domingo, 31 de dezembro de 2023

Que venha 2024

 


Posso dizer sem medo de errar que, 2023 foi um ano muito produtivo. Consegui manter o foco que é postar um conto a cada mês e em 2024 não será diferente.

Amo escrever. Amo criar personagens. Amo criar mundos e creio que esse é o meu caminho. Que venha 2024 com seus desafios e surpresas, Júlio Finegan está preparado(risos)

Deus abençoe cada um que separou um tempinho para prestigiar esse humilde blog literário. Super valeu!

Leitura é saúde.

Viva o autor Nacional 

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Resposta de Oração

 



Resposta de Oração.

 

 

 

 

No papel o horário da consulta está marcada para às 10 horas, mas isso só teoricamente falando. Paulo conhece bem o sistema de saúde e sabe melhor do que ninguém que não conseguirá sair daquela clínica antes das 14 horas. Paciência. Ele só lamenta pelo o último da lista que no caso trata-se de um senhor negro bastante debilitado acompanhado por sua filha ou neta.

Lá pelas tantas Paulo ouviu a voz da recepcionista o chamando com toda simpatia do mundo, para dizer ao contrário.

— O senhor já pode entrar.

O médico, um jovem moreno claro com idade suficiente para ser seu filho o recebeu com um sorriso bastante cansado. Sentado estava, sentado permaneceu.

— Vamos chegando, senhor Paulo.

— Boa tarde, doutor. — ocupou a cadeira.

— Certo! Vamos lá então.

O profissional de saúde pegou o papel do exame e o analisou novamente, porém, dessa vez na presença do paciente.

— Infelizmente às notícias não são boas, seu Paulo. — alisou a rala barba.

— Sério? — torceu a boca.

— Sério! O senhor terá que começar o tratamento com urgência. Infelizmente a doença não é incipiente. Vou recomenda-lo ao oncologista. Não se preocupe, vai dar tudo certo.

Paulo abaixou a cabeça. Na mesma hora ele viu um filme passar bem diante de seus olhos.

— Misericórdia!

Na volta para casa, enquanto aguardava a chegada do coletivo e se segurando para não cair no choro bem ali no meio da rua, Paulo repassou sua vida inteira, desde quando começou a sentir os primeiros sintomas. Os homens em si são bem diferentes das mulheres. Ir ao médico parece ser uma missão impossível para a maioria deles. Ah se ele tivesse dado ouvidos a sua esposa há dois anos atrás. O quadro seria outro, com certeza.

O ônibus parou uns vinte metros a frente de onde o pedreiro estava, mas ele não reclamou. Seu estado naquele momento pedia paz e reflexão. Graças a Deus havia alguns lugares desocupados e Paulo pode se acomodar e chorar tranquilamente. Ele aproveitou para por sua conversa com Deus em dia.

— A luta será grande a partir de hoje. Peço que o Senhor permaneça comigo nessa labuta. Amém!

*

Quarenta e cinco minutos depois Paulo chegava em casa onde Marlene, sua esposa o aguardava já preocupada.

— Meu Deus, homem, que cara é essa? — perguntou parada perto da janela.

Paulo não conseguiu respondê-la, o choro do esposo a deixou ainda mais aflita.

— Jesus! Sério?

Paulo estendeu a mão segurando o envelope com o resultado do exame.

— Aí, Paulo, meu amor, eu te avisei tanto. — o abraçou e o beijou.

Nessas horas alguém precisa estar forte e Marlene cumpriu bem esse papel. Ela conhece seu marido mais do que ninguém e sabe o quanto ele gosta de lutar, trabalhar, prover para a família.

— Vem! Vou passar um café pra você.

Quando a noite chegou e estavam todos reunidos jantando, o chefe da casa aproveitou a ocasião para informar aos filhos sobre seu estado de saúde contrariando a vontade de Marlene.

— Diz aí, meu pai, o senhor não falou o jantar inteiro, o que aconteceu? — falou o filho do meio.

— É mesmo, pai, o senhor está muito calado pro meu gosto. — completou a caçula.

A vontade de chorar foi absurdamente controlada pelo pedreiro. Sentindo o clima, Marlene segurou em sua mão por baixo da mesa.

