LINHA POLICIAL
Parte três
Completo
Linha Policial 3
Dentro do
depósito, exatamente no interior da van, Romão não faz ideia do que acontece lá
fora, tudo o que consegue ouvir são os disparos. Nada passa pela sua cabeça a
não ser o fato de conseguir sair vivo dessa, mais nada. Olhando para fora ele
sente vontade de abandonar o barco. Agora é cada um por si, o caldo entornou
realmente. Assim que ele vê um de seus soldados ser baleado no peito e depois
na cabeça ao lado do portão, Félix teve a confirmação de que já não há motivo
para ficar ali. Enquanto isso, cabo Almeida e Araújo seguem inutilizados
acompanhando tudo com olhos esperançosos. Essa é a força que os move.
Lá fora o
segundo grupo entrou pelo fundos. Dez polícias portando fuzis, capacete e
coletes. Um marginal tentou impedi-los de seguir com a invasão atirando da
parte alta do depósito onde eram colocadas madeiras. Essa é a vantagem de ser
preparado. Tudo que um policial quer é saber sua localização e isso ele
consegue quando o oponente atira. Imediatamente o vagabundo foi abatido por
vários.
- Agente
Alves, estamos dentro e aguardando ordens. – falou o líder do segundo grupo
pelo rádio.
- Positivo
zero um, siga avante.
Damião
Ramos trocou de arma. Vestiu o colete e se apressou caminhando pela lateral do
depósito. A montanha gigante adora esse tipo de operação, o faz sentir vivo,
útil. Apesar dos quase cento e cinquenta quilos, até que ele se movimenta bem e
rápido. Elemento surpresa, é o que ele gosta de ser. Assim que alcançou a
metade do caminho ele sentiu a necessidade de pular o muro e lamentou o fato de
estar a cima do peso.
- Merda!
Não vendo
alternativa, o chefe de polícia de Luzia andou em direção aos fundos segurando
firma sua calibre doze. Ao dar dois passos, um bandido saltou de dentro para
fora, fugindo do confronto.
- Parado! –
gritou Ramos.
O sujeito
também é alto e durante a fuga ele deixou sua arma cair. Temendo ir para cadeia
ele partiu pra cima do agente com socos e chutes. Fazia tempo que Damião não
participava de uma boa briga. Ele adorou isso. Dois monstros trocando violentos
golpes no meio do mato. Ramos foi atingido no nariz e boca, mas não caiu.
Enfurecido, o bandido tentou finalizar a luta aplicando um gancho que passou no
vazio. Com isso o sujeito baixou a guarda. Um oportunidade de ouro para o
policial que desferiu um cruzado de direita que fez a mandíbula de seu oponente
deslocar. O homem já estava fora de combate, porém o chefe o finalizou de vez o
chutando no rosto. Pronto, apagado.
*
Outra onda
de vontade de colocar tudo pra fora, mas Janaína segurou as pontas. O mais
incrível nessa história toda é que o mal estar e até mesmo o enjôo vem
diminuindo gradativamente. Muito estranho. Ela segue acompanhando os
acontecimentos na operação de resgate aos agentes sequestrados que a todo
instante as emissoras locais interrompem a programação para exibir as
informações. Quanto a gravidez, bom, ela gostaria muito que não fosse verdade.
Ser mãe agora não seria uma boa ideia. Janaína sabe que com passar do tempo as
coisas irão mudar e que com certeza ela criaria um laço com a criança, porém,
até isso acontecer, muitas outras coisas desagradáveis estariam na frente. E se
de fato ela tiver grávida, qual sexo a jornalista gostaria que fosse? Um
garoto, arteiro, parecido com o pai? Lógico que não. Lopes sempre teve
preferência por uma menina. Segundo os mais velhos, menina é mais calma que
menino. Se isso é verdade ela não sabe, visto que ela mesma foi uma garota
hiper, mega agitada na infância. Todos esses pensamentos se foram quando mais
uma vez o plantão de notícias entrou no ar ao vivo.
- A polícia
acabou de prender mais um do bando de Romão Félix. Podemos ver nas imagens o
chefe de polícia, Damião Ramos conduzindo um bandido.
Janaína
sentiu os músculos se retesarem.
- E agora
podemos ouvir mais disparos vindos lá de dentro do depósito. – a voz do
repórter é alta e trêmula. – e acaba de chegar a informação de que os policiais
entraram e estão efetuando mais prisões.
Paulo está
lá dentro, pensou ela. Não há como ligar para ele agora. Janaína se pegou
apertando os braços de sua cadeira tamanho a sua apreensão. Só lhe resta
somente torcer para que seu namorado volte para casa hoje.
*
Paulo e
mais dois PMs buscam pelos amigos dentro daquela imensidão. Romão ainda os
mantém em cativeiro dentro da van. Aos poucos o lugar vai sendo tomado por força
policial. Damião voltou para o combate disposto a por um ponto final nessa
história. A troca de tiros cessou, pelo menos por enquanto. O chefe se juntou
ao grupo de Alves.
- Algum
progresso?
- Lá trás o
pau tá comendo, Félix não vai conseguir resistir por muito tempo. – Paulo falou
abaixado.
- Recebi
informação de que lá trás há vários veículos parados, acho que estão planejando
uma fuga. O apoio aéreo já está chegando.
- Almeida e
Araújo estão lá, eles correm perigo.
Enquanto
conversavam, o helicóptero despontou a
uma altura abaixo do norma. Isso deu um novo gás na tropa e deixou os marginais
apavorados. Romão, ao ver a aeronave, ligou o motor da van. Xingando absurdos
ele se virou para os agentes.
- Vamos dar
uma voltinha.
Araújo
olhou para Almeida. Ambos trabalham juntos a muito tempo. Tempo o suficiente
para saber o que o outro está pensando apenas com o olhar. Romão saia com o
carro quando um ficou de costas para o outro. Almeida foi afrouxando às cordas
que apertam os pulsos de seu soldado. A ferida arde, mas Araújo não se importa.
Almeida está nervoso, apreensivo, quer livra-lo logo antes que Félix saia de
vez os levando sabe-se lá para onde. O sangue atrapalha, faz com que seus dedos
fiquem escorregadios. Pela primeira vez em dias, Araújo sente o sangue circular
pelos seus pulso e isso o deixou aliviado. Ele fez uma pouco mais de força e
pronto, estava livre das cordas. Existe uma guerra lá fora e ele é um soldado.
Lugar de soldado é na guerra.
A van aos
poucos vai se movimentando, meio sem rumo, isso por causa de seu condutor que
se encontra com os nervos a flor da pele e nem percebe que seus dois
prisioneiros já se encontram em liberdade. Pelo alto o helicóptero da polícia
deu um rasante assustando até mesmo seus companheiros. Paulo é chamado no
rádio.
- Alves na
escuta!
- Identificamos
uma van, prata, em movimento, senhor. Ela se encontra lado esquerdo, temos que
agir rápido.
- Copiado.
Damião ao
olhar para Paulo entendeu o recado. Seus homens estão nessa van e Romão pensa
em levá-los. A ação pede urgência. Os familiares dos agentes não podem mais
sofrer com essa situação. Paulo reorganizou o grupo. Instruções foram passadas.
Todos entenderam. Vamos em frente.
O plano de
Araújo é usar às cordas para enforcar o inimigo. Almeida ainda segue tentando
desatar os nós das cordas que prendem seus pés. Eles voltam a se comunicar com
os olhos. Cabo Almeida apertou os lábios. Esse ato pode ser arriscado, mas, é
preciso fazer alguma coisa. Araújo agora está livre. Sente algum dor, mas
consegue entrar na briga. Romão olhou no espelho interno e viu o policial
enrolando a corda nas mãos.
- Mais que
merda é essa?
Girou o
pescoço ao mesmo tempo em que o agente o atacou. A van ficou desgovernada.
Outro rasante do helicóptero. A corda grossa fez com que a pele do pescoço do
bandido ficasse enrugada.
- Morre,
desgraçado! – gritou Araújo.
Os olhos de
Félix estão totalmente abertos, parecendo duas lamparinas acesas. Ele arca,
tosse e se debate. Ele sente que seu fim está próximo, por isso resolveu
apelar. Romão não está disposto a morrer sozinho. Seu pé esmagou o acelerador.
O veículo atravessou todo o depósito passando por cima de madeiras, resto de
pedras e até mesmo comparsas. Almeida conseguiu se livrar das amarras e em
auxílio ao soldado começou a socar o rosto já avermelhado do marginal. Nesse
curto espaço a van alcançou uma velocidade acima dos setenta por hora indo de
encontro ao murro. Félix, sendo asfixiado, ainda tentou pegar sua arma, mas sem
sucesso. Lá fora um PMs foi arremessado pela van em alta velocidade contra um
monte de tijolos ficando gravemente ferido. Fim da linha. Almeida, Araújo e
Romão Félix, ambos gritam de desespero ao verem que irão colidir fortemente. A
pancada foi tão violenta, que a van atravessou o muro, arrastou outras viaturas
e se chocou contra uma árvore.
