1
Ela é a ultima a entrar em casa. Antes dela seu
filho adolescente que ainda bastante abalado sobe as escadas
vagarosamente se segurando no corrimão. Silenciosa, vazia, lúgubre,
é esse o quadro da enorme casa dos Lemos. Renata antes de se jogar
no sofá da sala, olha para a mesa de centro onde há um porta
retrato. O choro é inevitável, amargo e a faz perder as forças.
Ali mesmo na entrada ela se derrama. Foi preciso ajuda de seu
motorista para ampará-la.
- Dona Renata, a senhora precisa ser forte. – se
abaixa.
- Eu o amava, Chico. – diz entre soluços.
- Sabemos disso, agora mais do que tudo a senhora
precisa se recompor para tocar a vida. – a coloca de pé. – vou
buscar água para a senhora.
- Não será preciso, Chico, pode ir, eu ficarei
bem.
- Tem certeza?
- Sim, obrigado!
- Qualquer coisa estou por perto.
Renata respira fundo e dá mais um passo. Muito bem
vestida e maquiada, a viúva do empresário de sucesso Caio Lemos
agora terá que conviver com a dura realidade. Hoje ele não voltará
para casa. Isso dói, dói demais. Ela passa pelo porta retrato e não
o pega. É melhor assim, se poupar dos duros golpes das lembranças.
***
Depois de quase meia hora finalmente ela consegue
chegar ao quarto. O cômodo ainda guarda o cheiro do perfume
amadeirado de Caio. O guarda-roupa ostenta as peças de roupa do
empresário. Renata abre e vê aquela calça, o motivo das inúmeras
brigas:
- Mais Caio, você tem outras calças e só gosta
de usar essa?
- Ah, amor, eu me sinto confortável nela, deixa
vai!
- Tudo bem, mais no Sábado você promete que vai
comprar outra?
- Pelo nosso amor. – a abraça.
Caio era divertido, carinhoso, bom pai e um ótimo
marido. Fazia questão de estar em todas as reuniões e festinhas de
Maurício seu único filho. Caio vivia dizendo que ele era o “ruim”
que deu certo, até mesmo na vida sentimental. Não era um homem
bonito. Durante toda a sua vida teve duas namoradas, uma delas é
justamente Renata, que conseguiu enxergar nele um homem de verdade.
Mediano e calvo, Caio conseguiu vencer na vida depois de muito
trabalhar duro como vendedor de livros de porta em porta. Juntou um
bom dinheiro e conseguiu montar sua micro empresa de transportes.
Hoje a Lemos transportes presta serviços para outras grandes
empresas e estatais.
***
A saudade do marido a deixa sem chão. Tudo o faz
lembrar. Ela se joga na cama e sente a macies do colchão e se lembra
da primeira vez que fez amor com Caio. Foi na lua de mel. Renata fez
questão de se guardar até o dia do casamento e Caio teve que
esperar os longos três anos entre namoro e noivado. Fizeram amor a
noite todo. Foi mágico. Renata é mais nova que Caio alguns anos,
mas não importava, ela o amava de verdade e não ligava para os
comentários maldosos do tipo – ela só estar com ele pelo
dinheiro. Para ela tudo que importava era viver feliz ao lado do
homem que a amava e a protegia. Muito bonita, dona de um corpo
esbelto e exuberante, Renata nunca revelou, mas, recebeu diversas
propostas de homens que diziam.
- O que faz você uma mulher maravilhosa ao lado
de um baixinho e careca como o Caio? – diz um dos sócios da Lemos
transportes.
- Ele é o meu marido e eu o amo.
Ainda olhando o teto ela lembra de Maurício e num
salto ela voa para o quarto do filho.
2
- Posso entrar? – pergunta Renata depois de dar
dois toques na porta.
- Oi mãe, chega mais. – tira os fones de
ouvido. – estava ouvindo uma música pra relaxar, quer ouvir,
Chopin.
- Adoraria! – Renata coloca os grandes fones e
fecha os olhos. Viaja, por um instante ela se despoja de todo o
sofrimento.
- Mãe? A senhora está bem?
- Me desculpe, estou bem sim, quer conversar, sair
pra comer alguma coisa? – Renata alisa a mão magra do garoto.
- Pô mãe, se não se importa, gostaria de ficar,
tenho prova essa semana, preciso estudar.
- Tudo bem, já vou indo, só não esqueça de
comer alguma coisa ta bom?
- Valeu mãe.
Renata e seu filho já foram confundidos como
irmãos. Realmente, o adolescente puxou muito da mãe e por ser nova
ela já passou por momentos delicados com certos comentários –
começou cedo hein! Isso a irritava. Antes de sair do quarto Maurício
a chama.
- Mãe, o pai fará muita falta!
- Com certeza, meu filho, já está fazendo.
***
Na cozinha as duas funcionarias falam baixo
enquanto preparam o jantar.
- Será que dona Renata vai vender tudo isso e ir
embora do país com Maurício? – pergunta a mais gordinha.
- Acho que não. – responde a negra. – dona
Renata é mulher de fibra, vai conseguir dar a volta por cima, apesar
de nova.
- Hum, não sei não. Com a morte de seu Caio as
coisas podem mudar, até mesmo nosso emprego corre risco.
Como um fantasma Renata aparece na porta da
cozinha ainda em tempo de ouvir as últimas palavras da empregada:
- Tudo vai continuar do jeito que está Raimunda,
não precisa se preocupar. – muito sem graça a mulher quase que
corta o próprio dedo.
- Oi dona Renata, quer que eu faça um chá para a
senhora?
- Não Selma, quando o jantar estiver pronto
preciso que levem para o Maurício lá no quarto, coitado, ele não
comeu nada depois do enterro, tudo bem?
- Pode deixar dona Renata, eu mesma levo. – se
oferece Raimunda a empregada gordinha.
Renata deixa a cozinha assim como entrou, em
silêncio.
3
O dia é ensolarado, mais do que perfeito para uma
corrida na orla da praia ou um simples passeio matinal. O relógio
marca quase oito e o silêncio na casa ainda impera. Em outra época
o movimento já seria intenso desde as sete quando Caio descia para
tomar seu café e ler seu jornal antes de sair para trabalhar. Renata
sempre gostou muito de dormir, dez horas para ela ainda era de
madrugada. Hoje não é diferente. Totalmente enrolada no edredom, a
linda esposa do finado empresário se encontra em sono profundo.
Talvez sonhando com dias felizes ao lado do marido que tanto amou. Ou
envolvida em pesadelos que a faz despertar ofegante:
- Meu Deus, a empresa! – ela passa a mão pelos
longos cabelos loiros. – perdi a hora.
***
Nesse exato momento o diretor da Lemos transportes
está reunido com os funcionários. Marcos Tavares além de amigo
íntimo de Caio é uma peça fundamental na firma. Foi ele quem
segurou e está segurando as pontas desde quando Caio ficou doente e
precisou ficar internado. No auge de seus 65 anos, Marcos é uma
figura um tanto quanto paterna para todos. Caio o adorava e vivia
dizendo que Tavares era e que sempre seria seu superior. Visivelmente
abalado ele busca forças para não chorar na frente dos quase 50
funcionários:
- Peço a colaboração de todos para que não
deixemos de continuar com o sonho do doutor Caio de fazer da Lemos
transporte a maior do país. Em vida ele lutou muito, eu fui
testemunha disso. Agora, com sua partida, nós que ficamos, devemos
manter o sonho vivo e trabalhar duro para que tudo aquilo sonhado por
Caio, venha se tornar realidade na vida de cada um de nós. – os
aplausos comovem o velho Tavares. Nesse momento a porta da sala de
reunião abre e como uma deusa loira, Renata adentra exalando seu
doce perfume contaminando a todos os presentes:
- Bom dia senhores! – poucos respondem. Outros
apenas olham boquiabertos a beldade de vestido longo e justo azul.
Tavares anda a seu encontro:
- Dona Renata, como é bom vê-la, posso saber o
motivo da visita?
- Sim. – ela olha para os funcionários. –
assumirei a Lemos transportes.
***
Se Renata entrou na sala de Caio duas vezes foi muito.
Desde quando o empresário montou a firma ela jamais abusou do livre
acesso que tinha para circular pelas dependências da empresa. Agora
o quadro mudou. Olhando para a decoração do lugar ela consegue ver
nos detalhes o jeito do marido. Atrás da cadeira de presidente há
uma pintura onde a paisagem é capaz de acalmar qualquer patrão
estressado. A música ambiente também tem o dedo de Caio, as músicas
instrumentais faziam parte do seu dia a dia. Maurício teve a quem
puxar nesse caso.
Tavares coloca a xícara de café no aparador em cima
da mesa.
- Dona Renata, tem certeza, essa é a sua decisão?
- Sim, Marcos, Caio, como você mesmo falou tinha um
sonho e eu como esposa não posso deixar isso de lado, entende?
- Sim, claro, mas devo lhe informar que lidar com o
meio empresarial não é nada fácil, requer habilidade e por que não
dizer esperteza. – se senta na cadeira de cliente.
- Está dizendo que eu não sou esperta. – brinca.
Tavares tenta se consertar.
- De maneira alguma dona Renata. – pigarreia. –
claro que acredito nos atributos da senhora, mas, antes que assuma de
vez a empresa, eu, na condição de diretor geral, devo lhe informar
que as coisas aqui não andam nada bem. – Renata coloca a xícara
de volta no aparador.
- Como assim as coisas não andam bem?
Tavares cruza as pernas.
- Bom, a Lemos transportes não está atravessando uma
boa fase financeiramente falando, há dívidas das quais temos a
obrigação de quitá-las.
- Fornecedores?
- Também, Caio precisou fazer alguns empréstimos
para a manutenção das frotas, um empréstimo alto e também se
enrolou com agiotas. – Renata franze a testa.
- Meu Deus, agiotas!
- Sim, ele nunca lhe contou?
- Não, eu também nunca perguntei, essa foi umas das
minhas falhas como esposa, eu nunca me interessei pelas questões da
empresa. – fala com a voz sumida. – sempre achei que Caio era
auto suficiente.
- E era, havia questões que só ele era capaz de
resolver e ele as resolvia como um mestre.
Renata se levanta e ajeita o vestido.
- Bom, agora não é hora de chorarmos o leite
derramado, temos uma missão a cumprir. – Marcos Tavares também se
levanta.
- E eu acho que o primeiro passo já foi dado.
- Qual?
- Nossa parceria. Quero desde já lhe dizer que darei a
você mesma lealdade que dei ao Caio senhora Renata. – as mãos se
unem num aparto mais que sincero, mais do que patroa e funcionário,
mas sim, pai e filha. – boa sorte!
- Obrigado!
4
A vida continua, não é assim que dizem? Pois bem, para
a jovem empresária não foi diferente. O sol raiou e lá está ela
dando sua corridinha na beira da praia chamando atenção dos homens
com seu modelito. Renata sempre fez questão de praticar exercícios
físicos e incentivava seu finado esposo que era totalmente do
contra. Para ele, correr não dava lucro algum:
- Se pelo menos, correndo estivéssemos produzindo algo,
ai talvez eu pensaria no seu caso meu amor, prefiro ficar aqui
tomando uma cerveja e curtindo essa vista maravilhosa.
- Tudo bem, mas lembre-se, o médico falou que você
precisa urgente perder alguns quilinhos e parar com o álcool.
- Estou ligado meu anjo, vá dá suas voltinhas, vai.
Como todo homem claro que Caio não seguiu a orientação
médica, e pagou caro por isso.