— O pai de vocês está doente. — começou Paulo. — fui pegar o resultado dos exames e...

— É aquela doença, pai? — perguntou o filho mais velho.

Dessa vez não deu para aguentar. Paulo caiu num pranto compulsivo e precisou ser consolado rapidamente por Marlene e sua caçula. O jantar estava arruinado.

— Temos a obrigação de estarmos juntos com o papai nessa luta. Certo? — decretou Marlene.

Todos assentiram.

— Obrigado, família. — disse limpando às lágrimas. — Deus não nos daria algo que não pudéssemos suportar, então...

— O senhor é o nosso herói, pai. — declarou o primogênito. — vamos passar por isso juntos e sem murmurar.

Foi difícil, mas o pedreiro conseguiu sorrir perante a fé de Júnior. Só agora ele tomou ciência da grandiosidade do homem que pôs no mundo.

— É isso aí! Vamos terminar o nosso jantar e vida que segue. — finalizou Marlene.

*

E a luta de Paulo começou pra valer. Idas e vindas do hospital. Tratamento pesado. Psicológico bastante afetado. Efeito colateral castigando e tudo isso tendo que trabalhar sem perder a fé. Fé é sim algo importante. Todas às noites, antes de dormir, ao pé da cama o casal se ajoelha para orar.

— Amém! — Paulo finalizou a oração em voz alta. — é minha velha. Amanhã é o dia.

— Tenho certeza que o tratamento já deve ter combatido essa enfermidade.

— Eu estou otimista.

Na recepção aguardando sua vez de ser atendido Paulo e sua esposa conversam sobre fatos inesquecíveis do passado, principalmente o dia em que ele precisou ir até a casa dela pedi-la em namoro.

— Você estava pálido. — riu.

— Qualquer um ficaria. O velho Sebastião era casca grossa.

— E se ele soubesse que a gente já tinha se deitado antes... Nossa, não gosto nem de pensar.

Paulo arregalou os olhos.

— Quer dizer que seu Tião morreu achando que a filha dele se casou virgem?

 Marlene ruborizou o rosto e riu.

— Eu contei para minha mãe, mas quer saber? No fundo ele sabia das nossas artes.

A voz da recepcionista atravessou a resenha do casal.

— Fé em Deus! — falou Marlene.

Paulo e Marlene lado a lado. A frente dos dois um médico analisando os papéis demoradamente. Por dentro o pedreiro sentia suas vísceras brigarem. Ele não se conteve.

— Não quero que me esconda nada, doutor.

Os óculos de leitura foram retirados do rosto e deixados em cima da mesa, Paulo acompanhou todo esse processo em câmera lenta, tudo isso do seu ponto de vista.

— Sem resultado satisfatório. — despejou o médico.

Marlene sentiu uma forte tontura.

— Temos que recomeçar todo o tratamento.

O medo se transformou em desespero e depois num pânico ao ponto de Paulo não conseguir ficar sentado.

— Paulo? — disse Marlene tentando o segurar.

Já era! Pensou olhando para os papéis nas mãos do médico.

— Seu Paulo, o senhor tem todo o direito de se sentir assim, mas como profissional de saúde lhe peço que confie, nos dê essa chance.

Meu Senhor! Tudo de novo. Náuseas, dores, mal-estar, estou perdendo meu cabelo.

— Meu amor! — chamou Marlene. — sua família está com você, lembra? Sente-se, vamos ouvir o que o doutor tem a dizer.

O médico reiniciou sua fala, mas Paulo não ouviu um minuto sequer de seu discurso. Sua cabeça voava por um mundo escuro, sombrio e vazio. Recomeçar o tratamento não fazia parte dos planos. Assim que ele saiu de seu devaneio lúgubre, de forma impetuosa ele ergueu o dedo interrompendo a fala do médico.

— E se ao final do tratamento o resultado for o mesmo?

O oncologista engoliu seco.

— Não terá mais jeito, não é? Pode falar, doutor Clóvis. — rosnou. Marlene interveio.

— Terá jeito sim. Não é, doutor? — ela tinha os olhos marejados.

— Sinceramente não estou preocupado com isso, eu...

Paulo o interrompeu novamente.

— Mais é claro que o senhor não estar preocupado com isso. Não será você a bola da vez. Não é?