*
Janaína
está boquiaberta. Tudo foi transmitido ao vivo. Imagens impressionantes. Um dos
moradores flagrou o exato instante que o corpo do motorista da van foi lançado
pelo para-brisas se arrebentando contra o tronco da árvore. Como fogo em
palheiro, o vídeo já circula por toda Luzia. A namorada de Paulo Alves também
assistiu o chefe Damião auxiliando na retirada dos feridos da van junto com
ele, seu quase pai de seu filho. A emissora de maior audiência conseguiu uma
entrevista exclusiva com Alves perto das ambulâncias.
- Detetive,
nos dê seu parecer quanto essa operação, por favor.
- A
operação foi sucesso. – Paulo parece nervoso.
- Alguns
disseram que a operação foi desastrosa. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
- O que eu tenho
a dizer é que hoje, duas famílias irão dormir em paz, sabendo que o pai, o
filho, foi tirado das mãos de um maníaco. Romão Félix havia comprado três
toneladas de cocaína pura para vender para os nossos jovens e graças a essa
operação desastrosa, essa droga estará fora de circulação.
Janaína
vibrou sozinha.
- Dá-lhe,
amor!
Assim que
se afastou dos jornalistas, Paulo foi abordado por Ramos.
- Araújo
sofreu ferimentos leves e algumas escoriações, terá que ficar em observação. –
colocou às mãos na cintura.
- E
Almeida?
- Quebrou
uma perna e alguns dentes, luchou o ombro também. Vai ficar bem. – fez uma
pausa. – e você, está bem?
- Sim,
estou sim. E o Romão? – Olhou para a árvore com a mancha do sangue.
- Já era. –
expirou. – a pancada foi forte na cabeça, houve perda de massa e...
- CPF
cancelado. – sorriso enviesado.
- É, isso
mesmo. Menos um vagabundo fora de circulação. Luzia é a minha cidade, a nossa
cidade. Fizemos um juramento, Alves. Servir e proteger. Eu levo esse juramento
muito a sério e agradeço a Deus por colocar homens como você que honram a farda
que vestem, o distintivo que carregam e a bandeira do nosso estado. Parabéns,
detetive Paulo Alves, fez um ótimo trabalho. – estendeu a mão.
Foi mais
que um aperto de mão. Segurar a enorme mão do chefe Ramos foi estabelecer uma
aliança contra o crime organizado. Luzia tem heróis, protetores, soldados
prontos para defender sua terra. Paulo Alves e Damião Ramos. Eles podem não
conseguir mudar o mundo, mas, se esse mundo for o lugar onde vivem, há, isso eles
tentarão fazer. Paulo foi para casa feliz ao quadrado. Ele estava louco para
ver sua mulher, sua pretinha – como costuma chamá-la. Janaína pode estar
grávida de um filho ou filha dele. Paulo está radiante. O policial não gosta de
deixar o carro na calçada, sempre preferiu guardá-lo na garagem, mas hoje o dia
é especial.
Janaína
estava na sala segurando um teste de gravidez cabisbaixa. Ela olhou para o
namorado com olhos úmidos.
- O que
houve, mamãe do ano? – a beijou na testa.
- Veja você
mesmo. – o entregou.
Paulo ficou
olhando o objeto como se tivesse hipnotizado.
- Acho que
o título de mamãe do ano terá que ficar para uma próxima vez.
- É. –
deixou o teste sobre a mesa. – negativo. Mas, o que houve com você na verdade?
– se sentou no braço do sofá.
- Intoxicação
alimentar, eu acho. Horrível, não gosto nem de lembrar.
- Foi ao
médico? – cruzou os braços.
- Não. Nada
que um bom chá não resolva.
Alves
abaixou a cabeça. Janaína se levantou e o abraçou.
- Termos um
bebê, em breve, seja paciência. – o beijou na boca.
- Te amo,
pretinha.
- Também te
amo, herói de Luzia. Agora me conte tudo o que aconteceu na operação.
- Há, foi
complicado, mas no final deu tudo certo. – se levantou. – vamos pro quarto, te
conto com mais detalhes lá.
- Ah, sim,
conheço esse truque. – riu. FIM.
LINHA POLICIAL 3
Paulo Alves
O sonho de
toda mulher é a maternidade. De repente esse sonho pode não estar em primeiro
plano, mas de qualquer forma ele sempre se faz presente na vida de todo ser do
sexo feminino. No caso de Janaína, a maternidade se encontra fora de seus
projetos – pelo menos por enquanto. Só em pensar que há uma grande
possibilidade dela daqui há nove meses ter nem seus braços um bebê exigindo
dela todo o seu tempo, a jornalista entra em crise.
- Não, isso não pode ser verdade, é apenas
um mal estar passageiro. – falou sentada em sua mesa na redação.
Quem ficará feliz em saber será Paulo que já
declarou que gostaria de construir uma família com ela. Casar, morar juntos e
dividir às contas, até aí tudo bem, mas ser mãe agora já é demais.
- Como pude dar um mole desse? – sacudiu a
cabeça.
Um simples e barato teste de farmácia
acabaria com essa dúvida, porém o que a maltrata é justamente o processo de
sair e ir até a drogaria. Serão momentos torturantes, angustiantes esses poucos
metros até lá. Como trabalhar com a cabeça girando a mil por hora? Seria viável
ligar para Paulo e deixá-lo a par disso? Depois de refletir um pouco Janaína
achou melhor não atrapalha-lo em sua missão. Ela até tentou voltar a trabalhar
digitando sua matéria, mas a ansiedade foi mais forte e ela correu para a
farmácia.
*
Paulo Alves
voltou para o ponto de observação, um prédio modesto que fica em frente ao
prédio onde Romão mora. Tudo o que ele conseguiu obter de informação até agora
foi saber que Félix adora farra com prostitutas e que diariamente ele pede
comida pelo aplicativo. Alves sabe que para prender um sujeito feito Félix é
preciso mais do que ficar ali, pendurado na janela observando suas
movimentações. É preciso descer e agir. As vezes a vontade é de ir até lá,
tocar o interfone e algema-lo, mas isso não seria inteligente, esse ato faria
com que o efeito surpresa fosse por água a baixo. Paulo Alves tem um lema que
ele faz questão de lembrar quando está a ponto de cometer uma idiotice. Quem
troca tiro com vagabundo é policial burro. Por essas e outras razões que ele
permanece ali, sentado, aguardando uma oportunidade para dar o bote certo.
Quem espera sempre alcança, ou morre
esperando, e às vezes consegue êxito. Por volta das dez da manhã Romão Félix
recebeu em seu apartamento um sujeito esquisito, alto e sem muito jeito para
andar. Não se passaram cinco minutos e logo ele deixou o prédio. O policial
deixou seu equipamento e desceu de dois em dois degraus chegando na calçada
ainda pouco movimentada devido ao horário. Paulo estava quase correndo quando
faltava poucos metros até o esquisito.
- Amigão! – disse Alves.
O cara era ainda mais estranho de perto.
- Diga?
- Sou sobrinho do Romão.
O homem apertou os olhos.
- Acabei de sair de lá e ele estava
sozinho. – retrucou.
- Eu estava no banheiro. – falou
rapidamente. – eu não pude deixar de ouvir e, é isso mesmo?
O rapaz deu dois passos para trás.
- Isso o que?
- É que eu estou afim de fazer parte, só
que meu tio prefere que eu vá estudar na exterior e você sabe como é.
O bandido mediu Paulo com os olhos da
cabeça aos pés.
- Verdade, seu tio tem razão, você não tem
perfil de traficante.
Alves se sentiu um jogador que acabará de
fazer um golaço.
- Poxa, você poderia convencê-lo a me
aceitar. – fez cara e voz de pena.
- Moleque, são duas toneladas de cocaína
pura, um plano brutal, seu tio não precisa de você, ele precisa de caras como
eu e outros. Vá estudar, vai ser bom pra você. Agora me deixe em paz. Fui!
Outro golaço e dessa vez olímpico. Assim
que o marginal se distanciou Alves balbuciou.
- Te deixar em paz? Claro que vou, lá na
prisão.
*
Paulo Alves
é a pura personalização do que chamamos de empolgação. Fazia tempo que ele não
se sentia assim. Ele passou por sua mesa e foi direto para a sala de Damião
Ramos que no momento se despedia de dois representantes do governador. Ao
vê-lo, Ramos quase pediu pelo amor de Deus que ele se aproximasse em forma de
gestos. Alves entendeu a urgência e colou nele.
- E aí, novidades? – falou bem alto.
- Sim. Precisamos agir imediatamente,
senhor.
- Ótimo. – se voltou para os dois homens de
terno e gravata. – bom, senhores, diga ao governador que o DP segue firme no
combate ao crime. Agora, se me dão licença, preciso trabalhar. – empurrou Alves
para dentro da sala praticamente.
Lá dentro, Ramos deixou seus ombros caírem.
- O que o governador queria?