***
Tavares é o mais ansioso de todos, ele não entende o
porque do atraso de sua nova chefe. Gerentes e funcionários aguardam
em silêncio no salão da empresa. O nervosismo do diretor geral
acaba quando radiante a nova líder adentra ao recinto mais bela do
que nunca saudando a todos com um sorriso glorioso:
- Bom dia a todos, podem se sentar. – Marcos Tavares
se acomoda ao lado dela e cruza as pernas. Renata permanece em pé. –
bom, como sabem, a nossa empresa terá uma nova direção, porém, o
sonho continua o mesmo, as metas são as mesmas, eu Renata Lemos
acredito na capacidade dos senhores e junto vamos reerguer a nossa
casa. Sei que o momento é de dificuldade, para mim que sofri o maior
golpe da vida está sendo desafiador acordar e não ver o meu marido
a meu lado.
Tavares engole seco.
- Posso lhes assegurar que não haverá cortes. –
nesse momento um princípio de murmúrios deixa Renata desconcertada.
– continuando, eu sei que o que temos pela frente é duro e
incerto, mas, de uma coisa sei, a nossa força é maior que o nosso
sofrimento e a nossa vontade é maior que a luta. – alguém inicia
as palmas e finalmente ela volta a mostrar seu sorriso.
A reunião termina e Renata conversa com seus
gerentes. Alguns gesticulam bastante:
- Dona Renata, penso eu que o que acabou de dizer é
algo utópico, nossa firma está se arrastando.
- É verdade senhora, nosso caixa está a dias de
zerar por completo e se isso acontecer até mesmo nós teremos que
procurar outro lugar para trabalhar. – completa outro gerente.
- Isso não será necessário senhores, no final das
contas Deus vai enviar alguém, um salvador.
5
Mais um aperto de mão e pronto, Eduardo Freitas acaba
de ficar ainda mais rico. Ele acaba de fechar um contrato milionário
com uma empresa europeia. Eduardo quebrou aquela máxima de que o
filho destrói o que o pai construiu com suor e sangue. Pelo
contrário, Edu não só herdou como ampliou os negócios do falecido
pai, Freitas. Agora a prestadora de serviços chegará a Europa,
coisa que seu Freitas jamais imaginou que chegaria.
- Sucesso meu jovem. – diz o representante da empresa
alemã carregado no sotaque Germânico.
- Obrigado Klaus.
A sede da Freitas serviços está movimentada. Há
homens engravatados circulando por toda a parte. Até mesmo Eduardo
se despojou de seu típico esporte fino e se enfiou num terno cinza
escuro enchendo de orgulho a sua mãe dona Sílvia:
- Está igualzinho ao seu pai. – aperta o rosto do
filho.
- Nossa, quanta honra em ser comparado ao velho
Freitas.
- E a reunião, saiu tudo certo?
- Graças a Deus tudo certo, o contrato foi assinado e
a Freitas serviços chegou a Europa.
- Estou orgulhosa de você meu filho.
- Vamos almoçar? – segura nas duas mãos da mãe.
- Sim, claro!
***
Renata dispensou a empregada e ela mesma fez a arrumação
do armário onde estão guardados documentos, fotos e outras tralhas.
Um pequeno álbum empoeirado chama sua atenção, principalmente pela
capa, feita de camurça azul. Ao abri-lo ela dá de cara com a foto
de sua mãe abraçada com seu querido pai Paulo. Tal imagem desperta
nela tristeza e também ódio. Seus olhos permanecem fixos no sorriso
contagiante e fácil do pai. Paulo fora assassinado por seu amigo
quando ela era ainda pequena. Com a partida repentina e absurda do
provedor da família, Renata e sua mãe tiveram que se virar para se
manterem. Sufoco, apertos e humilhações.
Algum tempo depois, logo que sua mãe faleceu, Renata
descobriu quem foi o autor da morte do pai. Seu coração se encheu
de furor e ela jurou vingança. Por não saber por onde começar e
nem o que fazer, Renata deixou esse sentimento adormecido. Agora,
diante da imagem do pai sorrindo na foto, essa fúria se acendeu e
com força. Ela não termina a arrumação e transfere a
responsabilidade para a funcionaria gordinha:
- Meu Deus, quanta pressa. – diz subindo na escadinha
para alcançar a parte de cima do armário.
***
Quanto mais o tempo passa, mais as coisas se apertam
para a Lemos Transportes. Tavares acompanha de perto o declínio da
empresa sem nada poder fazer. Em sua mesa um turbilhão de dívidas
ainda não quitadas. As que lhes dão condições de pagar, são
pagas em determinado número de parcelas, outras, por serem altas
demais, são empurradas com a barriga, coisa que Marcos Tavares odeia
fazer. No início quando Caio lhe convidou para o cargo de diretor
geral da empresa ele via as coisas fluírem como rio, fornecedores e
funcionários pagos no dia certo e às vezes antes. Doutor Caio fazia
questão de andar certo com todos.
Claro que Tavares sabe o motivo da empresa estar mau das
pernas, um negócio mal feito. Um investimento fora de hora. Na época
Tavares foi totalmente contra, porém a decisão final foi dada por
seu patrão e amigo. Hoje Caio já não existe mais, mas, as dívidas
sim e o que fazer? Vender a empresa? Seria o melhor a fazer:
- Com certeza esse não era o sonho de meu marido,
Tavares.
- Também sei disso dona Renata, mas eu sei também que
nós não temos as mínimas condições de quitarmos as dívidas, as
entradas não nos permite isso.
- Os salários dos funcionários estão em dia?
- Na medida do possível. – pega a folha de pagamento.
– veja.
- Bom, pelo menos isso estamos conseguindo manter.
- Senhora Renata, a realidade da Lemos hoje é grave,
estamos no CTI, caso não aja solução, teremos que vendê-la ou
fecharemos as portas. – Renata ao ouvir isso da boca do homem de
confiança de seu marido, reflete por alguns instantes e pergunta:
- Quanto tempo temos?
- Se meus cálculos estiverem certos, a Lemos transporte
não resistirá por mais quatro meses. – Renata aperta os lábios.
6
Maurício convidou sua mãe para assistir com ele o pôr
do sol do jardim da casa dos Lemos. O garoto anda quieto, diferente
de como era quando o pai era vivo. Mesmo enrolada com as questões da
empresa, Renata tirou um tempinho para passar ao lado do único
filho. Sentados lado a lado, mãe e filho vislumbram o findar de mais
um dia. O céu toma tons alaranjados dando espaço para a noite:
- Mãe, será que o pai está num bom lugar? – Renata é
pega de surpresa.
- Creio eu que sim meu filho, seu pai foi um homem bom e
merece estar num lugar legal. – acaricia as madeixas do garoto.
- Eu fiquei sabendo que a empresa do pai está passando
por problemas é verdade?
- É verdade. – Renata se levanta. – problemas sérios.
- E o que a senhora pensa em fazer? Vendê-la?
- Não, claro que não, seu pai lutou muito para construir
aquilo, hoje, se temos tudo isso foi graças a ele. – Maurício
olha para a mãe.
- Por que você não fala do vovô e da vovó? – Renata
se mostra incomodada com o turbilhão de perguntas do filho.
- Veja, você não queria tirar fotos do pôr do sol, acho
que está perdendo a oportunidade.
- Vixi, é mesmo.
Como falar para um adolescente que seu avô foi morto por
um canalha? Ele entenderia? Há anos ela esconde isso do filho. Mais
uma vez o ódio e a vingança inflamam seu coração e ela precisa
agir rápido.
***
Eduardo Freitas sorrir de orelha a orelha quando mais um
contrato é fechado. Seus assessores se orgulham de estarem fazendo
parte desta história de sucesso. Para comemorar ele convidou sua
equipe para um almoço bastante descontraído. Seu gerente geral
sentado ao lado ergue uma taça:
- Um brinde ao sucesso de nossa empresa e a competência
de nosso chefe. – todos brindam e aplaudem chamando atenção de
quem almoça no restaurante. Sentada no fundo do estabelecimento
degustando uma salada e batendo palma também se encontra Renata
olhando para Eduardo.
***
O plano é; chamar atenção do riquinho. Para isso ela
se produziu. Toda mulher sabe quando é desejada, quando está
gostosa e quando quer atrair os olhares para ela. Renata está um
espetáculo. Com seu vestido vermelho e cabelos soltos a loira é
capaz de fazer parar todo o trânsito do mundo. Ela pede a conta e se
levanta. Eduardo conversa com seus amigos quando ela passa atraindo
olhares dos mais diversos. Seu assessor chefe engasga e o cutuca por
debaixo da mesa:
- Eu como, e você?
- Oi?
- Dá uma sacada na loira indo para o balcão, que bunda
é aquela.
- Realmente. – Eduardo coça o pescoço.
Fora do restaurante eles trocam olhares e sem rodeios
Eduardo mesmo de longe joga seu charme pra cima da loira que retribui
sorrindo.
***
O jovem empreendedor almoça sozinho quando Renata
adentra ao restaurante ainda mais sensual. É observada mais não
deixa transparecer que está gostando logo de cara, resolve fazer um
joginho. Ela senta no mesmo lugar e faz seu pedido. Eduardo continua
a fuzilá-la com os olhos. Vez por outra ela o olha também. Numa
dessas paqueradas ele sorrir e acena. O coração de beldade salta.
Mais uma vez ele a cumprimenta só então ela resolve entrar de vez
no jogo. O sorriso é mais que um convite para ele sair de onde estar
e se juntar a ela, é simplesmente um puxão para ir cair na cama com
ela.
Sem cerimônia ele se levanta e caminha até ela. Ambos
os corações estão acelerados como um carro numa auto estrada.
- Oi, posso me sentar?
- Seria ótimo. – Renata ajeita o decote.
- Posso saber o teu nome?
- Renata, e o seu?
- Eduardo, Eduardo Freitas. – Renata faz cara de
surpresa.
- Oh, sim, Eduardo Freitas, empresário de sucesso não é
mesmo? – o rapaz ruboriza.
- Mais ou menos.
- Hum, quanta modéstia.
Inicialmente o papo não passa do quesito informalidade.
Renata o envolve com palavras doces e elogios. Ele adora e fica
hipnotizado com a beleza da mulher a sua frente. Na metade, o papo já
muda para o formal, trabalho, folha de funcionários e etc. Eduardo
cada vez mais se apaixona pela loira, pela sua inteligência e
independência.
- Pelo seu jeito de falar você faz parte do ramo
empresarial não é mesmo? – Eduardo brinca com a colher na
sobremesa.
- Sim, sou. – Renata parece apreensiva com a pergunta.
- E como vão os negócios? – Eduardo entrelaça os
dedos.
- Bem! – é só que ela consegue dizer.
***
Minutos depois ambos estão no estacionamento do
restaurante. Renata continua fazendo seu joguinho de sedução e o
cara é claro cai como um garoto apaixonado. Com um dos braços
apoiado na porta ele a convence em deixar seu número com ele:
- Gostaria de jantar com você num dia em que ambos não
tenham nenhum compromisso, o que acha?
- Nossa, mais acabamos de nos conhecer.
- Eu sei, mas, a química rolou, ou não? Vamos, prometo
não ser muito apressadinho. – Renata rir e dita os números de seu
celular.
Enquanto Eduardo registra os números em seu aparelho
Renata vibra por dentro, sente que seu plano está dando certo.
- Ótimo, quando posso te ligar?
- Quando quiser. – tal resposta deixou o rapaz um pouco
espantado.
- Tudo bem! – entra no veículo e antes de dar a
partida olha mais uma vez para a deusa loira.
- Você é incrível sabia?
- Obrigada. – dissimula.
Eduardo se vai e Renata desfaz o sorriso forçado o
transformando uma expressão de ódio.
