Ainda no
carro Fontana fez uma busca na internet baseando-se pela comanda
encontrada. Muito empolgado, ele mal conseguia digitar o endereço do site, foi
preciso um rápido exercício para o controle da respiração. O celular estava
apenas com vinte por cento de carga e só agora ele se deu conta que havia
deixado o carregador em casa. Mas, tudo bem, sem estresse.
O site
abriu. Um estabelecimento comum, daqueles que é possível encontrar em qualquer
bairro de médio porte, localizado próximo ao centro de Paraíso Novo. Ainda
preocupado com a baixa carga da bateria, Abílio buscou o que realmente o
interessava. Câmeras de segurança. Não encontrou nada que dissesse “possuímos
monitoramento para melhor protegê-lo”, mas viu que o lugar tem sim um sistema
de vigilância e isso sim, é ótimo. Ele anotou o endereço e conferiu o horário.
Um pouco tarde para ir até lá. Tudo bem, o estrago já havia sido feito, o
melhor a fazer é voltar para casa e... Zélia.
*
Após alguns
bocejos e várias espreguiçadas barulhentas, Abílio Fontana desceu do veículo e
pela primeira vez ele sentiu o peso da idade chegando. Lógico que isso não o
abalou, envelhecer é para quem pode. Ele deu uma rápida alongada em sua lombar
estudando a fachada do bar. Nada mal. Caminhou moderadamente observando o
movimento de cada civil, o cheiro do café fresco o deixou entorpecido mesmo ele
de barriga cheia do desjejum feito em casa com Zélia. Por falar nela, Fontana
ao chegar ontem, pode sentir um clima um pouco mais leve, Zélia trazia um
tímido sorriso no rosto. Isso consegue deixar qualquer homem assustado,
mulheres “hormonalmente” mexidas conseguem tudo. Mas, graças a Deus nada
aconteceu.
— Olá, bom
dia! Um café, por gentileza. — encostou no balcão.
— Pingado
ou puro, meu bem?
A atendente
regula aproximadamente a idade do detetive, rosto redondo e maquiado, muito
linda.
— Puro, por
favor.
Abílio se
esforçou para não perder o foco, mas a protuberância traseira da mulher foi
mais forte do que ele. A frente então nem se fala.
—
Prontinho. — sorriu.
— Obrigado.
Os sachês
de açúcar estavam sendo abertos e o seu conteúdo jogado no líquido fumegante
enquanto os olhos do Investigador escaneavam o lugar até se cruzarem com os da
atendente. Eles permaneceram se olhando por alguns segundos até Abílio perder
para a timidez.
Olhando
para as intermináveis garrafas de bebidas nos fundos do balcão, ele encontrou o
que tanto procurava. Comemorou intuitivamente e depois buscou por outra, porém
lá estava a atendente o comendo com os olhos. Até que ela não é de se jogar
fora, possuí tudo o que ele admira numa mulher e em grande escala. Deixando a
timidez de lado, Fontana lhe jogou um sorrisinho de canto de boca que logo foi
retribuído com outro. Aí, meu Deus, onde estou me metendo?
Ele não
estava ali para uma aventura, havia um caso em andamento então...
— Por
favor, a conta.
Conforme a
gata cinquentona andava em sua direção, Abílio sentia o coração esbarrar na
garganta.
— Dois
reais, mas esse pode deixar por minha conta.
Abílio
engoliu seco.
— Sério?
— Muito
sério.
Ela
cheirava a hidratante e tinha um sorriso encantador, Abílio estava hipnotizado
por ela.
— Quando
posso te ver fora daqui?
Ela olhou
para a porta onde havia um movimento de clientes chegando.
— Anota meu
número, rapidinho.
Fontana
sabia que estava fazendo merda, mas agora era um pouco tarde para voltar. Ela
falou e ele anotou em seu bloco.
— Posso te
ligar mais tarde?
— Pode. —
se afastou exibindo o que ela tinha de maior e melhor.
*
A vida está
passando e enquanto isso Zélia a aproveita o melhor possível dobrando as roupas
e as organizando no armário. Não é uma de suas tarefas prediletas, mas manter
um guarda-roupas bem organizado não fará mal a ninguém. Esse tipo de trabalho
doméstico é bom para a mente, ele a fez voltar no tempo, há quase quarenta anos
quando Abílio e ela se conheceram na chegada ao baile de carnaval. Quando jovem
Zélia gostava de se reunir com a turma e seguir a pé até o centro onde
acontecia o maior fuzuê da cidade. Réveillon, carnaval, São João entre outras
comemorações o point da juventude dos anos 70 era ali.
Zélia
chegava fantasiada de odalisca e Abílio Fontana de Tarzan exibindo todo seu
físico coberto por pelos negros. Ela não conseguiu segurar a excitação e nem a
piadinha sem graça.
— E aí,
Tarzan, cadê a Jane?
O baile só
terminou no outro dia pela manhã, isso porque houve um princípio de confusão e
a polícia interveio. Boa parte da galera permaneceu no local, cada um procurou
um canto menos desconfortável para curar a ressaca, porém o casal
recém-conhecido Abílio e Zélia correram para o apartamento dele e ali ficaram
durante todo aquele sábado de folia.
Dobrar
roupas e guarda-las é sim um porre, mas tem seu tempo de duração. As memórias
seguem até Deus sabe quando e sim, há lugares no passado que não merecem ser
revisitados.