- O mesmo de sempre. – apertou os olhos com
os dedos. – ele tem a pretensão da reeleição, por isso cobra da polícia mais
eficácia. Entendeu?
- Saquei.
Damião bocejou e em seguida alongou sua
lombar.
- O que temos do Romão Félix?
- Ele comprou duas toneladas de cocaína
pura. Resta saber quando e onde ele receberá a mercadoria.
- Putz! Duas toneladas. Ele quer mesmo ser
o rei de Luzia. – andou até onde fica a cafeteira. – o que vai fazer agora?
- Continuarei observando, ou de repente um
trabalho disfarçado resolveria parte da operação.
Damião serviu dois copinhos de café fresco.
- Lhe aconselho a continuar observando. Se
infiltrar seria perda de tempo e perigoso. Vá devagar. Félix é um indivíduo de
altíssima periculosidade.
- Sim, senhor.
*
Janaína
deixou a farmácia segurando a sacolinha contendo o teste. Ela sentiu uma enorme
vontade de chorar ou talvez de sair correndo pela rua até ficar exausta. O pior
que ela gosta de criança, sempre que pode ela liga para sua irmã que mora fora
da cidade para falar com suas sobrinhas. Mas agora, ser mãe é outro papo. Ela
não se ver mãe, trocando frauda, dando de mamar. Não, isso não. Um bebê a essa
altura faria com que ela voltasse a estaca zero e isso seria o fim para ela.
Outra vez o enjôo. A mistura de vários cheiros a fez parar e respirar fundo
desacelerando os passos.
- Moça, a
senhora está bem? – perguntou um vendedor ambulante.
- Só um
pouco enjoada, mas já já passa. Obrigado.
Quando
conseguiu chegar na redação sem vomitar em ninguém, Janaína quase comemorou.
Ela estava apertada para ir ao banheiro. Antes de ocupar o sanitário a namorada
de Alves ainda pensou em colher sua urina e acabar de vez com o sofrimento, mas
se acovardou. Xixi feito e descarga dada. Melhor voltar ao trabalho.
*
Quando um
trabalho é bem executado, não há como sair errado. Alves ouviu isso de seu
finado pai e guardou para si. No trabalho da polícia às coisas precisam dar
certo e todo bom policial conta ainda com a ajuda da sorte. De repente para
muitos, ficar ali horas, dias e talvez meses seja perda de tempo, mas desde o
início, Paulo Alves sabia que ele seria bem sucedido nessa missão. Entre um
bocejo e outro ele abriu os olhos no momento exato onde Romão Félix deixava o
prédio. Quarenta e sete anos, mas nem parece, pensou o detetive o observando
pelo binóculo. Na calçada o bandido terminou seu cigarro e o apagou na sola de
seu sapato. Um carro com os vidros pretos para e sem ver de quem se tratava ele
entrou e ocupou o banco do passageiro. Paulo memorizou a placa, mas é bem
provável que seja uma dessas placas clonadas. Não faz mal. Ver é melhor do que
não ver, assim declarou Damião Ramos um dia. O veículo manobrou de maneira
precisa e seguiu sentido saída para o porto de Luzia.
- Duas
toneladas de cocaína pura. – pensou alto. – será hoje o dia da entrega.
Chegou o
momento de Alves reunir a tropa e dar o bote. Ele desceu as escadas falando ao
celular com um de seus homens.
- Preciso
que convoque o restante do pessoal, Romão Félix vai receber a carga no porto de
Luzia hoje, temos que dar o flagrante.
- Como
sabe que será hoje, e onde? Não podemos deslocar o pessoal para algo incerto,
investigador.
- Vai por
mim, quando foi que te coloquei numa furada, Gilmar?
- Tá
beleza, nos encontramos lá.
Paulo
entrou em seu Sandero grafite e partiu para o local.
*
Porto de
Luzia. O sol já se escondia deixando no céu tons de laranja mais belos que se
pode imaginar. Entre contêineres, resto de embarcações, latões empilhados e
maquinário enferrujado, Romão Félix e todo o seu exército reunido discutindo
suas funções dentro da organização. Encostado, pé apoiado e jogando fumaça no
ar, o líder aguarda com paciência a conclusão da conversa de seus asseclas. A
conclusão não vem, por isso Félix foi obrigado a intervir.
- Vocês
estão discutindo por coisas idiotas. Ninguém aqui terá um posto maior que do
outro. Todos vocês serão meus soldados, farão o que eu mandar, entenderam?
Todos
assentiram.
- Quem não
se sentir a vontade e quiser dar o fora, a hora é agora. – apontou a saída.
Não houve
manifestação.
- Ótimo,
então se preparem para trabalhar. – andou em direção a balsa.
Pois é, a
última palavra é sempre a do patrão, o cara que resolve as coisas. Todos ali
tem a plena convicção de que estão a serviço do sujeito mais perigoso de Luzia
e que também não podem jamais falhar com ele. Romão Félix intimida bastante.
Apenas um olhar dele já é o suficiente para que todos entendam o recado. Na
cintura uma arma e na mente inúmeras ideias de como se tornar o maior vendedor
de entorpecentes que Luzia já teve. Parado, olhando para o mar calmo ele
avistou as luzes de uma embarcação de longe chegando e deduziu que fosse sua
encomenda.
- Atenção,
rapaziada, o pó está vindo ali, todos em suas posições.
Félix e seu
grupo não estão sozinhos naquele porto. Espalhados e posicionados
estrategicamente os agentes aguardam ordens de Paulo Alves para efetuarem suas
prisões. Paciência é virtude e sem ela, tudo o que foi planejado pode se desmoronar
em questão de segundos e o é pior, mortes desnecessárias podem ocorrer. Por
isso Alves espera agachado em outra parte do porto entre latões e outras
sucatas.
O barco
ancorou. Tudo foi muito rápido. Romão friamente cumprimentou o sujeito que em
seguida deu a ordem para que seus homens descarregassem a cocaína. O pessoal de
Félix também ajudou no trabalho braçal levando os tabletes para dentro de um
caminhão. Tudo aconteceu num espaço de dez minutos cravados. Feito isso, os
chefes se cumprimentaram novamente.
- Confira o
dinheiro. – disse o colombiano.
- Não
precisa. – retrucou Félix. – está tudo aí.
- Tem
certeza?
- Meu
acordo foi com o seu chefe. Agora, se você acha viável perder tempo contando
toda a grana. – tirou do bolso o telefone. – ligue pra ele.
Eles
ficaram se encarando por um tempo e depois disso a expressão fechada do
colombiano foi desfeita por um largo sorriso.
- Tudo bem.
– fechou a maleta. – vamos embora pessoal.
Romão Félix
jogou o cigarro no mar e estalou as falanges. Um carro parou ao lado do
caminhão carregado com drogas. Félix entrou no veículo e deu novas ordens.
- Vou na
frente. Levem o caminhão para o lugar combinado.
- Sim,
senhor.
Gilmar ao
ver Romão indo embora passou um rádio para Alves.
- Félix
está indo embora, vamos pegá-lo?
- Não,
ainda não, vamos abordar o caminhão.
O caminhão
e mais um carro de passeio estavam deixando o porto quando viaturas
atravessaram o caminho e agentes com seus fuzis apontados fizeram com que os
motoristas pisassem abruptamente nos freios.
- Sem resistência,
vocês estão cercados. Desçam agora. – gritou um PM.
- Merda! –
vociferou o motorista do caminhão esmurrando o volante.
A
bandidagem se encontra em desvantagem, Paulo Alves convocou praticamente um
exército e qualquer meliante que ousasse esboçar o mínimo de reação seria
fuzilado. Eles foram colocados algemados nas viaturas enquanto que Alves e
Gilmar conferiam o baú.
- Que
prejuízo, hein? – Zombou Gilmar.
-
Histórico. – colocou às mãos na cintura. – vamos nessa.
*
Receber
aplausos é bom, mas, receber aplausos de Damião Ramos e todo o departamento é
algo inexplicável. Foi essa a sensação sentida por Paulo Alves e seu grupo ao
chegarem da operação. Alves achou tudo aquilo o máximo, porém o que ele queria
de verdade era estar com sua pretinha, comemorando na cama.
- Duas
toneladas de cocaína fora de circulação, isso indica, menos jovens se drogando
nas ruas. – Ramos apertou o ombro de Paulo enquanto falava. – parabéns rapazes.
– próximo passo é a prisão de Félix.
- Obrigado
a todos. – Alves estava ruborizado.
Longe dali
Alguém não estava nada feliz. Pelo contrário, Romão tingia a parede com seu
sangue a cada murro desferido. Ele não sabia se chorava ou se grunhia de ódio.
- Maldição,
maldição, vão pagar caro. – voltou a socar a parede.
Félix
correu até o banheiro, abriu a torneira e deixou que a água fria lavasse o
sangue do punho direito enquanto ele pensava num jeito de ter de volta o seu
carregamento.
- Vamos seu
idiota, pense, pense.
