quinta-feira, 5 de abril de 2018

Sangue Noturno



Pobre animal. Mesmo gemendo, berrando e sentindo cada pedaço seu sendo arrancado ele ainda resiste e tenta as duras penas se livrar da morte iminente. De nada adianta, seus gemidos e urros, nada, aquele demônio sugador não pararia. Sua fome é voraz. Ele continua a se alimentar do sangue quente da pobre vaca e também a mastigar sua carne estressada. Aos poucos os movimentos frenéticos das patas vão cessando e o animal se acalma com a chegada da morte.
Ainda há muito sangue ali e também bastante carne. O líquido denso escorre pelo pasto úmido devido ao orvalho da madrugada. O vampiro crava seus dentes pontiagudos em busca de mais sangue quente. Enquanto suga a criatura noturna solta alguns balbucios e até curtos gemidos. Faz algum tempo que ele não janta com tanta fartura. Seus cabelos cumpridos e loiros estão empapados com o sangue e vísceras da vaca e seus olhos amarelos fixam a noite fria sem lua. Ele faz a volta e morde o lombo com violência tirando um pedaço generoso e mastigando em seguida.
Escondido, ajoelhado e observando cada movimento do vampiro, o dono na fazenda tem o coração inflamado pelo ódio. A seu lado o arco e flecha feito por ele aguarda o momento em que entrará em ação. Um ano, a exatos um ano essa criatura diabólica vem lhe dando prejuízo e hoje ele pretende dar fim a essa história. O fazendeiro também veio prevenido, na cintura o coldre guarda uma pistola caso precise. Chega de conversa, hora de acabar de vez com o noturno.
O vampiro realmente já está de barriga cheia, satisfeito, mas seus olhos ainda contemplam o banquete a sua frente. Ele se levanta e de repente uma forte queimação no peito o deixa sem ação. Uma flecha, uma maldita flecha cravada em seu peito. A dor é algo sobrenatural. Suas mãos trêmulas tentam puxá-la, mas não dá, dói demais. Gemendo o demônio se afasta do corpo da vaca. Ele olha ao redor e tenta farejar. Outra dor lancinante. Mais uma flecha o acerta e dessa vez no braço. Seu berro sai alto. Das costas do vampiro surgem asas negras, elas começam a bater, mas até isso está difícil. O vampiro não consegue bater em retirada, sua respiração está forçada e mais uma vez ele tenta sentir algum cheiro no ar. Os olhos amarelos consegue ver o fazendeiro entre as árvores e sua fúria é acendida.
Mesmo sentindo dor e fraco, o bicho consegue voar e o fazendeiro mais uma vez atira. Errar numa situação como essa é algo mortal. A flecha passa raspando. O homem sente o coração vir a boca ao ver o rosto sombrio do vampiro. Ao se preparar para lançar outra flecha as unhas do ser arrancam carne de seu ombro.
          - Argh!
O bicho faz a volta e tenta morde o braço do caçador, mas recebe um tiro de pistola na barriga. O tiro atravessa o corpo da criatura que perde o controle do voo. O fazendeiro atira mais uma vez.
         - Morre, desgraçado.
O tiro acerta o braço do vampiro. Ele rola no pasto gritando horrores. Implacável, o homem arma seu arco e flecha rapidamente. Vendo que o demônio tenta se levantar para fugir, a flecha crava no peito do noturno que fica de joelho com o sangue escorrendo da boca.
         - Você vai pagar por tudo que tem feito, filho do capeta.
Mais uma flechada. Devido a distância o objeto pontiagudo o atravessa perfurando o pulmão. De repente a pele pálida vai dando ao tom acinzentado lugar pelo corpo do vampiro. O rosto que já era sombrio, agora está murcho, envelhecido, cadavérico. Aos poucos o que era um ser vai se transformando num esqueleto obrigando o fazendeiro ateu fazer o sinal da cruz.
         - Cruz credo, que fedor.