- Você não perde por esperar Eduardo Freitas.
7
O dia seguinte não começou nada bem. Além de não
conseguir fazer seus exercícios por que acordou tarde, Renata assim
que colocou os pés na empresa recebeu uma noticia que abalou todo o
seu emocional:
- Como assim eles vão cancelar o contrato? – Renata
esbraveja.
- Eles nos deram alguns dias para quitarmos a divida que
já vem se arrastando por meses dona Renata. – Tavares adiciona.
- E nós temos esse dinheiro em caixa?
- Não! – um dos gerentes é bastante categórico.
- Essa empresa que fornece material de limpeza e até
mesmo funcionários teceirizados para a companhia é nossa parceira á
anos e vem prometendo a rescisão do contrato a algum tem, o doutor
Caio ainda era vivo. – despeja Tavares.
Renata se levanta e vai até a janela e contempla uma
vista primorosa que entra em contraste com a situação vivida por
ela no momento. Somente uma pessoa pode livrá-la do fracasso.
- Ligue para eles. – Renata gira nos calcanhares. –
diga que essa divida será paga até o fim dessa semana.
Os diretores se encaram. Marcos Tavares dispensa o
pessoal e fica a sós com a patroa.
- Senhora. – pigarreia. – me desculpe a intromissão,
mas, como pretende pagar tal divida?
- Todo bom empresário que se preze precisa de bons
amigos, amigos fieis. – Renata se serve do café. – são esses
amigos que irão tirar a Lemos do buraco.
***
Eduardo termina de despachar a papelada tendo seu
assessor como espectador. O jovem empresário da a sua décima quinta
assinatura e olha cansado para o também jovem executivo:
- Pronto cara, leve isso para as filiais e diga que eu
pessoalmente irei passar os novos planos da empresa.
- Pode deixar. – nesse momento a secretaria entra na
sala.
- Senhor Eduardo, telefone na linha dois.
- Quem é Carla?
- Renata Lemos. – num salto Eduardo se levanta da
cadeira.
***
A praça de alimentação do shopping está movimentada
e barulhenta. Renata conversa com Eduardo quase que cara a cara
devido ao barulho. Sua aparência não é nada agradável. Os olhos
vermelhos e inchados deixam bem claro que a bela mulher chorou a
manhã inteira.
- Como posso lhe ajudar? – era tudo que Renata queria
ouvir.
- Nossa empresa atravessa uma péssima fase. – bebe
um pouco do suco. – precisamos de verbas para continuarmos, sabe.
- E de quanto seria essa verba?
Renata diz quanto. Eduardo mais uma vez cai como um
patinho.
***
As empregadas de Renata mais uma vez fofocam sobre a
situação em que a patroa se encontra:
- Mas menina isso aqui está muito esquisito mesmo. –
fala a gordinha arrumando a mesa. – dona Renata anda muito estranha
pro meu gosto.
- Acho melhor você parar de se meter na vida dos
outros. – a negra lava as louças. – daqui a pouco leva um pé no
rabo e ai eu quero ver.
- Eu não estou de fofoca, estou apenas fazendo um
comentário.
- Hum, sei, você? Aqui a nossa obrigação é servir,
mudas e surdas de preferência.
***
Já no final do expediente Eduardo para o carro quase
em frente ao portão da casa de Renata.
- Valeu pela carona. – Renata toca na porta do
veículo.
- É uma pena eu ter que voltar para empresa. – diz
tamborilando os dedos no volante. – adoraria entrar a provar do
vinho que você me falou.
- Nada lhe impede de você passar aqui mais tarde.
- Acho que o vinho terá que ficar para a próxima,
hoje tenho uma reunião com todos os meus associados, iremos traçar
novas metas.
- Obrigado pela força de hoje, você salvou a minha
vida, como podemos acertar a devolução desse empréstimo?
- Eu não lhe emprestei, eu lhe dei.
- Mais, Eduardo, foi um valor considerável...
- Esqueça, você já retribuiu. – Renata franze a
testa. – com esse sorriso. – segura no queixo da princesa.
- Assim não vale.
- Sabe, acho que estou gostando de você.
- Você acha? – se ajeita no banco.
- Não. – se aproxima. – eu tenho certeza. –
segura na mão da mulher.
A reunião terá que esperar. O beijo é mais
importante naquele momento. Enquanto trocam saliva a mente dos
apaixonados divergem. Ele sonha com o momento em que a terá por
inteira numa noite fria de inverno. Ela planeja deixá-lo na miséria,
na sarjeta. Vingará seu pai a qualquer custo. Não importa se quem
vai sofrer as consequências será o filho do canalha que pós fim a
vida de seu pai. O que verdadeiramente importa é levantar a empresa
e se vingar.
- Nossa, que viagem. – diz Eduardo olhando para ela.
- Isso digo eu.
- Poxa, eu preciso ir mesmo? – Eduardo faz uma
caretinha.
- Vai, é importante para o sucesso de sua firma.
- A gente se vê quando então?
- Sábado? – faz cara de menina apaixonada.
- Tudo bem, Sábado então.
Renata ainda permanece parada olhando o carro se
distanciar. Ela fala com ela mesma. Vá idiota, trabalhe até
morrer pra mim.
8
Renata caminha a passos curtos pelo jardim até chegar
à varanda da mansão. Rodando sua bolsinha tira colo, ela não
percebe os olhares curiosos de seu motorista, Chico. O velho
funcionário não sabe, nas a sua jovem patroa acaba de marcar o
primeiro ponto em seu plano maquiavélico. Ela da uma olhadinha de
rabo de olho e acena para ele. O motorista devolve o cumprimento meio
receoso, afinal, nem sempre a patroa é tão simpática.
Ela se joga no sofá e estica suas pernas torneadas até
apoiar os pés na mesa de centro. Tal posição deixa a mostra a
sensualidade que é suas coxas. Ela grita por sua emprega a qual
surgi na sala como mágica:
- Pois não dona Renata?
- Prepare meu banho, hoje quero tudo especial.
A funcionaria negra é a mais centrada a também a mais
discreta.
- Pode deixar senhora.
Renata não está apaixonada. Esse sentimento passa
longe dela. Ela caminhando nas nuvens por que encontrou a galinha dos
ovos de ouro chamada Eduardo Freitas. A viúva de Caio Lemos está
disposta a fazer de tudo para reerguer seu império.
***
Já o jovem rico acompanha a reunião completamente
fora de si. Ele não consegue tirar aquela loira linda e sensual da
cabeça e vez por outra ele se pega rindo, como agora. Seus
associados olham para ele e torcem à cara. O assunto em pauta pede
seriedade e pelo semblante do chefe tudo não passa de algo sem muita
importância. No momento em que lhe passaram a palavra ele estava
viajando, nos braços de Renata. Foi preciso alguém lhe cutucar:
- Senhor Eduardo, sua vez!
- Ah, sim, sim. – pigarreia. – o negocio é o
seguinte...
Eduardo precisou de muita concentração para não
deixar que a bela mulher de olhos castanhos claros não invadisse
seus pensamentos e atrapalhasse seu raciocínio. Ele encerra a
reunião ainda bastante constrangido. Seu assessor mais próximo e
também mais intimo bate em seu ombro enquanto deixam a sala:
- O que houve cara?
- Nada, por que?
- Você estava disperso o tempo todo.
- Me desculpe, mandei mal mesmo.
- Posso saber o motivo?
- Cara, lembra daquela loira do restaurante? – o
assessor coloca a mão na testa.
- Lembrei, a da bunda gostosinha? – gesticula no ar
- A partir de agora mais respeito cidadão, estamos
juntos e pra valer. – o rapaz engole seco.
- Sério? Você pegou? – Eduardo meneia a cabeça
confirmando.
***
Tavares sua frio ao receber em sua sala mais um
cobrador. A semana não está sendo muito boa para a empresa. Em
menos de duas horas esse é o terceiro representante de três
fornecedores que bate na porta da Lemos para cobrar dividas de cinco
e até um ano:
- Senhor Marcio, infelizmente teremos que romper nosso
contrato com a Lemos, a situação chegou a um ponto em que nos vemos
obrigados a levarmos o caso a justiça.
- Não tiro sua razão. Devemos sim e queremos pagar.
Eu só lhe peço para que pensem com bastante cuidado, não se
esqueça o quanto o senhor Caio se sacrificou para que vocês também
tivessem êxito em seus negócios.
- Nós reconhecemos o sacrifício do senhor Caio, que
Deus o tenha em bom lugar.
Renata entra sem bater na sala de Tavares.
- Bom dia! – o cumprimento é seco como uma palha.
- Bom dia dona Renata. – Tavares se levanta. – esse
é o Wilson representante de um de nossos fornecedores...
- Sei muito bem quem ele é. – Renata olha para o
homem. – quanto devemos?
- A senhora como dona da empresa deveria saber! – o
clima ficou pesado demais, carregado demais, porém Renata não
perdeu a compostura.
- Obrigado por me lembrar senhor Wilson. Independente
de quanto lhe devemos, terás o dinheiro até o fim da semana, diga
isso ao seu superior. Passar bem! – Renata aponta para a porta.
Hesitante Wilson deixa a sala segurando sua maleta.
Tavares sente o coração vir à boca.
- Eles querem nos colocar na justiça, sabia?
- Eles queriam, você quis dizer não é Tavares?
- Senhora, posso ser um pouco intransigente? –
Tavares volta a sentar-se.
- Você pode tudo Marcio.
- Como pretende pagá-los? É coisa grande!
- Digamos que eu encontrei um baú repleto de tesouros
meu querido diretor.
***
O sábado foi ensolarado com um céu com poucas
nuvens. Pela manhã a diva fez seus exercícios costumeiros. Resolveu
algumas questões pendentes da Lemos em casa mesmo. Almoçou com seu
filho Mauricio e depois fez compras mercado. Renata não é do tipo
de rica que manda fazer compras, ela mesma gosta de meter a mão na
massa. Para acompanha-la ela escalou sua funcionaria fofoqueira. A
mulher não parou de falar um só minuto. Por mais que sua patroa lhe
pedisse para parar de falar, ela continuava até que Renata se
limitou em apenas balançar a cabeça “concordando” com tudo.
A noite chega e com ela a empolgação. O encontro
com o “namorado” está marcado para as oito e ela começou a se
arrumar as cinco com um longo banho. Depois a saga para escolher se
iria de calça ou vestido. Sua cabeleireira particular chegou e a
produziu quase que em tempo recorde. Às sete e meia Renata estava na
sala folheando sua revista. Mauricio desce com sua guitarra nas
costas e se surpreende com a produção da mãe:
- Nossa mãe, que gata a senhora está hein!
- Obrigado meu filho.
- Vai sair com as amigas? – a pergunta pegou a
empresaria de surpresa e a fez lembrar “eu ainda não o contei que
estou me relacionando”
- Não querido, não. Está com presa? – o garoto
consulta o relógio em seu pulso.
- Cinco minutos.
- Ótimo. Sente-se. – cruza as pernas. – sua mãe
vai sair com um homem. – Mauricio não esboça reação alguma. –
acho que estou gostando dele. – Mauricio continua na mesma e isso
passa incomodar Renata. – eu ia te contar, mas não vi ocasião.
- Você esqueceu o pai?
- Nunca!
- Bom, acho que já estourou meu tempo, estou indo
ensaiar com a banda. Ótimo encontro. – a beija na face.
Ao ver o filho cruzar a porta as gotas de suor para
de brotar na testa da musa.
9
O jantar estava uma delicia. O ambiente também.
Eduardo é frequentador assíduo do lugar á algum tempo. O pianista
ajuda a deixar o clima ainda mais harmonioso com o arpejar de suas
notas. O tempo está passado, é hora de começar a colocar seu plano
em ação. Depois da sobremesa Renata deixa seu semblante apreensivo.
