quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Como a Chuva - Último capítulo



Sem volta”

       O silêncio volta a ser o centro das atenções e junto com ele as apreensões. Marcos retira lentamente o paletó e o coloca no encosto da cadeira. É a primeira vez em semanas que Ana lhe prepara o prato. Ele se junta aos filhos que aguardam o que será dito pela mãe.
     A comida fumegante é colocada na frente do advogado que prende a respiração. Dependendo do que será dito, será a última vez que ele sentirá o cheiro da comida deliciosa de seu quase ex esposa. Ana Célia parece gostar do mistério que criou e por isso ela se estende em fazer mais um prato para ela. Imponente ela se senta a mesa e todos os olhares se voltam para ela, principalmente os de Marcos que não suportando mais o mistério rompe o silêncio.
       - Ana, por favor…
    - Bom, o assunto vocês já sabem crianças, o pai de vocês e eu estamos nos divorciando e dessa vez é oficial.
       - Tem certeza mãe? - Felipe engole seco.
      - Sim, tenho, não suportarei mais ficar ao lado de uma pessoa que não me respeita.       - Ana Célia lança um olhar gélido para Marcos. - tenho uma outra notícia.
      O mistério volta a tomar conta da mesa de jantar dos Mendes.
    - Fui promovida no trabalho e hoje me encontro na posição de chefia. - ninguém esboça reação. - hoje sou uma mulher independente e bem-sucedida, realizada profissionalmente, e pretendo permanecer assim.
      - Mãe... - Laura não consegue completar a sua fala.
      - Essa é a sua última palavra? - Marcos se quer tocou na comida.
      - Sim! - Ana Célia foi bastante incisiva.
      - Ok! - o advogado se levanta, pega seu paletó e sua maleta e se retira.
     Se o clima estava pesado, agora ficou sufocante, insuportável. Ao ver o casamento dos pais se dissolver bem na hora do jantar foi um golpe forte para os adolescentes. Marcos pegou o caminho da rua e Ana assumiu de vez sua independência. Antes de chegar à avenida principal ele saca o celular e disca o número de Barbara que atende no primeiro toque.
       - Você sempre liga, não falei!

Fim


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Como a Chuva - penúltimo capítulo



     Ana Célia perdeu a fome diante da proposta do presidente da empresa onde trabalha.
        - Você é uma ótima funcionária, Ana, merece uma melhora, o que acha?
        - Não sei o que dizer.
        - Apenas aceite.

    O almoço termina e agora Ana Célia não é mais uma simples funcionária, Guilherme a promoveu para um cargo de chefia dentro da empresa. Seu salário também dobrou. Ela volta para firma ainda anestesiada e sendo observada pelos outros colegas. Se tudo estivesse bem em sua vida sentimental, ela ligaria agora para Marcos contando a bela novidade. Ela volta ao trabalho com mil coisas se passando em sua cabeça.

       Barbara, uma mulher exuberante, capaz de atrair olhares por onde passa. Ela, a pivô da destruição do matrimônio do advogado Marcos Mendes. Linda, morena de cabelos longos e negros como a noite e exageradamente maquiada. Barbara invade a sala de Marcos jogando sensualidade contra um homem já destruído.
          - Nunca mais me procurou, por que? - senta e cruza as pernas.
          - Não tenho passado os melhores dias desde a nossa viagem.
          - Sua mulherzinha lhe expulsou de casa, foi?
          Ruborizado, o advogado para de escrever e a fuzila com os olhos.
          - Mulherzinha? Mulherzinha é você que não chega aos pés dela.
        - Ah, agora a mulherzinha sou eu? Na hora em que fico pulando em seu colo na cama você não diz isso.
       - Barbara, por favor, vá embora, tenho muita coisa pra fazer hoje, por favor, me deixe em paz.
         A mulher se levanta, recolhe sua bolsa.
         - Vai me ligar? - ela pergunta.
         - Não sei. - volta a escrever.
         - É claro que vai, você sempre me liga. - sai batendo a porta.

