Abílio e
Zélia. Lado a lado. Unidos materialmente, e só. Os corações encontram-se a
quilômetros de distância um do outro. Eles aguardam ansiosos a vídeo chamada do
casal de filhos acertada para logo depois do jantar. Claro que o policial
enquanto esperava o surgimento dos herdeiros na tela do celular não pode deixar
de notar no semblante da esposa o desespero e a tristeza. Ele se compadeceu e
desejou no fundo do seu íntimo que toda essa situação desaparecesse
instantaneamente. Desde quando chegara do plantão, poucas foram às vezes em que
ela dirigir-se a ele. Que clima hostil.
—
Oi! Pai, oi mãe? — falou Hortência ao lado do irmão.
—
Oi! Filha, nossa, como você está linda. — declarou Zélia.
— Ah,
obrigada! E como vocês estão?
Os dois se
olharam.
— Estamos
bem, filha. — começou Abílio.
— Que bom!
— falou Carlos. — Hortência e eu decidimos pedir uma pequena licença aqui na
empresa. Em breve faremos uma visitinha aos senhores.
— Uma
visitinha de uma semana. — bateu palmas e riu Hortência.
Tanto Zélia
como Abílio engoliram seco não sabendo o que dizer.
— E aí, o
que acharam? —perguntou Carlos.
— Sim, sim,
achamos ótimo, filhão. E quando será? — Abílio não consegue controlar sua
respiração.
— Então! Já
conversamos com o nosso supervisor e ele repassou para o chefe que prometeu nos
dar a resposta ainda essa semana. — Hortência concluiu.
Mais
comemorações. A vídeo chamada se estendeu por mais vinte minutos. Ao
término, os meninos, as crianças, o orgulho do casal Fontana como eles costumam
chamá-los fez com que o clima outrora de animosidade se transformasse em
expectativa.
— Graças a
Deus! Nossos filhos só nos traz alegria. — declarou Abílio voltando a se
deitar no sofá.
— Verdade.
Nós os criamos bem, na medida do possível.
— Nunca foi
o meu objetivo terminar assim. — dessa vez foi o coração de Abílio quem falou.
— sempre quis terminar meus dias a seu lado, ao lado dos meninos, os quatro
juntinhos novamente.
Zélia
segurou o quanto pode, mas não teve jeito. Abílio seguiu os passos da esposa
mergulhando fundo nas lágrimas. Ele a segurou pela mão.
— Eu te
amo, meu amor.
A dona de
casa chorava de soluçar e mal pode responder à declaração do esposo. Abílio a
puxou para junto dele e a abraçou. Ambos choraram muito, porém juntos. Zélia
deitou sobre o corpo do marido voltando a sentir o calor, o cheiro e o coração
batendo forte.
— Eu também
te amo, meu amor. — falou entre soluços. — me desculpe por eu ser tão difícil.
Abílio
Fontana não se sentiu bem com essa declaração. Pelo contrário, seu choro se
tornou ainda mais amargo, ainda mais denso e ele sabe muito bem o porquê.
*
Das outras
vezes, tudo o que Rose Maria precisava era que seu alvo chegasse ao prazer para
que, de forma tranquila ela o enchesse do líquido mortal, contudo, algo muito
estranho aconteceu dessa vez. O desgraçado o qual a possuí tem pegada e não só
isso, ele a fez chegar ao clímax antes dele. Fazia algum tempo que ela não se
sentia tão mulher e também tão exausta. Uma máquina humana é isso que ele é.
— E aí, gostou?
— ele a perguntou.
Rose Maria
não muito certa do que estava fazendo rolou para o lado direito da cama ainda
ofegante. Ela olhou para sua bolsa em cima do criado mudo e sentiu que
precisava terminar o que fora fazer ali, exatamente na casa do traidor. O sexo
foi tão bom que valia a pena um segundo tempo, a máscara e o Cianeto poderiam
muito bem esperar.
— Você foi
ótimo, meu amor. — levantou-se. — ainda não acabou. Vou ao banheiro.
— Não
demore muito.
O jovem
rapaz, ainda desfrutando o melhor que essa idade pode proporcionar a aguarda
deitado ainda ereto. De repente seus olhos focaram a linda bolsa de couro
preto. A curiosidade o faz levantar e conferir o que uma mulher de meia-idade
carrega dentro dela.
