Um
Desafio para André Cruz
Capítulo
final
Roberta acordou possuída pelo seu mau humor que já é
de sua natureza e conforme às horas vão se passando, o que já estava ruim vai
ficando ainda pior. Insuportável. Toda essa tempestade tem motivo, aliás, um
belo motivo. Seu anel não se encontra depositado naquela caixinha de veludo no
fundo do armário. O anel de brilhante que Jair a presenteou com tanto amor não
está mais lá e ela se culpa.
- Me perdoe, Jair. Fui descuidada com a nossa joia.
A senhora Manhãs apenas encostou a porta do armário e
deixou seu quarto andando em direção a saída para os fundos da casa. Quem sabe
o ar fresco de uma manhã iluminada com o sol banhando a terra com seus raios
não a acalmam. Roberta sentou-se na cadeira perto da piscina onde seu sobrinho
dava suas últimas braçadas matinais habituais.
- Bom dia, tia. Dormiu bem?
A idosa meneou a cabeça.
- A senhora precisa de alguma coisa? – saiu da água.
- Não! – disse rapidamente.
- Tia, a senhora anda muito estranha ultimamente. Está
acontecendo alguma coisa?
Roberta queria explodir, jogar na cara de Carlos sobre
o sumiço do anel, mas conteve-se o máximo que pode.
- Sua viagem está marcada para quando?
Houve uma certa hesitação por parte de Carlos, seus
olhos ficaram vagueando, como se o mesmo
pensasse numa resposta bem convincente.
- Para está semana. Europa ai vou eu. – tentou
disfarçar o sorriso.
Roberta seguiu olhando fixo para o sobrinho. Seu
coração acelerou quando por alguns segundos ela se recordou de quando ele era
um menininho medroso, que tinha pavor de dormir sozinho em seu quarto e que
corria para debaixo de seus lençóis durante a madrugada, aonde a sua
inocência foi parar, meu filho? Roberta também engoliu o nó que se formou
em sua garganta o questionando novamente.
- Você tem certeza de que é isso que você quer para
sua vida? Às coisas precisaram serem feitas dessa maneira?
- Dessa maneira como?
Manhãs sentiu que foi longe demais.
- Digo. Sair do país...
- Tia. Eu agradeço por tudo o que fez por mim, mas eu
não posso deixar essa oportunidade passar, entende? Não quero e nem posso passar
minha vida inteira as suas custas.
- Apesar de não ter meu sangue, sempre lhe considerei como
um dos meus filhos. Você sabe disso. Você tem parte na herança, Carlos.
Carlos cruzou os braços e olhou para o céu que estava um
azul radiante.
- Uma coisa é a senhora viva, tia Roberta. E quando
você não estiver mais aqui? Preciso fazer meu pé de meia.
Fazer seu pé de meia roubando quem lhe deu
tudo? Pensou Roberta assim que Carlos voltou a mergulhar. Nunes
estava limpando o para-brisa traseiro do Corolla quando recebeu a ordem de ir
até o quarto da patroa pegar o celular.
*
Enquanto sente o calor que brota dos lábios de
Juliana, André tem a “agradável” tarefa de desprender o sutiã. Eles estão se
beijando a vinte minutos e a vinte minutos ele vem tentando fazer isso. Juliana
interrompeu a troca de fluídos para auxiliá-lo.
- Isso é broxante. Sabia? – disse ela.
- E isso é complicado de tirar sabia?
- Tem certeza que você quer começar uma briga agora,
gatão? – colocou a peça íntima na cabeça do namorado.
- Nem de brincadeira.
Tudo indicava que o casal teria um final de manhã
repleto de belas experiências sexuais incríveis até o celular de André tocar em
cima do criado mudo. Juliana não conseguiu evitar sua decepção.
- Isso é broxante.
- Agora tenho que concordar com você.
O investigador esticou o braço até alcançar o aparelho
e ao tomar ciência de que se tratava de sua cliente especial, André quase
infartou. Era como se Roberta Manhãs tivesse se materializado bem ali em seu
quarto.
- Bom dia, dona Roberta.
- Bom dia detetive. Estou a dias sem nenhum
relatório. Meu sobrinho Carlos está de viagem marcada para Itália, o que o
senhor anda fazendo?
- Me perdoe, dona Roberta. Eu ando colhendo
informações. Eu tenho ido atrás do Carlos e descobri que ele tem ido bastante
ao banco.
