quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A Primeira vez que vi Ricardo - Final


Escrito por Abril Rocha

A Primeira vez que vi Ricardo 2

Anestesiada, perdida e cheia de dúvidas. O dia mal começou e eu já havia trocado números com um cara que eu mal conhecia dentro de um ônibus lotado. Cheguei ao trabalho e fui direto para o banheiro me aliviar. Enquanto deixava minha bexiga esvaziar, voltei a pensar nele e na burrada que fiz. Como pude ser tão inconsequente? Sou casada, meu marido é um homem honesto, trabalhador e o que é melhor, ele me ama e me presenteou com uma filha maravilhosa. Ao me levantar do vaso o telefone toca. Seria ele? Pego o aparelho dentro da bolsa e no visor um número desconhecido. Meu coração gelou. Devo atender ou não?
         O gesto de tocar no ícone para atender a chamada e levar o celular ao ouvido foi em câmera lenta. Até o meu alô foi arrastado.
         - Bom dia, sou eu.
         - Ah, oi, bom dia. – quase tive um ataque cardíaco.
        - Então, andei pensando, quando podemos nos ver, fora do ônibus, é claro.
         Eu gostaria de dizer nunca, mas o que saiu da minha boca foi...
         - Ah, você escolhe o lugar.
         - Legal, você gosta de massas?
         - Amo!
         - Ótimo, tem um lugar bacana perto do centro, você pode anotar o endereço?
         Anotei o endereço na mente e depois passei para o papel. Descobri o nome dele, Ricardo. Saí do banheiro ainda processando os dados. O dia hoje promete. Mais uma vez trabalhei sentindo a adrenalina circulando meu corpo o tempo todo. Pra falar a verdade eu estava adorando tudo aquilo.

*
O expediente terminou. Apesar de trabalhar num ambiente refrigerado eu corri para o banheiro e tomei um banho. Por que estou fazendo isso? Saí da loja direto para o local do encontro que fica a metros do meu trabalho. Fui andando. Cheguei alguns minutinhos atrasada e ele, é claro, não se importou nem um pouco com isso.
        - Oi! – disse ele me iluminando com seu sorriso.
        - Oi. Me desculpa o atraso.
        - Sem problema, relaxa, vamos entrando.
        O restaurante não é de luxo, mas me ganhou pela organização e também pela decoração. Nos sentamos. Ricardo não tirava os olhos de mim e nem eu dele. Conversamos bastante, ele me falou que precisava ser efetivado em sua nova empresa e eu apenas concordava com a cabeça.
         - Você está tímida ou eu estou enganado?
         - Tímida? Eu? Não.
         - Daiana, você quer me dizer alguma coisa?
         De uma forma ou de outra ele acabaria descobrindo mesmo, por isso resolvi falar.
         - É que...
         - Você é casada, não é?
         - Ai, que vergonha. – escondi o rosto com as mãos.
         - Daiana. – Ricardo me toca no ombro. – não precisa ser assim, não aconteceu nada entre nós, somos dois amigos comendo massa num restaurante Italiano.
          Rimos daquela situação. Comemos, bebemos, foi uma noite pra lá de agradável. Ele me levou ao ponto do ônibus.
          - Você não vai para casa agora? – eu pergunto.
          - Não agora, vou voltar para empresa, amanhã a gente se vê no ônibus, certo?
          Ele me beijou no rosto e eu pude sentir sua energia. Meu coletivo chegou. Me despedi de Ricardo com o coração sangrando. O ônibus partiu e lá fora ele acenou outra vez. Devo admitir, eu estava caidinha por ele. Que saudade.

*
Ao entrar em casa e ver Luísa desenhando na mesa de centro e Alexandre em pé observando a filha terminando o desenho, tudo aquilo que vivi com Ricardo a horas atrás se transformou em vergonha. Minha família, meu chão. Um nó na garganta se formou na hora. Alexandre me olhou e disse.
        - Vem ver amor, temos uma artista em casa.
         Ainda meio confusa deixei a vergonha de lado e antes de me ajoelhar para desenhar com Luísa eu lasquei um beijo suculento e molhado em Alexandre que perdeu o fôlego.
         - Eita! – ele disse.
         - Mais tarde tem muito mais.
         Ainda desenhando Luísa perguntou.
         - Do que estão falando?
         - Nada filha. – gaguejou Alexandre. – termine o desenho.
          Naquela noite Alexandre e eu fizemos amor longamente. Vez por outra Ricardo aparecia em minha mente. Enquanto meu marido tomava banho eu seguia enrolada na coberta imaginando o que estaria Ricardo fazendo agora e o que é pior, o que nós poderíamos estar fazendo. Meu Deus, que loucura, foi por pouco.
          Alexandre voltou do banho querendo o segundo tempo e eu topei. Sempre vou topar. Nos dias que se seguiram eu voltei a me encontrar com Ricardo, porém aos poucos a minha paixão foi diminuindo e logo o via como um bom amigo. Foi por pouco que eu quase deixei meu coração falar mais alto. Quase permiti que o meu fogo queimasse uma década de felicidade. Ricardo não merecia isso. Ele precisa de uma mulher livre, companheira e não eu. Comigo ele só conseguiria sexo e mais sexo, nada mais. Se identificou com a história? Deixe nos comentários um pouco de sua experiência. FIM.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

