sábado, 19 de fevereiro de 2022

Um Desafio para André Cruz - Capítulo 3


 

Um Desafio para André Cruz

Capítulo final

 

Roberta acordou possuída pelo seu mau humor que já é de sua natureza e conforme às horas vão se passando, o que já estava ruim vai ficando ainda pior. Insuportável. Toda essa tempestade tem motivo, aliás, um belo motivo. Seu anel não se encontra depositado naquela caixinha de veludo no fundo do armário. O anel de brilhante que Jair a presenteou com tanto amor não está mais lá e ela se culpa.

- Me perdoe, Jair. Fui descuidada com a nossa joia.

A senhora Manhãs apenas encostou a porta do armário e deixou seu quarto andando em direção a saída para os fundos da casa. Quem sabe o ar fresco de uma manhã iluminada com o sol banhando a terra com seus raios não a acalmam. Roberta sentou-se na cadeira perto da piscina onde seu sobrinho dava suas últimas braçadas matinais habituais.

- Bom dia, tia. Dormiu bem?

A idosa meneou a cabeça.

- A senhora precisa de alguma coisa? – saiu da água.

- Não! – disse rapidamente.

- Tia, a senhora anda muito estranha ultimamente. Está acontecendo alguma coisa?

Roberta queria explodir, jogar na cara de Carlos sobre o sumiço do anel, mas conteve-se o máximo que pode.

- Sua viagem está marcada para quando?

Houve uma certa hesitação por parte de Carlos, seus olhos  ficaram vagueando, como se o mesmo pensasse numa resposta bem convincente.

- Para está semana. Europa ai vou eu. – tentou disfarçar o sorriso.

Roberta seguiu olhando fixo para o sobrinho. Seu coração acelerou quando por alguns segundos ela se recordou de quando ele era um menininho medroso, que tinha pavor de dormir sozinho em seu quarto e que corria para debaixo de seus lençóis durante a madrugada, aonde a sua inocência foi parar, meu filho? Roberta também engoliu o nó que se formou em sua garganta o questionando novamente.

- Você tem certeza de que é isso que você quer para sua vida? Às coisas precisaram serem feitas dessa maneira?

- Dessa maneira como?

Manhãs sentiu que foi longe demais.

- Digo. Sair do país...

- Tia. Eu agradeço por tudo o que fez por mim, mas eu não posso deixar essa oportunidade passar, entende? Não quero e nem posso passar minha vida inteira as suas custas.

- Apesar de não ter meu sangue, sempre lhe considerei como um dos meus filhos. Você sabe disso. Você tem parte na herança, Carlos.

Carlos cruzou os braços e olhou para o céu que estava um azul radiante.

- Uma coisa é a senhora viva, tia Roberta. E quando você não estiver mais aqui? Preciso fazer meu pé de meia.

Fazer seu pé de meia roubando quem lhe deu tudo? Pensou Roberta assim que Carlos voltou a mergulhar. Nunes estava limpando o para-brisa traseiro do Corolla quando recebeu a ordem de ir até o quarto da patroa pegar o celular.

 

*

 

Enquanto sente o calor que brota dos lábios de Juliana, André tem a “agradável” tarefa de desprender o sutiã. Eles estão se beijando a vinte minutos e a vinte minutos ele vem tentando fazer isso. Juliana interrompeu a troca de fluídos para auxiliá-lo.

- Isso é broxante. Sabia? – disse ela.

- E isso é complicado de tirar sabia?

- Tem certeza que você quer começar uma briga agora, gatão? – colocou a peça íntima na cabeça do namorado.

- Nem de brincadeira.

Tudo indicava que o casal teria um final de manhã repleto de belas experiências sexuais incríveis até o celular de André tocar em cima do criado mudo. Juliana não conseguiu evitar sua decepção.

- Isso é broxante.

- Agora tenho que concordar com você.

O investigador esticou o braço até alcançar o aparelho e ao tomar ciência de que se tratava de sua cliente especial, André quase infartou. Era como se Roberta Manhãs tivesse se materializado bem ali em seu quarto.

- Bom dia, dona Roberta.

- Bom dia detetive. Estou a dias sem nenhum relatório. Meu sobrinho Carlos está de viagem marcada para Itália, o que o senhor anda fazendo?

- Me perdoe, dona Roberta. Eu ando colhendo informações. Eu tenho ido atrás do Carlos e descobri que ele tem ido bastante ao banco.