        Laura está abraçada ao amigo e ambos se beijam trancados no quarto do rapaz. O clima vai esquentando a adolescente se deixa levar pelos beijos e amassos. Aos poucos Sérgio vai levantando sua blusa apalpando os pequenos seios. Ele sente que a menina quer recuar então ele joga ainda mais pesado com ela dizendo coisas agradáveis em seu ouvido. Laura amolece e quando vê ela tem um homem deitado por cima dela. Claro que ela não planejou sua primeira vez nessas condições, mas quem se importa? Laura permite que Serginho tire sua virgindade ali, em plena tarde.

     O jantar é simples. Ana Célia e seus dois filhos jantam em silêncio. De repente Marcos chega e Laura por fim abre um sorriso.
      - Oi, princesa. - beija a testa da filha. - fala filhão.- aperta a mão do filho. - boa noite. Mal olha para Ana.
       - Pai, jante conosco. - pede Felipe.
       - Poxa filho, bem que o pai queria, mas…
      - Eu lhe preparo um prato, sente-se. - dispara Ana surpreendendo a todos. - tenho algo a dizer.

Sem volta”


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A sombra do Vingador



      Ele perdeu tudo, sua casa, seu emprego, seus pais e finalmente o grande amor de sua vida. Michele não era somente sua noiva, ela era o seu chão. Quando a conheceu, Walter sabia que ela seria a mulher que o colocaria de volta a realidade. Foi numa tarde nublada de sexta dentro de uma livraria. Lá estava ela, linda, cabelos compridos e negros, rosto pequeno e delicado. O seu jeito de andar o deixou embriagado. Ele não resistiu aos encantos da mulher baixinha de fala macia.
      - Oi? - ele chega por trás.
      - Sim?
     - Esse livro é perfeito, já o li algumas vezes, recomendo. - enterra as mãos no bolso na calça.
     - Nossa, sério?
     - Sim!

    A conversa foi esticada e terminou no café que fica ao lado da livraria. Foi amor a primeira vista realmente. Michele gostou do rapaz alto com a cabeça raspada a máquina. Ali mesmo eles marcaram o cinema. Isso aconteceu a dois anos. Walter e Michele estavam apaixonados e resolveram morar juntos no apartamento dele. Eles viviam intensamente o relacionamento com baladas, passeios e muito sexo. Michele estava terminando a faculdade de jornalismo e Walter já era um investigador da polícia civil. Eles tinham planos de saírem da cidade e ir para o interior, porém, tudo teve que ser interrompido.

Época atual

      Mais um cigarro é jogado no chão e esmagado pela sola do sapato de Santiago. A espera já chega a quase uma hora e meia. O líder do bando já se mostra furioso olhando para os lados. De repente dois carros chegam em alta velocidade deixando os capanga de Santiago em alerta. Dois homens descem portando armas. Um deles abre a porta traseira para que seu chefe desça.
      - Qual o motivo da demora? - grita Santiago.
    - Não lhe devo satisfações, seu canalha, trouxe minha encomenda? - diz o velho vestindo um terno branco e gravata rosa.
     - Sua encomenda está ali na van, cadê o meu dinheiro?
    O velho corcunda faz um rápido sinal para o capanga que segura um fuzil. O mesmo abre a porta traseira do carro e do banco ele pega uma maleta e a entrega ao chefe.
     - Como pediu, ai tem um milhão, vai contar?
    Santiago ajeita seu rabo de cavalo e pede ao seu homem que verifique se é dinheiro de verdade. Depois de alguns minutos de silêncio o homem faz sinal de positivo.
   - Muito bom, senhor Brandão, podemos fechar negócios. - se vira para o seu capanga. - pegue a encomenda do senhor Brandão.
     O homem vai até a van e trás de lá três sacos de lixo contendo papelotes de cocaína pura e os joga aos pés de Brandão que solta um rosnado. O velho traficante mesmo com dificuldade se abaixa e pega um dos papelotes. Ele saca um canivete do bolso e faz um pequeno orifício. Com o dedo mínimo ele experimenta o pó. Faz uma cara feia e olha para Santiago que lhe devolve um sorriso.
     - Negócio fechado garoto. - olha para seus comparsas. - já podemos ir embora, recolham tudo.
      Alguém os observa sentado em sua moto. Ele espera que todos se vão e dá a partida.