A Primeira vez que vi Ricardo - Parte 1

Escrito por Abril Rocha

A primeira vez que vi Ricardo

Nada como uma boa e cansativa rotina na vida de uma mulher. Todos os dias acordo as cinco da manhã, lamento por não ser sábado ou domingo, ando até a janela e olho o céu ainda negro. Corro até o banheiro e permito que a água fria leve embora o que ainda resta de sono. Tudo normal até então.
       As quinze para às seis já estou no ponto aguardando o coletivo que a essa hora, ainda bem, vem vazio. Bocejo milhares de vezes. No céu a luz diurna já desponta dando a ele um tom alaranjado. Só Deus para criar tamanho espetáculo. Dentro do ônibus consigo um lugar na janela, maravilha, vou poder curtir um cochilo até o trampo sem problema.
          Cinco pontos depois do meu subiu um cara alto, bem vestido, bonito, com uma mochila de couro nas costas. A essa altura já não havia mais lugares, o ônibus estava relativamente cheio. Ele arrumou um jeito de ficar confortável, na medida do possível, no meio daquela confusão. A viagem seguiu e eu sempre com sono até que meus olhos se cruzaram com os do rapaz. Ainda sonolenta desviei o olhar algumas vezes, mas ele não tirava os olhos de mim. Comecei a sentir um certo incômodo. Sem jeito fechei os olhos fingindo dormir. Não demorou cinco segundos. Lá estava ele me hipnotizando.
       Faltando dois pontos para o meu, eu resolvi entrar no jogo. Segurei o olhar durante uns longos segundos e quando percebi já era hora de descer. Que pena. Desci do coletivo e de repente me vi com saudade de um estranho. Quem sabe uma longa jornada dentro de uma loja não seja o suficiente para esquecê-lo?


Trabalhar foi complicado naquele dia. Tive que dividir os pensamentos entre vender bem e o estranho do ônibus. Ele não saiu da minha cabeça hora nenhuma, que loucura. Voltei para casa, preparei o jantar antes que meu marido chegasse do trabalho. Enquanto minha filha fazia o dever de casa, eu fui para o quarto conferir minhas redes sociais. O estranho do ônibus ainda rondava minha mente. Perto das vinte horas Alexandre chegou. Jogou sua bolsa no sofá e andou até a porta do quarto.
        - Oi!
        - Oi, amor, a janta tá pronta. – sigo olhando o celular.
        - Legal. E a Luísa?
        - Fazendo dever de casa.
        Jantamos, todos juntos como uma família deve ser. Depois do jantar cada um seguiu seu rumo. Luísa foi para o quarto assistir o seriado. Alexandre ficou na cozinha fazendo anotações em sua agenda e eu me deitei no sofá olhando a TV com a mente no rapaz do ônibus. O programa de humor segue e eu não consigo prestar atenção.
        Querendo afastar de vez os fantasmas que assombravam minha mente, me joguei nos braços de Alexandre. Fizemos amor gostoso, proporcionei ao meu marido uma hora de sexo sem contar com as preliminares. Pronto. Era o que faltava para fechar o meu dia.


Lá estava eu outra vez dentro daquele ônibus. Graças a Deus mais uma vez consegui um lugar. Não queria admitir, mas eu estava louca para vê-lo mais uma vez. Ele subiu, hoje ele está vestido um pouco mais informal. Fones de ouvido, mochila nas costas, bem barbeado, um gato. Minha respiração ficou pesada, parecia que eu não estava no ônibus, eu só tinha olhos para ele. Que loucura. Estaria eu dando margem para algo errado?
         Finalmente ele me visualizou. Com certeza ele gostou do que viu. Pela primeira vez não sequei os cabelos e nem os prendi. Entrei no jogo. Fixei meus olhos nele com o coração na boca. Como sempre ele me fuzilava sem dó. Uma idosa subiu e eu cedi meu lugar. Ficamos a uma pessoa de distância. Ele continuava me olhando quando a pessoa saiu do  nosso meio. Nervosa passei a olhar a paisagem passando como borrões. Não resisto e volto a paquerá-lo. Ele ensaia um sorriso e eu sigo séria. Sentia o suor escorrer no meio das minhas costas quando inesperadamente ele faz um gesto me perguntando o meu número.
         Sinto uma secura na boca. Tento não rir mas é mais forte do que eu. Ele me pergunta sem emitir som.
         - Tem Whatsapp?
        Digo que sim com a cabeça. Ele saca seu celular do bolso e olha pra mim. Um a um vou falando os números. Ele os salvou nos contatos quando chegou o meu ponto. Lá fora eu consigo vê-lo gesticulando dizendo que me ligaria. Chocada. Fique petrificada, o que eu fiz? Sou uma mulher casada. (continua)



domingo, 25 de agosto de 2019

Com a palavra o criador do MANUAL DOS CONTOS


Fala meus amigos. Sou Júlio Finegan, sou o criador desse blog onde eu tenho o maior prazer em postar meus contos. Muito bem, quero falar um pouco sobre mim e também comentar sobre os meus planos para o futuro como escritor. Vamos nessa? Boa leitura!

Quando descobri que eu tinha talento para criar histórias.

O ano eu não sei com exatidão, mas eu me lembro muito bem quando tudo começou. A professora havia dado redação e eu sempre gostei dessa matéria. O tema era livre e eu me lembro que fui o primeiro a terminar. A professora pegou minha redação e não largou mais e assim que terminou de ler ela me chamou até sua mesa e perguntou se tinha sido eu mesmo quem havia escrito.

Gostaria de poder viver de minha arte?

Sim, claro, porque não. Eu amo o que faço. Tenho uma verdadeira devoção por criar mundos, personagens, contar histórias. Sei que vivo num país pobre no que se refere a literatura. Quase ninguém lê nesse Brasil. Creio eu quem hoje em dia consegue fazer carreira como autor, vive cada dia um milagre.

Em quem me inspiro para escrever contos polícias?

Com certeza no mago James Patterson. Gosto muito de ler seus livros, principalmente os da série Alex Cross. Aprendi muito com Patterson.

Por que gosto de escrever contos sobre lobisomem.

Eu até escrevo sobre vampiros e zumbis, mas o tema lobisomem me seduz bastante. Eu viajo escrevendo sobre esse monstro clássico da literatura de terror, eu acho que consigo contar uma boa história utilizando esse personagem.

Gostaria que um conto meu fosse adaptado para o áudio visual?

Sim! Digo com toda tranquilidade que esse é um dos meus sonhos poder assistir um conto meu retratado nas telonas. Gostaria muito de ver um dos contos do meu personagem principal, Luís Souza no cinema, seria demais.

