô e da vovó? – Renata se mostra incomodada com o turbilhão de perguntas do filho.
- Veja, você não queria tirar fotos do pôr do sol, acho que está perdendo a oportunidade.
- Vixi, é mesmo.
Como falar para um adolescente que seu avô foi morto por um canalha? Ele entenderia? Há anos ela esconde isso do filho. Mais uma vez o ódio e a vingança inflamam seu coração e ela precisa agir rápido.

***

Eduardo Freitas sorrir de orelha a orelha quando mais um contrato é fechado. Seus assessores se orgulham de estarem fazendo parte desta história de sucesso. Para comemorar ele convidou sua equipe para um almoço bastante descontraído. Seu gerente geral sentado ao lado ergue uma taça:
- Um brinde ao sucesso de nossa empresa e a competência de nosso chefe. – todos brindam e aplaudem chamando atenção de quem almoça no restaurante. Sentada no fundo do estabelecimento degustando uma salada e batendo palma também se encontra Renata olhando para Eduardo.

***

O plano é; chamar atenção do riquinho. Para isso ela se produziu. Toda mulher sabe quando é desejada, quando está gostosa e quando quer atrair os olhares para ela. Renata está um espetáculo. Com seu vestido vermelho e cabelos soltos a loira é capaz de fazer parar todo o trânsito do mundo. Ela pede a conta e se levanta. Eduardo conversa com seus amigos quando ela passa atraindo olhares dos mais diversos. Seu assessor chefe engasga e o cutuca por debaixo da mesa:
- Eu como, e você?
- Oi?
- Dá uma sacada na loira indo para o balcão, que bunda é aquela.
- Realmente. – Eduardo coça o pescoço.
Fora do restaurante eles trocam olhares e sem rodeios Eduardo mesmo de longe joga seu charme pra cima da loira que retribui sorrindo.

***

O jovem empreendedor almoça sozinho quando Renata adentra ao restaurante ainda mais sensual. É observada mais não deixa transparecer que está gostando logo de cara, resolve fazer um joginho. Ela senta no mesmo lugar e faz seu pedido. Eduardo continua a fuzilá-la com os olhos. Vez por outra ela o olha também. Numa dessas paqueradas ele sorrir e acena. O coração de beldade salta. Mais uma vez ele a cumprimenta só então ela resolve entrar de vez no jogo. O sorriso é mais que um convite para ele sair de onde estar e se juntar a ela, é simplesmente um puxão para ir cair na cama com ela.
Sem cerimônia ele se levanta e caminha até ela. Ambos os corações estão acelerados como um carro numa auto estrada.
- Oi, posso me sentar?
- Seria ótimo. – Renata ajeita o decote.
- Posso saber o teu nome?
- Renata, e o seu?
- Eduardo, Eduardo Freitas. – Renata faz cara de surpresa.
- Oh, sim, Eduardo Freitas, empresário de sucesso não é mesmo? – o rapaz ruboriza.
- Mais ou menos.
- Hum, quanta modéstia.
Inicialmente o papo não passa do quesito informalidade. Renata o envolve com palavras doces e elogios. Ele adora e fica hipnotizado com a beleza da mulher a sua frente. Na metade, o papo já muda para o formal, trabalho, folha de funcionários e etc. Eduardo cada vez mais se apaixona pela loira, pela sua inteligência e independência.
- Pelo seu jeito de falar você faz parte do ramo empresarial não é mesmo? – Eduardo brinca com a colher na sobremesa.
- Sim, sou. – Renata parece apreensiva com a pergunta.
- E como vão os negócios? – Eduardo entrelaça os dedos.
- Bem! – é só que ela consegue dizer.

***

Minutos depois ambos estão no estacionamento do restaurante. Renata continua fazendo seu joguinho de sedução e o cara é claro cai como um garoto apaixonado. Com um dos braços apoiado na porta ele a convence em deixar seu número com ele:
- Gostaria de jantar com você num dia em que ambos não tenham nenhum compromisso, o que acha?
- Nossa, mais acabamos de nos conhecer.
- Eu sei, mas, a química rolou, ou não? Vamos, prometo não ser muito apressadinho. – Renata rir e dita os números de seu celular.
Enquanto Eduardo registra os números em seu aparelho Renata vibra por dentro, sente que seu plano está dando certo.
- Ótimo, quando posso te ligar?
- Quando quiser. – tal resposta deixou o rapaz um pouco espantado.
- Tudo bem! – entra no veículo e antes de dar a partida olha mais uma vez para a deusa loira.
- Você é incrível sabia?
- Obrigada. – dissimula.
Eduardo se vai e Renata desfaz o sorriso forçado o transformando uma expressão de ódio.
- Você não perde por esperar Eduardo Freitas.


7

O dia seguinte não começou nada bem. Além de não conseguir fazer seus exercícios por que acordou tarde, Renata assim que colocou os pés na empresa recebeu uma noticia que abalou todo o seu emocional:
- Como assim eles vão cancelar o contrato? – Renata esbraveja.
- Eles nos deram alguns dias para quitarmos a divida que já vem se arrastando por meses dona Renata. – Tavares adiciona.
- E nós temos esse dinheiro em caixa?
- Não! – um dos gerentes é bastante categórico.
- Essa empresa que fornece material de limpeza e até mesmo funcionários teceirizados para a companhia é nossa parceira á anos e vem prometendo a rescisão do contrato a algum tem, o doutor Caio ainda era vivo. – despeja Tavares.
Renata se levanta e vai até a janela e contempla uma vista primorosa que entra em contraste com a situação vivida por ela no momento. Somente uma pessoa pode livrá-la do fracasso.
- Ligue para eles. – Renata gira nos calcanhares. – diga que essa divida será paga até o fim dessa semana.
Os diretores se encaram. Marcos Tavares dispensa o pessoal e fica a sós com a patroa.
- Senhora. – pigarreia. – me desculpe a intromissão, mas, como pretende pagar tal divida?
- Todo bom empresário que se preze precisa de bons amigos, amigos fieis. – Renata se serve do café. – são esses amigos que irão tirar a Lemos do buraco.

***

Eduardo termina de despachar a papelada tendo seu assessor como espectador. O jovem empresário da a sua décima quinta assinatura e olha cansado para o também jovem executivo:
- Pronto cara, leve isso para as filiais e diga que eu pessoalmente irei passar os novos planos da empresa.
- Pode deixar. – nesse momento a secretaria entra na sala.
- Senhor Eduardo, telefone na linha dois.
- Quem é Carla?
- Renata Lemos. – num salto Eduardo se levanta da cadeira.

***

A praça de alimentação do shopping está movimentada e barulhenta. Renata conversa com Eduardo quase que cara a cara devido ao barulho. Sua aparência não é nada agradável. Os olhos vermelhos e inchados deixam bem claro que a bela mulher chorou a manhã inteira.
- Como posso lhe ajudar? – era tudo que Renata queria ouvir.
- Nossa empresa atravessa uma péssima fase. – bebe um pouco do suco. – precisamos de verbas para continuarmos, sabe.
- E de quanto seria essa verba?
Renata diz quanto. Eduardo mais uma vez cai como um patinho.

***
As empregadas de Renata mais uma vez fofocam sobre a situação em que a patroa se encontra:
- Mas menina isso aqui está muito esquisito mesmo. – fala a gordinha arrumando a mesa. – dona Renata anda muito estranha pro meu gosto.
- Acho melhor você parar de se meter na vida dos outros. – a negra lava as louças. – daqui a pouco leva um pé no rabo e ai eu quero ver.
- Eu não estou de fofoca, estou apenas fazendo um comentário.
- Hum, sei, você? Aqui a nossa obrigação é servir, mudas e surdas de preferência.

***

Já no final do expediente Eduardo para o carro quase em frente ao portão da casa de Renata.
- Valeu pela carona. – Renata toca na porta do veículo.
- É uma pena eu ter que voltar para empresa. – diz tamborilando os dedos no volante. – adoraria entrar a provar do vinho que você me falou.
- Nada lhe impede de você passar aqui mais tarde.
- Acho que o vinho terá que ficar para a próxima, hoje tenho uma reunião com todos os meus associados, iremos traçar novas metas.
- Obrigado pela força de hoje, você salvou a minha vida, como podemos acertar a devolução desse empréstimo?
- Eu não lhe emprestei, eu lhe dei.
- Mais, Eduardo, foi um valor considerável...
- Esqueça, você já retribuiu. – Renata franze a testa. – com esse sorriso. – segura no queixo da princesa.
- Assim não vale.
- Sabe, acho que estou gostando de você.
- Você acha? – se ajeita no banco.
- Não. – se aproxima. – eu tenho certeza. – segura na mão da mulher.
A reunião terá que esperar. O beijo é mais importante naquele momento. Enquanto trocam saliva a mente dos apaixonados divergem. Ele sonha com o momento em que a terá por inteira numa noite fria de inverno. Ela planeja deixá-lo na miséria, na sarjeta. Vingará seu pai a qualquer custo. Não importa se quem vai sofrer as consequências será o filho do canalha que pós fim a vida de seu pai. O que verdadeiramente importa é levantar a empresa e se vingar.
- Nossa, que viagem. – diz Eduardo olhando para ela.
- Isso digo eu.
- Poxa, eu preciso ir mesmo? – Eduardo faz uma caretinha.
- Vai, é importante para o sucesso de sua firma.
- A gente se vê quando então?
- Sábado? – faz cara de menina apaixonada.
- Tudo bem, Sábado então.
Renata ainda permanece parada olhando o carro se distanciar. Ela fala com ela mesma. Vá idiota, trabalhe até morrer pra mim.