— Peço que se acalme, senhor Paulo, sei bem como é isso, meu pai teve câncer e...

— E cadê ele?

Silêncio! Marlene conseguia ouvir os batimentos cardíacos de ambos nesse instante.

— Seu pai, doutor Clóvis, cadê ele? O senhor conseguiu salva-lo?

A dona de casa segurou firme o braço do esposo e colocou um ponto final naquela discussão.

— Doutor Clóvis, peço perdão pelo meu marido e quero lhe afirmar que iremos sim, passar por mais essa.

— Ótimo!

*

Paulo foi acometido por um pesadelo aonde seu corpo era corroído por uma espécie de vermes. Indefeso, ele só gritava desesperadamente acordando Marlene a seu lado no meio da noite.

— Paulo?

Aos poucos ele foi sendo retirado do sonho tenebroso abrindo os olhos bem devagar.

— Você soltou um grito horrível. — Marlene se sentou na cama. — vou buscar água.

— Tive um pesadelo terrível. — envolveu-se no edredom. Paulo estava bastante constrangido.

Foi um sonho ou realidade? Passar por todo o tratamento outra vez é como viver uma mentira. Uma mentira cruel demais. Quem séria capaz de suportar essa angustia pela segunda vez? Marlene voltou da cozinha com a água. Ela também tem sofrido bastante, isso é visível aos olhos de quem a conhece bem e o que é pior, tem aguentado tudo calada.

— Toma!

— Obrigado! — tomou tudo de uma só vez. — o que seria de mim se não fosse você em minha vida, meu anjo?

A dona da casa ocupou o seu lado na cama e o aninhou em seus braços.

— Ah se não fosse o Senhor em nossa vida. Como seria? — declarou Marlene.

— Verdade! Posso te pedir uma coisa? — perguntou olhando para o copo.

Aí meu Deus, não acredito que esse homem vai querer namorar agora. Pensou sorrindo.

— Cante pra mim.

— Quer que eu cante agora, às três da manhã? — Marlene ainda o tinha nos braços.

— É! Bem baixinho, só pra mim. Aquele hino, “Sou feliz” ele fica ótimo na sua voz.

Marlene cantou e não só isso. Ela fez com que sua voz brotasse de dentro do coração, da alma. A canção surtiu efeito tranquilizando o espírito de Paulo que adormeceu antes do término do hino.

— Amém! — disse ao final do cântico.

*

O tempo parece não passar para quem se encontra vivendo tal experiência. As idas ao hospital se tornaram rotineiras no dia a dia do pedreiro. Às quedas de cabelo incomodam bastante e por isso ele fez questão de acelerar o processo raspando a cabeça e assumindo de vez a sua condição. Em apoio ao pai guerreiro, seu filho mais velho também raspou tudo levando Paulo às lágrimas ao vê-lo daquela maneira.

— Eu te amo, meu filho. — o abraçou.

— Também te amo, coroa. — o beijou na careca.

Marlene, muito emocionada, os deixou a sós na sala correndo para o quarto para se derramar de vez.

— Senhor, eu não entendo. A vida estava boa. Por que essa adversidade agora, nessa altura da vida? — disse deitada na cama com o travesseiro no rosto.

Daí pra frente Paulo foi ficando ainda mais debilitado, já não tinha forças para trabalhar sendo castigado pelos medicamentos e também pelo seu psicológico que já havia ido para o espaço há muito tempo. A presença da morte era cada vez mais evidente. Marlene se via num túnel sem a luz no final.

*

Paulo estava sofrendo. Sofrendo muito. O ser humano tem uma capacidade incrível de se adaptar o qualquer tipo de situação e circunstância. Os medicamentos não estavam surtindo efeito e a sentença foi dada. Dentro de muito em breve o chefe da família Barbosa estaria morto e por incrível que pareça Paulo não se abalou ao ouvir tal declaração do especialista.

— Sinto muito, senhor Paulo. Essa doença é agressiva e no seu caso pior ainda.

— Não sinta, doutor. Todos nós iremos morrer de alguma coisa, então...

Nesse momento o oncologista deu uma rápida olhada em Marlene que seguia com seu olhar perdido. Ela não estava chorando e nem com o semblante abatido o que causou estranheza ao médico.

