domingo, 7 de junho de 2020

Veneno Negro - Capítulos 1 2 e 3


VENENO NEGRO

Foi um dia bastante conturbado para Samanta. Logo de cara, assim que chegou a lanchonete onde trabalha como garçonete, seu gerente a chamou atenção por não conseguir chegar no horário combinado no dia anterior. Foi uma bronca daquelas na frente dos demais funcionários. Em seguida ela errou o pedido de uma das mesas. A pessoa pediu um hambúrguer de carne de frango e ela lhe entregou um de carne bovina, além do suco sem gelo. Isso também lhe rendeu outra bronca. A tarde ela foi direto para a faculdade onde estuda nutrição a dois anos. Samanta quase teve um ataque do coração ao abrir sua mochila e perceber que o trabalho não estava lá. Era um trabalho mega importante, sua passagem para o período seguinte dependia e muito dessa tal tarefa. Enfim. Foi complicado viver esse dia.
     Na saída da universidade, exausta, com fome e principalmente louca por um longo banho, Samanta dispensou a resenha com as colegas de classe e foi correndo para o ponto de ônibus.
      - Tchau, meninas. – disse colocando a mochila nas costas.
      A faculdade fica num bairro bem próximo a uma comunidade onde já houve inúmeros assaltos e arrastões. Samanta chegou ao ponto de ônibus que se encontrava vazio. Preocupada, ela olhou para toda a extensão da rua na tentativa de ver algum rosto conhecido. Nada. Ela não viu ninguém. Pegou rapidamente o celular no bolso de trás da calça jeans colada a qual valoriza sua protuberância. Samanta consultou o horário e também se surpreendeu ao ver uma mensagem de Carlos, seu namorado. Sim, o namoro não está legal. Carlos é um cara muito bacana, porém o ciúme doentio vem abalando e muito o relacionamento. Ela leu a mensagem, “Oi, quanto tempo hein!”. Samanta riu. Já faz uma semana desde quando eles tiveram a última briga. Carlos foi embora naquela noite enfurecido, e olha que eles haviam transado gostoso dentro do carro dele. Hesitante ela começou a digitar, “Oi, não posso falar agora, estou saindo da faculdade”. Voltou a rir. No fundo no fundo ela ainda gosta daquele canalha. Carlos ficou online e respondeu, “posso te passar ai? Peguei o carro na oficina hoje”. Por dentro Samanta estava explodindo de alegria, nada como uma trepada deliciosa depois de um dia como esse.
*