8

Renata caminha a passos curtos pelo jardim até chegar à varanda da mansão. Rodando sua bolsinha tira colo, ela não percebe os olhares curiosos de seu motorista, Chico. O velho funcionário não sabe, nas a sua jovem patroa acaba de marcar o primeiro ponto em seu plano maquiavélico. Ela da uma olhadinha de rabo de olho e acena para ele. O motorista devolve o cumprimento meio receoso, afinal, nem sempre a patroa é tão simpática.
Ela se joga no sofá e estica suas pernas torneadas até apoiar os pés na mesa de centro. Tal posição deixa a mostra a sensualidade que é suas coxas. Ela grita por sua emprega a qual surgi na sala como mágica:
- Pois não dona Renata?
- Prepare meu banho, hoje quero tudo especial.
A funcionaria negra é a mais centrada a também a mais discreta.
- Pode deixar senhora.
Renata não está apaixonada. Esse sentimento passa longe dela. Ela caminhando nas nuvens por que encontrou a galinha dos ovos de ouro chamada Eduardo Freitas. A viúva de Caio Lemos está disposta a fazer de tudo para reerguer seu império.

***

Já o jovem rico acompanha a reunião completamente fora de si. Ele não consegue tirar aquela loira linda e sensual da cabeça e vez por outra ele se pega rindo, como agora. Seus associados olham para ele e torcem à cara. O assunto em pauta pede seriedade e pelo semblante do chefe tudo não passa de algo sem muita importância. No momento em que lhe passaram a palavra ele estava viajando, nos braços de Renata. Foi preciso alguém lhe cutucar:
- Senhor Eduardo, sua vez!
- Ah, sim, sim. – pigarreia. – o negocio é o seguinte...
Eduardo precisou de muita concentração para não deixar que a bela mulher de olhos castanhos claros não invadisse seus pensamentos e atrapalhasse seu raciocínio. Ele encerra a reunião ainda bastante constrangido. Seu assessor mais próximo e também mais intimo bate em seu ombro enquanto deixam a sala:
- O que houve cara?
- Nada, por que?
- Você estava disperso o tempo todo.
- Me desculpe, mandei mal mesmo.
- Posso saber o motivo?
- Cara, lembra daquela loira do restaurante? – o assessor coloca a mão na testa.
- Lembrei, a da bunda gostosinha? – gesticula no ar
- A partir de agora mais respeito cidadão, estamos juntos e pra valer. – o rapaz engole seco.
- Sério? Você pegou? – Eduardo meneia a cabeça confirmando.

***

Tavares sua frio ao receber em sua sala mais um cobrador. A semana não está sendo muito boa para a empresa. Em menos de duas horas esse é o terceiro representante de três fornecedores que bate na porta da Lemos para cobrar dividas de cinco e até um ano:
- Senhor Marcio, infelizmente teremos que romper nosso contrato com a Lemos, a situação chegou a um ponto em que nos vemos obrigados a levarmos o caso a justiça.
- Não tiro sua razão. Devemos sim e queremos pagar. Eu só lhe peço para que pensem com bastante cuidado, não se esqueça o quanto o senhor Caio se sacrificou para que vocês também tivessem êxito em seus negócios.
- Nós reconhecemos o sacrifício do senhor Caio, que Deus o tenha em bom lugar.
Renata entra sem bater na sala de Tavares.
- Bom dia! – o cumprimento é seco como uma palha.
- Bom dia dona Renata. – Tavares se levanta. – esse é o Wilson representante de um de nossos fornecedores...
- Sei muito bem quem ele é. – Renata olha para o homem. – quanto devemos?
- A senhora como dona da empresa deveria saber! – o clima ficou pesado demais, carregado demais, porém Renata não perdeu a compostura.
- Obrigado por me lembrar senhor Wilson. Independente de quanto lhe devemos, terás o dinheiro até o fim da semana, diga isso ao seu superior. Passar bem! – Renata aponta para a porta.
Hesitante Wilson deixa a sala segurando sua maleta. Tavares sente o coração vir à boca.
- Eles querem nos colocar na justiça, sabia?
- Eles queriam, você quis dizer não é Tavares?
- Senhora, posso ser um pouco intransigente? – Tavares volta a sentar-se.
- Você pode tudo Marcio.
- Como pretende pagá-los? É coisa grande!
- Digamos que eu encontrei um baú repleto de tesouros meu querido diretor.

***

O sábado foi ensolarado com um céu com poucas nuvens. Pela manhã a diva fez seus exercícios costumeiros. Resolveu algumas questões pendentes da Lemos em casa mesmo. Almoçou com seu filho Mauricio e depois fez compras mercado. Renata não é do tipo de rica que manda fazer compras, ela mesma gosta de meter a mão na massa. Para acompanha-la ela escalou sua funcionaria fofoqueira. A mulher não parou de falar um só minuto. Por mais que sua patroa lhe pedisse para parar de falar, ela continuava até que Renata se limitou em apenas balançar a cabeça “concordando” com tudo.
A noite chega e com ela a empolgação. O encontro com o “namorado” está marcado para as oito e ela começou a se arrumar as cinco com um longo banho. Depois a saga para escolher se iria de calça ou vestido. Sua cabeleireira particular chegou e a produziu quase que em tempo recorde. Às sete e meia Renata estava na sala folheando sua revista. Mauricio desce com sua guitarra nas costas e se surpreende com a produção da mãe:
- Nossa mãe, que gata a senhora está hein!
- Obrigado meu filho.
- Vai sair com as amigas? – a pergunta pegou a empresaria de surpresa e a fez lembrar “eu ainda não o contei que estou me relacionando”
- Não querido, não. Está com presa? – o garoto consulta o relógio em seu pulso.
- Cinco minutos.
- Ótimo. Sente-se. – cruza as pernas. – sua mãe vai sair com um homem. – Mauricio não esboça reação alguma. – acho que estou gostando dele. – Mauricio continua na mesma e isso passa incomodar Renata. – eu ia te contar, mas não vi ocasião.
- Você esqueceu o pai?
- Nunca!
- Bom, acho que já estourou meu tempo, estou indo ensaiar com a banda. Ótimo encontro. – a beija na face.
Ao ver o filho cruzar a porta as gotas de suor para de brotar na testa da musa.

9

O jantar estava uma delicia. O ambiente também. Eduardo é frequentador assíduo do lugar á algum tempo. O pianista ajuda a deixar o clima ainda mais harmonioso com o arpejar de suas notas. O tempo está passado, é hora de começar a colocar seu plano em ação. Depois da sobremesa Renata deixa seu semblante apreensivo. Eduardo nota a expressão de sua nova garota.
- Algum problema?
- Nenhum!
- Tem certeza?
- Bem...
- Olha, eu não quero que nada saia errado em nosso primeiro encontro, tudo bem?
- Eu vou ficar bem, só estou preocupada.
Eduardo segura em sua mão.
- Em que posso ser útil?
- Você sabe né, as coisas não andam nada bem na minha empresa, então quando isso vem à tona, você sabe.
- De quanto precisa?
- Não faça isso Eduardo, você já me emprestou uma vez...
- Eu não lhe emprestei, eu lhe dei, lembra? Agora me diga, de quanto precisa?
Um homem apaixonado fica cego e sua razão vai para o espaço. Eduardo cai direitinho na armadilha. Renata por sua vez deseja retribuir dando lhe uma noite de amor perfeita. Ela vai ceder a todos os encantos dele sem hesitar.
No carro eles trocam beijos calorosos. Eduardo a segura no rosto e ela repousa sua mão na perna do homem já excitado. As mãos de Eduardo descem lentamente até a cintura. O cheiro do perfume o deixa ainda mais louco. As respirações se misturam. Eduardo a puxa para perto dele. Na mente de Renata uma única coisa passa; vingança. Por fim as mãos do empresário estão por dentro da blusa tocando os seios. Numa situação normal de um primeiro encontro, ela jamais permitiria isso. Mas, o caso aqui é outro, rola interesse. Ela quer sugá-lo e usará o ponto fraco de todo homem, sexo.
Ela deixa que seus seios médios sejam apalpados e acariciados. Enquanto Eduardo a beija de olhos fechados ela permanece com os seus bem abertos. Ela sente que em breve Eduardo sentirá sua frieza e antes que isso aconteça, ela resolve esquentar, fazer parte do jogo. Uma mulher quente, é tudo que um homem deseja.
Claro que ela não vai deixar correr frouxo. Vez por outra ela dá uma travada. Fingindo ser difícil Renata se recolhe e olha para ele:
- Nossa primeira vez será aqui, no meio da rua?
- Não, sei de um lugar ótimo.