O sangue
foi estancado e a mão enfaixada por bandagens. Espumando de raiva Romão ainda
parou na frente da TV e assistiu a coletiva dada por Alves na chegada ao DP.
- Então foi
você seu filho da mãe.
Ao som da
voz do investigador respondendo as perguntas Romão fez uma ligação rápida para
outro comparsa.
- Me
encontre no café em dez minutos, leve sua arma.
Linha Policial
Paulo Alves
Alves tinha
em mente de que quando chegasse em sua casa encontraria sua amada feliz, bem
disposta, mas tudo que encontrou foi uma Janaína prostrada, derramada na cama
ainda com as roupas que usou durante o dia inteiro. Depois de passar pela
cozinha e se surpreender com o fogão fechado, o policial caminhou até o quarto
ainda tentando entender o que havia acontecido.
- Minha
pretinha, o que aconteceu nessa casa?
Janaína
estava encolhida no canto da cama com dois travesseiros em cima da cabeça.
- Ei, você
está bem? – acariciou suas nádegas.
- Me deixa,
Paulo. – a voz saiu abafada.
- Eita,
calma, podemos conversar? Tire isso da cara. – puxou um dos travesseiros.
- Eu quero
ficar quietinha, só isso, será que eu posso? – tomou o travesseiro do namorado.
Quase
perdendo a paciência, Paulo se levantou. Colocou uma mão na cintura e a outra
ele coçou a nuca.
- Está de
TPM?
Como uma
menina carente ela tirou os travesseiros da cabeça e olhou para o detetive com
olhos úmidos.
- Quem
dera.
A mente de
Paulo Alves entrou em colapso.
- Me
explica isso, meu anjo. – voltou a se sentar.
Relutante,
a jornalista se encostou na cabeceira da cama e encolheu às pernas deixando os
joelhos perto do rosto. Ela permaneceu um certo tempo em silêncio fazendo o
cérebro do namorado entrar em ebulição. Depois de fungar o nariz algumas vezes,
Janaína resolveu abrir a boca. Mas não saiu nada.
- Sim?
Não está
sendo fácil começar esse papo, por isso ela decidiu ir direto ao ponto.
- Acho que
estou grávida.
A voz de
Janaína ainda pairava dentro do quarto quando Alves sentiu seu espírito sair.
Só Janaína pode contemplar a expressão no rosto do futuro pai de seu filho ou
filha. Isso não ajudou nem um pouco, pelo contrário.
- Paulo. –
ela o cutucou. – meu Deus, você está em choque?
- Sério? –
ele abriu os braços e perguntou bem alto assustando-a.
- Sim,
passei mal o dia todo, vomitei algumas vezes e cheguei a comprar o teste de
farmácia, mas...
- E? –
Paulo estava embasbacado.
- Não tive
coragem de fazer. Joguei fora. – abaixou a cabeça.
A
adrenalina diminuiu e Paulo voltou para a razão.
- Não
entendo porque você está tão triste. Você sabe que esse é o meu sonho, e quero
acreditar que seja o seu também.
Quando
Janaína achou que às coisas poderiam piorar, elas se tornaram insustentáveis.
- Paulinho,
meu amor. Claro que é o meu sonho também, mas eu ainda não realizei os que
vinham antes desse, entende? Eu preciso crescer na profissão, estudar mais e
ser mãe agora atrapalharia.
Depois de
expirar, Alves se levantou.
- Sim. E se
você estiver grávida, o que pensa em fazer? – cruzou os braços.
Janaína não
teve coragem de continuar olhando para Paulo. Realmente ela não cogita essa
possibilidade. Ele aguardava a resposta enquanto ela olhava para a janela
aberta revelando uma noite clara.
- Eu não
estou, grávida, é apenas um mal estar passageiro.
- Certo. –
pegou o celular no bolso. – vou pedir um teste.
Janaína
engoliu seco.
- Aproveita
e peça uma pizza de frango.
Mesmo
irritado o policial não deixou escapar a piada.
- Viu, você
já está até com desejo.
- Hum,
sério?
- Sim, você
não gosta de pizza de frango.
*
Uma van
atravessou os portões de uma antiga fábrica de tijolos que há anos se encontra
desativada. No aguardo do veículo, Romão e mais meia dúzia de homens armados.
Assim que parou, a porta foi aberta e um sujeito alto segurando uma
metralhadora desceu acenando para o chefe. Félix se aproximou e olhou para o
interior da van onde haviam três homens com as mãos amarradas para trás, olhos
vendados e amordaçados.
- Deu
trabalho, mas conseguimos. – disse o motorista.
Os homens
também usavam fardas da polícia e estavam agitados. Romão socou o da ponta no
rosto.
- Vamos
levá-los para dentro.
Foi
perigoso e ousado e por que não dizer desafiador. Sequestrar três policias. Nem
quando ainda era um ladrãozinho mequetrefe ele ousou tanto. Fato é; Félix quer
sua carga de volta e nada mais insano do que pedir resgate usando agentes. Os
três são levados aos empurrões e murros para dentro da fábrica. Lá dentro o ar
é pesado, sufocante, isso porque há muita poeira orbitando por ali. Eles passam
por máquinas, empilhadeiras mal estacionadas, montes de correntes e chegam
aonde seria o almoxarifado.
- Que tal
um pouco de diversão, rapazes? – sugeriu Romão.
Todos os
quinze bandidos se armaram com pedaços de madeiras. Sob o olhar frio do chefe,
os agentes sofreram as piores torturas, um deles chegou a perder os sentidos e
foi acordado com um balde de água. Félix retirou a venda de um deles, o segurou
com força pelos cabelos e o forçou a olhar nos olhos.
- Sua vida
agora pertence a mim. Melhor dizendo, pertence ao canalha do Paulo Alves. Se
ele fizer tudo o que eu pedir você e os outros voltarão para suas famílias,
mas, se por um acaso ele não fizer, vocês voltarão também, porém em pedaços.
Romão o
vendou novamente e cedeu espaço para o comparsa seguir com a seção de
espancamento. A pancadaria foi brutal. Gritos abafados, ossos sendo quebrados,
muito sangue e gemidos de dor. Satisfeito, o líder afastou seus asseclas e
sacou um aparelho celular do bolso. Félix fez um curto vídeo dos policiais
esparramados no chão. Na gravação ele apenas disse que às coisas podem ficar
ainda piores para os pobres homens. Antes de encerrar o vídeo ele virou a
câmera para ele.
- Paulo
Alves, sei que a minha cocaína está com você. Eu a quero de volta. – encerrou o
vídeo.
*
Naquela
mesma madrugada o vídeo viralizou e chocou ao mesmo tempo. A imagem de três
agentes da polícia amarrados com marcas de agressões deixou Luzia agitada, principalmente
às autoridades. O DP enlouqueceu dentro e também fora dele. A imprensa cercou
às ruas em torno, todos queriam ouvir da boca do chefe Ramos qual seria a
atitude da polícia. Damião não saiu de sua sala. Gravata afrouxada. Mangas da
camisa dobradas até os cotovelos e muito suor escorrendo da careca. Damião
Ramos assistia pela milésima vez o vídeo quando Paulo chegou.
- Mais que
droga Alves, onde estava? – gritou esmurrando a mesa.
- Em casa.
– gaguejou.
- Eu estou
com três homens em poder de um assassino de policiais e você em casa? Já
assistiu ao vídeo?
- Calma,
chefe!
- Não me
peça para ter calma, garoto. Eu quero que você resgate meus homens e mate o
Félix agora. – berrou. – o governador já me ligou trocentas vezes.
Alguém
precisa pensar em meio a essa crise, mas antes disso, alguém precisa controlar
Damião Ramos também. Nos corredores é possível ouvir seus berros e socos na
mesa. Paulo Alves se sente um menino indefeso diante de um gigante furioso. De
repente, Alves se vê com a responsabilidade de ter que dá uma resposta a altura
ao bandido. Querendo ou não a sociedade cobra isso dele. Enquanto seu chefe
assistia ao vídeo mais uma vez, ele foi até a janela. Abaixando a persiana ele
pode ver a movimentação dos jornalistas lá fora em meio a madrugada. Luzia
precisa de um herói. Paulo deixou a sala de Ramos e correu até a frente do
DP. Como moscas os profissionais de
imprensa rodearam o detetive.
- Como
representante da lei dessa cidade, declaro que daremos uma resposta. Os
familiares dos agentes podem ficar tranquilos. A polícia de Luzia resgatará
nossos companheiros.
Feito isso,
Paulo Alves voltou para o interior do departamento e correu para sua mesa. Ao
passar pela sala do chefe o mesmo tentou bloquear sua passagem.
- O que
pensa que está fazendo? – vociferou.
Alves
engoliu o medo.
- Uns
choram, outros gritam, esmurram mesa e se escondem. Eu prefiro agir. Com
licença, senhor.
- Eles são
meus homens e...
- São meus
homens. Vou buscá-los.
Paulo Alves
pegou sua arma, seu colete e a chave da viatura.