Bom galera, espero que tenham gostado do bate papo. Prometo postar mais falando sobre mim. Fiquem espertos e continuem lendo meus escritos. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Vivendo da Noite


Vivendo da Noite

Ela nasceu Marli Pereira, mas hoje ela é conhecida apenas por Flora. É assim que ela gosta de ser chamada. Flora. Ela é filha de Miro Pereira e Dulce Maria. O casal, mesmo vivendo precariamente tiveram cinco filhos. Tudo muito pouco. Comida era uma vez ao dia. Mesmo Miro se matando de trabalhar, ele não conseguia sustentar sua prole.
       O dia foi duro. Miro infelizmente terá que voltar para o velho barraco caindo aos pedaços apenas com sua ferramenta de trabalho. Sua inchada apoiada no ombro balança incomodando, mas pra falar a verdade Miro está dando a mínima para isso. O que realmente o perturba é pensar na reação de suas crianças ao saberem que irão mais uma vez dormir com fome. E o que dizer para Dulce Maria?
       Ele abre a porta. O casebre se encontra num silêncio assustador. Na sala seus filhos estão amontoados no canto e ao verem o pai os olhos brilham.
      - Pai, trouxe pão? – pergunta o mais velho.
     O nó formado na garganta desceu na marra. Miro olha para os pequenos e balança a cabeça negando. Dulce Maria aparece com o caçula no colo chorando de fome.
       - Meu Deus homem, o que vamos fazer?
       Miro preferiu não responder. Ao som estridente de seu filho chorando ele volta para fora, não quer que seus filhos o veja chorando. Ele volta para o caminho de barro cercado de mato alto. Miro chega perto de um cercado onde desabou de joelho chorando alto, amaldiçoando Deus e o mundo.

*
A noite já era alta quando finalmente Miro resolveu voltar para casa. Assim que entrou percebeu que Dulce Maria conseguiu fazer com que todos dormissem. Um pouco mais leve ele anda até o quarto. No berço o pequeno Marcos dorme. Dulce não está. Miro vai até a cozinha, ela também não está. Preocupado o roceiro ganha a parte de trás do casebre onde há uma pequena plantação de banana e laranja. Escuro, sombrio e estranho. Miro dá meia volta. Já dentro do quarto ele pega seu revólver escondido dentro de uma bota velha. Ele volta ao matagal com sua arma na cintura.
       - Onde diabos se meteu essa mulher, mais um pouco e eu entro no terreno do vizinho.
       Miro consegue sair do meio do mato onde todos os mosquitos puderam experimentar de seu sangue. Ainda se livrando dos vampiros ele vê duas pessoas perto do cercado que divide os terrenos. Sim, é Dulce Maria com seu vizinho. Miro sente o chão abrir e nada para se segurar. Dulce Maria, sua querida Dulce sendo possuída por outro homem. Está escuro, mas mesmo assim ele consegue ver a amargura estampada no rosto dela. Tudo culpa dele. Seu coração se inflamou e num gesto rápido ele sacou sua arma e caminhou trôpego.

*
Um tiro, pelo menos foi o que pareceu. O filho mais velho de Miro acordou e olhou para os irmãos. Ele anda até a parte de trás da casa e se assusta com sua mãe saindo correndo do meio do mato gritando horrores.
       - O que foi mãe?
       - Seu pai, seu pai fez a pior besteira de toda vida. – segura o rosto do filho.
       - Cadê o pai, mãe, e por que está segurando esse dinheiro?
       Dulce Maria para de chorar e olha para as notas de vinte amassadas em sua mão. Seu filho corre em direção ao matagal se lançando na escuridão. Dulce entra em casa aos prantos. Ela se senta e se debruça na mesa entre soluços.
       Miro é sepultado diante dos filhos. Dulce Maria tenta se manter forte. O filho mais velho ainda tenta entender por que seu pai explodiu sua cabeça naquela noite. Ele olha para sua mãe e depois para seus irmãos. Volta olhar para o coveiro jogando aquela terra seca em cima da urna onde o corpo de seu pai jaz tranquilamente. Sérgio Pereira faz mais uma vez o sinal da cruz e depois se junta sua mãe.
       - O que será de nós agora sem o pai, mãe, se já estava difícil com ele.
       - Vamos nos virar, filho, nos viraremos.

*
Na mesa fartura. Pão, leite, ovos, café. Nas panelas arroz, carne, feijão e no quarto Dulce Maria termina de atender seu último cliente do dia. Assim que o homem sai ela volta para o quarto para refazer as contas. Muita grana, o suficiente para dois meses. Ela sorrir e depois esconde o dinheiro dentro de um pote de biscoitos.
      O banho levou embora o suor de dez homens impregnado em seu corpo. Dulce faz tudo sem fazer com que seus filhos percebam. Ela ainda não está preparada para revelá-los qual a sua verdadeira fonte de renda.
       Certa vez Dulce recebeu um cliente no meio da tarde. Achou que as crianças estariam brincando no quintal e atendeu o homem no quarto com a porta somente encostada. A pequena Marli de oito anos deixou a brincadeira de lado e resolveu entrar. Assim que pisou na sala ela ouviu os gemidos e se intrigou. Correu até o quarto de sua mãe e bem devagar ela foi abrindo a porta onde pode ver um sujeito deitado nú em cima de sua mãe.
       - Mamãe?
       Isso foi a muito tempo. Hoje, Marli, ou melhor, Flora, realiza os desejos mais saborosos de seus clientes nas ruas da cidade. A exemplo de sua mãe, Flora vive do que seu belo corpo proporciona aos homens. Para se manter em forma ela se dedica a horas de academia e segue uma rigorosa dieta, tudo para continuar sendo a preferidinha do bordel. Claro que uma mulher como Flora ao mesmo tempo que gera nos marmanjos o desejo de possuí-la, em suas concorrentes gera inveja e ódio. Viver da noite não é tarefa fácil, não é para qualquer uma.