***

Mauricio erra as notas que ele está mais que acostumado a tocar mais uma vez irritando o vocalista da banda:
- Hoje ta brabo. – coloca o microfone no suporte. – o cara não para de errar.
O baterista e líder da banda roda as baquetas:
- O que está havendo com o meu guitarrista hoje?
Mauricio abaixa a cabeça:
- Foi mal galera, realmente hoje não é o meu dia. – tira a guitarra e a coloca no canto. – vamos relaxar um pouco.

***

Realmente o lugar é ótimo como Eduardo mesmo falou. Um monte onde a vista da cidade iluminada chega ofuscar a visão de tanto brilho. Renata ficou encantada, ela nunca tinha vista a cidade daquele ângulo maravilhoso. Eduardo apagou os faróis, ninguém precisa saber que eles estão ali. Aos poucos ele vai colocando lenha na fogueira novamente. Enquanto sua namorada olha fascinada para a paisagem noturna, ele a beija na nuca e pescoço a fazendo arrepiar:
- Não falei que o lugar era bom!
- Maravilhoso. – se vira para ele. – adoraria que a nossa primeira vez fosse aqui.
- E o que estamos esperando?
É bem verdade que Renata no momento em que se entrega de vez para seu inimigo se sente na pele de uma meretriz. Sente nojo. A raiva trás lembranças dolorosas. Ela se recorda do dia em que seu pai Paulo a levou para conhecer um monte muito íngreme e que na metade ele precisou carregá-la nos ombros até o topo. O velho sofreu com a pequena menina nas costas, mas não desistiu. Um herói, era esse o sentimento que Renata tinha quanto ao ato de seu pai, herói.
Eduardo a envolve com os braços tirando a roupa dela bem devagar. Renata mais uma vez viaja até certo dia em que sendo ela ainda adolescente, Paulo a defendeu de dois assaltantes de estudantes na porta do colégio. Seu pai chegou no momento em que ela teria todo o seu material roubado por pivetes descalços e desarmados. Ela lembra o quanto foi magnífico ver seu pai expulsando os garotos de perto dela com uma voz grave e firme. – não toquem em minha filha!
Porque ela simplesmente não o mata ali mesmo naquele lugar escuro e deserto? Basta usar pegar um graveto e enfia-lo no ouvido do canalha. Não. Ela quer se aventurar em vê-lo sofrer, vê-lo falir. Por isso ela espalha os devaneios e resolve curtir o momento e o momento é até prazeroso. Eduardo a beija por completa e ela consegue sentir algo gostoso. Vamos lá Renata, se quiser tirar mais algo desse idiota você precisa lhe dar a maior e melhor noite de sexo. A lua permanece ali como testemunha dos corpos que se tocam.

10

O dia nem havia nascido direito e Renata entra em casa pé ante pé. Ainda em êxtase ela sobe as escadas e alcança seu quarto. Sem fazer barulho ela abre a porta e mesmo assim ela range. Finalmente sua cama. Se joga. O sono não vem logo e ela fica a pensar. Caio era um homem maravilhoso, bom pai, excelente marido, porém, na cama ficava devendo. Ela lembra das vezes em que ele precisou de ajuda dos comprimidos azuis para conseguir ter ereção. A vergonha era tamanha que o pobre rico chorava na beira da cama:
- Perdão minha linda, não sei o que anda acontecendo comigo.
- Tudo bem, fique calmo, vamos dormir, tentaremos amanhã.
Como é a vida. Ela amava o marido que não conseguia lhe dar prazer e isso durou o tempo em que ela esteve casada com ele. E depois de muito tempo foi ter prazer com seu inimigo, o filho do cara que matou seu pai. Mesmo contra gosto Eduardo conseguiu que a mulher chegasse ao orgasmo por duas vezes. O cara é realmente bom, muito bom. Ela até consegue sorrir.
Ainda repassando as loucuras que viveu deitada no capô do carro, Renata olha para o relógio pendurado na parede e se espanta, ainda tenho duas horas de sono, vamos lá!

***

Renata termina de fazer mais um deposito na conta de um fornecedor. Tavares comemora o quitar de mais uma divida fazendo a Lemos respirar. Ao fechar o notebook ela olha para o seu velho diretor geral e dá uma picada:
- Pronto!
- Ótimo dona Renata, fui notificado que esse mesmo fornecedor irá renovar o contrato.
- Ufaa!
Nesse momento o celular de Renata vibra, Eduardo.
- Oi, bom dia. – Tavares sai sem ser percebido. – teve problemas para acordar? – dissimula. – almoçar hoje? Sim, claro, ao meio dia? Tudo bem então, beijo. – ela joga o aparelho e faz uma careta.
Renata foi a primeira a chegar. Depois de vinte minutos Eduardo chega e encontra uma namorada bem humorada. Pelos menos por fora.
- Me desculpe a demora, tive que atender novos associados.
- Nossa, tudo fluindo então?
- Graças a Deus. - a beija.
- Já fiz o pedido, carne branca.
- Beleza! – se ajeita na cadeira acolchoada. – eu estava pensando, que tal passar o fim de semana lá em casa pra conhecer a família?
- Seria ótimo.
- Sabe como é, eu venho de uma família tradicionalíssima, meu pai fazia questão de saber de tudo e abençoar tudo. – o estomago de Renata dá um nó. –ele já não está entre nós, mas, eu faço questão de continuar com a tradição.
- Legal de sua parte.

***

Mauricio conversa com o líder da banda sentados na calçada de uma rua pouco movimentada. O desanimo do garoto tem atrapalhado o desenvolvimento da banda já que Mauricio é o principal guitarrista, dono de solos incríveis:
- Cara. – diz o líder de cabelo moicano vermelho. – sei que é barra o que você ta passando , mas, precisamos de você cem por cento. O nosso grupo deixou de ser banda de garagem a muito tempo, estamos pensando em algo profissional, coisa de abrir show da galera top.
- Perdi meu pai e agora minha mãe vem com essa de namorado, vê se pode!
- Aconteceu a mesma coisa comigo. Meu pai foi para a terra dos pés juntos e logo em seguida minha coroa apareceu com um sujeito lá em casa.
- E como você lidou com essa situação?
- Fiquei indiferente, só isso.
***

No estacionamento do restaurante Renata sofre amassos e que amassos. Ela cede a qualquer tentativa do homem sem problema algum. Sua saia é levantada e aparentemente Renata não está nem ai. O lugar é deserto. Perfeito para uma rapidinha. O rapaz pressiona o corpo da mulher contra o carro e a devora com beijos e lambidas. A respiração ecoa. Para apagar o fogo Renata resolve lembra-lo dos compromissos:
- Acho que vamos nos atrasar. – como água na fogueira Eduardo para o que estava fazendo.
- Nossa, é mesmo, vamos.
Ainda formulando mais um jeito de tirar dinheiro do otário, Renata Lemos puxa sua saia para baixo enquanto seu namorado entra no carro:
- Antes de irmos, tenho uma surpresa.
- Qual? – se coloca a frente do volante. Renata faz a volta. Abre a porta do carona e entra. Coloca sua cabeça entre as pernas do garoto e abre o zíper. – sério que você vai fazer isso aqui?
- Já estou fazendo.
Isso durou uns vinte minutos mais ou menos. Eduardo ainda anestesiado se recosta no banco e logo em seguida toma mais uma facada. Em questão de segundos foi feita mais uma transferência para a conta da gata loira.
- Vamos!

***

No banheiro da Lemos Renata força o vomito ajoelhada no chão frio. Ela sente nojo dela mesma. Vamos sua piranha, vomite!
Depois de colocar os bofes pra fora ela se derrama num choro amargo. Será que vai valer a pena continuar com esse plano? Será que no final de tudo ela vai conseguir se reerguer? Ela volta para sua sala e se tranca. Não quer mais receber ninguém. Renata abre o computador e entra no site de sua agencia bancaria. Mais alguns cliques e lá está, mais uma grana. Com ela a empresaria poderá pagar e ainda sobrará algum. Ela rir. Está valendo a pena sim, vou deixar aquele merda na miséria custe o que custar!

11

Uma casa enorme. Uma piscina incrível. Um jardim pra lá de bem cuidado. Dona Silvia é apresentada à nova namorada. Sempre muito simpática a viúva de Freitas dá um longo abraço na nora e um beijo estalado. Renata sente nojo:
- Que prazer minha querida!
- O prazer é todo meu dona Silvia.
- Aceita tomar um chá gelado comigo?
- Adoraria!
Mesmo contra a vontade Renata e Silvia se acomodam debaixo do guarda sol tendo o azul cristalino da piscina refletindo em seus rostos. Em seguida o mordomo serve o chá predileto da dona da casa em copo duplo. Enquanto sua nova sogra toma um pequeno gole de líquido dourado e gelado, a empresária olha ao redor e contempla e imagina o quanto de dinheiro ela pode tirar. Basta apenas continuar como jogo:
- O que você faz? – distraída Renata não responde. – filha?
- Ah, sim?
- Perguntei o que você faz da vida!
- Tenho uma empresa. – Silvia coloca o copo no descanso.
- Hum, é do ramo também.
- Sim, transportes.
- E como vão as coisas? – Silvia volta a pegar o copo.
- Todo dia é uma luta, mas, vamos superar.
A conversa segue lenta e chata, pelo menos para Renata. Na hora do almoço é a mesma coisa, Silvia bombardeia a jovem loira com perguntas. Eduardo por mais peça a mãe que para com as perguntas, a senhora de 75 anos insiste em conhecer melhor a namorada do filho:
- Ela está entrando para a família Freitas, é necessário fazer algumas perguntas. – rir exibindo dentes amarelos resultado de anos de fumo.
- Sim mãezinha, perguntas sim, não um interrogatório. – ambos riem.