- A partir de agora quero relatórios diários,
detetive, eu preciso saber em que pé estão as coisas. Descubra o que Carlos tanto
faz no banco, ligue para a Itália, vá até lá se for possível, eu lhe paguei bem, meu Deus do céu.
André ouvia a bronca de uma cliente insatisfeita olhando
para Juliana deitada mexendo no telefone com seus seios médios a mostra.
- Farei isso. Aliás, eu já estava fazendo. Vou
preparar tudo e armar o flagrante. Carlos não terá como negar.
- Assim espero. – desligou.
André Cruz foi pra cima da namorada e a beijou.
- Isso terá que ficar para uma outra hora.
- Suspeitei.
*
A vontade era de chorar e chorar muito, porém a de
arrebentar a cara de André era maior. Amanda viu quando Juliana deixou o prédio.
Sentiu o estômago embrulhar com seu perfume, vagabunda. O pior é que ela
não tem culpa alguma. André é sim o grande vilão dessa história. Mais uma vez
ela é passada para trás por um homem que ela jurava ser o amor de sua vida, sou
uma otária de carteirinha mesmo. Essa é a triste realidade de muitas
mulheres. Não se brinca com o sentimento de ninguém e principalmente de uma
mulher. Chorar é uma defesa, é o que podemos chamar de descarga da alma. Amanda
não suportou a onda emocional ao ver o homem que ama deixando o prédio.
- Amanda? – André engoliu seco.
- Oi, André.
- Poxa. Estou de saída agora, senão lhe convidaria
para subir e...
- Eu já sei de tudo, André.
- De tudo o que?
- Sua namorada, loira. Linda diga-se de passagem.
Cruz colocou a mão no ombro dela.
- Tire sua mão de mim. Canalha. Eu te odeio.
- Calma, Amanda. Ela é uma cliente...
A recepcionista sorriu.
- Uma cliente que passa horas dentro do seu
apartamento? Que sai fedendo a sabonete masculino e mal penteada?
André abaixou a cabeça.
- Viu! Qualquer um pode ser um detetive particular,
investigador Cruz.
- Amanda...
- Vá a merda e vê se me esquece, porque eu já te
esqueci.
Amanda, a garota que destroçou em mil pedaços o
coração de um homem que passa a vida brincando com os sentimentos das outras
pessoas. André jamais imaginou que a dor seria tão estonteante assim. Ela já
me esqueceu! Ele ainda saiu no lucro, Amanda poderia fazer um escândalo na
frente do prédio e revelar tudo para Juliana se ela quisesse. Mas, será que
valeria a pena? André Cruz merece que duas mulheres cheguem às vias de fato por
causa dele? Lógico que não. O melhor a fazer e dá às costas para ele e seguir
em frente. Foi o que Amanda fez. Virou a página.
*
Dias depois André estava sozinho em seu apartamento concentrado
pesquisando na internet as possíveis empresas Italianas no ramo da engenharia e
descobriu que nenhuma abrirá processo seletivo. Um dia antes ele conversou com
Roberta via telefone e pegou mais informações sobre Carlos e agora com essa descoberta
sobre as empresas, André decidiu conhecer bem de perto o seu investigado.
- Hora da Ação.
Meia hora depois ele estava na beira do jardim aguardando
a chegada da anfitriã junto com o sobrinho. Cruz não estava confortável e nem
seguro quanto ao papel que deveria encarnar.
- Olá, doutor André, esse é meu sobrinho Carlos
Manhãs.
Carlos estendeu a mão e o cumprimentou educadamente
com sorriso de orelha a orelha.
- E ai, Carlos, então é engenheiro também?
- Estamos na luta.
- Então. – disse Roberta. – tomei a liberdade de
chamar o senhor André aqui para quem sabe lhe passar preciosas informações
sobre o ramo italiano em engenharia.
Carlos colocou às mãos nos bolsos.
- Essa é a poderosa senhora Manhãs. Sempre querendo
ter o controle de tudo. – riu. – eu andei fazendo pesquisas também, passei
meses buscando contatos e nada até que...
- Até que? – André olhou para Roberta.
- Bom, até que um amigo meu conseguiu um contato.
Silêncio.
- Mas e você? – Carlos voltou a sorrir.
Roberta se afastou.
- Vou deixar vocês conversando. Querem alguma coisa?
- Que tal um super suco natural de abacaxi? – sugeriu
Carlos.
- Vou mandar preparar. – resmungou a idosa.
Carlos e André andaram lado a lado até saírem do sol.