- A partir de agora quero relatórios diários, detetive, eu preciso saber em que pé estão as coisas. Descubra o que Carlos tanto faz no banco, ligue para a Itália, vá até lá se for possível,  eu lhe paguei bem, meu Deus do céu.

André ouvia a bronca de uma cliente insatisfeita olhando para Juliana deitada mexendo no telefone com seus seios médios a mostra.

- Farei isso. Aliás, eu já estava fazendo. Vou preparar tudo e armar o flagrante. Carlos não terá como negar.

- Assim espero. – desligou.

André Cruz foi pra cima da namorada e a beijou.

- Isso terá que ficar para uma outra hora.

- Suspeitei.

 

*

 

A vontade era de chorar e chorar muito, porém a de arrebentar a cara de André era maior. Amanda viu quando Juliana deixou o prédio. Sentiu o estômago embrulhar com seu perfume, vagabunda. O pior é que ela não tem culpa alguma. André é sim o grande vilão dessa história. Mais uma vez ela é passada para trás por um homem que ela jurava ser o amor de sua vida, sou uma otária de carteirinha mesmo. Essa é a triste realidade de muitas mulheres. Não se brinca com o sentimento de ninguém e principalmente de uma mulher. Chorar é uma defesa, é o que podemos chamar de descarga da alma. Amanda não suportou a onda emocional ao ver o homem que ama deixando o prédio.

- Amanda? – André engoliu seco.

- Oi, André.

- Poxa. Estou de saída agora, senão lhe convidaria para subir e...

- Eu já sei de tudo, André.

- De tudo o que?

- Sua namorada, loira. Linda diga-se de passagem.

Cruz colocou a mão no ombro dela.

- Tire sua mão de mim. Canalha. Eu te odeio.

- Calma, Amanda. Ela é uma cliente...

A recepcionista sorriu.

- Uma cliente que passa horas dentro do seu apartamento? Que sai fedendo a sabonete masculino e mal penteada?

André abaixou a cabeça.

- Viu! Qualquer um pode ser um detetive particular, investigador Cruz.

- Amanda...

- Vá a merda e vê se me esquece, porque eu já te esqueci.

Amanda, a garota que destroçou em mil pedaços o coração de um homem que passa a vida brincando com os sentimentos das outras pessoas. André jamais imaginou que a dor seria tão estonteante assim. Ela já me esqueceu! Ele ainda saiu no lucro, Amanda poderia fazer um escândalo na frente do prédio e revelar tudo para Juliana se ela quisesse. Mas, será que valeria a pena? André Cruz merece que duas mulheres cheguem às vias de fato por causa dele? Lógico que não. O melhor a fazer e dá às costas para ele e seguir em frente. Foi o que Amanda fez. Virou a página.

 

*

 

Dias depois André estava sozinho em seu apartamento concentrado pesquisando na internet as possíveis empresas Italianas no ramo da engenharia e descobriu que nenhuma abrirá processo seletivo. Um dia antes ele conversou com Roberta via telefone e pegou mais informações sobre Carlos e agora com essa descoberta sobre as empresas, André decidiu conhecer bem de perto o seu investigado.

- Hora da Ação.

Meia hora depois ele estava na beira do jardim aguardando a chegada da anfitriã junto com o sobrinho. Cruz não estava confortável e nem seguro quanto ao papel que deveria encarnar.

- Olá, doutor André, esse é meu sobrinho Carlos Manhãs.

Carlos estendeu a mão e o cumprimentou educadamente com sorriso de orelha a orelha.

- E ai, Carlos, então é engenheiro também?

- Estamos na luta.

- Então. – disse Roberta. – tomei a liberdade de chamar o senhor André aqui para quem sabe lhe passar preciosas informações sobre o ramo italiano em engenharia.

Carlos colocou às mãos nos bolsos.

- Essa é a poderosa senhora Manhãs. Sempre querendo ter o controle de tudo. – riu. – eu andei fazendo pesquisas também, passei meses buscando contatos e nada até que...

- Até que? – André olhou para Roberta.

- Bom, até que um amigo meu conseguiu um contato.

Silêncio.

- Mas e você? – Carlos voltou a sorrir.

Roberta se afastou.

- Vou deixar vocês conversando. Querem alguma coisa?

- Que tal um super suco natural de abacaxi? – sugeriu Carlos.

- Vou mandar preparar. – resmungou a idosa.