Linha Policial 3
Romão Félix
acordou inspirado naquela manhã. Antes do café ele conferiu se os reféns
estavam bem de uma certa forma. Lá estavam eles. Sentados no chão, mãos para
trás, bem amarrados por cordas grossas e vendados. Somente um deles se mexia,
os outros dois pareciam desacordados. Romão chutou a costela do que estava com
as pernas esticados. O homem arfou trancando os dentes.
- Seu saco
de bosta. – berrou.
- Desculpa,
pensei que estivesse dormindo. Soldado Samuel.
- Você será
morto, cara. – falou cabo Almeida sangrando pelo nariz.
- Duvido
muito. Na verdade eu terei de volta minha encomenda que o seu chefe roubou.
- Você não
conhece o Alves, a essa hora ele já deve estar em sua caça, você vai preferir
morrer. – disse Araújo quase gritando.
- Deixa de
história. Se a polícia de Luzia tem o seu exército, Romão Félix também tem o
seu. Mais tarde vocês verão quem está na vantagem.
Sim, Romão
se encontra com uma boa vantagem com relação a polícia, porém ele também sabe
que sua cabeça está a prêmio. Três agentes sequestrados. É preciso ter uma
mente doentia para pensar e executar tamanha loucura. Mas agora é um pouco
tarde para voltar atrás. Félix entrou num jogo muito perigoso para simplesmente
abandona-lo assim, sem falar de sua reputação como fora da lei. O jeito é
colocar a cabeça pra pensar e seguir com o plano.
*
A cidade de
Luzia acordou como aquela mãe preocupada que não viu o filho voltar da
curtição. A todo momento os telejornais informam a população sobre o andamento
das investigações sobre o sequestro dos três policiais. Desde as primeiras
horas dessa manhã ensolarada a foto do cabo Almeida e dos soldados Araújo e
Samuel estampam as telas dos televisores com repórteres fazendo coberturas ao
vivo. Janaína é uma das milhares de pessoas interessadas no caso. Mesmo
enfrentando alguns problemas como uma possível gravidez indesejada, ela prepara
seu desjejum assistindo ao noticiário matutino.
- A polícia
segue com as buscas desde a madrugada. O chefe de polícia, Damião Ramos, em sua
coletiva, disse que trazer Samuel, Araújo e Almeida de volta é uma questão de
honra para a corporação e que confia na liderança da operação. Como todos
sabem, quem lidera a operação é o detetive Paulo Alves. Voltamos aos estúdios.
Janaína
Lopes se pegou alisando a barriga ainda inexistente. Ao perceber tal ato ela o
parou imediatamente. A jornalista desligou a TV e se lembrou que não havia
ligado para o amor de sua vida desde quando ele saiu correndo de casa assim que
soube do sequestro dos amigos. Ela fechou a garrafa térmica e pegou o celular
em cima da mureta que divide a copa da cozinha.
- Oi,
querido, como estão as coisas por aí?
- Complicadas,
não temos pistas, estamos agindo no escuro. E você, como está, dormiu bem?
- Sim, na
medida do possível.
- Eu vou
resgata-los, nem que para isso eu tenha que mandar fechar Luzia inteira.
- Calma,
pense. Ramos está do seu lado. Melhor. A cidade está do lado da polícia. Faça o
que sempre fez. Trabalhe com inteligência.
- Obrigado,
amor, eu precisava mesmo ouvir isso. Te amo.
- Também te
amo.
*
Paulo
voltou para o DP por volta das dez da manhã. Abatido, barba crescida e com uma
leve dor de cabeça louco por um café forte. Antes de entrar ele foi abordado
por jornalistas de plantão na entrada.
- Detetive
Alves, uma declaração por favor.
- Sim? –
Paulo controlou a vontade de bocejar.
- O nome de
Romão Félix aparece na linha de investigação, o senhor pode confirmar isso?
- Por
enquanto eu não confirmo nada. O que eu no momento posso afirmar é que estamos
fazendo o nosso dever. E mais, quero que os familiares dos agentes se
tranquilizem, eu irei busca-los.
Paulo
entrou e em questão de minutos sua curta entrevista rodou a cidade. Sem
paciência, ele andou até o banheiro. Urinou. Lavou as mãos e aproveitou para
lavar o rosto também, tentar despertar uma pouco. Sua mente não para de girar.
Não bastasse o fato de sua namorada estar suspeitando de uma gravidez – coisa
que ele adoraria que se confirmasse, Paulo sabe que terá pela frente um chefe
enfurecido, louco, disposto a colocar todo o seu pessoal nas ruas em prol dos
companheiros sequestrados. Isso seria péssimo. O jeito é mostrar serviço. Ele
saiu do banheiro. Ao ganhar o corredor ele deu de frente com Damião. Braços
cruzados, pernas semiabertas, o sujeito fica ainda maior.
- Posso
falar com você? – voz moderada.
Expirou
Paulo.
- Sim,
chefe. – deixou os ombros caírem.
- Lhe devo
desculpas. Perdi o controle. Sabe como é, apesar do cargo que ocupo hoje,
carrego dentro de mim o policial que um dia fui. Devo admitir, eu me vejo em
você, tudo que eu tinha você tem, autocontrole, garra, polícia na veia e
principalmente, sede de justiça.
- Obrigado,
senhor.
-
Precisamos tirar nossos homens das mãos de Félix e já me coloco a sua
disposição para isso.
Alves
sentiu como se uma tonelada fosse retirada de suas costas. O alívio foi tão
significativo que ele não conseguiu disfarçar o sorriso.
- Vou
organizar uma operação de busca. Me encontre em meia hora no estacionamento,
por favor.
*
Romão
assistiu a entrevista do detetive Alves e se sentiu desafiado. Afinal, que
raios de bandido é esse que tem a vantagem e não sabe aproveita-la? A polícia
não está levando isso a sério, só pode, pensou desligando a TV. Félix agora
possui homens a seu serviço, sua fama o trouxe até aqui.
- Pense, idiota,
pense! – falou saindo do quarto.
Ele
convocou dois de seus asseclas e foram até onde os agentes se encontram presos.
- Patrão, o
senhor tem certeza? – perguntou um sujeito alto de rosto marcado por espinhas.
- Não me
questione. Pegue o da ponta.
Soldado
Samuel, um jovem policial que ingressou na polícia há três anos. Apesar da
pouca idade, Samuel possui família, sua esposa aguarda a segunda menina. Ele é
colocado sentado de qualquer jeito numa cadeira. Vendado e amordaçado. Braços
amarrados para trás do corpo. Ele já não oferece resistência, está fraco e com
fome. O bandido inicia o vídeo quando Romão enterra o cano da arma na têmpora
esquerda de Samuel.
- Detetive
Paulo Alves infelizmente o seu ímpeto vai custar a vida do agente Samuel.
Sem
cerimônia o gatilho foi puxado. O tiro a queima roupa assustou até os comparsas
que tiveram que assistir a chuva de massa encefálica cobrindo a câmera do
celular. Tremendo o bandido a limpou com o dedo.
- A culpa é
toda sua, Alves. E digo mais, se eu não tiver as minhas duas toneladas de droga
de volta, postarei outro vídeo matando o policial Araújo. Entregue meu material
até às onze da manhã de amanhã no porto de Luzia. Deixe lá e vá embora.
Vídeo
encerrado.
*
O que é o
mundo informatizado. A informação chega no lar de cada um numa velocidade
assustadora. Boas ou ruins, as notícias vão se acumulando nos aparelhos
deixando seus usuários assoberbados. O vídeo da execução do policial Samuel
rodou o país e em questão de minutos Damião Ramos se encontrava com os olhos marejados
o assistindo. Alves foi chamado e obrigado a acelerar o processo do resgate.
Assim que o investigador se apresentou, o telefone em cima da mesa do chefe
soou o deixando ainda mais furioso.
- Chefe
Ramos, pode falar, governador.
Paulo Alves
estava na metade do caminho, entre o corredor e a sala fria de seu superior que
gesticulou para que ele entrasse logo. Damião tentou de todas formas se manter
calmo ao falar com o executivo, mas, houve momentos em que a voz grave da
montanha ecoava nas paredes. A conversa durou apenas dois minutos, porém foi
bastante intensa, ao final Ramos tinha a testa molhada.
- Alves,
precisamos sair agora e pegar o Romão.
- Já reuni
os homens, senhor, partiremos em cinco minutos.
- Que merda
foi essa, meu Deus do Céu. – colocou as duas mãos na cabeça.
- Ele quer
a droga. Não darei a ele. Agora virou guerra.
- Concordo
com você. – abriu a gaveta e pegou uma Taurus. – simbora.