Vinte minutos depois Samanta se encontrava bem a vontade dentro do Sandero grafite de Carlos. Uma semana sem vê-lo, uma semana sem ouvir sua voz, uma semana sem transar, Samanta confessa que sentiu muita a falta desse chato de galocha.
      - Não me ligou por que? – perguntou Carlos olhando para frente.
      - E você, por que não me ligou também?
      - Você é muito orgulhosa, não acha não? – reduziu e fez a curva.
      - Orgulhosa? Eu? Fala sério. – cruzou os braços.
      - Nem sentiu saudade, sentiu?
     Samanta sabia aonde essa conversa iria chegar.
       - Se liga, Carlos, se você veio até aqui para brigar, pode me deixar em qualquer lugar que eu sigo sozinha.
       O Sandero parou no acostamento. O motor foi desligado e Carlos olhou para sua namorada faiscando.
       - Pode ir me falando com quem você ficou a semana toda. Vamos.
       Samanta riu de nervoso não acreditando no que estava acontecendo.
       - Pelo amor de Deus, Carlo, eu tive um dia de cão hoje. Eu só quero chegar em casa e dormir. Por favor.
       - Fala logo. – a golpeou no rosto com um forte soco.
       Mesmo atordoada Samanta ainda tentou abrir a porta do carro, mas foi impedida. Carlos a socou novamente no rosto. O nariz da universitária sangrou quase que na mesma hora.
       - Socorro! – gritou.
       - Você vai falar. – mais um soco no rosto da namorada.
      Claro, não foi a primeira vez que Carlos bateu em Samanta, porém hoje ele está ainda mais raivoso, ainda mais violento. O sangue escorreu do nariz e manchou sua blusa. As agressões continuam até que algo ou alguém tocou no vidro do motorista. Ao se virar, Carlos deu de frente com um sujeito mascarado, todo de preto, com uma caveira desenhada no lugar do rosto.
      - Mas que merda é essa? – falou sob os gritos de Samanta.
      Sentindo que Carlos iria ligar o carro, o tal mascarado socou o vidro o quebrando. Carlos foi agarrado pelo colarinho e puxado. Samanta acompanhou tudo apavorada. Lá fora seu namorado era interrogado.
      - Quero saber o que aconteceu para você agredi-la. – o segurou pelo pescoço.
      - Vá a merda, eu não lhe devo satisfação. – disse tremendo.
      Carlos teve o nariz quebrado tamanha foi a violência empregada no soco.
      - Resposta errada. Vamos tentar outra vez. Você costuma bater em mulheres?
       - Vá pro inferno, você quebrou o meu nariz.
       O mascarado desferiu outro soco, dessa vez no estômago. Carlos dobrou o corpo e recebeu uma joelhada. O rapaz urrou segurando o rosto. Mais dois murros e finalmente o namorado de Samanta caiu no asfalto apagado. Ele olhou para dentro do carro e Samanta o estava filmando com o celular.
       - Quem é você? – perguntou quase chorando.
       - Fique tranquila, seu namorado ficará bem, ele só desmaiou.
       - Quem é você, droga? – gritou ainda filmando.
       - Esse vídeo vai parar na internet não é? Então tá legal. Pode me chamar de o Veneno Negro.
       - Meu Deus, o justiceiro tão temido?
       - Moça, gostaria muito de ficar e bater um papo, mas tenho que ir.
      O mascarado desapareceu deixando Samanta boquiaberta. Veneno Negro, quem é ele? De onde veio? O que ele pretende fazer? A universitária salvou o vídeo antes de sair e prestar socorro ao namorado valentão. FIM.

Veneno Negro 2

A viatura policial parece voar cortando o asfalto. A perseguição se torna cada vez mais perigosa a cada quilômetro rodado. Na condução do automóvel se encontra Davi Silva e a seu lado, se borrando de medo o soldado recém incorporado Igor que se segura como pode no banco do carona. Logo a frente dois meliantes, jovens, de altíssima periculosidade, em fuga carregando com eles toda a renda do dia de um posto de gasolina. Davi trocou de marcha e pisou ido fez com que o estômago de seu parceiro encostasse na garganta.
    - Você é louco? – gritou Igor.
   - Eu já conheço esses moleques, sem dúvida eles estão indo para a favela. Temos que pegá-los antes disso. Se segura.
    Os bandidos estão em vantagem. Além do carro ser mais potente, ele também está em melhor estado de conservação. A bandidagem não tem nada a perder, nem com que se preocupar, ao contrário da polícia que precisa tomar certos cuidados para que civis não se transformou em vítimas.
     - Ei, cara, os vermes estão nos alcançando. – disse o carona.
     - Merda, diga uma coisa que eu não saiba. - vociferou o motorista.
     - Melhor abrir fogo?
     - Pensei que já tivesse dito isso. Tá esperando que idiota?
     Uma metralhadora de fabricação russa é sacada do banco de trás. O carona colocou metade do corpo para fora e apertou o gatilho. A lataria da viatura em questão de segundos virou peneira. Davi por um instante perdeu o controle do carro que quase colidiu contra a mureta.
     - Davi, vamos pedir reforços, eles tem maior poder de fogo.
     - Dá pra falar a boca? – acelerou.
     Mais uma forte rajada e é claro que o carro não suportou, logo uma cortina de fumaça encobriu a visão do policial ao volante. Davi foi obrigado a jogar para o acostamento cuspindo marimbondos.
     - Temos que conseguir outro carro. Desça, vai. – gritou.
     Assim que colocou o coturno no asfalto uma motocicleta passou em alta velocidade. O piloto tinha o rosto coberto por uma máscara de caveira. Igor olhou para seu superior boquiaberto.
     - Você viu o que eu vi?
     - Cara, eu não estou acreditando, é o Veneno Negro, ele vai pegar os caras. Vamos nessa, anda.