2014

      Michele e Walter saem do shopping de mãos dadas. Ela foi comprar mais um livro e ele pagar as contas atrasadas. Tomaram um sorvete e saíram. A noite estava fresca, típica de outono. Walter preferiu deixar o carro na garagem e ir de ônibus. Michele nesse dia estava mais bonita do que o normal e Walter já havia dito isso para ela.
     - Que tal um jantarzinho simples hoje? - ela sugere.
     - Qual será o cardápio?
     - Macarrão ao alho e óleo.
     - Hum, que delícia, e que tal um bom vinho?
     - Seria ótimo. - Michele sorrir.
   Um carro sobe a calçada quase atropelando o casal. Walter, como é de costume coloca a mão na cintura para sentir a arma no coldre. Dois marginais descem apontando suas armas para o casal.
     - Perdeu parceiro, vem com a gente.
    Walter pensa em trocar tiros com os bandidos, mas é impedido por sua noiva.
     - Vamos parceiro, perdeu.
     Michele e Walter são obrigados a entrar no carro. Em alta velocidade o veículo parte rua afora. Com uma arma apontada para o seu rosto, o investigador vê o pânico nos olhos de sua mulher. Ele segura firme nas mãos pequenas dela e diz baixinho que tudo terminará bem.
     O carro segue andando e entrando mata a dentro numa escuridão total. A velocidade vai diminuindo e Walter olha para os lados.
       - Onde estamos?
     - Fique quieto, seu otário. - diz um vagabundo segurando o braço de Michele. - você vem com a gente.
     - Solte-a. - o outro bandido acerta um forte soco no rosto de Walter que sangra o nariz.
      - O chefe que falar com você no particular. - retira a arma do coldre de Walter. - sem armas, é claro.

     O casal é separado. Michele é levada para um canto e Walter para outro. O local é amplo, uma espécie de fábrica desativada. Walter é conduzido aos empurrões até chegar na seção das máquinas. Lá alguém o espera sentado na mesa fumando cigarro. Walter de primeira não o reconhece. Só depois quando o estranho falou que o coração do investigador saltou pela boca.
     - Fez boa viagem, investigador Walter Torres?
     - Santiago? - gagueja.

Época atual

     Se ele sente saudade de Michele? Sim! Walter acelera a moto e corta aos carros. O trânsito não favorece nem mesmo os motociclistas. Sem medir as consequências Walter vai parar na calçada driblando tudo e a todos. Sua motocicleta ronca assustando os transeuntes. Michele mais uma vez vem em sua memória com aquele sorriso que o fez ficar louco por ela. Aquela noite quando transaram depois que voltaram da feira de domingo. Tudo isso está gravado e marcado em Walter que agora sangra por dentro. Ele acelera ainda mais.
      Dentro da van o sujeito que a conduz percebe algo de errado e alerta ao chefe.
      - Tem alguém nos seguindo chefe.
Santiago para de cheirar as notas de cem reais e olha para trás.
     - Vá em frente, estamos em maior número.
     - Certo!

2014

    Um, dois, três, quatro, cinco socos e o nariz e supercílio de Walter se arrebentam. Ele cai da cadeira tossindo e cuspindo sangue. Santiago o chuta no rosto fazendo com que o investigador role para o lado. Mais um forte chute e dessa vez as costelas do agente quase que se partem ao meio.
     - Então, agente Torres, qual o gostinho do sangue da vingança? - mais chutes.
     - Miserável, me mate de vez. - cospe uma bola de sangue.
     - Não farei igual a você que não deu chance ao meu pai, vou lhe matar sim, mas, por enquanto quero brincar um pouco.
    Santiago coloca Walter de pé e volta a espancá-lo. O investigador cai no chão empoeirado e sofre mais uma vez com violentos chutes no rosto. Um dente é quebrado a sangue frio. Walter geme ao ver seu incisivo superior voando.
     - Nossa, viram isso? - Santiago solta uma gargalhada alta que ecoa. - me passam o bastão.
    Mesmo com a visão turva e dores por todo o corpo Walter consegue ver Santiago segurando um bastão no alto. A primeira pancada o acertou no braço. Ador é aguda e crescente. Walter tranca os dentes quando recebe outra pancada. Para evitar o massacre o agente rola deixando seu agressor furioso.
      - Vai morrer, verme. - vocifera.