A imprensa
marrom chegou primeiro na residência do soldado Samuel e presenciou momentos de
desespero por parte dos parentes e principalmente da viúva grávida de sete
meses. Assim como foi o vídeo da execução, a reportagem circulou Luzia causando
uma comoção generalizada e aborrecendo as autoridades polícias. Janaína
assistiu a cobertura e ficou envergonhada por ser jornalista e não concordar
com esse tipo de sensacionalismo barato. Por outro lado, ela se sensibilizou
com a esposa do agente. Grávida, sem marido, terá que se virar para cuidar das
duas crianças sozinha. Janaína se colocou no lugar dela por um instante. E se
eu estiver grávida?, Pensou. Outro vez ela se pegou acariciando sua barriga e
mais uma vez a namorada de Paulo espantou o pensamento fechando o vídeo. A
redação está movimentada e mesmo em meio ao furdunço ela correu até o banheiro
e ligou para o detetive.
- Oi,
Paulo. Onde você está?
- Meio
ocupado, agora. Fique na linha. – houve uma pausa. Janaína supôs que chefe
Damião estivesse por perto. – oi, pronto, Damião estava no estacionamento a meu
lado. Estamos saindo agora para mais uma busca. Você viu o vídeo?
- Vi!
- Ele me
desafiou, Janaína, ele me desafiou, dá pra acreditar?
- Você é um
bom policial. Luzia está em boas mãos. Vá, faça o seu trabalho. Pegue o canalha
do Félix.
- Pode
deixar comigo.
Assim que
guardou o celular no bolso, Paulo Alves gesticulou para sua equipe e isso
incluindo seu chefe direto.
- Vamos!
LINHA POLICIAL 3
Os corações
batem acelerados. Para quem se encontra na linha de frente a pressão é ainda
pior. Não adianta. Por mais que você já saiba que o mundo irá desmoronar em
cima de sua cabeça, você jamais poderá prever de ante mão a sua reação. Paulo
Alves, enquanto dirige a viatura, tendo a seu lado nada mais, nada menos que
Damião Ramos, começa a sentir os efeitos dessa pressão, “ o que eu estou
fazendo aqui? Sou jovem, tenho apenas 26 anos, ainda posso tentar encontrar
outro caminho para a minha vida”. De repente a voz do chefe atravessou seus
pensamentos como uma flecha.
- Sei o que
está pensando.
- O que? –
Paulo encolheu os ombros. – como assim, agora você lê pensamentos, é isso? –
riu.
- Mais ou
menos isso. – olhou para fora , para a paisagem passando deixando borrões. –
quando eu tinha três anos de polícia, me foi dado um caso. Complicado demais.
Eu não soube lidar com ele a princípio. Sem pistas. Sem nomes. Sem uma linha de
investigação elaborada.
- Trocando
em miúdos, o senhor não tinha nada. – acrescentou Paulo reduzindo.
-
Perfeitamente. Eu não tinha nada mesmo. – abaixou a cabeça. – foi quando eu
pensei em desistir. Não só do caso, mais da carreira policial.
Paulo
engoliu seco.
- Naquela
noite eu cheguei em casa derrotado e com uma tremenda dor de cabeça. Abracei
minha mulher e minhas filhas. Falei com elas sobre o caso e da possibilidade da
minha saída e... – Damião engoliu o nó formado na garganta. – foi quando a
minha filha caçula falou, “ papai, eu só vou me sentir segura se o senhor
estiver na polícia”
Alves socou
de leve o ombro do chefe.
- Entende
agora a nossa importância, filho?
- Entendo!
*
Seria
mentir para si mesmo dizer que não está com medo. Romão se encontra
desesperado, tentando encontrar uma saída para o circo que ele mesmo criou. Os
homens na parte de baixo aguardam suas ordens, mas eles também não estão muito
seguros. Félix desce do escritório olhando nos olhos de cada um de seus soldados.
Um deles se aproxima.
- Romão, os
caras estão com medo, querem ir embora. Fale com eles.
Romão
enterrou às mãos nos bolsos da calça e caminhou entre eles.
- A polícia
não vai devolver a droga. – houve murmúrios. – fiquem quietos. Ouçam. Paulo
Alves não vai devolver a droga e o jeito é irmos lá e tomar das mãos dele.
Vamos executar os outros dois agentes e deixar os corpos na frente do DP de
Luzia. Precisamos retomar nossa vantagem. Quem está comigo?
Hesitantes,
mas confiantes. Todos levantaram as armas.
- Ótimo.
Todos ao trabalho, vamos.
Mais um
plano suicida. Só na cabeça de alguém como Romão Félix para invadir o galpão da
polícia para pegar duas toneladas de cocaína. Loucura. Mais é aquele caso.
Félix faz disso o seu ovo de Colombo. Todo mundo pensa, mas não faz. Com ele às
coisas são pensadas e realizadas. Ele voltou para o escritório ainda tentando
montar o próprio quebra-cabeça. Seria maluquice demais? Estou surtando? É
preciso colocar tantas vidas em risco? Estou mexendo num vespeiro? “ que se dane,
o crime tem dessas coisas”. Chega de pensar muito. Pensar demais quase sempre é
prejudicial. Hora de agir.
*
Até hoje
não se sabe por que o serviço de asfaltamento não chegou aquela rua. Seus
poucos moradores até já se acostumaram a penar em dias de chuva. Aquele lugar
se torna intransitável. Lama, buracos e muito entulho espalhado por moradores
na inútil tentativa de amenizar o caos. Em dias de sol, a cada veículo que
passa é uma nuvem de poeira que sobe repousando nos móveis das casas. Para o
vendedor de verduras, pedalar naquele trecho é como estar malhando numa
academia. Geraldo tem evitado passar por ali, mas como é o caminho mais breve
até sua casa, hoje ele resolveu seguir por ali.
- Olha a
verdura fresquinha.
Um enorme
portão de ferro foi aberto. Geraldo diminuiu às pedaladas e olhou. O homem que
abria o portão tinha na cintura duas pistolas. O verdureiro sempre achou que
aquele lugar se tratava de um depósito de material de construção, por isso
nunca suspeitou de nada. Cagando nas calças, o velho Geraldo passou de cabeça
baixa e assim que passou em frente ao portão, de maneira discreta ele deu outra
olhada. Lá dentro outros homens armados, vários carros. O vendedor de verduras
sentiu cheiro de sujeira no ar.
- Minha
nossa Senhora. – pedalou forte.
Damião
Ramos foi o primeiro a descer da viatura. Logo em seguida Paulo portando seu
fuzil. As ruas daquele bairro são largas e bastante movimentas. Os transeuntes
observam com curiosidade a chegada de tantos carros do DP e se espantam.
- Atenção
todos os carros, vamos interromper o trânsito. – disse Alves pelo rádio.
Ramos puxou
sua pistola do coldre e olhou para seu subordinado.
- Aquele
prédio me chamou atenção, senhor. – justificou Alves protegendo os olhos do
sol.
- Lá de
cima deve haver uma ótima visão da cidade. Vamos.
A rua foi
fechada. Paulo, Damião e mais cinco polícias entraram no prédio. Houve um
princípio de correria, mas o chefe os impediu imediatamente.
- Ninguém
corre. – gritou Ramos.
O sujeito
com pinta de playboy parou no primeiro degrau da escada com às mãos para o
alto.
- O que
anda acontecendo aqui? Conhece Romão Félix?
- Ah?
- Por que
correu? – Alves o segurou abaixando seus braços e os colocando para trás.
- Eu juro,
era só para ganhar uma grana extra. – gemeu o rapaz.
- Responda
a pergunta, o que anda acontecendo aqui, cadê o Romão? – Paulo o algemou.
- Eu não
sei do que os senhores estão falando, eu não conheço esse cara.
Damião por
fim teve a paciência esgotada.
- Nos leva
até seu apartamento. – empurrou-o.
Alves tocou
a campainha. Uma voz pastosa respondeu do outro lado.
- Juca?
Damião o
cutucou.
- Sim, sou
eu, abra.
A porta não
havia sido totalmente aberta e Paulo colocou o cano do fuzil na cara do outro
sujeito tatuado, só de cueca.
- Mas que
merda é essa? – caiu sentado.
- Polícia
de Luzia. Cadê o Romão Félix? – Damião pisou em seu tórax.
Do quarto
para a sala brotaram duas meninas com idades entre quinze e dezesseis anos,
seminuas.
- Mais que
merda. – Paulo balbuciou. – vocês, meninas, fiquem no sofá. Há mais alguém no
quarto?
Ambas
disseram que sim com a cabeça.
Alves
invadiu o cômodo. Havia um homem gordo bem mais velho se vestindo e com o nariz
sujo de pó.
- Eu não
fiz nada.
- Você está
preso. Saia!
Já na rua,
encostados na viatura, Ramos e Alves riem de toda situação.
- Miramos
numa coisa e acertamos noutra. – falou Damião. – que faro é esse?
- A polícia
precisa contar com a sorte de vez em quando, não acha?
- Um ponto
de prostituição infantil, bem aqui.
O rádio
chamou.
- Alves na
escuta.
- Uma
denuncia anônima. Suspeitos fortemente armados num depósito no canto da cidade.
- Copiado.
– olhou para o chefe. – acho que encontraram o Félix. Vamos.
*
Janaína
deixou o banheiro ainda se sentindo enjoada, apesar de ter acabado de vomitar.