Carlos e André andaram lado a lado até saírem do sol. Eles ficaram na parte coberta onde há o chamado cantinho do Churrasco. É coisa rara a senhora Roberta reunir toda família para esse fim, mas por que não, não construi-lo? Cada um ocupou uma cadeira e seguiram com a conversa.

- Eu estou no ramo a mais ou menos cinco anos e estou gostando. O nosso país infelizmente não nos valoriza. Que mal lhe pergunte, como vai se sustentar na Itália? – André se preparou para a resposta.

Carlos se mostrou incomodado com a pergunta e demorou para responder. Ele olhou para os lados e diminuiu o volume da voz.

- Consegui uma grana. – sussurrou.

- Sério? – simulou André.

- Pois é. Eu nem deveria lhe contar essas coisas, afinal, acabei de lhe conhecer, mas enfim. Só peço que não fale nada para minha tia. Certo?

Cruz assentiu.

- Deve ser uma bolada. A Itália não é uma país onde as coisas são baratas. – o detetive queria mais, muito mais.

- Sim. Porém quando eu estiver bem estabilizado terei o prazer em devolver.

André apertou os olhos.

- Devolver toda grana?

Carlos agora se mostrou decepcionado, triste na realidade. O investigador também pode ver uma ponta de arrependimento nos olhos do rapaz. Carlos abaixou a cabeça e quando a levantou seus olhos estava vermelhos.

- Amo minha tia. Ela daria  sua vida pela minha. Tenho certeza que ela não se negaria em me dar o dinheiro, mas eu também acho que chega de ficar na sombra dela. Quero caminhar com às minhas próprias pernas. Sacou?

- Entendi.

- Por isso resolvi pedir dinheiro emprestado ao meu contato lá da Itália.

André Cruz pensou em dar por encerrada a conversa. Não,  Carlos não pegou o anel de Roberta como ele já havia  desconfiado. O grande desafio agora é convencer a senhora Manhãs sobre isso.

- Você é gente boa, Carlos. Não tenho dúvidas de que você ainda encherá sua tia de orgulho.

Ruborizado, Carlos o cumprimentou novamente.

- Valeu, cara.

 

*

 

De volta ao apartamento, André procurou deixar sua mente cem por cento focada na investigação que ele julga está próxima de seu desfecho. Carlos não é o ladrão e ponto final. Então quem é? Num momento de distração o detetive lembrou-se de Amanda e todo o mal que ele a causou, sou um idiota mesmo. Não. No momento ele não pode deixar que outros assuntos, principalmente os pessoais atrapalhem sua linha de raciocínio. Uma joia que vale milhões foi roubada e sua dona confiou a ele essa missão, ela poderia ter solicitado a polícia ou alguém mais capacitado.

André Cruz começou a ligar pontos que de repente podem lhe servir e muito. Quais a chance de Roberta ter mudado o lugar onde ela esconde o anel? Muitas. Qual a possibilidade de alguém descobrir esse novo esconderijo? Muitas também.  Um detetive pode confiar cem por cento na memória de uma senhora? Não. De ninguém aliás. Fato é,  ele precisa ir até o local e analisar com seus próprios olhos.

 

*

 

Roberta chegou às lágrimas ao abraçar seu sobrinho na chegada ao aeroporto. Movida por sentimentos que a corroem, a idosa chora copiosamente quase lhe pedindo desculpas por suspeitar dele.

- Calma dona Roberta, olha o coração. Eu volto assim que puder.

- Promete me ligar todos os dias? – disse soluçando.

- Claro, mamãe.

Nunes o motorista, precisou ser forte ao ter que segurar a velha que se derreteu em seu peito ao ouvir tal declaração.

- Chega de emoções por hoje. Nunes pode leva-la.

- Sim, senhor.

Carlos se foi deixando um buraco enorme no coração de Roberta. A tristeza é grande, porém o orgulho e o sentimento de missão cumprida é bem maior. A senhora Manhãs fez um bom trabalho. Não foi fácil ir de encontro quanto ao posicionamento dos filhos que não aprovaram sua decisão de cria-lo como se fosse seu filho. Valeu a pena. Voe alto, meu filho. Pensou já a caminho de casa. O telefone tocou.

- Detetive Cruz. Diga.

- Mudança de planos, senhora Manhãs.

- É só me dizer quais.

- Tenho que averiguar algo em sua casa.

- Ótimo. Quando?

- Agora, já.