*

Ainda comemorando o fim da perseguição, os meliantes avistaram outra ameaça e dessa vez eles tiveram que tirar o sorriso da boca. Veneno Negro, como um demônio veloz cortava outros veículos com sua moto barulhenta causando espanto em todos.
    - Estamos ferrados, cara, aquele mascarado vai matar a gente.
    - Não se você atirar. Bala nele. – berrou.
   Mais uma vez a metralhadora entrou em ação, porém sem sucesso. Veneno jogou a moto para a direita e a empinou. Sacou de dentro da jaqueta uma magnum 44. O disparo acertou o ombro do vagabundo que deixou a arma cair.
     - Acho melhor procurar ajuda. – zombou.
    Desfalecendo o marginal voltou para dentro do carro.
     - Ele me acertou. – colocou a mão na ferida. – já era.
     - Eu não fui tão longe para desistir agora. Pega a doze e acabe logo com esse maluco.
     O mascarado atirou novamente explodindo o vidro traseiro e depois sinalizou para que parassem. Não houve acordo. Hora de entrar na brincadeira de uma vez. Um helicóptero veio ao encontro sobrevoando e jogando uma sua luz ofuscante em ambos. Um carro de passeio conduzido pelos agentes que iniciaram a perseguição os alcançou e deram um apoio ao vingador mascarado. Davi buzinou para Veneno.
     - Estamos juntos nessa. – gritou.
     O bandido ferido disparou a calibre doze duas vezes. A moto ziguezagueou na pista. Outros disparos e Veneno Negro decidiu fazer algo jamais visto. Ele acelerou e fez um grau e subiu no carro. Pegou a quarenta e quatro no coldre e atirou. O sujeito já ferido teve o crânio estourado espalhando sua massa encefálica até no rosto do companheiro de crime. Do outro lado os policiais vibraram com a ação.
    - Sou fã desse louco, viu o que ele fez?
    - Eu só vi isso no cinema. – declarou Igor.
    Apavorado o outro comparsa parou o veículo abruptamente. Pegou a bolsa com a grana e saiu largando o automóvel no meio da estrada com o cadáver dentro. O mascarado  só teve o trabalho de acelerar e atropela-lo.
     - Que estupidez. – disse passando em cima das duas pernas do jovem.
     Veneno Negro desceu da moto. Vendo que o bandido ainda tentava se levantar correu e o chutou com força no rosto. Ouviu-se um barulho de dente se quebrando. Ele o segurou pela camisa e desferiu um potente direto. Não satisfeito outro soco foi dado.
      - Eu odeio ladrões, sabia. – soltou o corpo e pegou a bolsa com o dinheiro. – mais que mixaria é essa. – mais um chute no rosto. Jogou as notas para o alto. – seja feliz na cadeira. – acenou para os agentes.
     Quando a polícia chegou Veneno Negro já havia desaparecido. O helicóptero pousou no canto da estrada. Davi e Igor olharam para o rapaz esparramado no chão com o rosto arrebentado.
      - Caramba. – começou Davi. – prato cheio para a imprensa amanhã, não acha?
      - Já estou até vendo a manchete na primeira página, O justiceiro mascarado atacou novamente. – gesticulou. FIM
Veneno Negro 3