*
Chove bastante, bastante o suficiente para deixar a cidade em estado de atenção. Naquele quarto de motel de quinta categoria Flora faz com que seu cliente chegue ao prazer em poucos minutos. Assim que termina de expulsar seu sêmen o rapaz negro robusto cai ao lado da prostituta bastante ofegante.
       - Então. – começa Flora. – acha que consegue terminar seu tempo?
       - Ainda tenho quantos minutos? – limpa o suor da testa.
      - Meia hora! – pega outro cigarro.
      - Melhor não, eu ainda tenho que dar conta em casa, você sabe.
      - Ótimo, são cem pratas. – solta a fumaça no ar.
      - Como assim? Eu só fiquei trinta minutos.
      - Meu amor, ninguém mandou você ter ejaculação precoce, eu não trabalho por meia hora. Escolha, ou você preenche as meia hora restante, ou me paga por uma e cai fora.
       - Eu, eu não vou conseguir.
       - Só lamento, amor, vá procurar um tratamento.
       Depois desse cliente Flora resolveu encerrar o expediente. A chuva já havia diminuído bastante quando ela deixou o motel. Enquanto caminha a passos lentos pelas marquises, Flora permite que a tristeza assuma o lugar da euforia de estar com a bolsa cheia de dinheiro. Aos 30 anos ela ainda não conhece a sensação de ter uma família, não sabe o que é ir para cama com alguém que a ame de verdade. Tudo o que ela tem é a noite. Baixa, rosto bem desenhado de olhos negros marcantes e cabelos tingidos de vermelho. A filha de Miro Pereira não detém muita escolaridade. Dulce Maria a matriculou numa escola aonde ela se envolvia com os garotos maiores a troco de dinheiro e lanche. Como faz falta  o mínimo de conhecimento hoje em dia. Ela ama nutrição e gostaria muito de se formar nessa área. Marli, a vulgo Flora chega em seu prédio de cinco andares sem direito a elevador. Ela mora exatamente no último andar. Parado bem ao lado de sua porta um rapaz com o rosto ruborizado.
       - Boa noite, você está livre?
       - Lamento, amor, eu já não estou atendendo. – abre a bolsa para pegar a chave.
       - Poxa, mas eu fiquei te esperando um tempão e...
       - Passa aqui amanhã, eu reservo um horário pra você. Boa noite!
       - Olha. Eu tenho aqui trezentos reais, eu só peço uma hora. Por favor. – implora.
       Flora para e pensa. Olha para o rapaz. Até que ele não é de se jogar fora e também por trezentos reais, uma hora, nada mal.
       - Vamos, entre.

*
O dia começou como todos os outros para Flora. A preguiça sempre lhe faz companhia pela manhã. Até mesmo para se preparar para malhar se torna a pior tarefa de todas. Paga-se um preço muito alto ser a melhor meretriz do pedaço. Mesmo sem disposição ela chega a academia. Olha ao redor e tudo o que vê são aparelhos a sua espera, exceto um que já está ocupado por um rapaz. Marli passa por ele e não o cumprimenta. Ele sim a deseja bom dia. A preguiça é tanta que ela não tem forças para respondê-lo a altura.
       - Oi! – diz entre os dentes.
       Flora inicia seu aquecimento fazendo abdominal. Percebendo a dificuldade da moça o rapaz se oferece em auxiliá-la.
       - Posso? – ele pergunta.
       - Se não se importa.
       Aos poucos o lugar vai sendo ocupado por seus frequentadores mais assíduos. Flora termina suas sequências junto com o tal rapaz que recolhe seus pertences. Ela o acompanha curiosa. Com bastante cuidado ele retira de sua mochila um livro de capa preta. Flora torce o nariz, aquele livro ela conhece bem, seu pai sempre que podia o lia no quintal. Ele termina de guardar suas coisas e se levanta, olha para Flora e acena para ela. Muito desapontada a meretriz lhe devolve o gesto.
      Flora volta para o apartamento ainda refletindo sobre sua vida e em tudo que viveu até agora. Ela passa por uma praça ainda vazia. Se acomoda em um dos bancos perto dos brinquedos. Um pai com sua filha se aproximam conversando. A menina de mais ou menos sete anos pede ao pai que a empurre no balanço. Quando Flora era da mesma idade havia uma praça aonde ela morava. Seu pai nunca a levou com seus irmãos para curtir um belo domingo de sol, nunca teve tempo, sempre trabalhou muito. Pobre Miro Pereira. Como isso fez falta e ainda faz. Flora acompanha com os olhos úmidos cada gesto, cada sorriso. Bela vida escolheste dona Marli.

*
Mesmo com o coração doendo de saudade da mãe, do pai e de seus irmãos, Flora faz questão de entregar um bom produto ao seu cliente. Trabalho é trabalho, assim pensa ela sentindo cada gota de suor  do homem caindo em suas costas. Por fim acabou o tempo. A melhor parte vem agora. O homem magro deixa sobre o criado mudo duas notas de cinquenta.
       - Eu já vou indo, volto no final de semana.
       - Quando quiser, amor. – veste a peça íntima.
       Durante o banho ela voltou a pensar em seus pais e o quanto sofreram até a vida lhes presentear com uma tragédia. Quando Miro achou que não poderia piorar, eis que sua mãe surge com uma terrível novidade. A prostituição foi o último recurso de Dulce Maria. Ela se casou muito jovem e não demorou muito para engravidar. Foi obrigada a deixar os estudos, os sonhos para se dedicar integralmente a família.
       Flora deixa o banheiro enrolada na toalha, ainda faltam quinze minutos para o próximo programa. Chega de remexer nas lembranças. O que ficou no passado está no passado e nada vai mudar. Alguém toca na porta.
        - Um minuto. – ela grita.