Roberta aproveitou que seu motorista já a observava pelo espelho e deu sua ordem.

- Nunes, pise fundo.


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um Desafio para André Cruz - Capítulo 2

 


Um Desafio para André Cruz

Capítulo 2

 

Não é costume de André ficar tenso nos encontros com seus novos clientes, mas ao tomar conhecimento de que a poderosa senhora Manhãs o aguarda na próxima esquina, pode-se afirmar que o investigador está a beira do pânico. André a conhece das revistas e entrevistas que dava na TV. Ficar frente a frente com a mulher que no passado recente era temida, respeitada e também odiada por todas da alta classe não será uma boa experiência,  assim pensa o detetive.

Lá está ela. Roberta Manhãs. Vestida com um longo vestido liso bege, cabelos bem penteados e com os braços flácidos apoiando o corpo rechonchudo na bengala. Claro que uma idosa como Manhãs nunca estaria sozinha naquele estabelecimento. Seu motorista e guarda costa está praticamente colado a ela. Para não pegá-los de surpresa André acenou ainda de longe. Roberta parecia uma mulher de gelo.

- Como vai, detetive. Pensei que fosse um pouco mais velho.

- Espero que isso não seja um problema. – coçou a nuca.

- Eu também não. Vamos entrando. Espero que aprecie a comida. A aquisição desse lugar me custou os olhos da cara.

Roberta estendeu o braço livre para o guarda costa. O trio adentrou ao lugar. Cruz estava boquiaberto, o que o dinheiro é capaz de comprar. Eles ocuparam a mesa que fica exatamente no meio. Manhãs pediu uma tônica com gelo.

- O que vai querer investigador Cruz?

- Uma Coca-Cola, limão e gelo. – o rosto de André queimava de vergonha.

- Ótimo. – estalou os dedos.- espero que não se importe com a presença do Nunes. Ele é o meu anjo da guarda. – apontou para o homem parado a seu lado.

- Por mim tudo bem. – olhou para o sujeito que não esboçou qualquer reação facial.

Roberta Manhãs tem idade para ser talvez uma bisavó de André. Vendo-a como se porta à mesa o detetive sentiu saudades de sua saudosa vovó materna.

- Então, investigador, vamos direto ao assunto. Meu anel de brilhante sumiu. Foi roubado na verdade...

- Como tem certeza disso?

Roberta odeia ser interrompida, mas dessa vez reprimiu sua vontade de explodir e seguiu com o relato.

- Poucos sabem da existência desse anel e somente alguém bem próximo poderia ter roubado. No caso, o meu sobrinho Carlos. Foi ele.

- A senhora já o questionou?

- Não, mas tenho certeza que foi ele.

Ah esses idosos, quando cismam com uma coisa..., pensou André enquanto sua cliente falava.

    - Precisamos de provas, dona Roberta. As coisas não funcionam dessa maneira. Não podemos trabalhar em cima de especulações. Entende?

A paciência de Roberta estava perto de se esgotar. O pedido chegou bem na hora em que André ouviria poucas e boas.

- Foi exatamente por isso que lhe chamei, senhor Cruz. Quero que descubra quem roubou meu anel. Investigue meu sobrinho e verás que não estou especulando. Apesar de velha eu ainda não estou caducando.

A vontade de sair daquele lugar correndo foi grande. Por um segundo o detetive se lembrou do que seus avós maternos diziam, ouça sempre a voz da experiência. Pois é. Roberta pode estar velha, mas está lúcida e ainda lhe deu de graça uma linha de investigação. Melhor partir dela. A conversa ainda durou alguns longos minutos e por fim, a chefe da família Manhãs a deu por encerrada.

- Aguardo seu contato senhor Cruz. – falou levantando-se.

- Pode deixar.

Nunes, seu cão de guarda a conduziu até o carro. Em silêncio ele a pôs dentro do veículo no banco de passageiros. A idosa abaixou o vidro da janela do Corolla prata.

- Lembre-se, detetive. Dinheiro não é o problema. Estou disposta a pagar até cinco vezes mais do que o acordado. Mas eu preciso que encontre o miserável que roubou meu anel. Bom dia. Toque, Nunes.

Agora o pânico se instaurou de vez com essa declaração final de Roberta, encontre quem roubou o meu anel. E ela disse isso olhando André nos olhos. Uma cliente diferenciada, poderosa e principalmente autoconfiante. Cruz deixou aquele lugar ainda anestesiado com o encontro com Manhãs e porque não dizer com sua conta bancária uma pouco mais recheada. Roberta lhe pagou muito bem, sem miséria. Hora do encontro com Amanda.