— Que merda
é essa? — pegou a máscara de borboleta. — que mulher doida.
Mexendo um
pouco mais ele encontrou a seringa, cheia do veneno. Nesse momento ouviu-se o
barulho da descarga. Rose Maria o surpreendeu.
— O que
você está fazendo?
Rafael
girou nos calcanhares. Na mão esquerda a máscara e na direita a seringa.
— Diz você
o que significa isso.
Rose Maria
não viu outra saída a não ser montar uma cena e tentar engana-lo.
— Você me
pegou. Confesso que preciso me tratar. Sou uma viciada em sexo e não só isso,
gosto de fantasias e...
— Olha só,
vamos parar com essa palhaçada. Sei muito bem o que é isso aqui. Cianeto. Você
ia me matar com essa coisa sua vagabunda.
— Não,
claro que não.
— Se der
mais um passo, vou arrebentar sua cara. Fique onde está.
— Por
favor. Acredite em mim, isso aí faz parte das minhas loucuras sexuais...
Rafael
deixou a máscara e a seringa em cima da bolsa e partiu pra cima de Rose Maria.
Ele não poderia deixá-la sair dali livre.
— Prometo
não contar para ninguém sobre o que rolou aqui hoje, nem mesmo para sua
esposa...
— Não toque
no nome da minha mulher sua bandida. — a atacou com fúria.
*
Enquanto
emprestava seus ouvidos ao que Rafael tinha a dizer, Fausto Maia analisava cada
gesto e também o tom de voz imposto do jovem que possuía um curativo grande no
lado esquerdo da cabeça. A seu lado, Abílio Fontana tinha diante de si alguns
documentos e fotos.
— Então ela
te acertou com uma garrafa de cerveja. — Maia entrelaçou os dedos.
— Sim!
Confesso que eu a agredi, mas numa distração minha ela me atingiu na cabeça e
apaguei. Quando acordei ela já havia fugido.
— E você
acha que conseguiria identificá-la, tipo, fotos ou vídeos? — Fontana retirou de
um dos envelopes algumas dezenas de fotos. — dê uma olhada nessas aqui.
— Cara!
Isso vai ser moleza. Aquela vaca tinha uma enorme cicatriz de queimadura no
rosto.
— Beleza!
Então, não tenha pressa. — falou Fausto.
Rafael foi
passando foto por foto até parar numa e apontar com seu indicador.
— É essa.
Abílio
pegou a foto e depois a passou para o delegado.
— Essa
mesma, tem certeza? — Abílio guardou o restante dos documentos.
— Tenho!
Lá estava
ela, Rose Maria, com seu olhar penetrante e um leve ar de indiferença na face.
E como não poderia faltar: a cicatriz no rosto.
— É uma
coroa bonita, não acha, Fontana? — indagou Maia.
— Tem
razão. Farei um levantamento rápido. O senhor está liberado, Rafael e como eu
havia prometido, sua esposa não ficará sabendo de nada. Certo?
— Valeu, eu
agradeço aos senhores. — levantou-se.
Assim que o
jovem deixou a sala, Fausto esfregou o rosto.
— Pois é,
pelo visto ele prefere pegar as coroas e quase é morto por causa disso.
— Sorte a
dele e nossa também. O problema é que, a essa altura ela já deve estar longe.
— Sinto que
ela ainda está em Paraíso Novo. Acelere o processo e vamos deixar nossos homens
em alerta, fechar a cidade se for preciso.
Fausto
ainda falava quando Fontana puxou do arquivo uma pasta onde casos que não foram
cem por cento solucionados são armazenados. Nele continham além de um curto
depoimento, havia também uma foto e o que seria o endereço de Rose Maria.
— Ora, ora,
veja só, delegado. Rose Maria Silva. — lhe mostrou a foto. — são bem parecidas,
não acha?
— Melhor
ainda, Fontana, posso afirmar ser a mesma.
*
A mala foi
aberta às pressas e as roupas jogadas de qualquer maneira dentro dela. Rose
Maria Sabe que encontrará dificuldade para fecha-la, mas quem se importa? Tudo
o que ela mais quer e dar o fora daquela casa o mais rápido possível. No
armário ela pegou cerca de dois mil reais e lamentou por não ter conseguido juntar
mais. Com essa quantia ela mal conseguirá chegar em BH, mas fazer o quê? A
melhor opção é pegar uma carona na estrada com algum caminhoneiro e sumir do
mapa pelo menos até a poeira abaixar.