— Posso lhe recomendar um psicólogo, senhora Marlene?

A esposa de Paulo encontrava-se tão imersa em seus pensamentos que não ouviu o médico falar. Paulo a tocou no braço.

— Oi?

— Vou lhe recomendar um psicólogo. Alguma objeção?

Ela olhou para o marido que anuiu.

— Faça o que achar melhor.

Uma casa com sua estrutura totalmente abalada. Toda enfermidade causa isso. Quem está doente de forma direta sofre duas vezes; sofre os efeitos da doença e sofre por ver seus familiares perdendo a saúde tanto física como mental. Em seus raros momentos sozinho, tudo o que Paulo consegue pedir a Deus é força para sua mulher e filhos durante e após a sua partida.

— E aí, coroa? — Junior entrou no quarto. — está precisando de alguma coisa?

— Não, meu filho, obrigado.

— Tem certeza?

— Tenho. Venha aqui, deite-se só um pouco.

Paulinho estava com o seu horário apertado para um compromisso, porém nada era mais importante que ficar ali ao lado do seu herói.

— Como vão às coisas? — acariciou a barba do filho.

— Estão complicadas. Faculdade exige bastante. — se encolheu.

— E a Patrícia, vocês estão bem? — seguia mexendo no rosto de seu primogênito.

— Tivemos uma pequena briga, mas ficou tudo bem.

Paulo tirou a mão da cabeça e a pôs no ombro. Seu semblante já não era tão sereno.

— Paulo Barbosa Junior. Escute bem o que vou falar. Quero que prometa uma coisa.

Paulinho se ajeitou.

— Quero que cuide de tudo. Não abandone sua família. Seja homem. Não troque Cristo por nada nesse mundo. Entendeu?

— Sim, pai, mas...

— Você me entendeu? — vociferou e apertou com mais força o ombro do filho.

— Pode deixar.

O fim estava se aproximando? Aquilo foi uma despedida seguida de uma ordem? Fosse o que fosse, Junior não se acha pronto para assumir às rédeas da casa. Nada como um amadurecimento forçado para que uma pessoa veja a realidade com outros olhos.

*

Marlene descansava às pernas depois do almoço deitada no sofá mexendo no celular. Paulo curtia o seu mal-estar esparramado na cama do quarto exigindo de Deus a sua retirada da terra o mais rápido possível. Eu não aguento mais, Senhor.

Marlene ouviu quando a porta do quarto foi fechada e não só isso, seu marido a trancou. Meu Deus! Lá dentro, depois de um esforço absurdo, Paulo conseguiu se ajoelhar e só após a volta do fôlego o pedreiro iniciou sua oração.

— Eu sei que o Senhor tem um propósito para cada um ser vivo nesta terra e cabe a nós descobrir e seguir esse propósito. Eu descobri o meu e...

Marlene bateu na porta.

— Amor, você está bem?

Paulo seguiu com a oração.

— Sou grato por tudo o que fez por mim. Reconheço seu sacrifício e sei que tudo o que fez foi para nos dar vida. Vida bastante. Por isso peço ao Senhor essa vida.

— Paulo? — bateu na porta duas vezes. — posso entrar?

— Me abençoe com a cura. Eu estarei fazendo uma nova avaliação na próxima semana. Que ao analisar os exames o doutor Clóvis seja surpreendido. Mas tudo isso se for de sua vontade. Que a tua vontade prevaleça sempre.

— Paulo! — gritou.

A porta do quarto foi aberta abruptamente.

— O que foi, mulher, eu estava orando. — Paulo transpirava.

— Ah, sim! Me desculpa. — ruborizou.

— Entre! Você não sabe o que aconteceu. — a segurou pela mão. — Fui curado!

Marlene engoliu seco.

— Eu estou curado, Marleninha. — abriu os braços.

O casal se abraçou. Juntos choraram até perderem às forças. Marlene sempre foi uma mulher que, por mais que as circunstâncias digam que não há mais jeito, ela nunca foi de entregar os pontos facilmente. Enquanto há vida, há esperança. Ao abraçar seu esposo ela sentiu o seu coração bater diferente. Havia realmente acontecido algo entre aquelas paredes e somente Paulo poderia descrever.