Eduardo nota a expressão de sua nova garota.
- Algum problema?
- Nenhum!
- Tem certeza?
- Bem...
- Olha, eu não quero que nada saia errado em nosso
primeiro encontro, tudo bem?
- Eu vou ficar bem, só estou preocupada.
Eduardo segura em sua mão.
- Em que posso ser útil?
- Você sabe né, as coisas não andam nada bem na
minha empresa, então quando isso vem à tona, você sabe.
- De quanto precisa?
- Não faça isso Eduardo, você já me emprestou uma
vez...
- Eu não lhe emprestei, eu lhe dei, lembra? Agora me
diga, de quanto precisa?
Um homem apaixonado fica cego e sua razão vai para o
espaço. Eduardo cai direitinho na armadilha. Renata por sua vez
deseja retribuir dando lhe uma noite de amor perfeita. Ela vai ceder
a todos os encantos dele sem hesitar.
No carro eles trocam beijos calorosos. Eduardo a
segura no rosto e ela repousa sua mão na perna do homem já
excitado. As mãos de Eduardo descem lentamente até a cintura. O
cheiro do perfume o deixa ainda mais louco. As respirações se
misturam. Eduardo a puxa para perto dele. Na mente de Renata uma
única coisa passa; vingança. Por fim as mãos do empresário estão
por dentro da blusa tocando os seios. Numa situação normal de um
primeiro encontro, ela jamais permitiria isso. Mas, o caso aqui é
outro, rola interesse. Ela quer sugá-lo e usará o ponto fraco de
todo homem, sexo.
Ela deixa que seus seios médios sejam apalpados e
acariciados. Enquanto Eduardo a beija de olhos fechados ela permanece
com os seus bem abertos. Ela sente que em breve Eduardo sentirá sua
frieza e antes que isso aconteça, ela resolve esquentar, fazer parte
do jogo. Uma mulher quente, é tudo que um homem deseja.
Claro que ela não vai deixar correr frouxo. Vez por
outra ela dá uma travada. Fingindo ser difícil Renata se recolhe e
olha para ele:
- Nossa primeira vez será aqui, no meio da rua?
- Não, sei de um lugar ótimo.
***
Mauricio erra as notas que ele está mais que
acostumado a tocar mais uma vez irritando o vocalista da banda:
- Hoje ta brabo. – coloca o microfone no suporte. –
o cara não para de errar.
O baterista e líder da banda roda as baquetas:
- O que está havendo com o meu guitarrista hoje?
Mauricio abaixa a cabeça:
- Foi mal galera, realmente hoje não é o meu dia. –
tira a guitarra e a coloca no canto. – vamos relaxar um pouco.
***
Realmente o lugar é ótimo como Eduardo mesmo falou.
Um monte onde a vista da cidade iluminada chega ofuscar a visão de
tanto brilho. Renata ficou encantada, ela nunca tinha vista a cidade
daquele ângulo maravilhoso. Eduardo apagou os faróis, ninguém
precisa saber que eles estão ali. Aos poucos ele vai colocando lenha
na fogueira novamente. Enquanto sua namorada olha fascinada para a
paisagem noturna, ele a beija na nuca e pescoço a fazendo arrepiar:
- Não falei que o lugar era bom!
- Maravilhoso. – se vira para ele. – adoraria que
a nossa primeira vez fosse aqui.
- E o que estamos esperando?
É bem verdade que Renata no momento em que se
entrega de vez para seu inimigo se sente na pele de uma meretriz.
Sente nojo. A raiva trás lembranças dolorosas. Ela se recorda do
dia em que seu pai Paulo a levou para conhecer um monte muito íngreme
e que na metade ele precisou carregá-la nos ombros até o topo. O
velho sofreu com a pequena menina nas costas, mas não desistiu. Um
herói, era esse o sentimento que Renata tinha quanto ao ato de seu
pai, herói.
Eduardo a envolve com os braços tirando a roupa
dela bem devagar. Renata mais uma vez viaja até certo dia em que
sendo ela ainda adolescente, Paulo a defendeu de dois assaltantes de
estudantes na porta do colégio. Seu pai chegou no momento em que ela
teria todo o seu material roubado por pivetes descalços e
desarmados. Ela lembra o quanto foi magnífico ver seu pai expulsando
os garotos de perto dela com uma voz grave e firme. – não toquem
em minha filha!
Porque ela simplesmente não o mata ali mesmo
naquele lugar escuro e deserto? Basta usar pegar um graveto e
enfia-lo no ouvido do canalha. Não. Ela quer se aventurar em vê-lo
sofrer, vê-lo falir. Por isso ela espalha os devaneios e resolve
curtir o momento e o momento é até prazeroso. Eduardo a beija por
completa e ela consegue sentir algo gostoso. Vamos lá Renata, se
quiser tirar mais algo desse idiota você precisa lhe dar a maior e
melhor noite de sexo. A lua permanece ali como testemunha dos
corpos que se tocam.
10
O dia nem havia nascido direito e Renata entra em
casa pé ante pé. Ainda em êxtase ela sobe as escadas e alcança
seu quarto. Sem fazer barulho ela abre a porta e mesmo assim ela
range. Finalmente sua cama. Se joga. O sono não vem logo e ela fica
a pensar. Caio era um homem maravilhoso, bom pai, excelente marido,
porém, na cama ficava devendo. Ela lembra das vezes em que ele
precisou de ajuda dos comprimidos azuis para conseguir ter ereção.
A vergonha era tamanha que o pobre rico chorava na beira da cama:
- Perdão minha linda, não sei o que anda
acontecendo comigo.
- Tudo bem, fique calmo, vamos dormir, tentaremos
amanhã.
Como é a vida. Ela amava o marido que não
conseguia lhe dar prazer e isso durou o tempo em que ela esteve
casada com ele. E depois de muito tempo foi ter prazer com seu
inimigo, o filho do cara que matou seu pai. Mesmo contra gosto
Eduardo conseguiu que a mulher chegasse ao orgasmo por duas vezes. O
cara é realmente bom, muito bom. Ela até consegue sorrir.
Ainda repassando as loucuras que viveu deitada no
capô do carro, Renata olha para o relógio pendurado na parede e se
espanta, ainda tenho duas horas de sono, vamos lá!
***
Renata termina de fazer mais um deposito na conta
de um fornecedor. Tavares comemora o quitar de mais uma divida
fazendo a Lemos respirar. Ao fechar o notebook ela olha para o seu
velho diretor geral e dá uma picada:
- Pronto!
- Ótimo dona Renata, fui notificado que esse
mesmo fornecedor irá renovar o contrato.
- Ufaa!
Nesse momento o celular de Renata vibra, Eduardo.
- Oi, bom dia. – Tavares sai sem ser percebido.
– teve problemas para acordar? – dissimula. – almoçar hoje?
Sim, claro, ao meio dia? Tudo bem então, beijo. – ela joga o
aparelho e faz uma careta.
Renata foi a primeira a chegar. Depois de vinte
minutos Eduardo chega e encontra uma namorada bem humorada. Pelos
menos por fora.
- Me desculpe a demora, tive que atender novos
associados.
- Nossa, tudo fluindo então?
- Graças a Deus. - a beija.
- Já fiz o pedido, carne branca.
- Beleza! – se ajeita na cadeira acolchoada. –
eu estava pensando, que tal passar o fim de semana lá em casa pra
conhecer a família?
- Seria ótimo.
- Sabe como é, eu venho de uma família
tradicionalíssima, meu pai fazia questão de saber de tudo e
abençoar tudo. – o estomago de Renata dá um nó. –ele já não
está entre nós, mas, eu faço questão de continuar com a tradição.
- Legal de sua parte.
***
Mauricio conversa com o líder da banda sentados
na calçada de uma rua pouco movimentada. O desanimo do garoto tem
atrapalhado o desenvolvimento da banda já que Mauricio é o
principal guitarrista, dono de solos incríveis:
- Cara. – diz o líder de cabelo moicano
vermelho. – sei que é barra o que você ta passando , mas,
precisamos de você cem por cento. O nosso grupo deixou de ser banda
de garagem a muito tempo, estamos pensando em algo profissional,
coisa de abrir show da galera top.
- Perdi meu pai e agora minha mãe vem com essa
de namorado, vê se pode!
- Aconteceu a mesma coisa comigo. Meu pai foi
para a terra dos pés juntos e logo em seguida minha coroa apareceu
com um sujeito lá em casa.
- E como você lidou com essa situação?
- Fiquei indiferente, só isso.
***
No estacionamento do restaurante Renata sofre
amassos e que amassos. Ela cede a qualquer tentativa do homem sem
problema algum. Sua saia é levantada e aparentemente Renata não
está nem ai. O lugar é deserto. Perfeito para uma rapidinha. O
rapaz pressiona o corpo da mulher contra o carro e a devora com
beijos e lambidas. A respiração ecoa. Para apagar o fogo Renata
resolve lembra-lo dos compromissos:
- Acho que vamos nos atrasar. – como água na
fogueira Eduardo para o que estava fazendo.
- Nossa, é mesmo, vamos.
Ainda formulando mais um jeito de tirar dinheiro
do otário, Renata Lemos puxa sua saia para baixo enquanto seu
namorado entra no carro:
- Antes de irmos, tenho uma surpresa.
- Qual? – se coloca a frente do volante. Renata
faz a volta. Abre a porta do carona e entra. Coloca sua cabeça entre
as pernas do garoto e abre o zíper. – sério que você vai fazer
isso aqui?
- Já estou fazendo.
Isso durou uns vinte minutos mais ou menos.
Eduardo ainda anestesiado se recosta no banco e logo em seguida toma
mais uma facada. Em questão de segundos foi feita mais uma
transferência para a conta da gata loira.
- Vamos!
***
No banheiro da Lemos Renata força o vomito
ajoelhada no chão frio. Ela sente nojo dela mesma. Vamos sua
piranha, vomite!
Depois de colocar os bofes pra fora ela se
derrama num choro amargo. Será que vai valer a pena continuar com
esse plano? Será que no final de tudo ela vai conseguir se reerguer?
Ela volta para sua sala e se tranca. Não quer mais receber ninguém.
Renata abre o computador e entra no site de sua agencia bancaria.
Mais alguns cliques e lá está, mais uma grana. Com ela a empresaria
poderá pagar e ainda sobrará algum. Ela rir. Está valendo a
pena sim, vou deixar aquele merda na miséria custe o que custar!
11
Uma casa enorme. Uma piscina incrível. Um jardim
pra lá de bem cuidado. Dona Silvia é apresentada à nova namorada.
Sempre muito simpática a viúva de Freitas dá um longo abraço na
nora e um beijo estalado. Renata sente nojo:
- Que prazer minha querida!
- O prazer é todo meu dona Silvia.
- Aceita tomar um chá gelado comigo?
- Adoraria!
Mesmo contra a vontade Renata e Silvia se
acomodam debaixo do guarda sol tendo o azul cristalino da piscina
refletindo em seus rostos. Em seguida o mordomo serve o chá
predileto da dona da casa em copo duplo. Enquanto sua nova sogra toma
um pequeno gole de líquido dourado e gelado, a empresária olha ao
redor e contempla e imagina o quanto de dinheiro ela pode tirar.
Basta apenas continuar como jogo:
- O que você faz? – distraída Renata não
responde. – filha?
- Ah, sim?
- Perguntei o que você faz da vida!
- Tenho uma empresa. – Silvia coloca o copo no
descanso.
- Hum, é do ramo também.
- Sim, transportes.
