Ele
perdeu tudo, sua casa, seu emprego, seus pais e finalmente o grande
amor de sua vida. Michele não era somente sua noiva, ela era o seu
chão. Quando a conheceu, Walter sabia que ela seria a mulher que o
colocaria de volta a realidade. Foi numa tarde nublada de sexta
dentro de uma livraria. Lá estava ela, linda, cabelos compridos e
negros, rosto pequeno e delicado. O seu jeito de andar o deixou
embriagado. Ele não resistiu aos encantos da mulher baixinha de fala
macia.
-
Oi? - ele chega por trás.
-
Sim?
-
Esse livro é perfeito, já o li algumas vezes, recomendo. - enterra
as mãos no bolso na calça.
-
Nossa, sério?
-
Sim!
A
conversa foi esticada e terminou no café que fica ao lado da
livraria. Foi amor a primeira vista realmente. Michele gostou do
rapaz alto com a cabeça raspada a máquina. Ali mesmo eles marcaram
o cinema. Isso aconteceu a dois anos. Walter e Michele estavam
apaixonados e resolveram morar juntos no apartamento dele. Eles
viviam intensamente o relacionamento com baladas, passeios e muito
sexo. Michele estava terminando a faculdade de jornalismo e Walter já
era um investigador da polícia civil. Eles tinham planos de saírem
da cidade e ir para o interior, porém, tudo teve que ser
interrompido.
Época
atual
Mais
um cigarro é jogado no chão e esmagado pela sola do sapato de
Santiago. A espera já chega a quase uma hora e meia. O líder do
bando já se mostra furioso olhando para os lados. De repente dois
carros chegam em alta velocidade deixando os capanga de Santiago em
alerta. Dois homens descem portando armas. Um deles abre a porta
traseira para que seu chefe desça.
-
Qual o motivo da demora? - grita Santiago.
-
Não lhe devo satisfações, seu canalha, trouxe minha encomenda? -
diz o velho vestindo um terno branco e gravata rosa.
-
Sua encomenda está ali na van, cadê o meu dinheiro?
O
velho corcunda faz um rápido sinal para o capanga que segura um
fuzil. O mesmo abre a porta traseira do carro e do banco ele pega uma
maleta e a entrega ao chefe.
-
Como pediu, ai tem um milhão, vai contar?
Santiago
ajeita seu rabo de cavalo e pede ao seu homem que verifique se é
dinheiro de verdade. Depois de alguns minutos de silêncio o homem
faz sinal de positivo.
-
Muito bom, senhor Brandão, podemos fechar negócios. - se vira para
o seu capanga. - pegue a encomenda do senhor Brandão.
O
homem vai até a van e trás de lá três sacos de lixo contendo
papelotes de cocaína pura e os joga aos pés de Brandão que solta
um rosnado. O velho traficante mesmo com dificuldade se abaixa e pega
um dos papelotes. Ele saca um canivete do bolso e faz um pequeno
orifício. Com o dedo mínimo ele experimenta o pó. Faz uma cara
feia e olha para Santiago que lhe devolve um sorriso.
-
Negócio fechado garoto. - olha para seus comparsas. - já podemos ir
embora, recolham tudo.
Alguém
os observa sentado em sua moto. Ele espera que todos se vão e dá a
partida.
2014
Michele
e Walter saem do shopping de mãos dadas. Ela foi comprar mais um
livro e ele pagar as contas atrasadas. Tomaram um sorvete e saíram.
A noite estava fresca, típica de outono. Walter preferiu deixar o
carro na garagem e ir de ônibus. Michele nesse dia estava mais
bonita do que o normal e Walter já havia dito isso para ela.
-
Que tal um jantarzinho simples hoje? - ela sugere.
-
Qual será o cardápio?
-
Macarrão ao alho e óleo.
-
Hum, que delícia, e que tal um bom vinho?
-
Seria ótimo. - Michele sorrir.