*
Perto de terminar sua última volta da corrida noturna, Flora é surpreendida pela presença do mesmo rapaz da academia. Ele faz alguns alongamentos como barra e polichinelos. De repente os olhares se cruzam e imediatamente ele acena para ela. Marli teve que admitir, até que ele não é de se jogar fora. Por fim terminou a última volta. Suada e ofegante ela bebe o que sobrou da água em sua garrafa ainda olhando para ele. Flora cria coragem para falar com ele.
        - Oi, boa noite! – hesitação na voz.
        - Olá, boa noite, você sempre corre aqui também?
         - Não, nem sempre, hoje me deu vontade. Vai correr?
         - Não, só vim me alongar mesmo, tenho um compromisso.
         Flora engole em seco antes de comentar.
         - Hum, não vá deixar a gata esperando.
         Ele ri  do comentário deixando Marli meio sem graça.
         - Não é esse tipo de compromisso. Eu sou solteiro.
         Bonito, dono de um corpo espetacular, educado e o que é melhor, solteiro. Há se ela não fosse o que é, assim pensa Flora.
         - Sei que você não vai perguntar, mas, vou falar assim mesmo. Eu dirijo um núcleo de oração para jovens em minha casa, quando quiser ir sinta-se convidada.
         O incêndio de Flora foi dissipado. Era bom demais para ser verdade. Bonito, atlético, educado, porém religioso, fora de cogitação.
         - Ah, melhor não, eu não sou ligada nesse negócio de igreja. – ruboriza.
         - Não é igreja, os nossos encontros vão além disso. – se levanta. – reforço o convite, quando quiser ir é só falar comigo.
         - Qual o seu nome?
         - Melquisedeque, mas todos me chama Melk.
         Flora ficou imaginando que tipo de pais registram uma criança, ou melhor, o próprio filho com esse nome. A pessoa em si não combina com o nome que tem.
        - Valeu, Melk, a gente se vê na academia.
       Ele se foi, mas o seu cheiro não. Flora o acompanha com os olhos até perdê-lo de vista. Melquisedeque, de que planeta você veio? O que você vem causando dentro de uma mulher como eu? Para espantar tais sentimentos ela volta para seu apartamento correndo feito uma louca.

*
Mais um programa finalizado. O cliente visivelmente decepcionado olha para Flora que procura por seu maço de cigarro.
       - Propaganda enganosa. – ele diz colocando a cueca.
       - O que disse?
       - O que você ouviu. Quer saber, eu não vou pagar. Flora, só se for erva daninha.
      - Quem vai adorar saber dessa história será sua mulher.
      O homem se levanta num salto e a segura violentamente pelo braço.
      - E ainda quer fazer chantagem. – aperta ainda mais.
      - Me solta! – soca o braço do homem.
      - Sua vagabunda. Quem vai acreditar em você. Você não vale nada. – acerta um forte tapa no rosto de Marli que sente o sangue ferver. – e nem ousa chegar perto da minha família senão eu te encho de bala sua vadia.
       Flora se sente o pior ser humano da face da terra, até mesmo um monte de lixo se encontra melhor que ela nesse momento. Quem acreditaria numa mulher como ela? Quem daria ouvidos a uma prostituta de beira de estrada? E pior. Agora ela não tem ninguém para desabafar, ninguém para chorar em silêncio. Ela não quer chorar. Chorar seria como hastear a bandeira branca. Flora é mulher, feita de carne e osso, sensível e merece todo carinho e atenção. Ela chora socando os travesseiros odiando tudo e a todos justamente por estar chorando. Sua vida é sinônimo de desgraça.

*
Melquisedeque está fazendo flexões quando uma voz familiar lhe saúda com um sonoro bom dia. Ele para o exercício e olha para Flora.
       - Eu perguntei outro dia o seu nome, mas eu não disse o meu. Prazer, Flora.
       - Oi, tudo bem? Nome bacana, Flora. Como tem passado?
       - Bem, na medida do possível.
       Melk  repara uma marca roxa perto do olho direito dela.
        - Aconteceu alguma coisa?
        - Não, acidente doméstico só isso.
       Flora não foi a academia a fim de se exercitar. Ela estava  mesmo querendo conversar com alguém, alguém como Melquisedeque. Eles saíram dali e foram comer alguma coisa na padaria que fica a um quarteirão da academia. Enquanto caminhavam ela pode observar que aquele rapaz não era só um bom partido. Melk transmite algo que poucos seres humanos tem. Paz.
        - Posso lhe fazer uma pergunta? – diz um pouco sem jeito. Melk assente com um gesto de cabeça. – você é sempre tão tranquilo assim? Digo, sempre paz e amor?
     Antes de responder Melk sorrir e olha para Marli. Os olhos da meretriz brilham com fome de uma resposta satisfatória. Como ela precisa de uma resposta.
       - Sou uma pessoa como qualquer outra, Flora, tenho meus altos e baixos, sofro do mesmo mal que todo o ser humano sofre.
       - E que mal seria esse? – coça a cabeça.
       - Sou ansioso. Quero que as coisas aconteçam no meu tempo, mas, todos nós sabemos que não somos senhores do tempo.
      - E quem é o senhor do tempo?
      - Deus! – olha para o céu.
      - Deus?
      - Exatamente. Ele sim sabe administrar o nosso tempo. Por isso transpareço paz, porque sei que Ele – aponta para o alto. – tem o controle de tudo.
       A conversa estava ficando bastante interessante. Flora foi contaminada pela paz que emanava daquele sujeito lindo e iluminado.
       - Nossa! – Flora fecha os olhos de repente.
       - O que foi?
       - Nunca havia sentido tamanha...
       - Ah, sei, conheço bem essa sensação. Vamos.
       O restante do dia fluiu. Melk se ausentou, mas sua essência grudou em Flora feito fita adesiva. Ela até cancelou os clientes que estavam agendados, preferiu ficar deitada no sofá ouvindo canções românticas. Marli não está entendendo bem o que ela está sentindo. Se é paixão ou apenas admiração por Melquisedeque isso não importa. Na verdade ela nunca sentiu ao lado de homem algum o que sente com Melk. Com certeza ele tem um segredo. Como uma adolescente ela aguarda pelo próximo encontro e estranhamente ela solta uma gargalhada em meio o vazio de seu apartamento.