- E como vão as coisas? – Silvia volta a pegar
o copo.
- Todo dia é uma luta, mas, vamos superar.
A conversa segue lenta e chata, pelo menos para
Renata. Na hora do almoço é a mesma coisa, Silvia bombardeia a
jovem loira com perguntas. Eduardo por mais peça a mãe que para com
as perguntas, a senhora de 75 anos insiste em conhecer melhor a
namorada do filho:
- Ela está entrando para a família Freitas, é
necessário fazer algumas perguntas. – rir exibindo dentes amarelos
resultado de anos de fumo.
- Sim mãezinha, perguntas sim, não um
interrogatório. – ambos riem.
***
Ao cair da noite eles fazem sexo na casinha onde
fica o material de limpeza. Quase intoxicada com o cheiro forte de
desinfetante ela dá um empurrão em Eduardo e abre a portinha de
alumínio para respirar ar puro:
- Por que não subimos para o seu quarto?
- Ah, sei lá, aqui é mais perigoso, gosto disso.
- Meu Deus!
***
Silvia enquanto revira as coisas que tem guardada
em seu guarda roupas, seus pensamentos variam entre o passado e o
presente. A fisionomia de Renata não lhe é estranha. Acho que a
conheço de algum lugar!
As fotos mostram um passado bastante feliz com
Silvia com seu filho no colo. Esse dia ela se recorda muito bem. Era
domingo, o único dia de folga de seu marido. Eles passaram o dia na
praia. Eduardo se divertiu com seus pais fazendo castelos na areia.
Freitas era um ótimo pai, amava sua mulher e filho, fazia de tudo
para vê-los feliz. Silvia não consegue conter as lagrimas que
teimam em descer. Por que a vida faz isso? por que ela nos tira
aquilo que mais amamos? Freitas era o esteio do lar, o provedor. Para
ela, acordar e não senti-lo era melhor se ela estivesse morta
também.
Mais uma vez o rosto da nova namorada do filho vem a
sua mente, ela não me é estranha! Álbum por álbum. Foto
por foto, documento por documento. Nada, nada que a faça lembrar de
onde ela conhece Renata. Talvez seja coisa de velho, assim ela pensa.
Já de saco cheio de revirar o passado ela deixa de lado a caixa a
guardando entre as roupas.
***
O cansaço pegou Renata de jeito. Semi nua ela dorme
sob os olhares maníacos de Eduardo. Ele ainda não acredita que
conquistou de vez a gata loira. Sem sono e com fome ele a deixa
dormindo e desce até a cozinha onde está sua mãe. Silvia prepara
um chá de saquinho de camomila:
- Pensei que já estivesse no décimo sono!
- Perdi o sono. – Eduardo se alonga.
- Quer chá?
- Não obrigado, prefiro um sanduíche de queijo.
- Vou fazer pra você.
Eduardo se senta e começa a mexer no enfeite da
mesa.
- Filho, eu tenho uma ligeira impressão que já a
conheço. – Eduardo para de mexe no enfeite.
- Tem certeza mãe?
- Não sei, o rosto dela não me é estranho. –
abre a geladeira e pega os frios.
- Tem tanta gente que se parece nesse mundo.
- Sei que ela é a sua namorada meu filho, mas
peço, tenha cuidado. – coloca os pães de forma na bandeja.
- Por que eu deveria ter cuidado?
- Não sei, acho que estou variando, preciso de
meus remédios. – ambos riem.
12
Ela abre os olhos e não há ninguém a seu lado na
cama. Por um breve momento ela achou que estivesse em sua casa, em
sua cama com seu amado marido que partiu. A realidade a trás de
volta. O quarto é amplo com janelas com cortinas claras. O sol que
entra deixa o ambiente perfeito para um casal apaixonado se amarem. A
saudade de Caio arrebenta com seu coração. Ela evita chorar, a
qualquer momento o idiota pode entrar e pegá-la aos prantos. Seu
celular toca. Tavares.
- Dona Renata, me desculpe, sei que é domingo
e a senhora deve estar descansando, mas o assunto é bastante
importante.
- Pode falar, Tavares! – boceja.
- Estamos sem fundos para pagarmos as horas
extras dos funcionários. – um palavrão é ouvido.
- Vou resolver essa situação, Tavares, pode
deixar comigo.
- Dona Renata, como fará isso?
- Vá curtir seu Domingo Marcos.
Ao desligar o aparelho ela pensa um pouco. Se
veste e vai ao encontro de Eduardo que se encontra malhando.
Levantando peso ele não vê quando a mulher entra na academia
totalmente equipada com todos os aparelhos. Renata chama por Eduardo:
- Preciso ir!
- O que foi? Algo com seu filho?
- Problemas com a empresa.
- Que tipo de problema? – enxuga o suor do
rosto com as costas da mão.
- Ah, você sabe. – ruboriza.
- Olha, nada pode atrapalhar nosso final de
semana. – a pega pela cintura. – se o problema é grana isso eu
resolvo, agora vem cá.
- Já tomou café da manhã? – o abraça.
- Já, mas, acho que vou tomar de novo.
- Safadinho!
***
Mauricio tenta solar em sua guitarra sentado na
varando ao por do sol. Mais um domingo passou. Solitário e cheio de
duvidas, o adolescente não consegue se concentrar. Chico, o
motorista da família a mais de 15 anos observa cada movimento e
sente pena dele. Desde quando o pai morreu o garoto não sorrir com
tanta freqüência. Certamente a música que ele está tentando tirar
a mais ou menos uma hora, ele conseguiria em situações normais.
Chico não tem tanta intimidade com o patrãozinho mas também nunca
tentou. Seria uma boa hora para estreitar os laços? Não ligando
para a receptividade do garoto o velho e magro motorista resolve se
aproximar:
- Fala ai Mauricio! – a principio o adolescente
continua tocando ou tentando tocar,mesmo assim responde ao
funcionário. – posso ficar aqui com você?
- Por favor! – Chico engole seco.
- Qual música está tentando tocar?
- Uma internacional, creio eu que você não a
conheça. – mostra o DVD do Metálica.
- Xi, não sei mesmo, sou das antigas, gosto muito
das canções Tom Jobim, Chico Buarque entre outros.
- Você toca?
- Já toquei violão, não sei se consigo outra
vez, posso tentar?
Mauricio tira a guitarra do pescoço.
- Ele é pesada.
- Pode deixar. – Chico faz uma careta ao sentir o
peso do instrumento.
Depois de algumas arranhadas, em fim o motorista
consegue se adaptar ao instrumento e assim dedilha uma canção de
Jobim deixando Mauricio de queixo caído. As notas soladas por Chico
fazem o rapaz viajar e esquecer dos problemas internos que sofre. Nem
mesmo a voz rouca e tremula de Chico foi capaz de tirar o encanto da
canção. Mauricio sorrir deixando o velho satisfeito, sua missão
foi comprida.
- Caramba Chico, você toca muito, pode me ensinar
essa?
- Claro que posso. – acaricia a cabeça do
garoto.
- Está muito ocupado?
- Não!
- Bom, então me passa essas notas ai.
A noite vem chegando e a dupla continua ali, unida,
num só propósito. Esse momento pode nunca mais voltar acontecer,
mas, com certeza ficará marcado na memória de ambos.
13
Para Renata funcionário satisfeito é funcionário
pago e de preferência sem atraso. Por isso, sua prioridade ao chegar
à empresa antes de todos é acertar a folha. Para deixar seus
colaboradores ainda mais satisfeitos, ela fará o pagamento em mãos
antes do expediente. Conseguiu extorquir de Eduardo depois de uma
manhã louca de sexo selvagem uma boa grana. Com o dinheiro ela
conseguirá pagar as horas extras atrasadas e sobrará para
investimentos futuros da Lemos.
A ordem é; cada funcionário deveria passar na
sala do RH antes de pegar no batente. Isso assustou a todos até
mesmo a Tavares, será que ela dará férias coletivas?
Preocupado ele observa o movimento dos funcionários na saída da
sala do RH. O sorriso largo dos homens e mulheres de uniforme deixa a
cabeça do diretor geral da Lemos pirada:
- Vou ver isso de perto! – resmunga.
O pequeno envelope pardo na mão dos funcionários
deixa claro que Renata mais uma vez conseguiu o impossível, um
milagre talvez. Ele dispara pelo corredor a passos largos e chega na
porta da chefia que de longe se mostra de bom humor:
- Entre Tavares!
- Com licença dona Renata, não pude deixar de
notar que há uma movimentação na porta do RH.
- Sim, estou acertando as horas extras atrasadas.
- A senhora fez um empréstimo? – bate na
própria testa.
- Isso jamais, digamos que eu, como já lhe
falei, encontrei minha galinha dos ovos de ouro.
***
Eduardo digita rápido no computador em seu
escritório que fica nos fundos de sua casa. Dona Silvia entra sem
bater. Seu único filho continua a tarefa. Ao se aproximar ela olha a
tela do computador e vê a logo marca de um banco famoso.
- Transações bancaria via internet?
- Pois é.
- Posso saber o que fazes? – começa uma
massagem nos ombros do filho.
- Transferindo um dinheiro para a conta da
Renata. – Silvia franze a testa.
- Mais meu filho, me desculpe, mas, essa moça,
você mal a conhece.
- Claro que a conheço mãe, é a minha namorada,
e se tudo sair como estou imaginando em breve nos casaremos.- Silvia
coloca a mão no peito.
- Meu filho, sei que você já é um homem feito,
mas, essa moça não me inspira confiança. – finalmente Eduardo se
vira para sua mãe.
- O que a senhora quer dizer não me inspira
confiança, acha que Renata é uma farsante?
- Eu não disse isso, você por favor não
coloque palavras em minha boca. Eu só acho que é um pouco cedo
demais para esse tipo de coisa, como dar dinheiro para ela, e se sua
empresa precisar.
- Mãe, graças a Deus estamos bem
financeiramente falando, qual o problema em eu ajudar minha namorada?
- Problema nenhum, eu só acho que você está
apaixonado e pessoas apaixonadas não medem as coisas, não pensam. –
Eduardo se levanta e fica frente a frente com sua progenitora.
- Mãe, fica tranquila, esta tudo sob controle. –
a beija na testa e volta para a tela do notebook.
Mais uma vez Silvia volta a ter aquela sensação
incomoda de que algo de muito ruim está para acontecer. Ela saí do
quarto do filho bastante pensativa e decidida em não deixar que seu
filho quebre a cara. Bem devagar ela caminha pelo corredor tomando
serias decisões, vai investigar sozinha ao passado de Renata.
***
Mauricio continua abraçado com sua guitarra ainda
tentando tirar seus solos para uma apresentação que fará no
próximo final de semana. Renata entra no quarto do filho e não é
percebida por ele. Enquanto os dedos do adolescente deslizam sob as
cordas do instrumento, a empresaria observa o quanto tem deixado de
lado momentos ricos entre mãe e filho. Depois de varias tentativas
frustradas o garoto guarda a guitarra e olha para sua mãe:
- Oi mãe!
- Oi filho, pelo que eu estou ouvindo você anda
com problemas, não é?
- Pois é, estamos as vésperas de uma
apresentação e eu não consigo tirar esse solo.
- E como vai à banda. – se senta na cama do
filho.
- E como vão você e o Eduardo?
Renata não contava com essa.
- Estamos bem.
- Você pretende trazê-lo aqui quando?
Outro forte golpe.
- Bem, eu, um dia.
- Mãe, a senhora não precisa ficar desse jeito,
a vida é sua, sei que você amava meu pai, mas, ele passou
infelizmente.
Esse foi o golpe fatal. Renata prende o choro.