Pensa que é fácil arriscar a vida em prol de outras? Até mesmo para alguém como André Cruz que é nutrido pelo caos, pela violência, o fato de encarar de frente bandidos sanguinários se torna a pior missão do mundo. Agora que começou não pode mais parar, por incrível que pareça a cidade de Nova Emaús precisa dele, ou melhor, do Veneno Negro. Ao chegar em seu esconderijo, a primeira coisa a fazer é arrancar a máscara e olhar para ela. A caveira desenhada tem um olhar profundo, inquietante, ela talvez queira falar algo. André a coloca sobre a mesa e anda até o que parece ser um banheiro, ali ele esvazia sua bexiga, até os “heróis” mijam, e daí?
     André tem plena convicção de que Nova Emaús não o considera um salvador, não ainda. Tudo soa muito estranho para população. Sampaio Mello virá atrás dele, disso ele não tem dúvidas. O novo chefe de polícia é um sujeito implacável, não permitirá que um justiceiro faça o trabalho da polícia jamais. E agora, como encarar essa realidade? A melhor coisa a se fazer é deixar correr, isso só o tempo dirá.

*

Alto, branco, sem barba e nem bigode, cabelos cortados a máquina, uma impecável postura, típica de quem serviu as forças armadas durante anos, esse é o mais novo chefe de polícia de Nova Emaús, o ex capitão do exército Ronaldo Sampaio Mello. Ronaldo assumiu o posto depois que seu antecessor foi exonerado por corrupção ativa. Sampaio Mello é linha dura, de poucas palavras, ama o que faz e tem um tremendo sentimento de fazer justiça. Ele era tudo que uma cidade precisava, um xerife.
     Em seu discurso de posse ele enfatizou a questão de dar tranquilidade e paz aos habitantes e também o combate na mesma proporção aos criminosos.
     - Que fique claro. Se os inimigos nos atacarem com bazuca, nós iremos revidar usando um tanque de guerra. Não podemos ficar reféns de terroristas. Enquanto eu for chefe de polícia aqui em Nova Emaús a conversa será desse forma.
     Devidamente empossado, Sampaio Mello reuniu seus homens em seu gabinete. Ele quer saber a fundo quem é Veneno Negro.
     - Não sabemos muita coisa, chefe, eu só sei que ele vem caçando a bandidagem. – argumentou um investigador.
     - Você tem noção de que ele vem fazendo o seu trabalho? – se sentou em sua própria mesa e cruzou os braços. – caramba, nós somos polícias, nós somos os caçadores aqui e não ele. – fez um pausa. – quando você não exerce o poder, alguém vai exercer o poder sobre você e eu não estou aqui pra isso. Vamos prender os mal feitores e iremos prender Veneno Negro também.
      E assim começou uma nova era, a era Sampaio Mello. Em todo o lugar que se olhava, cada ponto existia um ou duas viaturas da polícia, o estado sempre presente, finalmente uma cidade segura? A ilha da fantasia? Claro que não. No alto de um edifício alguém com seu olhar tenebroso acompanha o cerco policial. Seu alvo se encontra dentro do DPNE liderando essa raça de vermes uniformizados. Montado, posicionado em cima do tripé está seu rifle, aguardando para cuspir fogo contra Sampaio Mello. Ele olha para o seu armamento e mudou de ideia. O atirador decide causar uma tempestade antes de colocar a cereja em cima do bolo. Um silenciador é adaptado. Através da mira o seu alvo, ou melhor, dois alvos. Chamar atenção esse é o seu objetivo.
     Um dos policiais observa a movimentação de civis e se distrai com o rebolado de uma morena transeunte. O outro, do lado direito da viatura também perdeu o foco por causa do traseiro exagerado da moça.
     - Eu deixaria minha mulher por ela, e você? – falou o da esquerda.
     - Para de falar besteira cara.
     - Só me faltava essa, agora você vai dar uma de moralista? Pra cima de mim? – soltou uma gargalhada ao mesmo tempo em que seu peito explodiu.
     Confuso, o agente da esquerda sacou sua arma e foi em socorro do companheiro. Sua cabeça também explodiu em uma fumaça rosada e seu corpo desabou no capô do carro. Os que passavam na hora entraram em pânico, outros pegavam seus celulares solicitando a vinda de uma ambulância. Dois policiais mortos, duas baixas. O atirador se sentiu orgulhoso de seu feito. A isca foi lançada, resta esperar se o tubarão vai mordê-la. FIM