quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Linha Policial crime em Guerra | Final

 


As vezes é bom reviver o passado. É bem verdade que há certas coisas escondidas nele que tudo o que nós queremos é esquecê-los ou pensar que elas não existiram de verdade. Shirley e Damião não conseguiram fazer da união de trinta anos algo bom. Talvez porque ambos era imaturos demais, Shirley era facilmente manipulada pela família que vivia dando pitacos em como ela deveria proceder dentro do casamento. Damião por sua vez sempre foi um sujeito explosivo, infelizmente ele levou para dentro do relacionamento o que aprendeu durante todo o tempo em que foi um fuzileiro. Claro que isso não daria certo. Com a chegada das meninas, o que já era ruim ficou ainda pior. Ramos nessa época havia assumido a chefia de polícia de Luzia e mal tinha tempo para curtir com a família. Shirley passava boa parte da semana e até meses tendo que correr de um lado para o outro, sozinha, com as crianças. Cansada, chateada e o que é pior, sem incentivo algum, lógico que a qualquer momento isso explodiria. E explodiu.

Karina e Maiara tinham alcançado a adolescência quando finalmente a senhora Ramos criou coragem para pedir o divórcio.

-                     O que, mas, como assim? – Damião esfregou o rosto.

-                     Eu não quero passar o resto da minha vida aprisionada aqui. – Shirley chorava enquanto falava.

-                     Aprisionada?

-                     É assim que eu me sinto. Uma prisioneira. Não dá pra ser assim, Damião. Você está infeliz, eu estou infeliz e as meninas...

Damião precisou ser forte.

-                     É isso mesmo o que quer?

Assentiu Shirley aos prantos.

-                     Positivo! Vamos colocar a papelada pra correr.

Como é a vida. Antes Shirley nem em sonho imaginava viver o que vem vivendo nos últimos dias. Quando ela iria imaginar ver se preparando para um encontro com o seu ex marido, quando? Ela vestiu a melhor lingerie, o melhor vestido, passou o perfume mais doce e o aguardou. Karina apareceu na sala e só era elogios para sua coroa.

-                     Hum, hoje tem. – bateu palminhas.

-                     Olha, garota, você me respeita, hein.

-                     Ah, qual foi, mãe. Você e o pai estão vivendo a melhor fase, tem que aproveitar mesmo. – a abraçou. 

-                     Confesso que estou com um pouco de medo, mas...

-                     Dona Shirley, com medo, do que?

Shirley andou até a porta. 

-                     Ah, sei lá. E se seu pai quiser voltar para casa?

Karina foi ao encontro da mãe. 

-                     A decisão é de vocês. Eu, daqui a pouco vou arrumar um canto pra ficar, a Maiara é bem provável que volte com o Rogério, então...

-                     Obrigado por entender, filha. 

*

Paulo Alves lia atentamente o artigo escrito por sua digníssima namorada sobre a guerra entre as gangues. A cada palavra lida é como se enxertasse no policial doses cavalares de puro ânimo e coragem. Damião Ramos chegou de surpresa.

-                     Assim que a ver, agradeça ela por mim.

-                     Valeu chefe. Tenho sorte de ter alguém como Janaína.

-                     Sim! – Damião tinha um sorriso que a muito tempo não se via.

-                     O senhor pelo jeito teve uma noite especial, acertei?

Ramos bem que tentou, mas não conseguiu conter sua felicidade.

-                     É, meu caro agente Alves, a vida é mesmo uma caixinha de surpresas. – disse dobrando a manga da camisa.

-                     Que bom, senhor. Fico feliz por vocês. 

De repente soou um alerta.

-                     Senhor! – vociferou outro policial. – está acontecendo agora um confronto entre as gangues de Dinho e Urso.

-                     Eita! O dia promete. Pegue suas coisas, Alves.