*
A lanchonete não é das famosas, mas também não fica atrás das mais requintadas. Melk fez questão de chegar primeiro e reservar um lugar mais perto da janela. Enquanto aguarda a chegada de Flora ele confere alguns textos bíblicos em seu smartphone. Aos poucos a lanchonete vai ficando cheia e o tempo passando, Melk começa a achar que tomou um bolo.
      Flora aparece na porta de entrada do estabelecimento procurando por Melk. Ele acena para ela e seu coração bate aliviado.
    - Me desculpa, tive contratempos no trabalho. – ela o beija no rosto.
     - Você nunca me disse com o que trabalha.
     E agora? Como dizer a um cara como Melquisedeque que ela é uma garota de programa? E o que é pior, o motivo do atraso foi justamente porque ela estava atendendo um cliente. Ela precisou ser rápida.
      - Maquiagem. – engole seco.
      - Dá pra ver.
      - Como assim? – se acomoda.
      - Ah, sei lá, você é uma mulher bonita, está sempre bem vestida e produzida, imaginei.
       - Obrigado!
       Eles pedem os sanduíches e sucos. Conversam bastante e a cada minuto que passa Flora se sente no céu, ali, na mesa com ele. Melk é diferente, disso ela tem certeza. Ao lado dele os problemas parecem sumir, ela gosta de ouvi-lo.
      - Você gosta de liderar reuniões de juventude?
      - Foi pra isso que fui chamado. – coloca mais ketchup no Hamburg.
      - Quem lhe chamou?
      - Jesus!
      Ela vê nos olhos dele uma verdade jamais vista.
       - Jesus Cristo?
       - Ele mesmo. Por que o espanto?
       - Não sou muito crente, aliás, eu nunca tive contato com essa religião, acho isso tudo muito... Sei lá.
       - Chato, é isso? – sorrir.
       - É... – mexe no cabelo.
       - O Jesus que irei te apresentar não é chato e muito menos um ditador. Vá na próxima reunião, garanto que não vai se arrepender.
      O encontro foi bom, melhor que o esperado. Melk não insistiu no assunto sobre seu segmento. Passar algumas horas ali sentada degustando não somente a comida saborosa, mas podendo também experimentar de um bate papo edificante foi algo muito novo para Marli. Eles saíram da lanchonete e tudo o que Flora queria era que Melquisedeque fosse com ela para o seu apartamento. Apaixonada. Definitivamente Flora se encontra apaixonada pelo rapaz.

*
Ela se olha no espelho. Uma linda morena de longos cabelos pintados de vermelho e lábios carnudos. Um olhar penetrante e uma expressão típica de mulher apaixonada. Marli resolveu participar do encontro com jovens por isso maneirou na produção. Blusa um pouco mais folgada sem decote, calça jeans e sapato baixo. Cabelos presos num rabo de cavalo e pronto. Hora de ver o gato.

Quando Flora chegou a reunião já havia começado. Cerca de quinze jovens cantavam empolgados uma canção que por uma acaso ela conhecia. Sim, claro que Marli fez com que todos, principalmente os rapazes focasse nela e não é por menos, não são todos os dias que uma beldade aparece por ali.
       Tímida ela acupou a última cadeira e logo seus olhos esbarraram em Melk que cantava e batia palmas. Com um sorriso eles se cumprimentaram e logo ele assumiu a palavra.
       - Boa noite a todos. – pigarreia. – temos uma visitante hoje, Flora.
       Marli se sente mal em ouvir seu nome de prostituta sendo mencionado num ambiente tão espiritual.
        - Ao final da reunião quero que todos a saúdam. Sinta-se bem em nosso meio, Flora.
        Melk abriu a bíblia e começou seu discurso. Logo de cara Flora foi confrontada pelo tema. Dupla identidade, esse foi o assunto da noite.
        - Quase sempre vestimos a roupa de nossa segunda identidade e arrisco dizer que essa segunda identidade domina boa parte de nossa vida. A vida ao lado de Cristo nos permite entender quem na realidade somos. Você, eu, nós, somos seres frágeis, buscamos abrigo e satisfação em personagens que criamos, porém com Jesus, podemos ser quem somos, fracos, medrosos, inseguros, mas sabemos que é Ele quem guia nossa vida.
      Melk falou por mais vinte e proveitosos minutos. Flora agora está embriagada de tantas palavras acalentadoras. A reunião acabou e como o líder recomendou todos foram ao seu encontro lhe desejando boas vindas. Ainda maravilhada com tudo o que ouviu, Marli só tem olhos para ele, o mensageiro. O mesmo vem ao seu encontro estampando um sorriso parecido com uma janela revelando a paisagem.
      - Que bom que venho. – a beija duas vezes. – o que achou?
      - Achei o máximo. Você fala muito bem.
      - Que nada, se soubesse o nervoso que dá.
      - Bom. Eu já vou indo e...
      - Como assim, vamos comer alguma coisa, uma pizza?
      A noite terminou com os dois sentados no chão da varanda saboreando uma deliciosa pizza de calabresa. O que outrora era uma paixão avassaladora, agora se tornou em uma admiração quase que cega. Flora se sente a vontade ali.
      - Então, Melk, você tem uma segunda identidade?
      - Ah, como todo mundo. Não somos quem somos em meio a multidão. Deus quer se relacionar com a Flora que fica sozinha e não com a Flora do meio social. Entendeu?
       - Eu tenho uma segunda identidade. Digo, literalmente. – diz com hesitação.
       - Não precisa falar se não quiser.
       - Sou uma garota de programa.
       Melquisedeque consegue enxergar além de um rosto bonito. Consegue ver o início de uma transformação. E ele sorrir.
       - Qual a graça?
       - Me desculpe, é que não consigo ficar na minha diante de tamanho acontecimento. Continue.
       - E, meu nome na realidade é Marli, Marli Pereira.
      - Deus sempre com uma caixinha de surpresa. Eu em todos esses anos liderando juventude aprendi mais do que ensinei e você provou isso hoje. – pega nas mãos dela. – obrigado. – olhos marejados.
       - Mas eu não fiz nada, estou aqui revelando que vendo meu corpo por dinheiro.
       - Sim, e te digo mais. É preciso ter muita força. Você é uma mulher forte. Só podemos andar com Jesus se verdadeiramente fomos legítimos.
       - Jesus me aceitaria?
       - Jesus me aceitaria? – aponta para o próprio peito. - Sou cheio de manias, confuso as vezes, medroso, tenho preguiça de acordar cedo para ir ao culto, será que Cristo aceitaria um cara como eu?
       - Você fala de um jeito que parece que Deus é o seu amigo de infância, parece estar tão perto.
       - Pois é. Deus nunca esteve distante. Devido a dureza dos corações e também pela falta de conhecimento achamos que o Senhor se distanciou de nós quando na verdade, nós nos afastamos. Há quem pregue um Deus que assiste de longe nossos vacilos, eu prefiro pregar um Deus que é amigo, que procura nos socorrer se clamarmos a Ele.
       - Então, é só pedir que Ele atende? – os olhos de Flora brilham.
       - Cristo jamais deixa um filho Dele sem resposta.
       O encontro acabou, mais os efeitos a perseguem até o apartamento. Marli nunca em toda sua vida se sentiu tão bem. Ela agora tem uma outra visão de Deus. Para ela, Ele não passava de um criador que abandonou sua criatura a própria sorte. Hoje Deus está mais próximo. Ela abre seu apartamento e contempla todas as coisas que conquistou usando e deixando com que homens estranhos desfrutassem de seu corpo por grana. Isso precisa ter fim. Dinheiro, há outras formas de consegui-lo.