***

Ao cair da noite eles fazem sexo na casinha onde fica o material de limpeza. Quase intoxicada com o cheiro forte de desinfetante ela dá um empurrão em Eduardo e abre a portinha de alumínio para respirar ar puro:
- Por que não subimos para o seu quarto?
- Ah, sei lá, aqui é mais perigoso, gosto disso.
- Meu Deus!

***

Silvia enquanto revira as coisas que tem guardada em seu guarda roupas, seus pensamentos variam entre o passado e o presente. A fisionomia de Renata não lhe é estranha. Acho que a conheço de algum lugar!
As fotos mostram um passado bastante feliz com Silvia com seu filho no colo. Esse dia ela se recorda muito bem. Era domingo, o único dia de folga de seu marido. Eles passaram o dia na praia. Eduardo se divertiu com seus pais fazendo castelos na areia. Freitas era um ótimo pai, amava sua mulher e filho, fazia de tudo para vê-los feliz. Silvia não consegue conter as lagrimas que teimam em descer. Por que a vida faz isso? por que ela nos tira aquilo que mais amamos? Freitas era o esteio do lar, o provedor. Para ela, acordar e não senti-lo era melhor se ela estivesse morta também.
Mais uma vez o rosto da nova namorada do filho vem a sua mente, ela não me é estranha! Álbum por álbum. Foto por foto, documento por documento. Nada, nada que a faça lembrar de onde ela conhece Renata. Talvez seja coisa de velho, assim ela pensa. Já de saco cheio de revirar o passado ela deixa de lado a caixa a guardando entre as roupas.

***

O cansaço pegou Renata de jeito. Semi nua ela dorme sob os olhares maníacos de Eduardo. Ele ainda não acredita que conquistou de vez a gata loira. Sem sono e com fome ele a deixa dormindo e desce até a cozinha onde está sua mãe. Silvia prepara um chá de saquinho de camomila:
- Pensei que já estivesse no décimo sono!
- Perdi o sono. – Eduardo se alonga.
- Quer chá?
- Não obrigado, prefiro um sanduíche de queijo.
- Vou fazer pra você.
Eduardo se senta e começa a mexer no enfeite da mesa.
- Filho, eu tenho uma ligeira impressão que já a conheço. – Eduardo para de mexe no enfeite.
- Tem certeza mãe?
- Não sei, o rosto dela não me é estranho. – abre a geladeira e pega os frios.
- Tem tanta gente que se parece nesse mundo.
- Sei que ela é a sua namorada meu filho, mas peço, tenha cuidado. – coloca os pães de forma na bandeja.
- Por que eu deveria ter cuidado?
- Não sei, acho que estou variando, preciso de meus remédios. – ambos riem.

12

Ela abre os olhos e não há ninguém a seu lado na cama. Por um breve momento ela achou que estivesse em sua casa, em sua cama com seu amado marido que partiu. A realidade a trás de volta. O quarto é amplo com janelas com cortinas claras. O sol que entra deixa o ambiente perfeito para um casal apaixonado se amarem. A saudade de Caio arrebenta com seu coração. Ela evita chorar, a qualquer momento o idiota pode entrar e pegá-la aos prantos. Seu celular toca. Tavares.
- Dona Renata, me desculpe, sei que é domingo e a senhora deve estar descansando, mas o assunto é bastante importante.
- Pode falar, Tavares! – boceja.
- Estamos sem fundos para pagarmos as horas extras dos funcionários. – um palavrão é ouvido.
- Vou resolver essa situação, Tavares, pode deixar comigo.
- Dona Renata, como fará isso?
- Vá curtir seu Domingo Marcos.
Ao desligar o aparelho ela pensa um pouco. Se veste e vai ao encontro de Eduardo que se encontra malhando. Levantando peso ele não vê quando a mulher entra na academia totalmente equipada com todos os aparelhos. Renata chama por Eduardo:
- Preciso ir!
- O que foi? Algo com seu filho?
- Problemas com a empresa.
- Que tipo de problema? – enxuga o suor do rosto com as costas da mão.
- Ah, você sabe. – ruboriza.
- Olha, nada pode atrapalhar nosso final de semana. – a pega pela cintura. – se o problema é grana isso eu resolvo, agora vem cá.
- Já tomou café da manhã? – o abraça.
- Já, mas, acho que vou tomar de novo.
- Safadinho!

***

Mauricio tenta solar em sua guitarra sentado na varando ao por do sol. Mais um domingo passou. Solitário e cheio de duvidas, o adolescente não consegue se concentrar. Chico, o motorista da família a mais de 15 anos observa cada movimento e sente pena dele. Desde quando o pai morreu o garoto não sorrir com tanta freqüência. Certamente a música que ele está tentando tirar a mais ou menos uma hora, ele conseguiria em situações normais. Chico não tem tanta intimidade com o patrãozinho mas também nunca tentou. Seria uma boa hora para estreitar os laços? Não ligando para a receptividade do garoto o velho e magro motorista resolve se aproximar:
- Fala ai Mauricio! – a principio o adolescente continua tocando ou tentando tocar,mesmo assim responde ao funcionário. – posso ficar aqui com você?
- Por favor! – Chico engole seco.
- Qual música está tentando tocar?
- Uma internacional, creio eu que você não a conheça. – mostra o DVD do Metálica.
- Xi, não sei mesmo, sou das antigas, gosto muito das canções Tom Jobim, Chico Buarque entre outros.
- Você toca?
- Já toquei violão, não sei se consigo outra vez, posso tentar?
Mauricio tira a guitarra do pescoço.
- Ele é pesada.
- Pode deixar. – Chico faz uma careta ao sentir o peso do instrumento.
Depois de algumas arranhadas, em fim o motorista consegue se adaptar ao instrumento e assim dedilha uma canção de Jobim deixando Mauricio de queixo caído. As notas soladas por Chico fazem o rapaz viajar e esquecer dos problemas internos que sofre. Nem mesmo a voz rouca e tremula de Chico foi capaz de tirar o encanto da canção. Mauricio sorrir deixando o velho satisfeito, sua missão foi comprida.
- Caramba Chico, você toca muito, pode me ensinar essa?
- Claro que posso. – acaricia a cabeça do garoto.
- Está muito ocupado?
- Não!
- Bom, então me passa essas notas ai.
A noite vem chegando e a dupla continua ali, unida, num só propósito. Esse momento pode nunca mais voltar acontecer, mas, com certeza ficará marcado na memória de ambos.

13

Para Renata funcionário satisfeito é funcionário pago e de preferência sem atraso. Por isso, sua prioridade ao chegar à empresa antes de todos é acertar a folha. Para deixar seus colaboradores ainda mais satisfeitos, ela fará o pagamento em mãos antes do expediente. Conseguiu extorquir de Eduardo depois de uma manhã louca de sexo selvagem uma boa grana. Com o dinheiro ela conseguirá pagar as horas extras atrasadas e sobrará para investimentos futuros da Lemos.
A ordem é; cada funcionário deveria passar na sala do RH antes de pegar no batente. Isso assustou a todos até mesmo a Tavares, será que ela dará férias coletivas? Preocupado ele observa o movimento dos funcionários na saída da sala do RH. O sorriso largo dos homens e mulheres de uniforme deixa a cabeça do diretor geral da Lemos pirada:
- Vou ver isso de perto! – resmunga.
O pequeno envelope pardo na mão dos funcionários deixa claro que Renata mais uma vez conseguiu o impossível, um milagre talvez. Ele dispara pelo corredor a passos largos e chega na porta da chefia que de longe se mostra de bom humor:
- Entre Tavares!
- Com licença dona Renata, não pude deixar de notar que há uma movimentação na porta do RH.
- Sim, estou acertando as horas extras atrasadas.
- A senhora fez um empréstimo? – bate na própria testa.
- Isso jamais, digamos que eu, como já lhe falei, encontrei minha galinha dos ovos de ouro.