*

Luzia nunca esteve tão em evidência. Nunca esteve tão perigosa. Antes ela era conhecida por ser referência das noites mais fantásticas e saborosas, perdendo somente para São Paulo. Hoje em dia ela é facilmente encontrada até nas páginas policiais dos jornais estrangeiros. Que declínio. A guerra entre gangues fez com que investidores cancelassem suas ações ou até mesmo encerrassem suas operações e com isso, só quem sai perdendo nós já sabemos quem são. Ante a toda essa avalanche aonde pessoas de bem perdem seus empregos e fecham seus negócios, prefeito e governador decidiram unir forças para o combate as organizações criminosas. Assim que soube do confronto entre Urso e McLaren, o governador ligou ele mesmo para Damião Ramos.

-                     Espero que já esteja a caminho. 

-                     Positivo, governador, acionei todo o nosso pessoal.

-                     Isso é ótimo. Farei contato com o governo federal...

Me desculpe, senhor. Tenho bons homens aqui. Não será preciso a intervenção do exército.  

O chefe do executivo trocou o aparelho de lado.

-                     Então faça o que for preciso. Vivos ou mortos, eu quero os dois ainda hoje.

-                     Copiado, governador.  

*

Todos foram pegos de surpresa. Com Dinho McLaren não foi diferente. Ao tomar ciência que seu grupo foi atacado e nesse ataque todos foram executados, ele deu ordens expressas de retaliação imediata onde ele mesmo tratou de se armar e partir para o combate.

-                     Eu quero a cabeça do Urso!

Um comboio de dez veículos com homens armados com fuzis e metralhadoras invadiu o bairro dominado por Orlando e logo de cara executaram homens que faziam a segurança da entrada.

-                     Aqui é a tropa do McLaren. – berravam enquanto matavam.

Pobre de quem reside nesse lugar. Pior do que aquele que vive nos grandes centros, são aqueles que de uma hora para outra precisam se esconder atrás de uma parede, ou ter que se deitar no chão para não ser surpreendido por uma bala. Escolas e o comércio local tiveram o seu funcionamento interrompido. O caos tomou conta daquele bairro.

Orlando Urso antes de deixar sua caverna declarou todo o amor que sente por Fabiana e jurou por Deus que traria o merda do McLaren e o executaria bem ali, na presença dela. Após beija-la longamente, sua arma foi posta na cintura e como um guerreiro destemido ele partiu para a zona de combate.

Aos poucos, mas constante, o bando de McLaren foi ocupando espaço. A cada corpo que era alvejado, comemorações eram ouvidas e incentivadas pelo chefe.

-                     Você é o próximo, Urso! – gritou de dentro da van.

Uma coisa é certa: quem sai para brigar, precisa estar disposto a apanhar também. Dinho McLaren parece ter se esquecido dessa regra e por isso foi atacado. A van onde estava virou alvo certo de atiradores estrategicamente posicionados em prédios invadidos. Dois dos homens foram mortos, um deles o motorista. A van colidiu contra outro veículo parado. McLaren sacou sua pistola e aguardou a porta ser aberta.

-                     Vamos, senhor, lhe daremos cobertura.

Do alto de um dos prédios, assim que identificou o chefe rival, o atirador de Orlando ajustou melhor sua mira e puxou o gatilho. O alvo principal se safou, mas não se pode dizer o mesmo dos outros. McLaren assistiu o crânio de um de seus homens se transformar em uma fonte jorrante de massa encefálica.

-                     Mais que merda. Atiradores. – berrou correndo para trás da van.

Dinho sabia que, se ficasse ali, não só ele, mas como todos os outros seriam alvos fáceis, por isso decidiu contra atacar.

-                     Atirem nas janelas.

Por hora o plano funcionou, mas era preciso agir rápido. McLaren correu rua acima deixando seus comparsas para trás. Um típico ato de um líder covarde.