Época atual

     Walter saca sua arma enquanto lembra do dia em que pediu Michele em casamento. Foi num sábado no mesmo café onde se conheceram. Ela pediu café e pão de queijo e ele apenas um capuccino. Eles ficaram ali namorando por meia hora até que o agente sacou de seu bolso da camisa um anel.
      - Ai meu Deus. - Michele coloca a mão na boca não acreditando.
      - Quer casar comigo?
      - Quer mesmo que eu me torne a senhora Torres? - sorrir.
      - Adoraria.
     O beijo foi longo, repleto de sentimentos. Mais uma vez eles terminaram na cama. Finalmente Walter podia sonhar com uma família, filhos, netos e tudo mais. A 45 é sacada. Ele atira no pneu causando uma explosão. A van começa a perder a direção e ele atira mais uma vez. Santiago ordena que seus homens atirem.
      - Quem é esse cara? - grita.
    Mais disparos e a van tem outro pneu estourado. O veículo capota no meio da rua quatro vezes. As pessoas e os outros carros param para ver o acidente espetacular. Um corpo de um bandido é lançado e bate no asfalto já sem vida. Walter desce da moto com sua arma em punho e atira na cabeça do cadáver. Com cuidado ele se aproxima da van tombada. Abre a porta do motorista que está desmaiado e atira contra sua cabeça também. Olhando para os fundos da van, Walter ver Santiago se mexendo com as duas pernas quebradas. Os outros capangas estão mortos, morreram de forma violenta. Santiago olha para Walter.
      - Por favor, um médico, arranque minha perna fora, por favor.
      - Está doendo muito, Wagner Santiago?
      Ao ouvir seu nome completo o traficante entra em desespero tentando se levantar.
      - Desgraçado! - se segura no banco.
     Walter atira na perna direita. Santiago solta um grito gutural.
     - Por que não me mata de vez? - chora.
     - Eu poderia enfiar uma bala na sua cabeça agora, mas, por enquanto quero brincar.
     - Eu, eu, matei você, eu matei você. - grita e chora de dor.
     - Será que matou mesmo. - atira acertando o ombro. - esse foi pelas pauladas. - atira acertando o outro braço, Santiago se urina. - e esses serão por Michele.
Santiago teve a cabeça esfacelada. Cerca de trinta balas destruíram sua cabeça. Enquanto atirava, Walter gritava o nome da amada. As lágrimas descem na mesma proporção dos disparos. A arma para de cuspir fogo e ele continua apertando o gatilho. Antes da polícia chegar ele sobe na moto e se manda.

2014

    Depois de apanhar até desmaiar os capangas de Santiago jogam o corpo do investigador num lixão em rolado em sacos de lixo. Horas depois seu olho esquerdo se abre e tudo o que ele vê é sujeira e roedores passando. Seu corpo todo treme e dói. Um braço estala muito. Ele se livra dos sacos e olha para o céu. A lua é cheia e clareia todo o lixão.
       - Michele. - ele consegue se colocar de pé mesmo tremendo. - Michele.
Praticamente se arrastando ele vai caminhando até tropeçar em algo. Seu corpo cai no meio do lixo podre num amontoado de sacos. O agente sente algo estranho no meio daquilo tudo. Nervoso ele abre os sacos conseguindo ver um braço feminino.
      - Oh Deus, não, não.
     Se esquecendo da dor Walter rasga os sacos descobrindo o corpo de Michele. Ele chora. Ela está ali. Está escuro, mas ele consegue ver. Tem algo dentro da boca dela. Com a mão trêmula Walter puxa a calcinha de renda preta da boca da noiva morta. Provavelmente a mataram sufocada. Sentindo as dores aumentarem, ele enfia a mão nas partes íntimas e ele a sente úmida. Ao ver sua mão suja de sangue o investigador joga o seu corpo para trás e em prantos amargos ele grita o nome da amada.