***

Eduardo digita rápido no computador em seu escritório que fica nos fundos de sua casa. Dona Silvia entra sem bater. Seu único filho continua a tarefa. Ao se aproximar ela olha a tela do computador e vê a logo marca de um banco famoso.
- Transações bancaria via internet?
- Pois é.
- Posso saber o que fazes? – começa uma massagem nos ombros do filho.
- Transferindo um dinheiro para a conta da Renata. – Silvia franze a testa.
- Mais meu filho, me desculpe, mas, essa moça, você mal a conhece.
- Claro que a conheço mãe, é a minha namorada, e se tudo sair como estou imaginando em breve nos casaremos.- Silvia coloca a mão no peito.
- Meu filho, sei que você já é um homem feito, mas, essa moça não me inspira confiança. – finalmente Eduardo se vira para sua mãe.
- O que a senhora quer dizer não me inspira confiança, acha que Renata é uma farsante?
- Eu não disse isso, você por favor não coloque palavras em minha boca. Eu só acho que é um pouco cedo demais para esse tipo de coisa, como dar dinheiro para ela, e se sua empresa precisar.
- Mãe, graças a Deus estamos bem financeiramente falando, qual o problema em eu ajudar minha namorada?
- Problema nenhum, eu só acho que você está apaixonado e pessoas apaixonadas não medem as coisas, não pensam. – Eduardo se levanta e fica frente a frente com sua progenitora.
- Mãe, fica tranquila, esta tudo sob controle. – a beija na testa e volta para a tela do notebook.
Mais uma vez Silvia volta a ter aquela sensação incomoda de que algo de muito ruim está para acontecer. Ela saí do quarto do filho bastante pensativa e decidida em não deixar que seu filho quebre a cara. Bem devagar ela caminha pelo corredor tomando serias decisões, vai investigar sozinha ao passado de Renata.

***

Mauricio continua abraçado com sua guitarra ainda tentando tirar seus solos para uma apresentação que fará no próximo final de semana. Renata entra no quarto do filho e não é percebida por ele. Enquanto os dedos do adolescente deslizam sob as cordas do instrumento, a empresaria observa o quanto tem deixado de lado momentos ricos entre mãe e filho. Depois de varias tentativas frustradas o garoto guarda a guitarra e olha para sua mãe:
- Oi mãe!
- Oi filho, pelo que eu estou ouvindo você anda com problemas, não é?
- Pois é, estamos as vésperas de uma apresentação e eu não consigo tirar esse solo.
- E como vai à banda. – se senta na cama do filho.
- E como vão você e o Eduardo?
Renata não contava com essa.
- Estamos bem.
- Você pretende trazê-lo aqui quando?
Outro forte golpe.
- Bem, eu, um dia.
- Mãe, a senhora não precisa ficar desse jeito, a vida é sua, sei que você amava meu pai, mas, ele passou infelizmente.
Esse foi o golpe fatal. Renata prende o choro.
- Obrigado por ser tão sensível meu filho, vem aqui, me dá um abraço.
O abraço é longo e apertado. Pior que perder alguém para a morte é perder alguém que está vivo. Renata faz uma pequena reflexão e viu que abandonou seu filho em prol de sua vingança. Isso ela jamais deixará se repita, jamais.

14

A tempestade que estava estacionada na matriz da Lemos Transporte começa a querer seguir seu rumo. Renata acaba de quitar com agiotas todas as dividas deixadas por Caio. Tavares anda com a pulga atrás da orelha. Após se despedir dos homens ela se reúne com a diretoria e faz uma breve reunião deixando todos a pá da situação atual da empresa. Foi falado também de novos equipamentos e até aumento de salário. Marcos Tavares apenas acompanhou o discurso de sua chefe.
- Caros colegas, hoje estamos vivendo uma nova historia. Chegamos ao fundo do poço e agora é hora de sairmos dele. E sairemos de cabeça erguida, rumo ao futuro. – aplausos.

***

Mais tarde Eduardo e Renata transam de maneira animal num quarto de hotel de luxo. Com certeza ela pretende extorqui-lo depois de lhe proporcionar momentos de prazer extremo. No inicio a coisa funcionava no automático, Renata fingia e tudo mais. Hoje a coisa mudou. Mesmo odiando seu parceiro ela consegue relaxar e se entregar ao sexo conseguindo chegar ao orgasmo facilmente. Verdade seja dita, o filho da mãe sabe deixar uma mulher louca na cama.
Ela toma um drinque enquanto Eduardo com o notebook aberto na cama transfere mais uma boa grana para a conta de Renata. Ele faz a transação com um sorriso largo e não se dá conta que está sendo imprudente e agindo sem pensar. Apaixonado, foi o que disse sua mãe, ele está enfeitiçado pela mulher loira e gostosa sentada a seu lado.
- Pronto meu amor. – Renata quase engasga.
- Meu o que?
- Meu amor, por que?
- Nossa, já estamos nesse nível?- o abraça.
- A muito tempo – fecha o computador. - sabe, queria oficializar nosso relacionamento.
- Como assim, pelo que eu saiba nós não somos pessoas publicas. – rir do próprio comentário.
- Você entendeu o que eu quis dizer, quero me casar com você.

***

Silvia havia acabado de fazer a mesa de jantar quando bateram na porta. Ainda jovem, Silvia termina de deixar o ultimo prato sobre a mesa e vai atender aos convidados. Parados na varanda está a humilde família Melo. Boa noite pra lá, boa noite pra cá. Paulo Melo trás no colo uma linda menina loira. A seu lado sua esposa totalmente envergonhada:
- Vamos entrando acabei de colocar a mesa.
- Obrigado dona Silvia. – diz Paulo. – e o Freitas?
- Está no banho!
Abotoando a camisa, Freitas recepciona seu amigo e sócio com um boa noite quilométrico. Os homens se abraçam e as mulheres sorridentes apenas olham.
- Que honra receber o meu velho amigo Paulo Melo em minha casa.
- Larga mão disso homem, honra é a minha.
- Bom, vamos jantar senão a comida esfria. – propõe Silvia.
Durante a refeição que por sinal estava deliciosa, Freitas e Melo não mudaram de assunto sequer um instante, mas isso não incomodava as mulheres, elas apenas acompanhavam as falas o os gestos de cada um. O mais falante deles é claro era Freitas que colocava em pauta tudo o que pretendia fazer com o novo empreendimento. Já a filha de Paulo Melo deva trabalho a mãe pós não queria comer de jeito nenhum:
- Ela sempre foi assim pra comer? – pergunta Silvia sorridente.
- Sempre, por isso é tão magra.
- É apenas uma fase, isso deve passar.
O jantar terminou tarde por isso Freitas faz questão de leva-los até sua casa em seu veiculo. Dentro do carro por incrível que pareça Paulo e Freitas mudaram o assunto:
- E seu filho, Freitas, não o vi lá com a gente?
- Eduardo foi dormir na casa dos primos.
- Já deve estar um rapazinho. – comenta Marlene Melo.
- Isso mesmo, vou investir em meu filho ele será o futuro de nossa empresa, Paulo.
- É isso ai!
***

Silvia volta de seu devaneio que a levou a um passado onde agora ela tem certeza de onde ela conhece Renata:
- Ela é filha de Paulo e Marlene Melo. – coloca a mão na boca. – meu Deus!

***

O diretor financeiro da Freitas anda de cabelo em pé. Com os olhos fixados na tela do computador ele tenta encontrar respostas para a queda dos fundos da empresa. Mais uma vez ele refaz os cálculos e o resultado é o mesmo, há um rombo enorme no caixa da Freitas. Mesmo temeroso ele liga para o celular particular de Eduardo que o atende no primeiro toque:
- Fabio, espero que seja importante para ligar para esse número.
- Seu Eduardo, será que o senhor pode dar uma passadinha aqui?
- Mais tarde passo ai! – Eduardo no momento está reunido com fornecedores.
- É urgente senhor, acho que o futuro da Freitas está comprometido.
15

Por mais que Renata estivesse cansada de ouvir falar que vingança é cavar duas covas, ou vingança é um prato que se come frio, ela jamais imaginou que vivenciar tais momentos seriam tão prazerosos. De menina pobre a empresaria bem sucedida. Sonho realizado? Ela acha que não, ainda falta um pouco para que sua empresa decole de vez. Se Caio, seu marido deixou um legado, é dever dela manter ou dar asas para isso. Todo um filme passa em sua mente em câmera lenta. O dia do sepultamento de seu pai, sua mãe desesperada, ela no colo de estranhos no cemitério, o corpo glorioso de Paulo Melo sendo baixado e escondido para sempre numa sepultura fria. O ultimo adeus de sua mãe diante do tumulo perpetuo. Por maus que ela tente afastar as lembranças dolorosas, elas vêem e machucam pra valer.
Agora sentada na cadeira da presidência da Lemos, Renata contempla um empreendimento em ascensão, tudo isso graças ao idiota do filho do assassino de seu pai. Esse plano de sugar tudo que ele possui ela irá levar até as ultimas conseqüências .

***

Silvia, ainda revirando em sua frágil memória tenta colocar tudo em ordem. Ela sabe de tudo. Sabe da tragédia que tudo isso pode causar. Há coisas que nem mesmo a experiência pode explicar. Claro que Renata trama algo, ou não, ela simplesmente pode não saber da verdade. Tudo muito estranho, muita coincidência para duas famílias. De qualquer forma ela precisa salvar seu filho, livrá-lo de uma ruína terrível. A verdade sempre deve prevalecer.