*

Vinte viaturas. Cinco carros blindados, os chamados caveirões. Apoio aéreo, sem falar dos PMs que seguem entrando na comunidade a pé. Damião Ramos quer a conquista custe o que custar. As tomadas de territórios nunca foram pacíficas. Elas sempre custaram suor e sangue tanto de quem deseja a terra, quanto de quem já habita nelas. Ramos sabe muito bem o que encontrará pela frente, muita resistência por parte do inimigo, um inimigo covarde, que não mede consequências. Lógico que ele como o comandante da operação Rolo compressor e melhor do que isso, líder da segurança pública, se preocupa e muito com a integridade física de seus homens e muito mais da população. Ele tem um plano e uma única chance e essa ele não pode perder jamais.

-                     Entramos, senhor. Qual o próximo passo? – Alves também estava empolgado.

-                     A essa altura eles já devem estar sabendo de nossa entrada e vão atacar. A princípio precisamos proteger os civis, por isso quero vocês em alerta o tempo todo. Vamos nessa. – desceu da viatura  com o fuzil em mãos. – Alves, você vem comigo.

Agora não há como voltar a trás. De fato o estado comprou a guerra e o pensamento não pode ser outro a não ser ganha-la. Não será fácil, mas quem disse que Damião Ramos e sua tropa acham empecilho nisso?

*

McLaren foi alcançado por dois de seus homens em uma das estreitas vielas daquele bairro proibido. Era possível ver a olho nu o medo o entorpecendo, mas ele não admitiria isso jamais.

-                     Dê uma sondada antes de seguirmos rua acima. – disse ofegante. 

-                     Sim, senhor.

A situação não estava nada favorável para ambos os chefões. Para cada um deles a preocupação veio em dose dupla isso porque a polícia também se encontra em seus encalços. Para recuperar o fôlego e verificar se ainda há munição o suficiente, Dinho recostou-se na parede sem reboco de uma das casas. Curiosamente o homem demorou a voltar lhe causando irritação.

Mais que droga.

Como fantasmas em meio ao um corredor sombrio os homens de Orlando Urso apareceram cercando todo o lugar. Os dois apontaram suas armas, mas era tarde demais para se safarem.

-                     Quanto tempo, Dinho. 

Urso apareceu abrindo caminho entre seus homens.

-                     Seja homem pelo menos uma vez nessa sua merda de vida e renda-se.

McLaren ergueu os braços ainda segurando sua arma. Seu comparsa seguiu seu exemplo.

-                     Temos contas pendentes, você não acha? – Urso parou de andar e pôs as mãos na cintura. Olhou para o assecla e o propôs. – quer trabalhar pra mim ou morrer ao lado do chefe?

McLaren mal olhava para o rapaz a seu lado.

-                     Pense bem! 

-                     Vai se ferrar, seu merda. – vociferou o soldado de McLaren.

-                     Ótima escolha.

O bandido teve a cabeça explodida sujando o rosto de Dinho.

-                     Lhe faço a mesma proposta, McLaren. Quer trabalhar pra mim?

-                     Faça o que veio fazer. – respondeu entre os dentes.

-                     Veja bem, meu caro Dinho. Você matou meu sobrinho Bruno. Roubou o meu dinheiro e não só isso. Desde sempre você e sua turminha vem atrapalhando meus negócios com essa brincadeira. Pra mim você não passa de um moleque metido a gangster e agora vou lhe ensinar como um fora da lei deve agir.

*

Fabiana observa da janela o belo jardim construído por Orlando e ela assim que se casaram, mas tudo o que consegue pensar é: o que irá fazer se ele for preso ou na pior das hipóteses morto.  Ela também tem parte nesse negócio. Tudo o que possuem eles construíram juntos e  com o dinheiro sujo do crime. Ela se afastou da janela e andou até o armário de onde retirou uma bíblia de capa branca. Foi um presente de seu pai que ela nunca fez questão de sequer ler a dedicatória escrita por ele. Seria uma boa hora pra isso? De repente alguém tocou a porta.

-                     Porcaria! – fechou o livro sagrado. – eu falei que não queria ser interrompida e... – abriu a porta do quarto.