Suas pernas estão fracas e trêmulas, além de um mal estar alucinante. Será
mesmo assim a vida de uma grávida? Um pequeno ser tem esse poder de destruição?
Ela até cogitou a possibilidade de pedir dispensa e tirar a parte da tarde de
folga, mas o trabalho na redação não cessa hora alguma e muita coisa depende
dela. Lopes não se sentou, mas se jogou em sua cadeira. Tudo o que ela mais
queria era sua cama, dormir, de preferência com Paulo a seu lado. Que realidade
absurda. Seu namorado nesse momento se encontra na captura de um maníaco
homicida e ela se consumindo com uma gravidez indesejada. Dá pra acreditar, eu
grávida, pensou ajeitando o mouse e o teclado. Esse é o resultado de ser uma
louca por loucuras sexuais. Paulo e ela até que se previnem. Ela não se recorda
quando foi que se descuidaram. Fazer o que? Quando a cabeça não pensa o corpo
padece, literalmente.
*
Araújo e
cabo Almeida foram praticamente jogados dentro da van. Ambos tem os pés e mãos
pés amarrados, além de estarem amordaçados. Lá dentro eles ainda sofrem com
torturas e xingamentos. Pior que a tortura física é a psicológica e Romão Félix
sabe como ninguém fazer isso. Por isso, ele faz questão de fazer companhia aos
reféns. Agente Araújo é o que mais sofre. Um policial preparado como ele foi
jamais aceitará que seu adversário ganhe essa batalha com facilidade. Para a
surpresa de seu superior ele tentou resistir as agressões se colocando de pé,
mesmo sem muita mobilidade.
- Do que
adianta lutar, seu desgraçado. – Romão o empurrou pra cima de Almeida. – vocês
já estão mortos.
O primeiro
carro saiu. Dentro dele quatro marginais armados. Assim que o motorista pisa no
acelerador três viaturas entram no campo de visão dos bandidos.
- Droga. O
que faremos? – perguntou o motorista.
- Temos que
seguir com o plano. Acelere, passe por cima deles. – gritou o carona.
Os
policiais desceram dos carros atirando contra o para-brisa. A troca de tiros
foi intensa e terminou com dois meliantes mortos e um agente ferido no braço.
- Temos que
avisar o chefe Damião, eles estão com artilharia pesada. – alertou um PM.
De dentro
do depósito mais disparos que explodiram os vidros e pneus das viaturas. Um
bandido apareceu no portão mirando seu fuzil, mas foi alvejado na cabeça.
Dentro da van Romão Félix tem um ataque de fúria.
- Como nos
encontraram, como? – chutou o rosto de cabo Almeida. – quero que matem todos,
atirem pra matar.
Mais tiros
e mais um corpo que vai ao chão, infelizmente de um policial. O tiro o acertou
no peito. O carro da polícia trazendo Ramos e Alves entra na rua deixando a
corporação um pouco mais aliviada.
- Cadê o
Félix? – gritou Paulo passando a bandoleira pelo pescoço.
- Ele está
lá dentro, senhor. – informou o sargento.
- Certo.
Quero quatro grupos. Dois irão cobrir a rua de trás do depósito. Vou organizar
uma invasão. Precisamos tirar nossos companheiros de lá já.
- Mas,
detetive, eles tem um armamento pesado e já temos um homem ferido e outro
morto.
- Agente
Alves. – Damião Ramos foi até sua viatura. – vou solicitar o apoio aéreo, é o
jeito.
- Ótimo!
Grupo um, todos comigo. Chefe, nos dê cobertura. – Alves correu com seu grupo.
O grupo de
Alves conta com o apoio de sete PMs que enfileirados organizam uma formação,
prontos para o confronto. Mais tiros são disparados contra eles. Paulo Alves
sabe que é arriscado uma invasão e também sabe que a vida de seus companheiros
está em risco. Romão Félix ainda segue com a vantagem e fará disso sua arma
mais poderosa. Mas, algo precisa ser feito e rápido, de preferência. Cada
segundo é importante. Além de ter que salvar a vida dos parceiros sequestrados,
Alves ainda precisa se preocupar com as dos companheiros que estão a seu lado
nessa batalha. Mesmo sob uma chuva de balas, os PMs continuam no mesmo ritmo,
sem recuar um centímetro sequer.
- Atenção,
rapaziada, quando eu der o sinal, vocês entrem atirando. Só temos uma missão;
resgatar nossos amigos, Araújo e Almeida. – disse Paulo se abrigando entre às
árvores.
Mais é
claro que o outro lado cederá assim, tão fácil, afinal de contas eles estão em
uma guerra. Aquela rua sem asfalto e esburacada nunca foi tão movimentada e
seus moradores não estiveram tão assustados. É muito tiro, gritos e sirenes
enlouquecidas. Agora o grupo de Alves se encontra diante do portão e o segundo
acabou de chegar do outro lado. A hora é agora.
- Vamos! –
ordenou Paulo.
Linha Policial 3
Dentro do
depósito, exatamente no interior da van, Romão não faz ideia do que acontece lá
fora, tudo o que consegue ouvir são os disparos. Nada passa pela sua cabeça a
não ser o fato de conseguir sair vivo dessa, mais nada. Olhando para fora ele
sente vontade de abandonar o barco. Agora é cada um por si, o caldo entornou
realmente. Assim que ele vê um de seus soldados ser baleado no peito e depois
na cabeça ao lado do portão, Félix teve a confirmação de que já não há motivo
para ficar ali. Enquanto isso, cabo Almeida e Araújo seguem inutilizados
acompanhando tudo com olhos esperançosos. Essa é a força que os move.
Lá fora o
segundo grupo entrou pelo fundos. Dez polícias portando fuzis, capacete e
coletes. Um marginal tentou impedi-los de seguir com a invasão atirando da
parte alta do depósito onde eram colocadas madeiras. Essa é a vantagem de ser
preparado. Tudo que um policial quer é saber sua localização e isso ele
consegue quando o oponente atira. Imediatamente o vagabundo foi abatido por
vários.
- Agente
Alves, estamos dentro e aguardando ordens. – falou o líder do segundo grupo
pelo rádio.
- Positivo
zero um, siga avante.
Damião
Ramos trocou de arma. Vestiu o colete e se apressou caminhando pela lateral do
depósito. A montanha gigante adora esse tipo de operação, o faz sentir vivo,
útil. Apesar dos quase cento e cinquenta quilos, até que ele se movimenta bem e
rápido. Elemento surpresa, é o que ele gosta de ser. Assim que alcançou a
metade do caminho ele sentiu a necessidade de pular o muro e lamentou o fato de
estar a cima do peso.
- Merda!
Não vendo
alternativa, o chefe de polícia de Luzia andou em direção aos fundos segurando
firma sua calibre doze. Ao dar dois passos, um bandido saltou de dentro para
fora, fugindo do confronto.
- Parado! –
gritou Ramos.
O sujeito
também é alto e durante a fuga ele deixou sua arma cair. Temendo ir para cadeia
ele partiu pra cima do agente com socos e chutes. Fazia tempo que Damião não
participava de uma boa briga. Ele adorou isso. Dois monstros trocando violentos
golpes no meio do mato. Ramos foi atingido no nariz e boca, mas não caiu.
Enfurecido, o bandido tentou finalizar a luta aplicando um gancho que passou no
vazio. Com isso o sujeito baixou a guarda. Um oportunidade de ouro para o policial
que desferiu um cruzado de direita que fez a mandíbula de seu oponente
deslocar. O homem já estava fora de combate, porém o chefe o finalizou de vez o
chutando no rosto. Pronto, apagado.
*
Outra onda
de vontade de colocar tudo pra fora, mas Janaína segurou as pontas. O mais
incrível nessa história toda é que o mal estar e até mesmo o enjôo vem
diminuindo gradativamente. Muito estranho. Ela segue acompanhando os
acontecimentos na operação de resgate aos agentes sequestrados que a todo
instante as emissoras locais interrompem a programação para exibir as
informações. Quanto a gravidez, bom, ela gostaria muito que não fosse verdade.
Ser mãe agora não seria uma boa ideia. Janaína sabe que com passar do tempo as
coisas irão mudar e que com certeza ela criaria um laço com a criança, porém,
até isso acontecer, muitas outras coisas desagradáveis estariam na frente. E se
de fato ela tiver grávida, qual sexo a jornalista gostaria que fosse? Um
garoto, arteiro, parecido com o pai? Lógico que não. Lopes sempre teve
preferência por uma menina. Segundo os mais velhos, menina é mais calma que
menino. Se isso é verdade ela não sabe, visto que ela mesma foi uma garota
hiper, mega agitada na infância. Todos esses pensamentos se foram quando mais
uma vez o plantão de notícias entrou no ar ao vivo.
- A polícia
acabou de prender mais um do bando de Romão Félix. Podemos ver nas imagens o
chefe de polícia, Damião Ramos conduzindo um bandido.
Janaína
sentiu os músculos se retesarem.