Fim

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Como a Chuva - Capítulo 2



Buscando respostas”


    Nunca foi tão doloroso. Nunca foi tão estranho. Uma família que outrora estruturada, cercada de conforto e união, hoje está caindo aos pedaços, cada um pro seu canto. Ana Célia sai de casa para mais um dia de trabalho antes de Marcos que permanece sentado tomando seu café e olhando para o vazio. Duas semanas sem o beijo de boa noite, duas semanas sem o sexo gostoso, duas semanas sem Ana, dói demais. Seu filho mais velho aparece na cozinha com a mochila nas costas olhando para o pai.
        - Bom dia pai!
        - Fala filhão, como passou a noite?
        - Não consegui dormir direito, fiquei pensando. - pega um pão e o corta.
        - Sei que está sendo difícil toda essa situação pra vocês, mas…
      - Pai. - passa margarina no pão. - você um dia me falou que tínhamos que lutar pelos nossos sonhos, cuidar do que já possuímos, e no entanto, você e a mamãe estão desistindo um do outro, me explique isso, por favor.
Marcos abaixa a cabeça. Realmente ele não sabe o que responde ao filho. Logo ele, que passou conselhos preciosos ao garoto que até então tinha o pai como espelho.
       - Tudo bem, meu filho, você está certo, porém quero que saiba que há coisas que acontecem na vida que são inevitáveis, como essas por exemplo.
        - Não consigo ver isso como inevitável, pai, isso tem a ver com escolhas.
        - As vezes não temos escolhas.
       Silêncio, de ambas as partes. Felipe termina de tomar seu café da manhã enquanto seu herói permanece ali, calado, inerte, indefeso.
        - Benção, pai!
        - Deus abençoe, filho.

      Na hora do intervalo, Laura preferiu ficar sozinha. Enquanto degusta um sanduíche ela pensa no clima em sua casa, no que se transformou o seu lar. Antes, Laura era puro sorriso, dengos e briguinhas com seu irmão. Ela lembra bem de quando Felipe perdeu a paciência e a machucou no braço. Laura foi correndo mostrar o ferimento ao pai que imediatamente puniu o irmão. Em seguida Marcos sentou com ela e pediu uma explicação. Diante do argumento do pai que é um advogado bastante eloquente ela confessou que o irritou. Claro que Laura também foi punida. No primeiro momento ela se viu injustiçada, mas entendeu depois. Seu pai agiu de forma correta.
      Ela se recorda também dos passeios aos finais de semana. Praia, campo, parques e tudo mais. O sorriso de sua mãe era o que mais a encantava. Hoje ela se questiona, seria tudo aquilo fachada? Minha mãe e meu pai eram realmente um casal feliz? A adolescente tenta espantar esses pensamentos, porém eles teimam em permanecer. Serginho, seu colega de classe a surpreende chegando por trás e tapando seus olhos.
       - Adivinha quem é?
       A menina não está para brincadeira, mas aceita.
       - Com essa voz de taquara rachada, só pode ser você, Serginho.
       - Mais que droga. - se senta ao lado. - e então, o que tá rolando?
       - Esse lance dos meus pais se separando está me deixando maluca.
     - Bom, você sabe que minha mãe está no segundo casamento e confesso que até hoje não vou com a cara do sujeito.
      - E como você faz para administrar isso? - morde o sanduíche.
      - Olha, eu uso a indiferença como arma. Ele também me trata da mesma forma.
     - Pois é, no meu caso, eu não sei se minha mãe se casaria de novo. - ela abaixa a cabeça. - eu não quero ir para casa hoje.
      - Se quiser pode passar a tarde na minha, sem problema.
      - Obrigado, Sérgio.