-                     Fabiana Urso! A senhora está presa. – bradou um policial junto com outros dois a paisana. – não ofereça resistência, toda a casa foi dominada. Venha conosco.

O policial não estava blefando, toda residência foi cercada e não houve como os meliantes reagirem. A polícia  agiu com inteligência, sem alarde, sem troca de tiros e sem mortes. A rainha do crime foi levada algemada, cabeça baixa e com os longos cabelos lhe descobrindo o rosto.

*

Orlando enquanto tortura sem nenhuma demonstração de pena ou remorso o seu rival, faz jus ao seu vulgo. O urso é um animal forte e seus ataques costumam ser no mínimo lacerantes. Dinho McLaren caiu nas terríveis e afiadas garras do predador e está pagando caro por isso. Orlando o castiga com vontade tendo como espectadores seus asseclas que vibram a cada osso partido, a cada sangue jorrado e é claro, a cada pedido de clemência do inimigo. O último chute no rosto o deixou banguela e ele apagou.

-                     Vamos acabar logo isso. Podem passar.

Ah, o famoso ataque Soviético, como a bandidagem adora esse tipo de execução. Ainda mais quando o alvo é um antigo rival. Urso deixava o beco quando o celular tocou. - Estou ocupado.

-                     A sua casa caiu. Fabiana foi presa e sua residência nesse exato momento se encontra ocupada por policiais. Dê o fora dai imediatamente.

Náuseas, tonturas e ódio. Muito ódio. Urso girou o pescoço e viu o corpo de Dinho McLaren já sem vida esparramado no chão. depois olhou para o céu na direção dos prédios onde a aeronave da polícia despontava com um atirador pronto para acertalo. Ele voltou a olhar para o seu grupo e decidiu não sacrifica-los.

-                     Já chega, rapaziada. A casa caiu. – ergueu os braços.

*

Terminou hoje uma guerra entre gangues rivais que já vinha tirando a paz da cidade a mais ou menos cinco anos. Dinho McLaren e Orlando Urso, chefões do crime organizado, controlavam o tráfico de drogas, assaltos a carros fortes e agências bancárias, sem falar de assassinatos de agentes de segurança pública. A operação Rolo compressor liderada por Damião Ramos colocou um ponto final nas ações de ambas facções”. Shirley e o próprio Damião assistiam ao noticiário sentados lado a lado, como nos velhos tempos.

-                     Pelo menos por um bom tempo Luzia gozara de paz e tranquilidade. – Shirley estava emocionada.

-                     Sim! A nossa polícia conta com homens preparados e comprometidos. Eu posso dizer, sem medo de errar que, essa é a melhor equipe que já fiz parte.

Orlando Urso, assim como sua esposa Fabiana, serão levados ao tribunal e caso forem condenados pegaram de vinte a trinta anos de regime fechado.”

-                     É! Missão cumprida. Mas agora preciso ir.

Achei que fosse ficar...

Damião a beijou.

-                     Eu volto ainda hoje. 

-                     Estarei te esperando com aquela lingerie.

-                     Maravilha!

Momentos depois o carro de Ramos parou em uma rua de paralelepípedos com sua iluminação pública bem precária. Antes de sair do veículo o chefe de polícia se certificou se não havia alguém em seu encalço. Pegou sua arma e desembarcou. A casa é simples, pequena, mas não é feia. Damião esmurrou o portão social algumas vezes até ser atendido por Rogério.

-                     Meu Deus!

-                     Não! Não sou Deus não. Minha filha Maiara está aqui?

-                     Está, está sim, senhor. Quer entrar? – Rogério tinha às mãos trêmulas.

-                     Não quero estragar o lance de vocês dois. A minha conversa é com você. – o rapaz abaixou a cabeça. – eu acompanhei o que você fez a minha filha, ela quase surtou, sabia? Agora o negócio é o seguinte, se a pruma, toma postura de homem. Mulher é para ser tratada com carinho e dignidade. Eu não vou deixar que minha filha padeça nas mãos de um moleque. Você está estendendo?