— Curado, mesmo? — perguntou limpando às lágrimas.

— Sim! Sou um novo homem. Doutor Clóvis não vai saber o que dizer.

— Assim seja!

*

Clóvis é médico a um pouco mais de dez anos e em todo esse tempo ele jamais deu diagnóstico equivocadamente ou deixou de buscar por resultados satisfatórios. Assim que chegou a clínica naquela manhã, estranhamente seu coração batia mais rápido do que o comum e sua mente não o deixava em paz o fazendo lembrar da vinda de seu paciente mais ilustre. Paulo Barbosa.

O oncologista deixou seu consultório e andou até a recepção meio que no automático. As pessoas que ali estavam olhavam para ele atônitas, até mesmo a recepcionista se espantou.

— Deseja alguma coisa, doutor Clóvis?

— Não, não. — olhou para a porta de entrada da clínica. — pode mandar o próximo paciente.

Uma hora depois desse ocorrido, Clóvis recebia em sua sala Paulo e Marlene. O tempo todo a dona da casa segurava a mão do esposo já fragilizado. Apesar da magreza e aspecto não muito agradável, o pedreiro possuía uma leveza no semblante. Clóvis não estava entendendo absolutamente nada.

— Bom! Vamos aos exames. — falou sem sorrir. — eu não os analisei ainda.

Marlene sobressaltou.

— Não? Como assim, doutor?

Clóvis ruborizou na mesma hora.

— Eu não sei o que aconteceu. De repente decidi deixar para fazer na frente de vocês.

Marlene olhou de soslaio para Paulo que seguia encarando-o. Clóvis abriu o envelope e puxou o documento e o leu atenciosamente. O consultório ficou num silêncio sepulcral até a voz embargada do médico pairar.

— O câncer sumiu.

Paulo e Marlene se entreolharam.

— Viu? Eu te disse. — declarou Paulo com ar de riso.

Marlene precisava explodir e explodiu. Seu choro chegou aos ouvidos de quem estava na recepção. Doutor Clóvis também foi acometido pela mesma emoção enquanto que Paulo sorria olhando para os dois.

 

Nota do autor: Esse conto foi inspirado no testemunho dado pelas irmãs Nora Pais, Ester Saloto, Cátia Cilene, Miriam e Marilene.

 

 

 

 


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Paredes | Capítulo final

 


Rodrigues ainda insistia com seu parceiro sobre a possibilidade de pedido de apoio quando Gilberto viu uma movimentação na parte da frente da casa. Carolina fez uso dos binóculos.

— Confirme se ele está portando uma arma. — orientou Pedrosa.

— Positivo! Uma Glock. — se virou para o colega. — eu falei que teríamos que solicitar apoio.

— Não será necessário. — sacou do coldre sua 45. — nós dois daremos conta desse bunda mole.

Nesse momento ouviu-se um grito. Rodrigues mais uma vez conferiu com o auxílio dos binóculos a situação logo a frente. Toni caído segurando suas partes íntimas e uma moça morena disparando em direção a saída.

— Fique com a garota e deixe ele comigo.

— Tenha cuidado.

Sentindo uma dor lancinante o aliciador ficou de pé ainda em tempo de ver sua presa correndo igual a uma louca pelo caminho de volta para a estrada. Nutrido por uma raiva infernal ele ignorou todo o incomodo que ainda sentia partindo atrás com sua arma em punho. Ela não pode escapar tão fácil assim, pensou correndo e tropeçando nas pedras soltas.

— Volte aqui! — gritou.

Gil o surpreendeu saindo de trás de uma árvore já lhe dando voz de prisão.

— Nem mais um passo, Toni.

— Mas, quem é você?

— Polícia de Cabo Verde, você está preso. — lhe mostrou o distintivo preso no cinto.

Com a adrenalina circulando a mil por hora nas veias, Toni Silva tomou a pior decisão de sua vida. Ele ignorou por completa a ordem dada pelo agente e atirou. A bala passou raspando o ombro direito de Gilberto que o acertou no braço da mão que segura a arma. Com o impacto o rapaz perdeu o equilíbrio indo ao chão.

— Solte a arma, seu merda.