*
Não é tarefa fácil, principalmente se você exerceu tal função por longos anos e não seria diferente com Flora. Não está sendo fácil acordar e perceber que a vida que levava já não combina com sua decisão. É duro ter que ouvir o telefona tocar, ver que é um dos clientes e deixar que caia na caixa postal. Mudança. Ela assusta, incomoda e não é bem vinda. O dia do basta chegou. Marli entra no quarto e abre seu armário. Em baixo de suas blusas há uma caixa onde ela guardou algumas economias, o suficiente para segurar a onda por meses, talvez por um ano. Legal.
        Enquanto toma café da manhã ela volta a pensar em Melquisedeque. Não adianta, Marli se apaixonou por ele. Como ela gostaria que ele estivesse ali do outro lado da mesa falando das coisas do céu. Uma ligação talvez. Flora corre até o quarto onde o aparelho se encontra em cima da cama ainda desarrumada. Disca com pressa. Melk atende no segundo toque.
        - Oi, bom dia!
        - Bom dia, como passou a noite?
        - Passei bem, e você?
        - Tomei uma decisão. Não irei vender mais o meu corpo. Chega.
       - Sério?
        - Depois do que ouvi ontem eu não posso mais deixar que a minha outra identidade assuma toda minha vida.
        - Amém. Nova criatura. Faça o seguinte. Antes tudo você precisa declarar isso ao Senhor.
        - Como? – ergue as sobrancelhas.
        - Aonde você estar agora?
        - No quarto.
        - Ótimo. Desligue o celular e faça uma oração de entrega. Entregue sua vida a Ele.
        - Só isso?
        - Sim, é só isso.
        - Melk, é, eu queria lhe dizer algo antes.
        - Sou todo ouvido.
        O corpo treme e o coração incendeia. Será sua primeira declaração. Marli respira fundo algumas vezes deixando o silêncio fazer o trabalho dele.
         - Marli, você está ai?
         - Eu te amo!
        Demorou um pouco até Melk processar o que ouviu. Ele preferiu se fazer de desentendido. Do outro lado da linha Marli aguarda o resultado de sua declaração a beira de um ataque cárdico.
         - Eu, eu também.
         - Podemos nos ver ainda hoje?
         - Sim, claro.
         Até que foi mais fácil do que o esperado. Marli torce para que Melquisedeque tenha entendido o recado. Ela o ama de verdade e não é um amor de irmãos de fraternidade. Marli o quer para viverem juntos. Mas para que tudo dê certo ela precisa fazer o que lhe foi recomendado. Marli abre a janela do quarto e contempla um céu azul limpo de poucas nuvens. Ela sorrir envergonhada, não acredita no que estar para fazer. Olhando para o alto ela diz.
        - Eu não sei como começar a falar, mas, sei que me conhece. Minha vida até esse momento não foi nada fácil, fiz coisas erradas diante do Senhor. Agi mal e por isso te peço perdão por tudo. Me receba como uma filha arrependida. Terei Melquisedeque como meu mentor, abençoe nossa união, por favor. – rir. – desde já te agradeço por tudo. Amém.

*
A nova vida com Cristo começou. A Flora foi sepultada juntamente com o passado. Daqui pra frente quem guiará os passos será Aquele que doou sua vida por amor a toda humanidade. Marli e Melquisedeque, a nova convertida e seu discipulador, ou até melhor que isso, uma família em formação. FIM



sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Aquele Olhar - Final


Aquele Olhar
Final

O tempo vai passando e o desespero de Sheila cresce na mesma proporção em que o ponteiro do relógio anda. Vez por outra ela olha para Augusta. A vontade de ataca-la e tentar tirar dela a arma é grande, porém é ao mesmo tempo loucura. Augusta se encontra desesperada, sem nada a perder, puxar aquele gatilho seria a coisa mais fácil para uma mulher em seu estado. Esperar. É tudo que resta no momento.
    - Vai mesmo acabar comigo? Ou melhor, conosco?
    Augusta não responde de imediato, ela somente caminha de um lado para outro tentando controlar sua respiração e pensamentos. A pistola 45 segue em sua mão direita.
     - Pense mulher, vocês tem um filho juntos, o que será da vida dele, sem pai e nem mãe...
     - Cala a boca. – grita. – o que você entende de família? Você foi a pivô da minha ser destruída, sua vagabunda. Quer tomar um tiro agora?
     A arma volta a ser apontada para a cabeça de Sheila que volta a se desesperar. Nesse momento o barulho do motor do carro de Arthur é ouvido por ambas.
    - Aí, graças a Deus. – une os mãos em forma de prece.
    - Não fique tão feliz, sua vaca.
    Arthur para o veículo abruptamente e desce da mesma forma. Suado, gravata torta e pálido. O esposo de Augusta ergueu os braços assim que teve a 45 apontada para ele.
     - Guta, por favor, vamos conversar, você não precisa fazer isso.
     - Fique aí. Vamos começar os negócios.