- Obrigado por ser tão sensível meu filho, vem
aqui, me dá um abraço.
O abraço é longo e apertado. Pior que perder
alguém para a morte é perder alguém que está vivo. Renata faz uma
pequena reflexão e viu que abandonou seu filho em prol de sua
vingança. Isso ela jamais deixará se repita, jamais.
14
A tempestade que estava estacionada na matriz da
Lemos Transporte começa a querer seguir seu rumo. Renata acaba de
quitar com agiotas todas as dividas deixadas por Caio. Tavares anda
com a pulga atrás da orelha. Após se despedir dos homens ela se
reúne com a diretoria e faz uma breve reunião deixando todos a pá
da situação atual da empresa. Foi falado também de novos
equipamentos e até aumento de salário. Marcos Tavares apenas
acompanhou o discurso de sua chefe.
- Caros colegas, hoje estamos vivendo uma nova
historia. Chegamos ao fundo do poço e agora é hora de sairmos dele.
E sairemos de cabeça erguida, rumo ao futuro. – aplausos.
***
Mais tarde Eduardo e Renata transam de maneira
animal num quarto de hotel de luxo. Com certeza ela pretende
extorqui-lo depois de lhe proporcionar momentos de prazer extremo. No
inicio a coisa funcionava no automático, Renata fingia e tudo mais.
Hoje a coisa mudou. Mesmo odiando seu parceiro ela consegue relaxar e
se entregar ao sexo conseguindo chegar ao orgasmo facilmente. Verdade
seja dita, o filho da mãe sabe deixar uma mulher louca na cama.
Ela toma um drinque enquanto Eduardo com o
notebook aberto na cama transfere mais uma boa grana para a conta de
Renata. Ele faz a transação com um sorriso largo e não se dá
conta que está sendo imprudente e agindo sem pensar. Apaixonado, foi
o que disse sua mãe, ele está enfeitiçado pela mulher loira e
gostosa sentada a seu lado.
- Pronto meu amor. – Renata quase engasga.
- Meu o que?
- Meu amor, por que?
- Nossa, já estamos nesse nível?- o abraça.
- A muito tempo – fecha o computador. - sabe,
queria oficializar nosso relacionamento.
- Como assim, pelo que eu saiba nós não somos
pessoas publicas. – rir do próprio comentário.
- Você entendeu o que eu quis dizer, quero me
casar com você.
***
Silvia havia acabado de fazer a mesa de jantar
quando bateram na porta. Ainda jovem, Silvia termina de deixar o
ultimo prato sobre a mesa e vai atender aos convidados. Parados na
varanda está a humilde família Melo. Boa noite pra lá, boa noite
pra cá. Paulo Melo trás no colo uma linda menina loira. A seu lado
sua esposa totalmente envergonhada:
- Vamos entrando acabei de colocar a mesa.
- Obrigado dona Silvia. – diz Paulo. – e o
Freitas?
- Está no banho!
Abotoando a camisa, Freitas recepciona seu amigo e
sócio com um boa noite quilométrico. Os homens se abraçam e as
mulheres sorridentes apenas olham.
- Que honra receber o meu velho amigo Paulo Melo
em minha casa.
- Larga mão disso homem, honra é a minha.
- Bom, vamos jantar senão a comida esfria. –
propõe Silvia.
Durante a refeição que por sinal estava
deliciosa, Freitas e Melo não mudaram de assunto sequer um instante,
mas isso não incomodava as mulheres, elas apenas acompanhavam as
falas o os gestos de cada um. O mais falante deles é claro era
Freitas que colocava em pauta tudo o que pretendia fazer com o novo
empreendimento. Já a filha de Paulo Melo deva trabalho a mãe pós
não queria comer de jeito nenhum:
- Ela sempre foi assim pra comer? – pergunta
Silvia sorridente.
- Sempre, por isso é tão magra.
- É apenas uma fase, isso deve passar.
O jantar terminou tarde por isso Freitas faz
questão de leva-los até sua casa em seu veiculo. Dentro do carro
por incrível que pareça Paulo e Freitas mudaram o assunto:
- E seu filho, Freitas, não o vi lá com a
gente?
- Eduardo foi dormir na casa dos primos.
- Já deve estar um rapazinho. – comenta
Marlene Melo.
- Isso mesmo, vou investir em meu filho ele será
o futuro de nossa empresa, Paulo.
- É isso ai!
***
Silvia volta de seu devaneio que a levou a um
passado onde agora ela tem certeza de onde ela conhece Renata:
- Ela é filha de Paulo e Marlene Melo. –
coloca a mão na boca. – meu Deus!
***
O diretor financeiro da Freitas anda de cabelo em
pé. Com os olhos fixados na tela do computador ele tenta encontrar
respostas para a queda dos fundos da empresa. Mais uma vez ele refaz
os cálculos e o resultado é o mesmo, há um rombo enorme no caixa
da Freitas. Mesmo temeroso ele liga para o celular particular de
Eduardo que o atende no primeiro toque:
- Fabio, espero que seja importante para ligar
para esse número.
- Seu Eduardo, será que o senhor pode dar uma
passadinha aqui?
- Mais tarde passo ai! – Eduardo no momento
está reunido com fornecedores.
- É urgente senhor, acho que o futuro da
Freitas está comprometido.
15
Por mais que Renata estivesse cansada de ouvir
falar que vingança é cavar duas covas, ou vingança é um prato que
se come frio, ela jamais imaginou que vivenciar tais momentos seriam
tão prazerosos. De menina pobre a empresaria bem sucedida. Sonho
realizado? Ela acha que não, ainda falta um pouco para que sua
empresa decole de vez. Se Caio, seu marido deixou um legado, é dever
dela manter ou dar asas para isso. Todo um filme passa em sua mente
em câmera lenta. O dia do sepultamento de seu pai, sua mãe
desesperada, ela no colo de estranhos no cemitério, o corpo glorioso
de Paulo Melo sendo baixado e escondido para sempre numa sepultura
fria. O ultimo adeus de sua mãe diante do tumulo perpetuo. Por maus
que ela tente afastar as lembranças dolorosas, elas vêem e machucam
pra valer.
Agora sentada na cadeira da presidência da Lemos,
Renata contempla um empreendimento em ascensão, tudo isso graças ao
idiota do filho do assassino de seu pai. Esse plano de sugar tudo que
ele possui ela irá levar até as ultimas conseqüências .
***
Silvia, ainda revirando em sua frágil memória
tenta colocar tudo em ordem. Ela sabe de tudo. Sabe da tragédia que
tudo isso pode causar. Há coisas que nem mesmo a experiência pode
explicar. Claro que Renata trama algo, ou não, ela simplesmente pode
não saber da verdade. Tudo muito estranho, muita coincidência para
duas famílias. De qualquer forma ela precisa salvar seu filho,
livrá-lo de uma ruína terrível. A verdade sempre deve prevalecer.
***
Enquanto seu diretor financeiro lhe passa todos os
dados, Eduardo se mantém cético e o questiona a cada calculo feito
por ele:
- Fabio, por favor, como assim, isso está errado.
- Me desculpe senhor Eduardo, mas, estou desde a
manhã de hoje fazendo os mesmos cálculos e os resultados são os
mesmos, estamos quebrados.
- Você por um acaso já checou com outras fontes?
– Fabio torce o nariz.
- Veja bem Eduardo, sou um profissional disputado
no mercado, se não acredita no meu trabalho é melhor que me
dispense. – Eduardo coça a testa e se redime.
- Me desculpe, Fabio, claro que dou credito ao seu
trabalho, mas, sabe, é tudo muito estranho pra mim, eu, eu não
posso fracassar, preciso manter tudo isso aqui de pé, meu pai merece
isso.
- Então meu caro amigo, teremos que começar a
eliminar gastos. Trocando em miúdos, uma contenção de despesas.
- E se eu me sacrificar e tirar da minha conta?
- Acho tudo isso uma loucura, mas, se quer assim,
faça então.
***
A noite, sozinho em seu escritório que fica nos
fundos da casa, Eduardo consulta seu saldo atual. Meneia a cabeça
por varias vezes. Engole seco e digita com uma rapidez tremenda. Sua
testa lustrada mostra o tamanho da pressão vivida no momento. Mais
uma vez o saldo denuncia que ele precisa fazer algo o mais rápido
possível, caso contrário, tudo estará acabado. Como isso foi
acontecer? O celular toca. Renata, seu coração diminui os
batimentos:
- Oi amor. – diz ele.
- Oi, só liguei para saber como você está.
- Estou no meio de uma confusão, pra variar.
- Será que nesse final de semana podíamos sair
para ver as coisas do casamento? – Eduardo quase dá um grito.
- Olha amor, bem, é...
- Sua voz está estranha, está acontecendo alguma
coisa?
- Não, não, nada, veja bem, eu não poderei ir com
você, estarei ocupado, de quanto precisa?
- Ah, sei lá, gostaria que nossa cerimônia e
festa fosse o marco.
- Tudo bem. – engole seco. – é só me falar de
quanto precisa.
Claro que Renata não está interessada em casamento
nem tão pouco em cerimônia ou festa. Tudo que ela quer é deixar
Eduardo no chão prostrado. Mesmo apertado e com a conta bancaria
chegando ao vermelho ela repassa um valor alto para a conta de sua
“noiva”. Mais de uma vez ele se descabela e não sabe que atitude
tomar.
Mãe é sempre mãe. Sentindo o sofrimento do filho,
Silvia entra sem bater no escritório. Com passos silenciosos e
lentos, ela se aproxima de seu único filho e o contempla bastante
nervoso:
- Como vão os preparativos para o casamento?
- Bem, por que?
- Vai mesmo fazer isso? – da à volta na cama e fica
frente a frente com ele.
- Mãe, já decidi, Renata é a mulher da minha vida.
É com ela que irei viver.
- Meu filho, entenda, eu tenho parte na empresa e não
pude deixar de conferir nossos fundos e vi que estamos à beira da
falência, tudo isso é mesmo necessário?
- A Renata não tem nada a ver com a historia.
- Claro que tem, Eduardo, desde quando você conheceu
essa mulher você não para de dar dinheiro para ela e não
satisfeito compartilhou sua conta particular com ela, você por um
acaso perdeu o juízo?
- Mãe, por favor...
- Abra os olhos Eduardo, essa Renata Lemos é uma
mercenária quer tirar tudo que possuímos.
- Mãe, você está falando da minha futura mulher,
mãe dos meus filhos, como pode? Parece até que a senhora sabe de
algo que eu não saiba, ou estou errado? – Silvia se cala. –
vamos dona Silvia, me diga, a senhora sabe de algo, descobriu alguma
coisa?
- Boa noite meu filho! – deixa o quarto em silêncio.
16
Bastante pensativo Tavares tenta em vão descobrir
como Renata em pouco tempo conseguiu reerguer a Lemos. Como todo esse
dinheiro apareceu? Ele não descarta nenhuma hipótese. Mais uma
coisa é fato, hoje a Lemos transporte voltou a ser o que era com
todas as contas em dia. Os funcionários andam bastante satisfeito e
as horas extras pagas ao final de cada expediente. A Lemos nunca
esteve tão bem, simplesmente a gestão de Renata vem surpreendendo
todo o corpo de diretores e já se fala de uma possível filial.
Renata entra na sala exuberante como sempre,
esbanjando graça e beleza para todo lado. Como de praxe ela dá o
seu bom dia mais que incentivador ao seu diretor e faz perguntas das
quais já sabe as respostas, tudo na mais perfeita ordem dona Renata.