Rogério assentiu.

-                     Responde!

-                     Entendi.     Positivo! – bateu em seu ombro. – não teremos outra conversa como essa, está certo?

-  Sim, senhor. 

- Certo! Volte pra lá e não fale para ela que estive aqui. Copiado?

-   Copiado.

Rogério despareceu fechando o portão. Damião Ramos voltou para seu veículo. O manobrou sentido a casa de sua ex mulher. FIM.

 


terça-feira, 8 de novembro de 2022

Linha Policial crime em Guerra | Capítulo 5

 


A chegada ao departamento de polícia não poderia ser pior. É incrível como os veículos de comunicação são rápidos nos assuntos polêmicos ou naqueles que possam gerar visibilidade e venda. A aglomeração não era somente na entrada do DP, mas ao redor dele também. Para onde quer que se olhe, lá está um profissional de imprensa se virando como pode para tentar cobrir o fato. Há também pessoas comuns fazendo seus registros com seus celulares. Tudo por visualização, tudo por um like. É isso que move essa nova geração. Foi preciso cautela por parte das viaturas ao acessar a rua de trás ao entrar na garagem.

-                     Vai falar com a imprensa, senhor? – Paulo Alves olhava atentamente pela janela do carona.

Damião esfregou o rosto.

-                     E se eu disser que não quero?

-                     Se o senhor quiser, eu posso...

-                     Não! Deixe isso comigo. Eu quero que você entre e comece a colher informações. Dependendo do que conseguir voltaremos lá ainda hoje. 

Alves anuiu.

*

Antes de encarar os microfones o chefe de polícia de Luzia correu até o banheiro. Lavou o rosto. Retirou o colete a prova de balas. Ajustou a gravata e acertou os cabelos. Dentro do bolso o telefone vibrou. Shirley.

-                     Parabéns, xerifão!

Ouvir a voz da mulher amada foi como um bálsamo. De repente tudo se tornou mais leve.

-                     Ah, obrigado. Estamos apenas no começo. E as meninas?

-                     Karina segue enrolada com os estudos e Maiara...

Ramos encostou na porta.

-                     O que tem, Maiara?

-                     Acho que ela anda conversando com o tal de Rogério.  

Damião respirou fundo e depois soltou o ar, Shirley já conhece bem esse tipo de reação.

-                     Caramba! Ela vai acabar grávida desse sujeito. Mais tarde eu passo ai.

Shirley se sentiu culpada. Ela não queria encher ainda mais a cabeça do ex marido com isso.

-                     Damião, eu posso cuidar de tudo por aqui. E você, trate de pegar logo esses marginais.

O delegado teve que rir da intimação. 

-  Copiado, senhora capitã.

-  Mas, eu gostei da ideia de você passar aqui mais tarde.  

*

Um dos atiradores de Urso foi conduzido até a sala reservada para interrogatório nos fundos do departamento sob os olhares furiosos de dois agentes uniformizados. Ele tem às mãos algemadas para trás e mantém o tempo todo a cabeça baixa.

-  Entre ai, vagabundo. – disse um deles.

-  Só irei falar na presença do meu advogado. – empacou.

Paulo Alves já encontrava-se sentado, dedos entrelaçados e com uma expressão pouco amistosa.

-  Vai mesmo fazer isso, não conversar?

O marginal encarou o policial por alguns segundos e depois deixou os ombros caírem.

-          O que vou conseguir com isso? – terminou de entrar.

-          Não sei! Vai depender muito. No caso, se você disser exatamente onde seu chefe se esconde, eu posso tentar uma redução, ou...

-          Ou?

-          Posso conseguir que cumpra sua pena fora da cidade. Seria uma boa não cruzar com rivais na cadeia, não é?

O sujeito foi algemado na mesa de tampo de aço inoxidável.

-  O senhor dá a sua palavra?

-  Vamos lá, jogador, sou sua melhor chance.

-  Ah! Dane-se. Vou falar.