 

*

 

Amanda é uma menina linda. É de se estranhar que ela durante todo esse tempo só tenha se envolvido amorosamente duas vezes. Para ela, o namoro é algo que vai além da curtição e longos beijos. Amizade, companheirismo e cumplicidade são coisas imprescindíveis. A recepcionista não gosta muito de apostar em relacionamentos, para ela iniciar um namoro, ela precisa estar segura. Ambos precisam ter os pés fincados no chão e isso ela viu em André.

- Oi. Demorei? – disse ele.

- Um pouco. – Amanda estava visivelmente irritada.

- Me perdoe. Eu estava trabalhando e...

- Tudo bem, André. Lá vem você com suas desculpinhas.

- Então você me chamou até aqui para me passar um sermão?  - o investigador também estava nervoso.

Eles ficaram em silêncio. Só depois de um tempo foi que ambos perceberam que haviam aumentado o tom de voz e todos naquela lanchonete prestavam atenção neles. Constrangedor.

- Vamos pedir alguma coisa?  - ela sugeriu.

- Sim, mas para viagem.

Meia hora depois Amanda se encontrava por baixo do detetive sentindo ele nela freneticamente. Ela bem que tentou resistir a tentação de ir para a cama com ele, entretanto a paixão falou mais alto em seu ouvido, vai valer a pena sua trouxa. E como valeu. André Cruz a fez chegar ao prazer várias vezes a deixando sem fôlego, nossa, quero esse homem só pra mim.

- Quando vai ser? – perguntou Amanda deitada sobre ele.

- Quando será o que?

- Quando vamos nos assumir de vez?

Boa pergunta! Na mesma hora Juliana Pereira, sua namorada, a mulher que ele ama de verdade brotou em sua mente. Sim, claro que o que ele vem fazendo com Amanda é de uma canalhice sem tamanho. Ela não o merece. André tem consciência de que precisa se libertar desse espírito de pegador nato. Todo pegador um dia acaba ficando sozinho, não há como fugir desse destino.

- O que te impede? – o beijou no peito.

- Sou meticuloso. Vai chegar a hora.

Lógico que houve o segundo tempo de um sexo pra lá de delicioso, porém Amanda seguia com um ressentimento que a incomodou durante todo o tempo. Na saída do motel André ainda tentou fazê-la confiar nele com palavras bonitas, porém vazias de qualquer sentimento. Amanda não lhe deu ouvidos.

- Vou te ligar mais tarde. Posso? – ela disse.

- Deve.

Após um beijo rápido eles se despediram. Cada um tomou seu rumo. André partiu atrás de seu suspeito e Amanda também.

 

*

 

Carlos Manhãs deixou a casa de Roberta por volta das 17 horas. Parecia com pressa. Entrou no veículo falando ao telefone e antes de ligar o motor ele seguia falando e gesticulando bastante.

- Você não sabe o trabalho que deu para conseguir isso. – disse saindo com o carro.

André registrou tudo usando sua fiel companheira, uma Canon 7d que lhe custou os olhos da cara na época. Assim que seu investigado deu uma certa distância ele autorizou que o motorista do Uber fosse atrás. Enquanto anotava suas ações afim de que, no fim do dia o relatório estivesse completo, André voltou a pensar em Amanda, seria melhor abrir o jogo com ela? Amanda não merece um cara igual a André. Ela é uma menina trabalhadora, dona de um futuro promissor e com certeza não encontrará dificuldades para conseguir um sujeito fiel a seu lado. Cruz é o que podemos chamar de homem galinha.

- O carro parou. – informou o motorista.

Foi como Cruz havia imaginado. Carlos desceu do veículo com o celular esmagando sua orelha esquerda, ainda falando e gesticulando absurdamente.

- Eu cheguei aqui agora. Vou falar diretamente com o gerente do banco.

André pagou a corrida e desceu. Caminhou até próximo do poste. Sacou seu smartphone. Claro. Nesses casos, um celular chama muito menos atenção. Fotografou e filmou. O trabalho de um detetive particular consiste no quesito paciência. Nunca, jamais e em tempo algum se pode agir por ímpeto. A palavra “espera” é a principal no vocabulário de um investigador. André Cruz permaneceu sentado na lanchonete ao lado do banco durante as quase uma hora em que Carlos Manhãs esteve na agência bancária. Deu tempo até de pedir um sanduba e suco.