     Quando o assunto é trabalho, o mundo pode cair ao seu redor, Ana Célia faz questão de deixar os problemas em casa. Ainda na parte da manhã ela resolveu duas questões que estavam pendentes a alguns meses. Somente na hora do almoço foi que ela relaxou um pouco. Na saída para o restaurante ela foi surpreendida por Guilherme, dono da empresa no elevador.
       - Dona Ana Célia.
      A mulher arregala os olhos ao ver o poderoso chefão frente a frente.
       - Senhor Guilherme, o senhor por aqui?
     - Vim conhecer a tão falada Ana Célia, a mulher que mais resolve pepinos em minha empresa, está indo almoçar?
       - Sim. - gagueja.
       - Ótimo, vamos almoçar juntos então.
       Ana engole seco.

Um lar em ruínas”


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Como a Chuva - Capítulo 1


O Fim”


      Ana Célia, mulher dedicada, profissional de sucesso em seu ramo. Mãe de dois filhos já na fase da adolescência. Moradora de um dos bairros mais nobres da cidade. Ana Célia está passando por um período complicado na vida de qualquer ser humano. O divórcio vem machucando e de deixando marcas profundas de ambas as partes. Seu marido, o advogado Marcos Mendes também vem sofrendo com toda essa situação. Felipe e Laura, os filhos, estão perdidos e se questionam o tempo todo.
       - Bom dia! - diz Marcos friamente para a esposa que lê o jornal na bancada da copa.
         - Bom dia! - devolve.
         - Vai precisar de alguma coisa? - pega a garrafa térmica e se serve do café.
         - Como o que? - Ana Célia não tira os olhos do jornal.
         - Sei lá, dinheiro ou o cartão.
     - Tenho que pagar o colégio das crianças, melhor dinheiro. - fecha o jornal e começa a subir as escadas.
     - Tudo bem. Será que podemos conversar mais tarde? - coloca duas gotas do adoçante.
        - Qual o assunto? - para no meio da escada segurando o corrimão.
        - Você sabe, Ana, temos que resolver a nossa situação…
        - Marcos, agora não, estou atrasada, mais tarde nos falamos, sim?
        - Tudo bem.

    Ana Célia chega na empresa maquiada e muito bem vestida, mas o olhar é visivelmente decaído. Ela ocupa sua mesa, liga o computador e imediatamente começa a trabalhar. No mês passado ela foi premiada como a melhor contadora da empresa. Sua dedicação já lhe rendeu elogios e também diversos desafetos. Para Ana Célia, o trabalho ultimamente tem servido como distração. Em meia hora ele despachou documentos que estavam se acumulando em sua mesa desde a semana passada. Assim que o trabalho dá uma trégua seus pensamentos não são outros. Marcos não sai de sua cabeça. Apesar de tudo ela o ama, porém, o que ele fez não há remédio que possa curar.

        - Não tem jeito mesmo? - pergunta Maurício.
     - Acho que não, já era, Ana já não é mais a mesma. - diz Marcos digitando no celular.
        - Você ainda mora com ela?
        - Sim. - deixa o aparelho sobre a mesa. - é um clima horrível, a gente quase não se fala.
        - E Felipe e Laura, como estão lidando com isso?
        - Bom. Felipe é durão, mas Laurinha é dengosa, está sofrendo mais que todos nós.
Maurício se levanta e ajeita a gravata.
        - Sinto muito por tudo o que está acontecendo com você, brotther, qualquer coisa é só me ligar.
         - Tudo bem. - aperta a mão do amigo. - vamos trabalhar.

       Felipe é um garoto esperto, inteligente e atraente. É amigo inseparável de Ninja, um garoto oriental que se mudou a pouco tempo para o condomínio. Juntos eles curtem videogame, livros e conteúdos de internet. No momento eles conversam sobre a situação em que os pais de Felipe vivem. Ninja tenta consolar seu amigo.
      - Você precisa ser forte, cara, eu também passei por isso e não morri. - aperta o ombro do amigo.
    - Pois é, eu só estou preocupado com minha irmã, ela com certeza não está segurando a barra.
       - Quer que eu vá conversar com ela? - Ninja bate no peito.
      - Claro que não, eu te conheço, você quer uma oportunidade de ficar sozinho com Laura, isso sim. - empurra o amigo que sorrir.