***

Enquanto seu diretor financeiro lhe passa todos os dados, Eduardo se mantém cético e o questiona a cada calculo feito por ele:
- Fabio, por favor, como assim, isso está errado.
- Me desculpe senhor Eduardo, mas, estou desde a manhã de hoje fazendo os mesmos cálculos e os resultados são os mesmos, estamos quebrados.
- Você por um acaso já checou com outras fontes? – Fabio torce o nariz.
- Veja bem Eduardo, sou um profissional disputado no mercado, se não acredita no meu trabalho é melhor que me dispense. – Eduardo coça a testa e se redime.
- Me desculpe, Fabio, claro que dou credito ao seu trabalho, mas, sabe, é tudo muito estranho pra mim, eu, eu não posso fracassar, preciso manter tudo isso aqui de pé, meu pai merece isso.
- Então meu caro amigo, teremos que começar a eliminar gastos. Trocando em miúdos, uma contenção de despesas.
- E se eu me sacrificar e tirar da minha conta?
- Acho tudo isso uma loucura, mas, se quer assim, faça então.

***

A noite, sozinho em seu escritório que fica nos fundos da casa, Eduardo consulta seu saldo atual. Meneia a cabeça por varias vezes. Engole seco e digita com uma rapidez tremenda. Sua testa lustrada mostra o tamanho da pressão vivida no momento. Mais uma vez o saldo denuncia que ele precisa fazer algo o mais rápido possível, caso contrário, tudo estará acabado. Como isso foi acontecer? O celular toca. Renata, seu coração diminui os batimentos:
- Oi amor. – diz ele.
- Oi, só liguei para saber como você está.
- Estou no meio de uma confusão, pra variar.
- Será que nesse final de semana podíamos sair para ver as coisas do casamento? – Eduardo quase dá um grito.
- Olha amor, bem, é...
- Sua voz está estranha, está acontecendo alguma coisa?
- Não, não, nada, veja bem, eu não poderei ir com você, estarei ocupado, de quanto precisa?
- Ah, sei lá, gostaria que nossa cerimônia e festa fosse o marco.
- Tudo bem. – engole seco. – é só me falar de quanto precisa.
Claro que Renata não está interessada em casamento nem tão pouco em cerimônia ou festa. Tudo que ela quer é deixar Eduardo no chão prostrado. Mesmo apertado e com a conta bancaria chegando ao vermelho ela repassa um valor alto para a conta de sua “noiva”. Mais de uma vez ele se descabela e não sabe que atitude tomar.
Mãe é sempre mãe. Sentindo o sofrimento do filho, Silvia entra sem bater no escritório. Com passos silenciosos e lentos, ela se aproxima de seu único filho e o contempla bastante nervoso:
- Como vão os preparativos para o casamento?
- Bem, por que?
- Vai mesmo fazer isso? – da à volta na cama e fica frente a frente com ele.
- Mãe, já decidi, Renata é a mulher da minha vida. É com ela que irei viver.
- Meu filho, entenda, eu tenho parte na empresa e não pude deixar de conferir nossos fundos e vi que estamos à beira da falência, tudo isso é mesmo necessário?
- A Renata não tem nada a ver com a historia.
- Claro que tem, Eduardo, desde quando você conheceu essa mulher você não para de dar dinheiro para ela e não satisfeito compartilhou sua conta particular com ela, você por um acaso perdeu o juízo?
- Mãe, por favor...
- Abra os olhos Eduardo, essa Renata Lemos é uma mercenária quer tirar tudo que possuímos.
- Mãe, você está falando da minha futura mulher, mãe dos meus filhos, como pode? Parece até que a senhora sabe de algo que eu não saiba, ou estou errado? – Silvia se cala. – vamos dona Silvia, me diga, a senhora sabe de algo, descobriu alguma coisa?
- Boa noite meu filho! – deixa o quarto em silêncio.

16

Bastante pensativo Tavares tenta em vão descobrir como Renata em pouco tempo conseguiu reerguer a Lemos. Como todo esse dinheiro apareceu? Ele não descarta nenhuma hipótese. Mais uma coisa é fato, hoje a Lemos transporte voltou a ser o que era com todas as contas em dia. Os funcionários andam bastante satisfeito e as horas extras pagas ao final de cada expediente. A Lemos nunca esteve tão bem, simplesmente a gestão de Renata vem surpreendendo todo o corpo de diretores e já se fala de uma possível filial.
Renata entra na sala exuberante como sempre, esbanjando graça e beleza para todo lado. Como de praxe ela dá o seu bom dia mais que incentivador ao seu diretor e faz perguntas das quais já sabe as respostas, tudo na mais perfeita ordem dona Renata. Ela deixa a sala mas o seu perfume fica e não só o perfume adocicado, mas, como duvidas e mais duvidas na cabeça do velho Tavares. Não seria pretensão alguma da parte dela colocá-la na parede e perguntar, Marcos Tavares é homem e profissional o suficiente para fazer isso. Algo está cheirando mal nessa historia e ele não gosta nada disso. Se a fonte da ascensão de Lemos for ilícita, ele será o primeiro a denunciar tal coisa.

***

Chico acompanha seu jovem patrão nos estudos de guitarra na varanda da casa e com certeza a presença do funcionário tem feito Mauricio render nos solos. Por mais que as interrupções sejam constantes o garoto não se incomoda, ele acredita na experiência musical do velho motorista. Na verdade há um pouco de constrangimento por parte de Mauricio. Ele nunca foi de parar e tirar um tempo para bater um papo com pessoas mais velhas, ele sempre achou que idosos eram chatos e saudosistas. Sua visão tem mudado com esse contato com Chico. Ele pode não verbalizar, mas, seu funcionário tem aberto seus olhos quanto ao mundo que se vive e a vida. Mauricio tem aprendido muito nos estudos de guitarra e sempre que pode se junta ao motorista da família.
- Chico, sinto falta do meu pai!
- Nós também garoto, seu pai sempre foi um bom homem, cuidava da família como poucos e nos tratava como poucos também.
- Será que ele foi para o céu? – esse pergunta o pegou de surpresa.
- Creio eu que o legado de um homem para seu filho seja o mais importante, e Caio com certeza deixou o maior de todos, o amor.
- Gosto de você Chico. – fala acariciando o braço da guitarra.
- Também gosto de você meu filho, mas, posso lhe fazer uma pergunta, jura que não irá se aborrecer comigo?
- Sim! – ajeita os óculos.
- Como anda a sua relação com sua mãe? – Mauricio volta a solar.
- Complicada, ela agora tem mais com o que se preocupar. – mais solos. – e eu nem sei se ela irá no show da minha banda.
- Quanto a mim, garanto minha presença.
- Valeu Chicão, vamos trabalhar nessa música.

***

Por mais que Eduardo queira ele não consegue se concentrar no que sua noiva está fazendo. Ele não consegue manter uma ereção por muito tempo e ela percebe. Em dias normais ele já teria chegado ao ápice a muito tempo:
- O que foi amor, não está gostando?
- Não é esse o problema. – levanta o short de dormir.
- Então, o que está rolando? Estou te fazendo carinho a quase meia hora e você nada.
- Problemas minha querida, problemas quase que insolúveis. – Renata se levanta e se enrola no lençol.
- Alguma coisa com a Freitas?
- Não só com a Freitas, mas, com minhas finanças, estou quase quebrando e para piorar, minha mãe não aprova nosso casamento. – se joga na cama e coloca as mãos por baixo da cabeça.
- Bom, e o que você pensa em fazer quanto a isso? – se inclina no peito do homem.
- Quanto a isso o que?
- O nosso casamento, você realmente quer casar comigo, eu posso esperar, essa situação vai melhorar, eu tenho certeza. – Eduardo acaricia as madeixas loiras de sua noiva.
- Obrigado amor, foi a única coisa boa que ouvi desde quando isso começou.
- Você tem potencial Eduardo e eu acredito piamente em seu trabalho. Iremos nos casar e seremos muitos felizes, tudo bem? Você vai reerguer a Freitas.
- Nossa, que injeção de animo, fiquei até excitado agora.
- Podemos começar de onde paramos.
- Boa!

17

De acordo com os novos cálculos de Fabio, o diretor financeiro da Freitas, a empresa está com seus dias contados. Tudo leva a crer que irão abrir concordata daqui alguns dias. Alguém toca duas vezes na porta o tirando a concentração. Resmungando ele a abre e toma um susto que o faz gelar:
- Dona Silvia Freitas, a quanto tempo!
- Bom dia Fabio, volte para sua mesa, temos muito o que conversar. – o rapaz magro e alto engole seco.

***

Todo o dinheiro dado por Eduardo pensando que o fim seria o casamento, foi investido em bens para Lemos. Renata comprou mais cinco caminhões e equipou a empresa com material de segurança. E é claro, com o que sobrou aplicou em sua conta particular. Ela chama por Tavares e anuncia o que pretende fazer:
- Mas, dona Renata, um helicóptero?
- Sim, por que não?
- Uma aeronave envolve um monte de burocracias das quais não temos tempo e nem condições alguma de arcar.
- Pensa Tavares, um helicóptero irá resolver noventa por cento dos problemas com atraso por causa do transito caótico e sem contar que a Lemos poderá entregar para mais longe. Nordeste, é uma região que ainda não alcançamos, sul, centro oeste.
A expressão de Tavares não é nada amigável e tudo o leva acreditar que o enriquecimento de sua patroa é ilícito.
- Quando pretende comprar o helicóptero? Teremos que contratar um piloto, a senhora tem noção o quanto é custoso a manutenção de tudo isso? alvará de voo e tudo mais?
- Já me certifiquei de tudo, Marcos, e devo lhe informar que dentro de muito em breve a Lemos terá uma aeronave a sua disposição.