- Pronto. – disse Carlos deixando o banco. – conversei com o gerente e aproveitei para fazer a transferência. Agora falta pouco.

Mais fotos e mais filmagens. Nessa hora o detetive gostaria de ser um mosquito só para saber qual o assunto. André deixou a lanchonete a tempo de conseguir ouvir Carlos dizer que estava voltando para casa.

Cruz chamou outro Uber. Dentro do veículo ele começou a rabiscar sua linha de investigação. Numa ponta ele escreveu o nome Carlos. Ao lado o nome e endereço do banco. Em seguida o contato misterioso pelo telefone, preciso descobrir quem é. Pronto. É o que André tem pra hoje. Foi um avanço? A voz eletrônica do aplicativo o fez voltar a realidade “você chegou ao seu destino”. André subiu correndo para o seu apartamento e vinte minutos depois Juliana apareceu. Ela aguardou alguns minutos perto do portão pacientemente. André voltou, a beijou e ambos saíram andando pela calçada abraçados como dois pombinhos. A muitos passos atrás, segurando o choro e a raiva está Amanda.

 

 

 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Um Desafio para André Cruz - Capítulo 1

 


Um Desafio para André Cruz

 

Como em todas às manhãs, após seu desjejum a base de frutas, torradas e chá, Roberta Manhãs caminha pelo jardim a passos curtos auxiliados por uma bengala. Ah às flores, como a matriarca da família Manhãs as ama. Roberta se lembra bem do dia em que o jardim foi construído, ela escolheu uma a uma das flores e exigiu que todas fossem bem cuidadas até depois de sua morte. A idosa é do tipo que conversa com plantas, ela sempre fez isso desde muito nova.

- Olá queridas, como estão essa manhã? – disse com sua voz grave e arrastada.

Roberta ainda falava com as flores quando um sujeito alto, esbelto e bastante bonito se aproximou.

- Bom dia, tia. Sabia que a encontraria aqui.

- Diga o que quer, Carlos. – a velha se inclinou para acariciar uma margarida.

- Nada de especial. Acho que vou viajar.

Roberta ergueu-se.

- Sério, e pra onde?

Carlos colocou as mãos nos bolsos e hesitante respondeu.

- Itália.

A matriarca tem o costume de arquear uma das sobrancelhas quando está irritada ou desconfiada de algo.

- Para Itália? Mas nós não temos parentes lá.

- Negócios. Descobri uma megaempresa que vem oferecendo ricas oportunidades de crescimento. Não posso perder essa chance.

Roberta deu de ombros e voltou a cuidar das flores.

- Se já está decidido... só me resta lhe desejar boa sorte.

Carlos respirou aliviado.

- Obrigado, tia.

Roberta Manhãs voltou para os seus aposentos. Estava cansada e suas pernas doíam demais. Ao sentar-se na beira da cama e olhar para o quadro onde o busto de Jair, seu finado esposo se encontra desenhado, a idosa lembrou-se do presente dado por ele quando completaram cinquenta anos de matrimônio.

- Sim, Jairzinho, sim.

Mesmo com dificuldade Roberta se levantou e andou até seu armário dispensando sua bengala. Ela o esconde muito bem a anos num lugar secreto no fundo do armário. Sempre quando quer conversar com seu saudoso marido ela o coloca no dedo anelar da mão esquerda e passa horas declarando seu amor por ele.

- Meu Jair. – balbuciou.

Não. O anel de brilhante não estava lá. Desesperada, a idosa se esqueceu das dores nos braços e jogou todas as roupas que estavam dobradas no chão.

- Não. Meu Jesus. – disse chorosa.

Apesar dos oitenta anos a memória de Roberta ainda está ativa. Para se ter uma ideia é ela quem faz os cálculos de todos os impostos e contas da casa. Roberta é praticamente uma calculadora ambulante.

- Meu Deus, roubaram meu anel. – falou ofegante.

 

*

 

Enquanto sente o calor que emana de Juliana sentada em seu colo, cavalgando feito uma verdadeira amazona, André Cruz se dá o luxo de pensar no que ele fez para merecer tudo isso. Juliana não é só um rosto bonito ela é também boa de cama. Prova disso é o fato deles estarem a quase três horas transando e ela não se cansa. Sou um privilegiado. A balconista chegou mais uma vez ao orgasmo e só depois da quinta vez ela resolveu sair de cima do parceiro.