Um
carro sobe a calçada quase atropelando o casal. Walter, como é de
costume coloca a mão na cintura para sentir a arma no coldre. Dois
marginais descem apontando suas armas para o casal.
-
Perdeu parceiro, vem com a gente.
Walter
pensa em trocar tiros com os bandidos, mas é impedido por sua noiva.
-
Vamos parceiro, perdeu.
Michele
e Walter são obrigados a entrar no carro. Em alta velocidade o
veículo parte rua afora. Com uma arma apontada para o seu rosto, o
investigador vê o pânico nos olhos de sua mulher. Ele segura firme
nas mãos pequenas dela e diz baixinho que tudo terminará bem.
O
carro segue andando e entrando mata a dentro numa escuridão total. A
velocidade vai diminuindo e Walter olha para os lados.
-
Onde estamos?
-
Fique quieto, seu otário. - diz um vagabundo segurando o braço de
Michele. - você vem com a gente.
-
Solte-a. - o outro bandido acerta um forte soco no rosto de Walter
que sangra o nariz.
-
O chefe que falar com você no particular. - retira a arma do coldre
de Walter. - sem armas, é claro.
O
casal é separado. Michele é levada para um canto e Walter para
outro. O local é amplo, uma espécie de fábrica desativada. Walter
é conduzido aos empurrões até chegar na seção das máquinas. Lá
alguém o espera sentado na mesa fumando cigarro. Walter de primeira
não o reconhece. Só depois quando o estranho falou que o coração
do investigador saltou pela boca.
-
Fez boa viagem, investigador Walter Torres?
-
Santiago? - gagueja.
Época
atual
Se
ele sente saudade de Michele? Sim! Walter acelera a moto e corta aos
carros. O trânsito não favorece nem mesmo os motociclistas. Sem
medir as consequências Walter vai parar na calçada driblando tudo e
a todos. Sua motocicleta ronca assustando os transeuntes. Michele
mais uma vez vem em sua memória com aquele sorriso que o fez ficar
louco por ela. Aquela noite quando transaram depois que voltaram da
feira de domingo. Tudo isso está gravado e marcado em Walter que
agora sangra por dentro. Ele acelera ainda mais.
Dentro
da van o sujeito que a conduz percebe algo de errado e alerta ao
chefe.
-
Tem alguém nos seguindo chefe.
Santiago
para de cheirar as notas de cem reais e olha para trás.
-
Vá em frente, estamos em maior número.
-
Certo!
2014
Um,
dois, três, quatro, cinco socos e o nariz e supercílio de Walter se
arrebentam. Ele cai da cadeira tossindo e cuspindo sangue. Santiago o
chuta no rosto fazendo com que o investigador role para o lado. Mais
um forte chute e dessa vez as costelas do agente quase que se partem
ao meio.
-
Então, agente Torres, qual o gostinho do sangue da vingança? - mais
chutes.
-
Miserável, me mate de vez. - cospe uma bola de sangue.
-
Não farei igual a você que não deu chance ao meu pai, vou lhe
matar sim, mas, por enquanto quero brincar um pouco.
Santiago
coloca Walter de pé e volta a espancá-lo. O investigador cai no
chão empoeirado e sofre mais uma vez com violentos chutes no rosto.
Um dente é quebrado a sangue frio. Walter geme ao ver seu incisivo
superior voando.
-
Nossa, viram isso? - Santiago solta uma gargalhada alta que ecoa. -
me passam o bastão.
Mesmo
com a visão turva e dores por todo o corpo Walter consegue ver
Santiago segurando um bastão no alto. A primeira pancada o acertou
no braço. Ador é aguda e crescente. Walter tranca os dentes quando
recebe outra pancada. Para evitar o massacre o agente rola deixando
seu agressor furioso.
-
Vai morrer, verme. - vocifera.