Esvaindo em sangue o cabeludo esboçou uma reação, porém o detetive foi mais rápido e ágil lhe aplicando um forte chute no rosto. Toni perdeu a força no braço alvejado deixando a arma cair. Pedrosa a chutou para longe.

— Vamos, me leve até a casa. — Gil estava ofegante.

Rodrigues e Bruna voltavam apressadamente para junto do agente que empurrava Toni que tinha às mãos algemadas para trás.

— Gil, segundo a Bruna, lá dentro ainda há outros comparsas.

— Armados? — Pedrosa interrompeu o caminhada. Toni riu. — qual a piada?

— Vocês não podem prender a rainha.

Rodrigues e Bruna deixaram o investigador atualizado de tudo que acontece dentro da casa, tudo isso sob o sarcasmo incessante do aliciador de Sabrina. Gil autorizou a solicitação de reforço exigida por Rodrigues.

— Algo muito grave está acontecendo lá dentro, precisamos entrar lá já. — declarou Pedrosa.

*

Sabrina Fialho era pura excitação e mal conseguia manter suas mãos quietas. Bem a sua frente a dupla de sequestrados ainda hesitavam em começar de fato o show erótico.

— Como é que é? Eu quero sexo. E se você for bem, vou querer você pra mim, garota. — vociferou a rainha.

Sérgio tocou nos ombros de Michele sentindo todo o tremor de seu corpo. Logo ela que sempre sonhou em curtir sua lua de mel com o homem de sua vida a qual ela vem se guardando até o dia de hoje. Chorando, com um gesto de cabeça ela autorizou que Ornelas se aproximasse um pouco mais e a tocasse até que um barulho vindo da cozinha chamou mais a atenção de Sabrina.

— Vá ver. — estalou os dedos para outro súdito. — deve ser o Toni precisando de ajuda com a fujona.

— Sim, senhora minha rainha.

Ao deixar a sala e cruzar a porta da cozinha o jovem negro deu de frente com outro negro, porém este estava armado e tinha um distintivo da polícia civil fixado no cinto. Gil o pegou desprevenido e lhe aplicou um murro no rosto que o deixou fora de si.

— Saia da minha frente, vagabundo.

O cheiro de carne podre foi a primeira coisa que deixou o policial em alerta ao invadir a casa. A segunda, como não poderia ser diferente, foi a escuridão. Impossível não se revoltar com certas atitudes de maus feitores e viciados.

— Polícia de Cabo Verde, vocês estão cercados. — gritou.

Um dos comparsas numa tentativa de proteção ao reinado de Sabrina, partiu pra cima do agente segurando um estilete desferindo golpes a ermos sem sucesso. Pedrosa mesmo com dificuldade para enxergar aguardou o melhor momento para ataca-lo. O soco o fez cair sobre outros viciados. Sabrina ficou de pé em cima da poltrona.

— Vamos seus idiotas. Acabem com esse verme.

Para evitar um confronto ainda maior, Gilberto disparou para o alto afastando-os.

— Quero que todos vocês encostem naquela parede ali, agora. Você também. — disse a Sabrina.

— O que fez com o Toni? — questionou ainda de pé na poltrona.

— Ele está sob custódia lá fora, agora chega de papo, desça daí já.

Sabrina deu uma longa olhada no terrível cenário ao seu redor e pela primeira vez em muito tempo ela não se sentia tão impotente. Tudo havia ruído. Lentamente ela foi descendo de seu “trono” quase que aos prantos olhando para a quarenta e cinco de Gil Pedrosa apontada para ela. Sabrina se juntou aos demais sentados aos pés da parede. Rodrigues e mais outros sete PMs entraram já dando voz de comando aos detidos.

— Tudo sob controle pessoal, temos que achar os reféns. — Pedrosa se dirigiu a Sabrina. — aonde eles estão? — vociferou.

Quando a rainha criou coragem para falar, um dos policiais anunciou a descoberta do cativeiro.

— Eles estão aqui. — gritou.

Sérgio Ornelas e Michele foram separados dos demais e levados para fora da casa. Imediatamente às janelas foram sendo abertas dissipando as trevas daquele lugar. A luz natural do dia revelou um caos ainda pior. Analisando com cuidado era possível ver ossadas de animais, sem falar em resquícios de vômitos. Rodrigues juntou-se ao colega abismada.