- E agora
podemos ouvir mais disparos vindos lá de dentro do depósito. – a voz do
repórter é alta e trêmula. – e acaba de chegar a informação de que os policiais
entraram e estão efetuando mais prisões.
Paulo está
lá dentro, pensou ela. Não há como ligar para ele agora. Janaína se pegou
apertando os braços de sua cadeira tamanho a sua apreensão. Só lhe resta
somente torcer para que seu namorado volte para casa hoje.
*
Paulo e
mais dois PMs buscam pelos amigos dentro daquela imensidão. Romão ainda os
mantém em cativeiro dentro da van. Aos poucos o lugar vai sendo tomado por
força policial. Damião voltou para o combate disposto a por um ponto final
nessa história. A troca de tiros cessou, pelo menos por enquanto. O chefe se
juntou ao grupo de Alves.
- Algum
progresso?
- Lá trás o
pau tá comendo, Félix não vai conseguir resistir por muito tempo. – Paulo falou
abaixado.
- Recebi
informação de que lá trás há vários veículos parados, acho que estão planejando
uma fuga. O apoio aéreo já está chegando.
- Almeida e
Araújo estão lá, eles correm perigo.
Enquanto
conversavam, o helicóptero despontou a
uma altura abaixo do norma. Isso deu um novo gás na tropa e deixou os marginais
apavorados. Romão, ao ver a aeronave, ligou o motor da van. Xingando absurdos
ele se virou para os agentes.
- Vamos dar
uma voltinha.
Araújo
olhou para Almeida. Ambos trabalham juntos a muito tempo. Tempo o suficiente
para saber o que o outro está pensando apenas com o olhar. Romão saia com o
carro quando um ficou de costas para o outro. Almeida foi afrouxando às cordas
que apertam os pulsos de seu soldado. A ferida arde, mas Araújo não se importa.
Almeida está nervoso, apreensivo, quer livra-lo logo antes que Félix saia de
vez os levando sabe-se lá para onde. O sangue atrapalha, faz com que seus dedos
fiquem escorregadios. Pela primeira vez em dias, Araújo sente o sangue circular
pelos seus pulso e isso o deixou aliviado. Ele fez uma pouco mais de força e
pronto, estava livre das cordas. Existe uma guerra lá fora e ele é um soldado.
Lugar de soldado é na guerra.
A van aos
poucos vai se movimentando, meio sem rumo, isso por causa de seu condutor que
se encontra com os nervos a flor da pele e nem percebe que seus dois
prisioneiros já se encontram em liberdade. Pelo alto o helicóptero da polícia
deu um rasante assustando até mesmo seus companheiros. Paulo é chamado no
rádio.
- Alves na
escuta!
- Identificamos
uma van, prata, em movimento, senhor. Ela se encontra lado esquerdo, temos que
agir rápido.
- Copiado.
Damião ao
olhar para Paulo entendeu o recado. Seus homens estão nessa van e Romão pensa
em levá-los. A ação pede urgência. Os familiares dos agentes não podem mais
sofrer com essa situação. Paulo reorganizou o grupo. Instruções foram passadas.
Todos entenderam. Vamos em frente.
O plano de
Araújo é usar às cordas para enforcar o inimigo. Almeida ainda segue tentando
desatar os nós das cordas que prendem seus pés. Eles voltam a se comunicar com
os olhos. Cabo Almeida apertou os lábios. Esse ato pode ser arriscado, mas, é
preciso fazer alguma coisa. Araújo agora está livre. Sente algum dor, mas
consegue entrar na briga. Romão olhou no espelho interno e viu o policial
enrolando a corda nas mãos.
- Mais que
merda é essa?
Girou o
pescoço ao mesmo tempo em que o agente o atacou. A van ficou desgovernada.
Outro rasante do helicóptero. A corda grossa fez com que a pele do pescoço do
bandido ficasse enrugada.
- Morre,
desgraçado! – gritou Araújo.
Os olhos de
Félix estão totalmente abertos, parecendo duas lamparinas acesas. Ele arca,
tosse e se debate. Ele sente que seu fim está próximo, por isso resolveu
apelar. Romão não está disposto a morrer sozinho. Seu pé esmagou o acelerador.
O veículo atravessou todo o depósito passando por cima de madeiras, resto de
pedras e até mesmo comparsas. Almeida conseguiu se livrar das amarras e em
auxílio ao soldado começou a socar o rosto já avermelhado do marginal. Nesse
curto espaço a van alcançou uma velocidade acima dos setenta por hora indo de
encontro ao murro. Félix, sendo asfixiado, ainda tentou pegar sua arma, mas sem
sucesso. Lá fora um PMs foi arremessado pela van em alta velocidade contra um
monte de tijolos ficando gravemente ferido. Fim da linha. Almeida, Araújo e
Romão Félix, ambos gritam de desespero ao verem que irão colidir fortemente. A
pancada foi tão violenta, que a van atravessou o muro, arrastou outras viaturas
e se chocou contra uma árvore.
*
Janaína
está boquiaberta. Tudo foi transmitido ao vivo. Imagens impressionantes. Um dos
moradores flagrou o exato instante que o corpo do motorista da van foi lançado
pelo para-brisas se arrebentando contra o tronco da árvore. Como fogo em
palheiro, o vídeo já circula por toda Luzia. A namorada de Paulo Alves também
assistiu o chefe Damião auxiliando na retirada dos feridos da van junto com
ele, seu quase pai de seu filho. A emissora de maior audiência conseguiu uma
entrevista exclusiva com Alves perto das ambulâncias.
- Detetive,
nos dê seu parecer quanto essa operação, por favor.
- A
operação foi sucesso. – Paulo parece nervoso.
- Alguns
disseram que a operação foi desastrosa. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
- O que eu
tenho a dizer é que hoje, duas famílias irão dormir em paz, sabendo que o pai,
o filho, foi tirado das mãos de um maníaco. Romão Félix havia comprado três
toneladas de cocaína pura para vender para os nossos jovens e graças a essa
operação desastrosa, essa droga estará fora de circulação.
Janaína
vibrou sozinha.
- Dá-lhe,
amor!
Assim que
se afastou dos jornalistas, Paulo foi abordado por Ramos.
- Araújo
sofreu ferimentos leves e algumas escoriações, terá que ficar em observação. –
colocou às mãos na cintura.
- E
Almeida?
- Quebrou
uma perna e alguns dentes, luchou o ombro também. Vai ficar bem. – fez uma
pausa. – e você, está bem?
- Sim,
estou sim. E o Romão? – Olhou para a árvore com a mancha do sangue.
- Já era. –
expirou. – a pancada foi forte na cabeça, houve perda de massa e...
- CPF
cancelado. – sorriso enviesado.
- É, isso
mesmo. Menos um vagabundo fora de circulação. Luzia é a minha cidade, a nossa
cidade. Fizemos um juramento, Alves. Servir e proteger. Eu levo esse juramento
muito a sério e agradeço a Deus por colocar homens como você que honram a farda
que vestem, o distintivo que carregam e a bandeira do nosso estado. Parabéns,
detetive Paulo Alves, fez um ótimo trabalho. – estendeu a mão.
Foi mais
que um aperto de mão. Segurar a enorme mão do chefe Ramos foi estabelecer uma
aliança contra o crime organizado. Luzia tem heróis, protetores, soldados
prontos para defender sua terra. Paulo Alves e Damião Ramos. Eles podem não
conseguir mudar o mundo, mas, se esse mundo for o lugar onde vivem, há, isso
eles tentarão fazer. Paulo foi para casa feliz ao quadrado. Ele estava louco
para ver sua mulher, sua pretinha – como costuma chamá-la. Janaína pode estar
grávida de um filho ou filha dele. Paulo está radiante. O policial não gosta de
deixar o carro na calçada, sempre preferiu guardá-lo na garagem, mas hoje o dia
é especial.
Janaína
estava na sala segurando um teste de gravidez cabisbaixa. Ela olhou para o
namorado com olhos úmidos.
- O que
houve, mamãe do ano? – a beijou na testa.
- Veja você
mesmo. – o entregou.
Paulo ficou
olhando o objeto como se tivesse hipnotizado.
- Acho que
o título de mamãe do ano terá que ficar para uma próxima vez.
- É. –
deixou o teste sobre a mesa. – negativo. Mas, o que houve com você na verdade?
– se sentou no braço do sofá.
-
Intoxicação alimentar, eu acho. Horrível, não gosto nem de lembrar.
- Foi ao
médico? – cruzou os braços.
- Não. Nada
que um bom chá não resolva.
Alves
abaixou a cabeça. Janaína se levantou e o abraçou.
- Termos um
bebê, em breve, seja paciência. – o beijou na boca.
- Te amo,
pretinha.
- Também te
amo, herói de Luzia. Agora me conte tudo o que aconteceu na operação.
- Há, foi
complicado, mas no final deu tudo certo. – se levantou. – vamos pro quarto, te
conto com mais detalhes lá.
- Ah, sim,
conheço esse truque. – riu. FIM.