      Laura caminha sem rumo pela praça distraída com seu fone enterrado nos ouvidos. A música serve como alento e ela curte cada nota tocada. Diante da barraquinha de churros ela para e observa um casal passando de mãos dadas. As recordações são cruéis e arrancam lágrimas da bonita menina. Laura se parece muito com Ana Célia até mesmo fisicamente. Ela pede um churros, mas mal sente o gosto da iguaria. Ela sente falta de Douglas, ela sente falta da Malu. Ela sente falta dos pais.

     A noite as coisas costuma piorar. Apenas Ana e as crianças jantam. O silêncio é ruim, a comida por mais deliciosa que esteja desce com gosto amargo. Ana olha para os filhos e quebra o silêncio.
      - Comprei sorvete, vamos tomar assistindo ao documentário?
      - Do que fala o documentário? - indaga Laura enrolando o macarrão no garfo.
      - Fala sobre a vida no Egito antigo, vocês vão gostar.
      - Eu topo. - diz Felipe.
      - E o pai, ele também vai assistir? - Laura olha para mãe.
      Ana Célia entrelaça os dedos.
      - Se ele quiser...
      - Vocês vão mesmo se separar? - Felipe solta o talher.
      - Vamos deixar esse assunto pra depois, vamos. - se levanta. - quem quer sorvete?
     Os irmãos se olham como se buscassem respostas no olhar do outro. Hoje nada disso importa, uma casa grande cheia de conforto, celulares de última geração, roupas caras e liberdade pra fazer o que quiser. Tudo o que os adolescentes querem são respostas. Um a um os filhos de Ana vão deixando a mesa de jantar. A contadora premiada deixa o pote de sorvete de lado e passa a limpar as lágrimas que mais uma vez lubrificam seus olhos. Ela volta a guardar o sorvete no congelador, logo ela que ama passas ao rum.

        Ana Célia está deitada em posição fetal. Ela não consegue dormir. Será mais uma noite onde os pensamentos a torturarão. Dois toques na porta e o seu coração vem a boca.
        - Posso entrar? - pergunta Marcos.
        Hesitante a contadora permite sua entrada.
        - Podemos ter aquela conversa? - ele para na frente da porta.
        - Que horas são? - finge bocejar.
        - Quase onze.
        - Por mim…
       Marcos se acomoda na pontada cama. Ele ainda está vestido com seu terno preto, o mesmo que Ana Célia lhe presenteou no seu aniversário de 46 anos. Antes de falar o advogado pigarreia e olha para ela. Ana Célia é uma mulher bonita. No auge de seus 48 anos, ela ostenta uma beleza natural de dar inveja. Ana sempre gostou de usar cabelos compridos, mas de uns tempos pra cá ela adotou o curto e tingiu de loiro.
      - Sei que você está machucada, ferida, mas, eu acho que as coisas não se resolvem dessa forma.
      - Não. - se ergue. - e como então?
     - Bom, vamos nos dar mais uma chance, afinal são quase trinta anos de história. - retira o paletó.
      - Trinta anos de incertezas, você quis dizer, não é?
- Ana, por favor, pense nas crianças, será que elas vão entender tudo isso?
    Ana se senta na cama como um chinês.
    - Se coloque no meu lugar, apenas uma vez, eu digo pra você que viajarei a trabalho, você pensa que sua esposa está trabalhando quando na realidade ela está de piranhagem.
       - Ana, eu realmente fui a trabalho, eu toda a minha equipe, inclusive a Barbara.
       A expressão de Ana muda radicalmente ao ouvir o nome Barbara.
       - Sim, a “peituda”, só de ouvir esse nome meu sangue ferve de ódio.
   - Eu já te falei que não aconteceu nada entre ela e eu, fomos resolver algo importante, só isso.
       - Por que não levou o Maurício, vocês não são amigos?
       Marcos passa as mãos nos cabelos grisalhos se mostrando impaciente.
       - Ana, pelo amor de Deus, você quer mesmo fazer isso?
       - Pra mim esse nosso casamento já deu, Marcos, chega.