Ela deixa a sala mas o seu perfume fica e não só o perfume
adocicado, mas, como duvidas e mais duvidas na cabeça do velho
Tavares. Não seria pretensão alguma da parte dela colocá-la na
parede e perguntar, Marcos Tavares é homem e profissional o
suficiente para fazer isso. Algo está cheirando mal nessa historia e
ele não gosta nada disso. Se a fonte da ascensão de Lemos for
ilícita, ele será o primeiro a denunciar tal coisa.
***
Chico acompanha seu jovem patrão nos estudos de guitarra
na varanda da casa e com certeza a presença do funcionário tem
feito Mauricio render nos solos. Por mais que as interrupções sejam
constantes o garoto não se incomoda, ele acredita na experiência
musical do velho motorista. Na verdade há um pouco de
constrangimento por parte de Mauricio. Ele nunca foi de parar e tirar
um tempo para bater um papo com pessoas mais velhas, ele sempre achou
que idosos eram chatos e saudosistas. Sua visão tem mudado com esse
contato com Chico. Ele pode não verbalizar, mas, seu funcionário
tem aberto seus olhos quanto ao mundo que se vive e a vida. Mauricio
tem aprendido muito nos estudos de guitarra e sempre que pode se
junta ao motorista da família.
- Chico, sinto falta do meu pai!
- Nós também garoto, seu pai sempre foi um bom homem,
cuidava da família como poucos e nos tratava como poucos também.
- Será que ele foi para o céu? – esse pergunta o
pegou de surpresa.
- Creio eu que o legado de um homem para seu filho seja
o mais importante, e Caio com certeza deixou o maior de todos, o
amor.
- Gosto de você Chico. – fala acariciando o braço da
guitarra.
- Também gosto de você meu filho, mas, posso lhe fazer
uma pergunta, jura que não irá se aborrecer comigo?
- Sim! – ajeita os óculos.
- Como anda a sua relação com sua mãe? – Mauricio
volta a solar.
- Complicada, ela agora tem mais com o que se preocupar.
– mais solos. – e eu nem sei se ela irá no show da minha banda.
- Quanto a mim, garanto minha presença.
- Valeu Chicão, vamos trabalhar nessa música.
***
Por mais que Eduardo queira ele não consegue se
concentrar no que sua noiva está fazendo. Ele não consegue manter
uma ereção por muito tempo e ela percebe. Em dias normais ele já
teria chegado ao ápice a muito tempo:
- O que foi amor, não está gostando?
- Não é esse o problema. – levanta o short de dormir.
- Então, o que está rolando? Estou te fazendo carinho a
quase meia hora e você nada.
- Problemas minha querida, problemas quase que
insolúveis. – Renata se levanta e se enrola no lençol.
- Alguma coisa com a Freitas?
- Não só com a Freitas, mas, com minhas finanças,
estou quase quebrando e para piorar, minha mãe não aprova nosso
casamento. – se joga na cama e coloca as mãos por baixo da cabeça.
- Bom, e o que você pensa em fazer quanto a isso? – se
inclina no peito do homem.
- Quanto a isso o que?
- O nosso casamento, você realmente quer casar comigo,
eu posso esperar, essa situação vai melhorar, eu tenho certeza. –
Eduardo acaricia as madeixas loiras de sua noiva.
- Obrigado amor, foi a única coisa boa que ouvi desde
quando isso começou.
- Você tem potencial Eduardo e eu acredito piamente em
seu trabalho. Iremos nos casar e seremos muitos felizes, tudo bem?
Você vai reerguer a Freitas.
- Nossa, que injeção de animo, fiquei até excitado
agora.
- Podemos começar de onde paramos.
- Boa!
17
De acordo com os novos cálculos de Fabio, o diretor
financeiro da Freitas, a empresa está com seus dias contados. Tudo
leva a crer que irão abrir concordata daqui alguns dias. Alguém
toca duas vezes na porta o tirando a concentração. Resmungando ele
a abre e toma um susto que o faz gelar:
- Dona Silvia Freitas, a quanto tempo!
- Bom dia Fabio, volte para sua mesa, temos muito o que
conversar. – o rapaz magro e alto engole seco.
***
Todo o dinheiro dado por Eduardo pensando que o fim
seria o casamento, foi investido em bens para Lemos. Renata comprou
mais cinco caminhões e equipou a empresa com material de segurança.
E é claro, com o que sobrou aplicou em sua conta particular. Ela
chama por Tavares e anuncia o que pretende fazer:
- Mas, dona Renata, um helicóptero?
- Sim, por que não?
- Uma aeronave envolve um monte de burocracias das
quais não temos tempo e nem condições alguma de arcar.
- Pensa Tavares, um helicóptero irá resolver noventa
por cento dos problemas com atraso por causa do transito caótico e
sem contar que a Lemos poderá entregar para mais longe. Nordeste, é
uma região que ainda não alcançamos, sul, centro oeste.
A expressão de Tavares não é nada amigável e tudo o
leva acreditar que o enriquecimento de sua patroa é ilícito.
- Quando pretende comprar o helicóptero? Teremos que
contratar um piloto, a senhora tem noção o quanto é custoso a
manutenção de tudo isso? alvará de voo e tudo mais?
- Já me certifiquei de tudo, Marcos, e devo lhe
informar que dentro de muito em breve a Lemos terá uma aeronave a
sua disposição.
***
O nervosismo atrapalhou um pouco, mas não o suficiente
para Fabio repassar para sua patroa todas as entradas e saídas da
Freitas. Ele mostra através de um gráfico a queda da empresa em
meses. Silvia parecendo uma pedra de gelo olha fixamente os números
negativos ditados pelo diretor financeiro:
- Se continuarmos em decadência a Freitas deixará de
existir em dias.
- Esses cálculos são cem por cento confiáveis?
- Sim senhora!
- Muito bem. – se levanta com auxilio da bengala. –
o que culminou na queda da Freitas foram os gastos dos quais você
não sabe qual a natureza?
- Sim, sinceramente nada foi passado para mim, se
fizeram algo, fizeram as escondidos.
- Quanto a isso você não precisa se preocupar, sei
muito bem quem tirou dinheiro da empresa e sei onde esse dinheiro foi
investido.
- Como assim, corrupção na Freitas?
- Não, você me falou que por não haver fundos a
Freitas deixou de investir pesado e deixamos de pagar fornecedores
importantes não é mesmo?
- Sim senhora!
- Tudo que é comprado ou até mesmo as entradas passam
por você.
- Exatamente! – Fabio aperta os lábios.
- Mais que droga. – Silvia bate forte com a bengala no
chão.
- Algum problema dona Silvia?
- Pode deixar meu jovem, você fez um ótimo trabalho. –
pega sua bolsa em cima da cadeira. – continue de olho! – dispara
porta a fora.
***
A tensão é notória. Tudo está preste a desabar e
Eduardo sabe disso, ele só não sabe como resolver. Ficar pobre não
é o problema e sim deixar escapar por entre seus dedos tudo o que
seu pai conquistou com suor e sangue. Por mais que ele tente ele não
consegue chegar a uma conclusão. O quede fato aconteceu? Será que
minha mãe tem mesmo razão? Estou eu enfeitiçado por uma paixão
avassaladora? Claro que está, ele sequer quis tomar conhecimento da
estória de sua futura mulher. Se envolveu até o pescoço com ela e
não se preocupou com as conseqüências. Será que finalmente
Eduardo Freitas está abrindo os olhos? Será mesmo Renata uma
golpista? As fortes batidas na porta de seu escritório o trás e
volta à realidade:
- Entre!
Silvia entra no recinto nada amistosa. Seu face está
transtornada e ela precisa desabafar caso contrario tudo estará
perdido:
- Eduardo, onde está Renata?
- O que houve mãe?
- Onde está sua noiva, preciso falar com ele urgente,
ela precisa nos dar uma satisfação.
- Satisfação? Do que?
- A Freitas também me pertence, então resolvi dar uma
passada lá e tirar algumas duvidas e descobrir que estamos a beira
da falência, você pretendia me falar isso quando senhor Eduardo? –
o filho se cala. – responda. – vocifera.
- Me desculpe mãe, eu...
- Já chega dessa historia Eduardo, será que você não
percebeu que desde quando esse menina entrou em nossa vida tudo virou
de ponta cabeça, ela é uma vigarista.
- Não admito que fale assim dela. – grita!
- Olha bem o seu tom de voz garoto, estou velha mais
ainda sou tua mãe.
- Me desculpe, estou de cabeça cheia. – se senta.
- Se você se nega a acreditar que sua noiva é uma
mercenária, tudo bem, deixa que eu mesma resolvo isso.
- Mas como assim? – Eduardo faz cara de quem não
entendeu nada.
- A verdade meu filho, só a verdade vai nos salvar.
18
A Lemos agora está em ordem. Com os novos
investimentos Renata prever que o faturamento mensal irá triplicar.
Mais do que isso, a marca Lemos daqui a algum tempo irá valer
milhões tendo a possibilidade de chegar ao exterior. Renata anda
atolada até o pescoço com novos contratos e possíveis associados.
Tavares ainda mais desconfiado também está atarefado colocando em
ordem aquilo que lhe é cabível. O sorriso de orelha a orelha da
linda loira que hoje fez questão de aparecer ao trabalho com um rabo
de cavalo perfeitamente preso recebe uma chama da secretária:
- Senhora Renata alguém querendo falar com a senhora,
mando entrar?
- Por gentileza Amanda!
Ela coloca o fona no suporte e volta a olhar
atentamente para os números a sua frente e volta a sorrir. Bem
devagar a porta se abre e uma voz doce e suave chama atenção da
empresaria:
- Como vão as coisas Renata Melo? - o Melo soou como
uma punhalada, ainda mais vindo de quem estava parado a porta.
- Dona Silvia Freitas?
- Surpresa?
- Muito!
- Não vai me convidar para sentar, estou um pouco
velha para ficar aqui em pé. – sorriso amarelo.
- Ah sim, me desculpe, venha sente-se.
- Obrigado!
- Mas me diga, a que devo a honra da visita? –
entrelaça os dedos.
- Você precisa saber da verdade minha filha, antes que
uma desgraça aconteça. – ao ouvir isso Renata franziu a testa.
- Desgraça, verdade, do que a senhora está falando?
- Seu nome de batismo é Renata Melo não é mesmo? –
Renata engole seco e meneia a cabeça dizendo que sim.
- Eu já sabia, lhe conheço desde criança.
- Impossível, minha família veio do interior quando
tudo isso começou.
- Foi o que lhe contaram minha filha, você sabia que
seu pai, Paulo Melo e meu marido Freitas eram amigos?
- Ele matou meu pai. – a expressão de Renata começa
a ficar transtornada.
- Peço que me ouça, sei que você planeja uma
vingança e está usando meu filho para nutrir esse sentimento
maligno dentro de você. Meu filho e eu somos tão vitimas quanto
você.
- Vocês, vitimas?
- Sim, vou lhe contar toda a verdade, essa história
terá fim hoje.
Paulo e Freitas tomam café às duas da manhã
organizando a papelada do novo empreendimento. Freitas é o mais
animado, já Paulo prefere se concentrar no trabalho. Mais uma xícara
e Freitas olha para o companheiro:
- Pois é amigão, que Deus nos ajude nessa nova jornada
não é mesmo?
- Podes crer.
- Nosso capital inicial é o bastante para darmos um
avanço. Finalmente iremos mudar o rumo de nossas vidas e de nossas
famílias. – o aperto de mão é firme e coberto dos mais sinceros
sentimentos.
Eles praticamente não dormiram. Às sete da manhã a
empresa já estava a todo vapor. Como todo bom empresário que se
preza Paulo mete a mão na massa junto com seus funcionários.