- Uau, minha gatinha é uma máquina de sexo.

Juliana sorriu e o beijou.

- Pronto para o segundo tempo?

Cruz teve que admitir, ele estava diante de uma super mulher, sou mesmo um sortudo. Ele a envolveu nos braços e a beijou com paixão. Claro que André está apaixonado, louco pela loira de corpo perfeito.

- Acho que podemos recomeçar, mas dessa vez eu fico por cima. – falou o detetive.

- Já sei, gosta de me ver gemendo. Safadinho.

- É isso aí garotinha. – deu um tapinha nas nádegas.

André e Juliana resolveram tirar esse dia para se curtirem depois de um tempo de espera. Nas últimas semanas o detetive ficou com sua agenda lotada de trabalho e devido a isso o casal ficou impedido de se encontrar. Os contatos limitaram-se a troca de mensagens pelo Whatsapp. No momento a dupla de jovens só pensa em tirar o atraso de duas semanas sem sexo.

André Cruz chegou ao seu clímax assim que sua namorada o deixou respirar.

- Eita gatinha. Você é sensacional. – rolou para o lado.

Menos cansada, Juliana sentou-se e encostou na cabeceira. Ela vem de um relacionamento ruim, desagradável e também violento. Seu ex, apesar de bem sucedido, era um sujeito grosso e confuso, sem falar dos ataques constantes de ciúmes. Juliana era proibida de olhar para os lados quando estavam em lugares públicos onde haviam outros rapazes. As cobranças eram todos os dias. Por fim, ele era uma cara controlador.

- E ai, meu detetive particular. Estou com fome, vamos pedir alguma coisa ou eu terei que ir para a cozinha?

- Nem pensar. Que tal pizza?

- Pode ser. – deu de ombros.  – vou pro banho. Você vem?

André ao pegar o celular, viu que havia uma mensagem de Amanda. Na mesma hora seu coração disparou.

- Vai indo. – disse abrindo o aplicativo.

Oi. Você anda sumido. O que houve?

Cruz não estava nem um pouco afim de responder. O lance entre Juliana e ele está realmente valendo a pena.

Ando meio atarefado. Respondeu.

Amanda está online e começou a digitar.

Podemos nos ver hoje a noite. Acho que consigo sair mais cedo da clínica.

Juliana é uma gatinha, linda e gostosa pra caramba, mas Amanda também não fica atrás. Esse é o mal de todo homem, nunca está satisfeito com nada.

Claro que podemos. Te pego ai mais tarde. Vibrou.

Legal. Ansiosa. Beijos.

Aonde isso pode dar? Claro que André sabe onde isso pode acabar. Sem nenhuma das duas, com certeza. Mas o que vale para um jovem como ele é o momento. O presente é o que vale. Juliana e Amanda. Duas mulheres que de repente é o sonho de muitos homens. Assim que encerrou a conversa com Amanda o celular tocou o assustando.

- André Cruz investigador particular. Em que posso ajudar?

- Bom dia, investigador. Sou Roberta Manhãs. Gostaria de lhe contratar. Quando e onde podemos nos encontrar para acertarmos os detalhes?

 

*

 

Carlos Manhãs cresceu distante de seus pais biológicos. Quando ainda era um recém nascido, Roberta o pegou para criar visto que não havia condições alguma de sobrevivência no local onde seus pais viviam. Porém, desde sempre Roberta fez questão de lhe dizer que não era sua mãe e também nunca o proibiu de visitá-los. Carlos cresceu em lar estruturado, com fartura, estudou nos melhores colégios e  pode se formar em engenharia numa das maiores universidades do país, tudo custeado por tia Roberta, a poderosa senhora Manhãs como ele a costuma chamar. Agora Carlos que alçar voos mais altos. Europa. Esse é o seu destino. Sair de baixo das asas da matriarca e construir sua própria história. Esse sonho foi adiado diversas vezes por falta de grana e agora que ele a tem, nada e ninguém vai impedi-lo de sair do país.

- Por favor. Gostaria de comprar uma passagem para Roma, Itália. – fez uma pausa. – Não. Só de ida. – outra pausa. – ótimo. Finalizo pelo site. Obrigado.

Carlos deixou o celular no canto da escrivaninha e abriu o notebook. Agora ninguém te segura Carlão.