*
Abílio
Fontana passou o dia inteiro no departamento revisando os arquivos de
ocorrências sobre homicídios e não encontrou nada que pudesse ajudá-lo nessa
nova empreitada. Ele gostaria de saber se, em meio as dezenas de documentos
houvesse pelo menos um onde a vítima foi morta envenenada por Cianeto. Lógico
que Fontana encontrou alguns, mas longe da gravidade do atual. Quando resolveu
parar e tomar um café o horário já era avançado e seu plantão estava próximo de
terminar. Ele deixou a sala dos arquivos e andou pelo corredor rodando o molho
de chaves no dedo indicador até a sala de Fausto.
— Eu já vou
indo. — bateu na porta.
Maia
sinalizou o pedindo para esperar. Putz!
Cinco
minutos depois, Abílio tomava uma deliciosa e estupidamente gelada tulipa de
chopp com seu chefe em um bar sofisticado.
— Sempre
que posso eu venho aqui. — disse o delegado.
— Quase
sempre passo por aqui e nunca pensei que um dia estaria aqui dentro e logo com
quem. — riu.
— Que
merda! Você precisa provar a linha de petiscos daqui é simplesmente
maravilhosa.
— Quer
rachar? — sacou a carteira.
— Nada
feito. Eu lhe convidei. É por minha conta. — chamou o garçom.
Foram às
duas horas mais surpreendentes da vida profissional de Fontana. Fausto revelou
ser um ser humano e somente isso. Abílio conheceu um lado de seu chefe que
poucos nem sequer imaginam que exista. Fragilidade.
— Mas você
nunca pensou em ir até lá e dizer isso a ela? — perguntou Abílio andando lado a
lado com Fausto até o carro.
— Pior que
já, mas, sabe como são às coisas. Algo me bloqueia sempre.
— Chefe,
chefe, a vida tá passando. Ela é sua irmã, sua família, vai deixar que um
pequeno desentendimento destrua tudo que seus pais trabalharam tanto durante
anos para estruturar?
Fausto
parou a centímetros de seu veículo e olhou para o seu notável investigador.
— Você é
fera mesmo, Fontana. Além de bom policial é um excelente conselheiro familiar.
Eles riram
juntos.
— Vamos
nessa que a festa só está começando. — destravou a porta do carro e embarcou.
*
Voltando
para casa Abílio se lembrou da linda atendente do bar. Ele parou para abastecer
e aproveitou a ocasião. Ligou para ela que o atendeu ao segundo toque.
— Oi!
pensei haver esquecido de mim.
— Jamais!
Podemos conversar?
— Agora?
— Sim, se
puder é claro.
— Um
momentinho.
Abílio
ficou de olho na bomba e depois voltou sua atenção para o frentista.
— Alô?
— Oi! diga.
— Anota meu
endereço.
Minutos
depois Abílio a aguardava em frente a um condomínio sem muita expressão. Ela
passou pelo portão esbanjando sensualidade e um perfume doce que o deixou
embriagado.
— Oi! — seu
rosto estava ruborizado.
— Oi!
entre. Chamo-me Abílio.
— Prazer,
Fátima.
— Belo
nome. E então, quer ir para onde?
Fátima
ajeitou os cabelos atrás das orelhas e ficou ainda mais vermelha.
— Ah! não
muito longe, amanhã trabalho cedo lá no bar e...
— Legal. É
sobre o bar mesmo que eu quero conversar. — ligou o carro e saiu.
Fátima não
sabia o que pensar, muito menos no que dizer sentada no banco do carona
aguardando a volta de Abílio com o lanche. Assim que seus olhos o viram vindo
segurando uma bandeja com os hambúrgueres e refrigerantes, a atendente conferiu
rapidamente o hálito e também se o desodorante ainda se mantinha em atividade.
Tudo certo, graças a Deus.
— Demorou,
mas está aqui. Refrigerante diet como você pediu.
— Ah!
obrigada.
Fontana
ocupou o lugar do motorista já de olho no par de coxas roliças da mulher.
— Você
disse que gostaria de falar sobre o bar, o que necessariamente?
— Sim! Ele
possui câmeras de segurança, não é? — sorveu a Coca.
— Sim,
possuímos.
— As
imagens ficam armazenadas ou elas só filmam?
— Não, as
imagens ficam armazenadas na memória, porque o interesse? — mordeu o sanduíche.
— Sou
investigador de polícia. — Fátima arregalou os olhos. — me desculpe por não ter
lhe contado antes, estou investigando um caso de homicídio e é bem provável que
o assassino ou assassina tenho estado lá.
— Meu Deus!
que loucura.
— Pois é,
loucura mesmo.
Fátima
abaixou a cabeça e mexeu nas unhas.
— E você só
me procurou por isso?
—
Acreditaria em mim se eu dissesse que não?
Faltando
poucos minutos para um novo dia, Fátima desembarcou do carro do policial que a
propôs um novo encontro.
— Sim,
claro que sim, aonde vamos?
— Gosta de
massas? — batucou no volante.
— Adoro.
— Ótimo! Te
pego no sábado. Agora, por favor. Me envie as imagens amanhã com urgência, tá
bom?
— Está bem.
Assim que eu chegar lá já te envio.