— O que o vício é capaz de fazer com um ser humano. — pôs às mãos na cintura.

— Triste verdade! Encontraram mais alguma coisa?

— Sim! A causa desse odor forte...

Gilberto não esperou que sua parceira completasse a fala.

— Homicídio! — guardou a arma no coldre.

— Acho que não. A pessoa deve ter falecido de overdose e seu corpo foi deixado em outro cômodo da casa. Que loucura, meu Deus. — meneou a cabeça.

Sabrina era a única que encarava os policiais sentada de qualquer jeito no chão.

— Toni Silva e essa rastafari tem muito o que explicar. Vamos levá-la.

Toni voltou a sentir os raios solares em seu rosto quando a parte de trás da viatura foi aberta e sua rainha foi posta lá dentro juntamente com ele. Assim como Toni, Sabrina tinha às mãos algemadas para trás. Só agora ele pode perceber o quanto foi tolo ao se submeter a uma pessoa tão suja e tão digna de pena como ela.

Sérgio Ornelas, Michele, Bruna e Letícia foram levados por dois policiais em uma viatura descaracterizada da polícia civil para o departamento de Cabo Verde onde seus familiares os aguardam. Gil campanha o isolamento da casa ao lado de Carolina. Todo o espaço foi cuidadosamente isolado por fitas amarelas.

— Belo trabalho. Parabéns. — disse Rodrigues batendo no ombro do companheiro.

— Obrigado!

— O trabalho ainda está no início, quantas coisas aquelas paredes esconderam, não é?

— Sexo, drogas e bebidas. Um prato cheio para uma juventude sem estrutura. Lamento muito. Quem erra tem que pagar. Vamos.

*

Em seu depoimento, Toni Silva abriu o jogo contando tudo o que acontecia dentro da casa e também ajudou a esclarecer sobre a permanência de um corpo dentro do recinto. Segundo ele era uma forma de intimidação aos novos membros do reino.

— Então foi overdose mesmo? — questionou Gilberto.

— Sim!

Já Sabrina Fialho se manteve calada durante seu depoimento, disse que só falaria alguma coisa na presença de um advogado. A única dúvida era: qual advogado? A polícia fez um levantamento e descobriu que nem “Caboverdense” ela é. Sabrina saiu da casa dos pais ainda na adolescência e nem completou os estudos. Sua situação é realmente complicada.

— Acabamos por aqui. — Gil se levantou. — agora cabe ao juiz decidir.

 

A noite, depois de uma bela transa com Luana, Pedrosa voltava do banho para o segundo tempo com sua amante quando foi pego de surpresa por uma pergunta.

— Já conseguiu um lugar para ficar?

— Quer mesmo se livrar de mim pelo jeito.

— Não seja tão dramático agente Pedrosa. Você ficando aqui, com o tempo vai se tornar meu marido e eu não quero perder meu namorado, entendeu agora? — Luana se enrolou no lençol.

— Você tem razão. Amanhã estarei saindo daqui e alugando um apartamento. Mas enquanto isso... — deitou-se. — vamos encerrar com chave de ouro.

 

No outro dia, na parte da tarde, Gilberto e seus filhos abriam juntos a porta do novo lar do papai. O policial agora possuí um novo endereço fixo de frente para a avenida mais famosa da cidade. Claro que a adolescente amou o lugar onde ela passará os finais de semana com seu irmão.

— Caramba, pai, gostei. — disse Gerson correndo pelo corredor.

Pedrosa só era sorrisos ao vislumbrar a alegria dos meninos.

— É verdade, pai, isso aqui é incrível. — completou Carla.

— Que bom que gostaram. Podem vir quando quiserem, combinado?

Gerson voltou do quarto já com uma proposta.

— Que tal uma pizza gigante para comemorar?

Carla e Gil se olharam concordando.

— Vou ligar para a dona Bete e dizer que o senhor vai nos levar depois do  horário combinado, se não ela vira uma fera. — pegou o celular na bolsa.

Elisabete faz falta, porém Gilberto terá que aprender a conviver com isso e também com a culpa. Dívidas precisam ser pagas e erros reparados. FIM.