*

A cadeira espatifou em milhares de pedaços o espelho do bar perto do freezer vertical de uma marca famosa de cerveja. Fabiana assiste sem poder fazer nada o ataque de fúria do marido e tudo isso por causa de Dinho. Ela nunca desejou tanto a morte do rival de seu esposo.

-                     Como assim, ele pegou todo o dinheiro?

-                     Temos que descobrir quem facilitou para ele. – criou coragem para falar.

-                     Eu não acredito que fui traído. – pegou outra cadeira e a arremessou contra às garrafas que restaram em exposição no bar. – em memória do meu sobrinho, Bruno. Eu vou destruir de uma só vez Dinho McLaren, o traidor e...

-                     Damião Ramos. – completou Fabiana o abraçando por trás.

*

Enquanto seu inimigo mortal se descabela e espuma de ódio, McLaren comemora com direito a champanhe a fortuna que acabara de cair em seu cofre. Claro que para essa grande festa ele contou com as meninas, pelo menos meia dúzia delas. Música de péssima qualidade e em volume alto. Comida japonesa e massas encobrem a mesa, bebidas e para não perder o costume: drogas.

-                     Vamos lá garotas, tirem as roupas e vamos dançar coladinhos.

Para que nada atrapalhasse sua festinha, Dinho reforçou sua segurança nos arredores de sua casa e escritório.

*

A paixão por si só já é algo perigoso. Porém, quando ela se torna cega o problema toma proporções muitas vezes difíceis e quase sempre irreversíveis. É exatamente esse tipo de paixão que Maiara vem permitindo que seu coração seja facilmente dominado. Sua cegueira é algo grave. Mais uma vez ela se encontra ali, no mesmo lugar de onde saiu ferida e magoada. Rogério a prometeu Deus e o mundo e jurou por esse mesmo Deus que nunca mais a magoaria.

-                     Então! Estou perdoado? – perguntou acariciando seu rosto.

Maiara bem que tentou fazer jogo duro, se fazer de difícil, mas não resistiu a forte investida do tatuado a sua frente.

-                     Não sei! Acho que vou precisar de mais provas.

Eles estão conversando a horas no portão da casa dele. Ambos se desejam. Ambos se querem. Rogério só estava aguardando o momento certo para levá-la para dentro do seu quarto.

-                     Vamos subir?

-                     Demorou!

*

Olhos arregalados. Transpirações densas e continuas. Todos ali dentro daquela sala escura sentem a mesma coisa: medo. Orlando Urso adentrou ao recinto acompanhado de sua esposa que portava um GPS. A expressão de Orlando é de causar pânico em qualquer um. 

-                     Vocês já devem estar imaginando por que o Guará é o único armado aqui dentro, não é?

Todos se entreolharam.

-                     Guará é o meu homem de confiança dentro dessa organização. 

Guará traz na cintura uma pistola. Ele também encontra-se apreensivo.

-                     Fui roubado, aliás, fui traído. Traidores não serão tolerados em minha casa. Minha mulher está aqui – apontou para Fabiana. - e se um dia, ela cismar de me trair, eu a amo, mas, não hesitarei em acabar com a vida dela.

Urso fez uma pausa e olhou nos olhos de cada um comparsa.

-                     Eu tenho o controle de todos os meus veículos e esse GPS me chamou a atenção. – o tomou da mão da esposa. – exatamente no dia do sumiço do dinheiro, horas depois, foi verificado que ele percorreu uma rota diferente, mas conhecida. – Orlando girou nos calcanhares e olhou para Guará. – o que foi fazer na área do McLaren?

Guará deu um passo para trás. 

-                     O que?

-                     Foi você, não foi? – apertou as mandíbulas.

-                     Calma ai, Orlando...

-                     Traidores não serão tolerados em minha casa. Pegue sua arma e exploda seu crânio. Agora. – sibilou.

-                     Ah? – abriu os braços.