*
Ao voltar
para sala segurando uma generosa caneca de café, Fausto Maia voltou sua atenção
para o documento deixado em sua mesa, outrora esquecido no armário. Inúmeras
são as ocorrências, digamos que, a cada um minuto alguém infringe a lei fazendo
com que o trabalho da polícia se torne ainda mais difícil. Mais verdade seja
dita; por mais que os boletins de ocorrência estejam sufocando as gavetas,
nenhum jamais deixará de ser pelo menos analisado. O caso de Rose Maria Silva é
um bom exemplo. Na época, por falta de provas ele foi deixado a parte, mas não
arquivado. Maia sentou-se e beliscando o café releu todo o conteúdo do
documento, porém com mais calma agora e descobriu que, por falta de atenção
eles deixaram a solta um monstro.
— Só pode
ser sacanagem. — tirou o telefone do gancho. — Fontana, é o seguinte, essa tal
de Rose Maria Silva precisa ser tirada de circulação, essa mulher é
extremamente perigosa. Acabe com a festa dela. Copiado?
*
Abílio
desceu do veículo e andou a passos largos calçada afora até o endereço. Ciente
de que teria que haver apoio de outros agentes, Fontana tocou duas vezes a
campainha olhando para os dois sentidos da rua. Sem obter resposta ele decidiu
invadir a casa mesmo sem um mandato. O muro não é tão alto então, qual seria a
dificuldade? Inúmeras. Não pela falta do documento em si, mas sim pelos olhares
curiosos dos vizinhos. Apesar de ser uma rua não muito movimentada, a chance de
haver alguém olhando é enorme. Quando ele já havia decidido chamar um chaveiro,
es que surge uma mulher segurando uma vassoura e sacolas de lixo.
— Olá, a
senhora mora por aqui?
— Sim,
senhor.
Abílio lhe
mostrou o distintivo.
— Minha
nossa senhora. Moço, eu não fiz nada...
— Fique
calma, senhora. Estou procurando por Rose Maria Silva a conhece?
A mulher
apertou os lábios.
— Acho que
já a vi algumas vezes. O rosto dela é marcado...
— Vou lhe
mostrar uma foto.
Cada minuto
era precioso e Abílio tinha que dar por encerrada aquela conversa.
— Dê uma
olhada. — entregou o celular na mão da mulher.
— Vish! É
ela mesmo. Ela quase não sai de casa e quando sai, fica dias fora e por falar
nisso, tem alguns minutos que ela saiu.
Mais que
merda! Pensou Fontana.
— Reparou
se ela tinha bolsa ou mala, se pegou táxi ou chamou Uber?
— Acho que
foi Uber. O carro manobrou e foi nessa direção.
A miserável
fugiu.
Abílio mal
agradeceu pela informação. Ele disparou rua a cima já ligando para Fausto.
— Ela está
fugindo. Envie um alerta para a rodoviária de Paraíso Novo e também para o
aeroporto. — abriu a porta do carro.
— Farei um
comunicado para a polícia rodoviária. Essa mulher não pode desaparecer.
— Pode
deixar comigo. — acelerou.
*
A mala pesada
faz com que seu corpo envergue-se lhe causando dor e desconforto em sua lombar.
A vontade que dar é de parar e descansar por alguns minutos, mas Rose Maria
sabe muito bem que, cada segundo é preciso para alguém em fuga. O lugar onde
ela está ainda lhe oferece perigo, há casas e comércio por ali e é bem provável
a existência de câmeras de segurança. Aeroporto e rodoviária encontram-se fora
de cogitação, sua única chance de se safar é seguir pedindo carona. Assim que
seus ouvidos captaram a aproximação do ronco de um motor, imediatamente ela
ergueu seu braço. A caminhonete branca freou bruscamente. O vidro abaixou
revelando o rosto desconfiado de seu condutor.
— Está indo
para onde, senhora?
—
Fronteira.
— Sério?
Coloca sua mala aí atrás. Eu não estava indo pra lá, mas posso te deixar bem
perto.
— Lhe
agradeço.