***

O nervosismo atrapalhou um pouco, mas não o suficiente para Fabio repassar para sua patroa todas as entradas e saídas da Freitas. Ele mostra através de um gráfico a queda da empresa em meses. Silvia parecendo uma pedra de gelo olha fixamente os números negativos ditados pelo diretor financeiro:
- Se continuarmos em decadência a Freitas deixará de existir em dias.
- Esses cálculos são cem por cento confiáveis?
- Sim senhora!
- Muito bem. – se levanta com auxilio da bengala. – o que culminou na queda da Freitas foram os gastos dos quais você não sabe qual a natureza?
- Sim, sinceramente nada foi passado para mim, se fizeram algo, fizeram as escondidos.
- Quanto a isso você não precisa se preocupar, sei muito bem quem tirou dinheiro da empresa e sei onde esse dinheiro foi investido.
- Como assim, corrupção na Freitas?
- Não, você me falou que por não haver fundos a Freitas deixou de investir pesado e deixamos de pagar fornecedores importantes não é mesmo?
- Sim senhora!
- Tudo que é comprado ou até mesmo as entradas passam por você.
- Exatamente! – Fabio aperta os lábios.
- Mais que droga. – Silvia bate forte com a bengala no chão.
- Algum problema dona Silvia?
- Pode deixar meu jovem, você fez um ótimo trabalho. – pega sua bolsa em cima da cadeira. – continue de olho! – dispara porta a fora.

***

A tensão é notória. Tudo está preste a desabar e Eduardo sabe disso, ele só não sabe como resolver. Ficar pobre não é o problema e sim deixar escapar por entre seus dedos tudo o que seu pai conquistou com suor e sangue. Por mais que ele tente ele não consegue chegar a uma conclusão. O quede fato aconteceu? Será que minha mãe tem mesmo razão? Estou eu enfeitiçado por uma paixão avassaladora? Claro que está, ele sequer quis tomar conhecimento da estória de sua futura mulher. Se envolveu até o pescoço com ela e não se preocupou com as conseqüências. Será que finalmente Eduardo Freitas está abrindo os olhos? Será mesmo Renata uma golpista? As fortes batidas na porta de seu escritório o trás e volta à realidade:
- Entre!
Silvia entra no recinto nada amistosa. Seu face está transtornada e ela precisa desabafar caso contrario tudo estará perdido:
- Eduardo, onde está Renata?
- O que houve mãe?
- Onde está sua noiva, preciso falar com ele urgente, ela precisa nos dar uma satisfação.
- Satisfação? Do que?
- A Freitas também me pertence, então resolvi dar uma passada lá e tirar algumas duvidas e descobrir que estamos a beira da falência, você pretendia me falar isso quando senhor Eduardo? – o filho se cala. – responda. – vocifera.
- Me desculpe mãe, eu...
- Já chega dessa historia Eduardo, será que você não percebeu que desde quando esse menina entrou em nossa vida tudo virou de ponta cabeça, ela é uma vigarista.
- Não admito que fale assim dela. – grita!
- Olha bem o seu tom de voz garoto, estou velha mais ainda sou tua mãe.
- Me desculpe, estou de cabeça cheia. – se senta.
- Se você se nega a acreditar que sua noiva é uma mercenária, tudo bem, deixa que eu mesma resolvo isso.
- Mas como assim? – Eduardo faz cara de quem não entendeu nada.
- A verdade meu filho, só a verdade vai nos salvar.

18

A Lemos agora está em ordem. Com os novos investimentos Renata prever que o faturamento mensal irá triplicar. Mais do que isso, a marca Lemos daqui a algum tempo irá valer milhões tendo a possibilidade de chegar ao exterior. Renata anda atolada até o pescoço com novos contratos e possíveis associados. Tavares ainda mais desconfiado também está atarefado colocando em ordem aquilo que lhe é cabível. O sorriso de orelha a orelha da linda loira que hoje fez questão de aparecer ao trabalho com um rabo de cavalo perfeitamente preso recebe uma chama da secretária:
- Senhora Renata alguém querendo falar com a senhora, mando entrar?
- Por gentileza Amanda!
Ela coloca o fona no suporte e volta a olhar atentamente para os números a sua frente e volta a sorrir. Bem devagar a porta se abre e uma voz doce e suave chama atenção da empresaria:
- Como vão as coisas Renata Melo? - o Melo soou como uma punhalada, ainda mais vindo de quem estava parado a porta.
- Dona Silvia Freitas?
- Surpresa?
- Muito!
- Não vai me convidar para sentar, estou um pouco velha para ficar aqui em pé. – sorriso amarelo.
- Ah sim, me desculpe, venha sente-se.
- Obrigado!
- Mas me diga, a que devo a honra da visita? – entrelaça os dedos.
- Você precisa saber da verdade minha filha, antes que uma desgraça aconteça. – ao ouvir isso Renata franziu a testa.
- Desgraça, verdade, do que a senhora está falando?
- Seu nome de batismo é Renata Melo não é mesmo? – Renata engole seco e meneia a cabeça dizendo que sim.
- Eu já sabia, lhe conheço desde criança.
- Impossível, minha família veio do interior quando tudo isso começou.
- Foi o que lhe contaram minha filha, você sabia que seu pai, Paulo Melo e meu marido Freitas eram amigos?
- Ele matou meu pai. – a expressão de Renata começa a ficar transtornada.
- Peço que me ouça, sei que você planeja uma vingança e está usando meu filho para nutrir esse sentimento maligno dentro de você. Meu filho e eu somos tão vitimas quanto você.
- Vocês, vitimas?
- Sim, vou lhe contar toda a verdade, essa história terá fim hoje.

Paulo e Freitas tomam café às duas da manhã organizando a papelada do novo empreendimento. Freitas é o mais animado, já Paulo prefere se concentrar no trabalho. Mais uma xícara e Freitas olha para o companheiro:
- Pois é amigão, que Deus nos ajude nessa nova jornada não é mesmo?
- Podes crer.
- Nosso capital inicial é o bastante para darmos um avanço. Finalmente iremos mudar o rumo de nossas vidas e de nossas famílias. – o aperto de mão é firme e coberto dos mais sinceros sentimentos.
Eles praticamente não dormiram. Às sete da manhã a empresa já estava a todo vapor. Como todo bom empresário que se preza Paulo mete a mão na massa junto com seus funcionários. Freitas ficou responsável pelas entregas. As semanas foram passando e tudo fluía muito bem. Em questão de meses a Melo Freitas cresceu e teve que se mudar para um galpão maior. Mais funcionários tiveram que ser contratados. O crescimento da firma espantou até mesmo os donos:
- Meu Deus, e jamais imaginei que nós íamos crescer tão rápido assim. – exclamou Freitas.

***

Renata escuta o relato de Silvia mais cética do que nunca e depois de um longo período em silêncio ela resolve falar:
- A Melo Freitas se tornou uma empresa de médio porte em questão de meses e isso deixou o coração de seu marido negro e com isso ele matou meu pai para ficar com a firma só para ele, não foi?
- Filha, peço que não me interrompa, por favor.

Quando a Melo Freitas já havia se tornado referencial no ramo em que trabalhava Paulo foi procurado por um funcionário o qual lhe pediu um valor adiantado:
- Por favor, eu lhe peço!
- Veja bem meu querido. – Paulo cruza as pernas. – a nossa empresa ainda está em fase de crescimento se assim podemos dizer, e se, liberarmos esse adiantamento pra você teremos que liberar para outros, você entende? – o funcionário abaixa a cabeça e sai da sala.

No fim da semana Paulo e Freitas fizeram juntos os pagamentos e foram juntos para fazerem os depósitos. Ainda na ida para o banco eles conversavam sobre assuntos informais como futebol, mulheres e é claro a firma. Freitas dirigia enquanto seu sócio segurava a maleta com dinheiro quando o carro reduz a velocidade para passar num quebra mola e um cano de um trinta e oito estala no vidro do carona:
- Sem muito alarde, desce os dois, agora! – Freitas olha para seu sócio e se ver tentado a pisar no acelerador. Paulo diz que não com a cabeça:
- Tudo bem meu amigo. – fala Freitas. – se é o dinheiro que você quer, vai tê-lo.
- Chega dessa conversa mano, desce logo, rápido. – o bandido parece apavorado e sem querer ele deixa sua mascara cair revelando sua identidade. Paulo e Freitas ficam boquiabertos:
- Logo você. – diz Paulo segurando firme a maleta.
- Isso mesmo, quem manda não ajudar o funcionário quando ele precisa, agora vai morrer seu unha de fome.
- Não precisa nos matar, se é o dinheiro que você quer, então toma.
- Sim, claro, quando eu virar as costas toda a policia estará atrás de mim, eu tenho cara de otário?
Freitas ameaça a descer quando Paulo recebe o primeiro tiro na cabeça:
- Desgraçado! – vocifera Freitas. O bandido desesperado acerta o peito do homem que tomba no banco
O funcionário e assassino da á volta no veículo. Limpa suas digitais da arma e a coloca na mão de Freitas já morto e com os dedos do mesmo acerta outro tiro em Paulo. Pega a maleta com dinheiro e some na escuridão da estrada.