     Doutor Marcos Mendes entra no quarto para hóspedes arremessando seu paletó e puxando a gravata. Ele ainda não está acreditando que a mulher de sua vida está dando um ponto final na história. Uma história linda onde tudo foi conquistado com muito suor e lágrimas. Passar as noites sem Ana a lado na cama será uma realidade cruel. Ele se joga na cama de solteiro e fecha os olhos por um momento. Seus pensamentos o leva ao passado, num dia pra lá de especial pra ser mais exato. Num dia quando o padre os declarou casados. Um dia onde a igreja ficou repleta de flores e de pessoas. Ana Célia e Marcos, casados, quem diria. Um dia em que o novel casal saiu do templo sob uma chuva de arroz rumo a felicidade. Isso tudo ficou lá trás, num lugar escondido de todos. Hoje tudo é diferente. Hoje o sol não nasceu com o mesmo brilho para ambos.

Buscando respostas”




terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Davi Machado



    A chuva não dá trégua. A hora já é avançada. Ele caminha no meio da rua pisoteando as poças com suas botas marciais encharcadas. O sobretudo preto já não é capaz de absorver cada gota de chuva e mesmo assim ele anda lentamente. Davi machado, quem é você, ou melhor, quem foi você, quem lhe enviou? Seu aspecto é o pior possível. Uma perfuração de bala na testa mostra que o seu fim foi trágico. O que você faz caminhando entre os vivos? Por que não aceita que morreu? Volte para o inferno de onde nunca deveria ter saído.

      Ela anda apressadamente pela calçada tentando alcançar o ponto de ônibus. A chuva ainda molha o asfalto. A moça verifica a hora em seu relógio. Realmente está tarde. Logo hoje ela tinha que se atrasar. O ônibus não chega e ela já se encontra molhada. Jéssica, uma linda morena de olhos claros como o mel, estudante de biologia. Onze da noite e nada do coletivo. A rua está deserta. Jéssica olha mais uma vez para ver se o ônibus vem quando uma faca fria encosta em seu pescoço.
       - Sem gracinhas. - o hálito do sujeito é uma mistura de tabaco e uísque.
       - O que você quer de mim?
       O homem apalpa as partes de Jéssica que começa a chorar.
       - Pelo amor de Deus, não.
       - Fique quieta, venha comigo, agora.

       Jéssica é levada para um canto escuro. Em pé e com uma faca em seu pescoço ela é acariciada nos seios, coxas e bunda. O estuprador é feio, magro, nojento, parece um morto-vivo.
       - Tire a saia, vamos. - sussurra.
       - Por favor, me deixe ir.
       - Cala boca. - corta o ombro da mulher. - tire a saia, agora.

      Jéssica, noiva, virgem, com um futuro promissor tira a saia exibindo sua bela forma para o bandido que só falta babar.
     - Gostosa. - limpa a testa molhada. - agora a calcinha, vamos, faça um showzinho pra mim.
      - Que tal esse?

    A voz é ouvida, mas há ninguém. De repente da boca do estuprador começa a descer um sangue grosso e os olhos do bandido saltam. Ele olha para Jéssica e pede por socorro.
     - Me ajude, por favor.
   Assustada e sem entender o que está acontecendo, Jéssica coloca a saia. O estuprador começa a gritar e a vazar sangue por toda parte.
      - Fuja, Jéssica, fuja.
    A estudante de biologia começa a andar de costas e tropeça. O corpo do bandido começa a rachar . A dor que ele sente é inimaginável. Finalmente ele explode espalhando vísceras na calçada e asfalto.
     - Meu pai! - Jéssica grita colocando a mão na boca.

   Davi Machado aparece olhando para Jéssica e depois para os restos mortais do estuprador.
     - Que bom ele não conseguiu concluir o que queria.
     - Como, fez isso? - pergunta ainda sentada no chão.
    - Preciso ir, vamos eu lhe ajudo a se levantar. - estende a mão coberta por uma luva de couro.

   Ele desaparece. Simples, como num passe de mágica. Jéssica faz o sinal da cruz quando passa um táxi.
    - Por favor.