Eles ficaram na parte coberta onde há o chamado cantinho do Churrasco. É coisa
rara a senhora Roberta reunir toda família para esse fim, mas por que não, não
construi-lo? Cada um ocupou uma cadeira e seguiram com a conversa.
- Eu estou no ramo a mais ou menos cinco anos e estou
gostando. O nosso país infelizmente não nos valoriza. Que mal lhe pergunte,
como vai se sustentar na Itália? – André se preparou para a resposta.
Carlos se mostrou incomodado com a pergunta e demorou para
responder. Ele olhou para os lados e diminuiu o volume da voz.
- Consegui uma grana. – sussurrou.
- Sério? – simulou André.
- Pois é. Eu nem deveria lhe contar essas coisas,
afinal, acabei de lhe conhecer, mas enfim. Só peço que não fale nada para minha
tia. Certo?
Cruz assentiu.
- Deve ser uma bolada. A Itália não é uma país onde as
coisas são baratas. – o detetive queria mais, muito mais.
- Sim. Porém quando eu estiver bem estabilizado terei
o prazer em devolver.
André apertou os olhos.
- Devolver toda grana?
Carlos agora se mostrou decepcionado, triste na
realidade. O investigador também pode ver uma ponta de arrependimento nos olhos
do rapaz. Carlos abaixou a cabeça e quando a levantou seus olhos estava
vermelhos.
- Amo minha tia. Ela daria sua vida pela minha. Tenho certeza que ela não
se negaria em me dar o dinheiro, mas eu também acho que chega de ficar na
sombra dela. Quero caminhar com às minhas próprias pernas. Sacou?
- Entendi.
- Por isso resolvi pedir dinheiro emprestado ao meu
contato lá da Itália.
André Cruz pensou em dar por encerrada a conversa. Não, Carlos não pegou o anel de Roberta como ele
já havia desconfiado. O grande desafio
agora é convencer a senhora Manhãs sobre isso.
- Você é gente boa, Carlos. Não tenho dúvidas de que
você ainda encherá sua tia de orgulho.
Ruborizado, Carlos o cumprimentou novamente.
- Valeu, cara.
*
De volta ao apartamento, André procurou deixar sua
mente cem por cento focada na investigação que ele julga está próxima de seu
desfecho. Carlos não é o ladrão e ponto final. Então quem é? Num momento de distração
o detetive lembrou-se de Amanda e todo o mal que ele a causou, sou um idiota
mesmo. Não. No momento ele não pode deixar que outros assuntos,
principalmente os pessoais atrapalhem sua linha de raciocínio. Uma joia que
vale milhões foi roubada e sua dona confiou a ele essa missão, ela poderia
ter solicitado a polícia ou alguém mais capacitado.
André Cruz começou a ligar pontos que de repente podem
lhe servir e muito. Quais a chance de Roberta ter mudado o lugar onde ela
esconde o anel? Muitas. Qual a possibilidade de alguém descobrir esse novo esconderijo?
Muitas também. Um detetive pode confiar
cem por cento na memória de uma senhora? Não. De ninguém aliás. Fato é, ele precisa ir até o local e analisar com
seus próprios olhos.
*
Roberta chegou às lágrimas ao abraçar seu sobrinho na
chegada ao aeroporto. Movida por sentimentos que a corroem, a idosa chora
copiosamente quase lhe pedindo desculpas por suspeitar dele.
- Calma dona Roberta, olha o coração. Eu volto assim
que puder.
- Promete me ligar todos os dias? – disse soluçando.
- Claro, mamãe.
Nunes o motorista, precisou ser forte ao ter que segurar
a velha que se derreteu em seu peito ao ouvir tal declaração.
- Chega de emoções por hoje. Nunes pode leva-la.
- Sim, senhor.
Carlos se foi deixando um buraco enorme no coração de
Roberta. A tristeza é grande, porém o orgulho e o sentimento de missão cumprida
é bem maior. A senhora Manhãs fez um bom trabalho. Não foi fácil ir de encontro
quanto ao posicionamento dos filhos que não aprovaram sua decisão de cria-lo
como se fosse seu filho. Valeu a pena. Voe alto, meu filho. Pensou já a
caminho de casa. O telefone tocou.
- Detetive Cruz. Diga.
- Mudança de planos, senhora Manhãs.
- É só me dizer quais.
- Tenho que averiguar algo em sua casa.
- Ótimo. Quando?
- Agora, já.
Roberta aproveitou que seu motorista já a observava
pelo espelho e deu sua ordem.
- Nunes, pise fundo.