19

Renata chora bastante alimentando seu ódio. Ela não consegue engolir esse historia de jeito nenhum. Silvia também chora e tenta segurar na mão da moça que a recolhe:
- Eu não tenho o porque de mentir, nessa historia eu perdi meu marido, eu o amava muito.
- E nós, minha mãe e eu ficamos na merda, sabia, enquanto que você e seu filho desfrutavam da herança deixada por seu glorioso marido.
- O que Freitas deixou foi pouco, tudo que fizemos foi começar do zero, nós tentamos entrar em contato com sua mãe, mas, ela sumiu do mapa junto com você.
- Coitada da minha mãe. – chora ainda mais borrando a maquiagem.
- Acredite em mim, Freitas amava seu pai, ele jamais iria matá-lo, foi tudo obra daquele funcionário.
- E esse funcionário, a policia conseguiu prendê-lo?
- Não, até hoje a policia não tem paradeiro dele, mais eu sei onde ele estar agora.
- Como assim, você sabia onde ele estava e não fez nada.
- Eu planejava desmascara-lo, porém não foi preciso.
- Como assim, não estou entendendo! – Renata limpa as lágrimas.
- Tudo que irei falar foi o que a policia me relatou, são só hipóteses. Esse funcionário pegou o dinheiro e mudou de identidade e fugiu para outro país. Deve ter se escondido muito bem pois ninguém o encontrou. Com sua nova identidade ele foi se levantando e conseguiu fazer sua vida e voltou para o nosso país com outro nome.
- Qual? – Renata apóia os cotovelos na mesa.
- Caio Lemos!
Renata sente uma ligeira tontura ao ouvir o nome de seu finado marido.
- O Caio?
- Sim, Miguel Ferreira para ser mais exata.
- Isso é mentira!
- Ele era o funcionário mais pobre que a empresa tinha, precisou de ajuda, mas não foi possível ajudá-lo naquele momento, eu me prontifiquei em presta auxilio no que fosse preciso, mas, não deu tempo, ele seguiu seu próprio caminho.
- Mas, mas, eu nunca desconfiei de nada, Caio sempre foi um ótimo marido, bom pai, construiu a Lemos com sacrifício...
- Isso foi o que ele te falou, a Lemos foi construída com o dinheiro roubado da empresa de seu pai e do meu marido.
- Não consigo acreditar. – coloca as mãos na cabeça. – e seu filho, já sabe de toda verdade?
- Sim, contei a ele toda verdade.
- Você planejava desmascará-lo?
- Sim, ele podia ter mudado de nome, mas aquele rosto eu jamais esqueceria.
- Preciso ficar sozinha, por favor me dê um tempo.
- Tudo bem, saiba de uma coisa minha filha, se precisar de mim encontraras um ombro amigo, não há ódio em meu coração, somente justiça, tudo bem? – Renata não responde.
***

Depois desse dia a Lemos nunca mais foi à mesma. Renata até tentou, mas, não conseguiu segurar a onda e Marcos Tavares assumiu a empresa que teve que começar do zero. Houve demissões e alguns funcionários colocaram a causa na justiça. Sem dinheiro e sem ter como dar seqüência, Marcos Tavares resolveu fechar de vez a Lemos Transportes. Todos os bens adquiridos foram leiloados para os pagamentos das indenizações. O velho e bom diretor esteve com sua ex patroa uma ultima vez, para lhe entregar as chaves e uma certa quantia em dinheiro:
- Foi o que sobrou Renata, pegue, cubra algumas despesas. – hesitante e visivelmente abatida ela pega o envelope pardo e o agradece.
- Obrigado Tavares, você sempre foi um pai para mim.
- Que nada!
- O que fará da vida agora?
- Durante o tempo em que trabalhei com Caio, consegui juntar algum para emergências, terei que usá-lo.
- Boa sorte! – segura nas mãos finas e enrugadas do ex diretor.
Tavares dá um beijo fraterno na testa da mulher e se afasta a deixando solitária num banco de praça onde filhos e pais brincam numa tarde fresca. Segurando o envelope ela se pega pensando em Eduardo, o que ele estaria fazendo agora? Todo ódio que sentia por ele de repente se foi. Será que ele conseguiu colocar a Freitas de novo no topo? Ou ficou pobre de uma hora para outra como ela? Sem querer se levantar Renata olha ao redor e tudo que ver são pessoas passando, outras se exercitando e outras mexendo nos celulares, pessoas comuns, assim como ela.

20

Eduardo escreve sentado em sua mesa com tampo de vidro. Bem arrumado com um nó de gravata bem feito ele termina de despachar mais documentos. Foi difícil, mas ele conseguiu colocar a Freitas outra vez de pé. Hoje ela é uma empresa de médio porte. Foram necessário alguns cortes. Agora ele se empenha ao máximo para por a firma de seu pai outra vez no mercado. Dois toques na porta:
- Entre!
Ele continua a escrever quando Renata entra e fica em pé olhando para ele:
- Eduardo!
O coração do jovem empresário vem na boca ao ver aquela linda mulher de jeans e camisa parada bem na sua frente com o rosto abatido olhando para ele:
- Renata? O que faz aqui?
- Por favor, não me ataque.
- Não irei lhe atacar, tanto você quanto eu e minha família fomos vítimas, vamos enterrar o passado. Você está bem?
- Você me perdoa? – uma lágrima escorre do olho esquerdo.
- Renata, veja bem, diga logo o que você quer e vá viver sua vida, eu...
- Estou grávida!
A cabeça de Eduardo faz um giro de trezentos e sessenta graus e ele quase cai sentado em sua cadeira.
- Grávida? Como assim?
- Isso mesmo que você ouviu, grávida, mas não se preocupe, não vim aqui para lhe cobrar nada, só achei que você tinha o direito de saber. – enxuga as lágrimas com as costas da mão. – passar bem!
- Renata espere. – a segura no ombro. – quero ajudar, prometo, não vou deixar faltar nada para, para, nosso filho ou filha.
Renata permanece de costa para ele e de repente ela imagina sua vida ao lado dele. A vingança é algo terrível mesmo. Por causa de uma atitude e um sentimento nutrido ela jogou toda sua vida fora e hoje se encontra pobre e desamparada dependendo da ajuda de seu inimigo, ou seria ex inimigo?
- Renata, eu tenho o direito de ajudar, é o meu filho ou filha que você carrega dentro se ti, essa criança não tem culpa, não a faça pagar por tudo, por favor.
- Tudo bem, tudo bem, eu já vou indo, sabe onde me encontrar. – deixa a sala sem fechar a porta.

***

Renata dispensou os funcionários e vendeu a casa e com o dinheiro comprou um pequeno apartamento. Mauricio passa a maioria do tempo trancado no quarto tirando seus solos. Como ele sente falta de Chico e de seus conselhos. O garoto ainda não engoliu a ideia de ter uma irmãzinha aos 15 anos:
- Qual será o nome dela mãe?
- Pensei em colocar Maria Eduarda, o que acha? – alisa a barriga de cinco meses.
- Achei legal. – Mauricio continua a mexer na guitarra.
- Quer senti-la mexer? – o menino franze a testa.
- Sério?
- É sério, vem, coloca sua mão aqui.
O sorriso aberto de Mauricio deixa sua mãe emocionada.
- Legal, ela mexeu, a Duda mexeu.
- Que bom, ela reconheceu o toque do irmão, viu.

***

Finalmente chegou o grande dia, dia em que vovó irá conhecer a netinha. Silvia trás na mão algumas sacolas ao lado de Eduardo. O parquinho do condomínio será o palco do encontro e ao ver Renata segurando sua filha envolvida em roupinhas rosa, Silvia não consegue segurar as lágrimas. Eduardo sente um nó se formar na garganta:
- Ela é linda! – exclama Silvia olhando para amenina que dorme no colo da mãe. – isso é para ela. Posso segurar ou pouco?
- Sim senhora.
Enquanto Silvia baba a netinha, Eduardo e Renata trocam olhares. É bem verdade que Renata está um pouco mais magra, porém sua beleza é marcante. Mauricio chega e é apresentado.
- Uau, mais que belo rapaz você tem minha filha.
- Obrigado! – diz o adolescente ruborizado.

Sentada bem distante está uma jovem observando a confraternização. Ela fica a imaginar o quanto aquela família é feliz, bem que poderia ser a sua família. A realidade é bem cruel e dolorosa. Enquanto assiste a vovó balançando sua netinha no colo e os pais junto com seu filho mais velho no canto, a jovem chora reflete “pessoas felizes, não importa o que passou ou o que estão vivendo. O que importa mesmo é o amor que sentem um pelo outro” FIM