-                     Vou abrir a contagem e quando eu chegar no dez, espero que você já não esteja mais nesse mundo. Um.

Guará sorria de nervoso.

-                     Não pode estar falando sério. 

-                     Dois.

Todos se espremiam entre si.

-                     Três. 

-                     Qual foi, Urso, eu...

-                     Quatro.

Fabiana não sabia para onde olhar. Tudo o que ela queria era desaparecer daquela sala.

-                     Cinco.

-                     Merda, Orlando, vamos conversar, só você e eu...

-                     Seis.

-                     Eu não farei isso. – vociferou .

-                     Sete.

-                     Por favor, Orlando, eu posso explicar...

-                     Oito.

Os homens sentiam o coração bater no cérebro. A situação piorou ainda mais quando Guará resolveu chorar implorando pela vida.

-                     Mais que merda, Orlando. – pegou a pistola. – precisa mesmo ser assim?

-                     Nove.

-                     Deus! – a saliva escorria pelos cantos da boca.

Fabiana apertou os olhos e segundos depois ouviu-se o disparo. Ela olhou e ainda havia no ar uma nuvem rosada pairando. Guará estava morto.

-                     Dez. – murmurou.

Orlando Urso deixou a sala limpando seu rosto.

-                     Vamos, Fabiana.

*

Para uma profissional competente como Janaína Lopes, os últimos acontecimentos em sua cidade natal é algo a ser ainda mais valorizado, mais caprichado. Por isso, como uma boa jornalista que é, ela faz questão de enaltecer o belo trabalho que a polícia vem fazendo ante ao combate ao crime organizado. E por ser companheira de um desses heróis, muitas vezes injustiçados, ela precisa e quer desenvolver um belo feito na redação do jornal onde é colunista. Sentada a frente do computador Janaína procura no Google às melhores imagens de Paulo Alves e do delegado Damião Ramos.

-                     Essas estão boas.

Seu supervisor parou bem ao lado de sua mesa colocando os óculos de leitura. 

-                     “Os guardiões da Luzia" interessante.

-                     E ai, gostou da chamada, chefão?

-                     Está preparada para receber as pedradas que virão?

Janaína girou a cadeira.

-                     O povo precisa entender que, só não estamos pior porque homens como Damião Ramos e Paulo Alves ainda lutam bravamente, quase sempre sem apoio, sem reconhecimento ou recursos algum.

O homem alto, magro e de poucos cabelos pôs às mãos na cintura.

-                     Verdade. Imagina ter que sair de madrugada ou voltando para casa tarde da noite e ser abordado por bandidos? Tudo o que eu mais vou querer nesse momento é uma viatura dobrando a esquina.

Janaína encolheu os ombros.

-                     Então! Com base nisso é que farei sim um baita artigo homenageando esses caras.

-                     Vá em frente. – bateu em seu ombro.

*

O atirador permaneceu detido no DPL mesmo depois da longa conversa com Alves e em seguida com Ramos. Não se pode confiar cegamente nas palavras de um bandido, ele pode muito bem estar armando uma arapuca, por isso Damião Ramos voltou a se reunir com o grupo para discutir e traçar novos rumos para a operação Rolo compressor.

-                     Seguinte, rapazes. Temos o local onde Urso provavelmente mora e coordena toda a organização. Temos também nomes como Guará e Fabiana.

-                     Essa é a esposa. – Paulo mostrou-lhes uma foto. – uma gata por sinal.

Todos concordaram.

-                     Segundo o rapaz que prendemos, partiu dela a ideia do roubo ao carro-forte. – Ramos sentou-se na ponta da mesa. – e essa carga já não se encontra mais com Orlando Urso. Foi roubada por Dinho McLaren, ou seja, o negócio é feio minha gente.

-                     E chefe, como será nossa atuação daqui pra frente? – perguntou um dos agentes.

-                     Pra mim já chega. A Rolo compressor atuará do jeito antigo. Vamos meter o pé na porta e arrancar esses vagabundos dos buracos.