Freitas ficou responsável pelas entregas. As semanas foram passando
e tudo fluía muito bem. Em questão de meses a Melo Freitas cresceu
e teve que se mudar para um galpão maior. Mais funcionários tiveram
que ser contratados. O crescimento da firma espantou até mesmo os
donos:
- Meu Deus, e jamais imaginei que nós íamos crescer
tão rápido assim. – exclamou Freitas.
***
Renata escuta o relato de Silvia mais cética do que
nunca e depois de um longo período em silêncio ela resolve falar:
- A Melo Freitas se tornou uma empresa de médio porte
em questão de meses e isso deixou o coração de seu marido negro e
com isso ele matou meu pai para ficar com a firma só para ele, não
foi?
- Filha, peço que não me interrompa, por favor.
Quando a Melo Freitas já havia se tornado referencial
no ramo em que trabalhava Paulo foi procurado por um funcionário o
qual lhe pediu um valor adiantado:
- Por favor, eu lhe peço!
- Veja bem meu querido. – Paulo cruza as pernas. –
a nossa empresa ainda está em fase de crescimento se assim podemos
dizer, e se, liberarmos esse adiantamento pra você teremos que
liberar para outros, você entende? – o funcionário abaixa a
cabeça e sai da sala.
No fim da semana Paulo e Freitas fizeram juntos os
pagamentos e foram juntos para fazerem os depósitos. Ainda na ida
para o banco eles conversavam sobre assuntos informais como futebol,
mulheres e é claro a firma. Freitas dirigia enquanto seu sócio
segurava a maleta com dinheiro quando o carro reduz a velocidade para
passar num quebra mola e um cano de um trinta e oito estala no vidro
do carona:
- Sem muito alarde, desce os dois, agora! – Freitas
olha para seu sócio e se ver tentado a pisar no acelerador. Paulo
diz que não com a cabeça:
- Tudo bem meu amigo. – fala Freitas. – se é o
dinheiro que você quer, vai tê-lo.
- Chega dessa conversa mano, desce logo, rápido. –
o bandido parece apavorado e sem querer ele deixa sua mascara cair
revelando sua identidade. Paulo e Freitas ficam boquiabertos:
- Logo você. – diz Paulo segurando firme a maleta.
- Isso mesmo, quem manda não ajudar o funcionário
quando ele precisa, agora vai morrer seu unha de fome.
- Não precisa nos matar, se é o dinheiro que você
quer, então toma.
- Sim, claro, quando eu virar as costas toda a policia
estará atrás de mim, eu tenho cara de otário?
Freitas ameaça a descer quando Paulo recebe o
primeiro tiro na cabeça:
- Desgraçado! – vocifera Freitas. O bandido
desesperado acerta o peito do homem que tomba no banco
O funcionário e assassino da á volta no veículo.
Limpa suas digitais da arma e a coloca na mão de Freitas já morto e
com os dedos do mesmo acerta outro tiro em Paulo. Pega a maleta com
dinheiro e some na escuridão da estrada.
19
Renata chora bastante alimentando seu ódio. Ela não
consegue engolir esse historia de jeito nenhum. Silvia também chora
e tenta segurar na mão da moça que a recolhe:
- Eu não tenho o porque de mentir, nessa historia eu
perdi meu marido, eu o amava muito.
- E nós, minha mãe e eu ficamos na merda, sabia,
enquanto que você e seu filho desfrutavam da herança deixada por
seu glorioso marido.
- O que Freitas deixou foi pouco, tudo que fizemos foi
começar do zero, nós tentamos entrar em contato com sua mãe, mas,
ela sumiu do mapa junto com você.
- Coitada da minha mãe. – chora ainda mais borrando
a maquiagem.
- Acredite em mim, Freitas amava seu pai, ele jamais
iria matá-lo, foi tudo obra daquele funcionário.
- E esse funcionário, a policia conseguiu prendê-lo?
- Não, até hoje a policia não tem paradeiro dele,
mais eu sei onde ele estar agora.
- Como assim, você sabia onde ele estava e não fez
nada.
- Eu planejava desmascara-lo, porém não foi preciso.
- Como assim, não estou entendendo! – Renata limpa
as lágrimas.
- Tudo que irei falar foi o que a policia me relatou,
são só hipóteses. Esse funcionário pegou o dinheiro e mudou de
identidade e fugiu para outro país. Deve ter se escondido muito bem
pois ninguém o encontrou. Com sua nova identidade ele foi se
levantando e conseguiu fazer sua vida e voltou para o nosso país com
outro nome.
- Qual? – Renata apóia os cotovelos na mesa.
- Caio Lemos!
Renata sente uma ligeira tontura ao ouvir o nome de
seu finado marido.
- O Caio?
- Sim, Miguel Ferreira para ser mais exata.
- Isso é mentira!
- Ele era o funcionário mais pobre que a empresa
tinha, precisou de ajuda, mas não foi possível ajudá-lo naquele
momento, eu me prontifiquei em presta auxilio no que fosse preciso,
mas, não deu tempo, ele seguiu seu próprio caminho.
- Mas, mas, eu nunca desconfiei de nada, Caio sempre
foi um ótimo marido, bom pai, construiu a Lemos com sacrifício...
- Isso foi o que ele te falou, a Lemos foi construída
com o dinheiro roubado da empresa de seu pai e do meu marido.
- Não consigo acreditar. – coloca as mãos na
cabeça. – e seu filho, já sabe de toda verdade?
- Sim, contei a ele toda verdade.
- Você planejava desmascará-lo?
- Sim, ele podia ter mudado de nome, mas aquele rosto
eu jamais esqueceria.
- Preciso ficar sozinha, por favor me dê um tempo.
- Tudo bem, saiba de uma coisa minha filha, se
precisar de mim encontraras um ombro amigo, não há ódio em meu
coração, somente justiça, tudo bem? – Renata não responde.
***
Depois desse dia a Lemos nunca mais foi à mesma.
Renata até tentou, mas, não conseguiu segurar a onda e Marcos
Tavares assumiu a empresa que teve que começar do zero. Houve
demissões e alguns funcionários colocaram a causa na justiça. Sem
dinheiro e sem ter como dar seqüência, Marcos Tavares resolveu
fechar de vez a Lemos Transportes. Todos os bens adquiridos foram
leiloados para os pagamentos das indenizações. O velho e bom
diretor esteve com sua ex patroa uma ultima vez, para lhe entregar as
chaves e uma certa quantia em dinheiro:
- Foi o que sobrou Renata, pegue, cubra algumas
despesas. – hesitante e visivelmente abatida ela pega o envelope
pardo e o agradece.
- Obrigado Tavares, você sempre foi um pai para mim.
- Que nada!
- O que fará da vida agora?
- Durante o tempo em que trabalhei com Caio, consegui
juntar algum para emergências, terei que usá-lo.
- Boa sorte! – segura nas mãos finas e enrugadas do
ex diretor.
Tavares dá um beijo fraterno na testa da mulher e se
afasta a deixando solitária num banco de praça onde filhos e pais
brincam numa tarde fresca. Segurando o envelope ela se pega pensando
em Eduardo, o que ele estaria fazendo agora? Todo ódio que sentia
por ele de repente se foi. Será que ele conseguiu colocar a Freitas
de novo no topo? Ou ficou pobre de uma hora para outra como ela? Sem
querer se levantar Renata olha ao redor e tudo que ver são pessoas
passando, outras se exercitando e outras mexendo nos celulares,
pessoas comuns, assim como ela.
20
Eduardo escreve sentado em sua mesa com tampo de
vidro. Bem arrumado com um nó de gravata bem feito ele termina de
despachar mais documentos. Foi difícil, mas ele conseguiu colocar a
Freitas outra vez de pé. Hoje ela é uma empresa de médio porte.
Foram necessário alguns cortes. Agora ele se empenha ao máximo para
por a firma de seu pai outra vez no mercado. Dois toques na porta:
- Entre!
Ele continua a escrever quando Renata entra e fica em
pé olhando para ele:
- Eduardo!
O coração do jovem empresário vem na boca ao ver
aquela linda mulher de jeans e camisa parada bem na sua frente com o
rosto abatido olhando para ele:
- Renata? O que faz aqui?
- Por favor, não me ataque.
- Não irei lhe atacar, tanto você quanto eu e minha
família fomos vítimas, vamos enterrar o passado. Você está bem?
- Você me perdoa? – uma lágrima escorre do olho
esquerdo.
- Renata, veja bem, diga logo o que você quer e vá
viver sua vida, eu...
- Estou grávida!
A cabeça de Eduardo faz um giro de trezentos e
sessenta graus e ele quase cai sentado em sua cadeira.
- Grávida? Como assim?
- Isso mesmo que você ouviu, grávida, mas não se
preocupe, não vim aqui para lhe cobrar nada, só achei que você
tinha o direito de saber. – enxuga as lágrimas com as costas da
mão. – passar bem!
- Renata espere. – a segura no ombro. – quero
ajudar, prometo, não vou deixar faltar nada para, para, nosso filho
ou filha.
Renata permanece de costa para ele e de repente ela
imagina sua vida ao lado dele. A vingança é algo terrível mesmo.
Por causa de uma atitude e um sentimento nutrido ela jogou toda sua
vida fora e hoje se encontra pobre e desamparada dependendo da ajuda
de seu inimigo, ou seria ex inimigo?
- Renata, eu tenho o direito de ajudar, é o meu filho
ou filha que você carrega dentro se ti, essa criança não tem
culpa, não a faça pagar por tudo, por favor.
- Tudo bem, tudo bem, eu já vou indo, sabe onde me
encontrar. – deixa a sala sem fechar a porta.
***
Renata dispensou os funcionários e vendeu a casa e com
o dinheiro comprou um pequeno apartamento. Mauricio passa a maioria
do tempo trancado no quarto tirando seus solos. Como ele sente falta
de Chico e de seus conselhos. O garoto ainda não engoliu a ideia de
ter uma irmãzinha aos 15 anos:
- Qual será o nome dela mãe?
- Pensei em colocar Maria Eduarda, o que acha? –
alisa a barriga de cinco meses.
- Achei legal. – Mauricio continua a mexer na
guitarra.
- Quer senti-la mexer? – o menino franze a testa.
- Sério?
- É sério, vem, coloca sua mão aqui.
O sorriso aberto de Mauricio deixa sua mãe emocionada.
- Legal, ela mexeu, a Duda mexeu.
- Que bom, ela reconheceu o toque do irmão, viu.
***
Finalmente chegou o grande dia, dia em que vovó irá
conhecer a netinha. Silvia trás na mão algumas sacolas ao lado de
Eduardo. O parquinho do condomínio será o palco do encontro e ao
ver Renata segurando sua filha envolvida em roupinhas rosa, Silvia
não consegue segurar as lágrimas. Eduardo sente um nó se formar na
garganta:
- Ela é linda! – exclama Silvia olhando para amenina
que dorme no colo da mãe. – isso é para ela. Posso segurar ou
pouco?
- Sim senhora.
Enquanto Silvia baba a netinha, Eduardo e Renata trocam
olhares. É bem verdade que Renata está um pouco mais magra, porém
sua beleza é marcante. Mauricio chega e é apresentado.
- Uau, mais que belo rapaz você tem minha filha.
- Obrigado! – diz o adolescente ruborizado.
Sentada bem distante está uma jovem observando a
confraternização. Ela fica a imaginar o quanto aquela família é
feliz, bem que poderia ser a sua família. A realidade é bem cruel e
dolorosa. Enquanto assiste a vovó balançando sua netinha no colo e
os pais junto com seu filho mais velho no canto, a jovem chora
reflete “pessoas felizes, não importa o que passou ou o que estão
vivendo. O que importa mesmo é o amor que sentem um pelo outro”
FIM