Época
atual
Walter
saca sua arma enquanto lembra do dia em que pediu Michele em
casamento. Foi num sábado no mesmo café onde se conheceram. Ela
pediu café e pão de queijo e ele apenas um capuccino. Eles ficaram
ali namorando por meia hora até que o agente sacou de seu bolso da
camisa um anel.
-
Ai meu Deus. - Michele coloca a mão na boca não acreditando.
-
Quer casar comigo?
-
Quer mesmo que eu me torne a senhora Torres? - sorrir.
-
Adoraria.
O
beijo foi longo, repleto de sentimentos. Mais uma vez eles terminaram
na cama. Finalmente Walter podia sonhar com uma família, filhos,
netos e tudo mais. A 45 é sacada. Ele atira no pneu causando uma
explosão. A van começa a perder a direção e ele atira mais uma
vez. Santiago ordena que seus homens atirem.
-
Quem é esse cara? - grita.
Mais
disparos e a van tem outro pneu estourado. O veículo capota no meio
da rua quatro vezes. As pessoas e os outros carros param para ver o
acidente espetacular. Um corpo de um bandido é lançado e bate no
asfalto já sem vida. Walter desce da moto com sua arma em punho e
atira na cabeça do cadáver. Com cuidado ele se aproxima da van
tombada. Abre a porta do motorista que está desmaiado e atira contra
sua cabeça também. Olhando para os fundos da van, Walter ver
Santiago se mexendo com as duas pernas quebradas. Os outros capangas
estão mortos, morreram de forma violenta. Santiago olha para Walter.
-
Por favor, um médico, arranque minha perna fora, por favor.
-
Está doendo muito, Wagner Santiago?
Ao
ouvir seu nome completo o traficante entra em desespero tentando se
levantar.
-
Desgraçado! - se segura no banco.
Walter
atira na perna direita. Santiago solta um grito gutural.
-
Por que não me mata de vez? - chora.
-
Eu poderia enfiar uma bala na sua cabeça agora, mas, por enquanto
quero brincar.
-
Eu, eu, matei você, eu matei você. - grita e chora de dor.
-
Será que matou mesmo. - atira acertando o ombro. - esse foi pelas
pauladas. - atira acertando o outro braço, Santiago se urina. - e
esses serão por Michele.
Santiago
teve a cabeça esfacelada. Cerca de trinta balas destruíram sua
cabeça. Enquanto atirava, Walter gritava o nome da amada. As
lágrimas descem na mesma proporção dos disparos. A arma para de
cuspir fogo e ele continua apertando o gatilho. Antes da polícia
chegar ele sobe na moto e se manda.
2014
Depois
de apanhar até desmaiar os capangas de Santiago jogam o corpo do
investigador num lixão em rolado em sacos de lixo. Horas depois seu
olho esquerdo se abre e tudo o que ele vê é sujeira e roedores
passando. Seu corpo todo treme e dói. Um braço estala muito. Ele se
livra dos sacos e olha para o céu. A lua é cheia e clareia todo o
lixão.
-
Michele. - ele consegue se colocar de pé mesmo tremendo. - Michele.
Praticamente
se arrastando ele vai caminhando até tropeçar em algo. Seu corpo
cai no meio do lixo podre num amontoado de sacos. O agente sente algo
estranho no meio daquilo tudo. Nervoso ele abre os sacos conseguindo
ver um braço feminino.
-
Oh Deus, não, não.
Se
esquecendo da dor Walter rasga os sacos descobrindo o corpo de
Michele. Ele chora. Ela está ali. Está escuro, mas ele consegue
ver. Tem algo dentro da boca dela. Com a mão trêmula Walter puxa a
calcinha de renda preta da boca da noiva morta. Provavelmente a
mataram sufocada. Sentindo as dores aumentarem, ele enfia a mão nas
partes íntimas e ele a sente úmida. Ao ver sua mão suja de sangue
o investigador joga o seu corpo para trás e em prantos amargos ele
grita o nome da amada.
Fim