*

    Mais uma vez a amante de Arthur tem o ímpeto de desarmar Augusta enquanto a mesma negocia o resgate com o marido. Loucura, claro que ela sentiria minha aproximação e atiraria. Sheila volta de seus pensamentos um pouco mais apavorada.
     - Faça a transferência para aquela conta que lhe falei.
     - De quanto?
     - Tudo! – ela olha para Sávio que aparece logo atrás de Arthur.
     - Como assim, tudo?
     - Quero todo o rendimento das empresas em minha conta, agora. – olha para Sheila que esboçou um movimento.
     Sávio sorrir, de orelha a orelha. Augusta de repente começa a tremer os braços. Sheila volta a chorar e mais forte e Arthur ainda tenta convencer sua esposa a desistir de tal loucura.
     - Solte essa arma, vamos conversar. Você não é assim.
     Ela olha para Sávio que assentiu com um gesto de cabeça. Augusta aponta para Sheila e dispara lhe acertando o braço. A morena cai se contorcendo de dor e berrando.
    - Faça a transferência já. O próximo eu não erro.
    Assustado, o empresário saca o celular e mesmo nervoso ele iniciou o processo de transferência. Demorou um pouco, mas ao final dos cinco minutos Augusta estava milionária. Arthur mostra na tela o comprovante.
     - Satisfeita? – voz embargada. – agora me deixe levá-la para um hospital, ela já perdeu muito sangue.
     Sheila rola de um lado para outro segurando o ferimento empapada pelo próprio sangue.
      - Ótimo. Tire essa vaca da minha frente. Mas antes, eu vou cair fora e nem pense em chamar a polícia.
      Augusta dá as costas para entrar no carro. Sávio toca em Arthur que saca uma arma escondida no cós da calça e atira. Augusta é alvejada na altura do ombro. Sávio solta uma gargalhada. Sheila volta a berrar.
     - Merda! – Augusta gira o corpo já atirando e acertando o abdômen do marido que também atira. O disparo acertou o peito da mulher. Sávio bate altas palmas quando finalmente ambos caem para a morte. Arthur, Augusta e Augusto o filho, uma família destruída.
    Sheila consegue vencer a dor e se levanta. Chorando copiosamente ela olha para os corpos. Seus lábios carnudos tremem e salivam. O remorso é grande.
     - O que aconteceu aqui minha gente? – diz Sávio.
     Sheila sente o coração vir a boca ao ver aquela figura estranha a seu lado.
     - Quem é você? Como chegou aqui?
     - E isso importa? Venha, vou levá-la ao hospital.
     - E eles? Meu Deus. – volta a chorar.
     - Sheila, não se preocupe, você prestou um bom trabalho. Entre na carro.
     - Eu, prestei um bom trabalho, para quem?
     Sávio a toca no braço ferido que cessa a dor na hora.
      - Para mim! FIM

domingo, 4 de agosto de 2019

Aquele Olhar - Parte 3




Sheila na frente tentando contornar a situação, sem sucesso e Augusta com o cano da 45 cutucando na costela da amante de seu marido. Elas chegam perto do carro parado a cem metros do ponto de ônibus e Augusta ordena que ela entre em silêncio. Sheila ainda esboça uma reação tentando chamar atenção de quem passa por ali, mas é ameaçada.
      - Escute aqui, sua sem vergonha, se falar alto outra vez, eu juro por Deus que enfio uma bala na sua cabeça, entendeu? Agora entre.
      Depois de dirigir por quase dois quilômetros e em silêncio, Augusta resolveu falar.
    - Me diga uma coisa, desde quando estão se encontrando?
    - Há seis meses. – olha para fora pela janela do carona.
    - E o que você acha do Arthur?
     Sheila evita o contato visual com ela. Ela entende que Augusta está ferida e emocionalmente se encontra destruída e mais um agravante, ela tem uma arma apontada para ela.
     - Como assim?
     - Não se faça de boba, você sabe exatamente do que estou falando. Responda. – encosta o cano na têmpora de Sheila.
     - Bom?
     A resposta só serviu para acender a fúria já incandescente dentro de Augusta. A coronhada na testa não foi tão forte, mas machucou.
      - Socorro, ela vai me matar. – gritou Sheila.

*

     O lugar é afastado da cidade. Um campo de futebol improvisado e abandonado no meio do nada. Augusta desliga o veículo e olha para  morena.
     - Desce!
     - Vai me matar aqui? – chora. – como vão encontrar o meu corpo?
     - Os urubus darão conta de comer esse corpão. Agora desce.
     As pernas tremem feito varetas. As lágrimas já borraram toda a maquiagem deixando Sheila com um aspecto meio fantasmagórico. Augusta do outro lado do carro olha para ela.
      - Está horrível. – ri. – liga para ele.
      - O que?
      - Você é surda? Liga para Arthur e diga que foi sequestrada por mim. Faça isso agora mesmo.
      - Você é louca?
     Mais uma vez uma sombra negra assume o lugar dos olhos e Augusta fez a volta já agredindo com coronhadas e dessa vez com mais força.
      - Se me irritar outra vez, eu mesma terei que ligar para o safado informando onde deixei o seu corpo. Agora liga. – diz aos berros.
      As mãos mal conseguem segurar o aparelho. Quando finalmente Artur atendeu a ligação, Sheila estava em choque ao sentir o cano da arma em sua testa.
     - Mô! – ela olha para Augusta que range os dentes e toca no gatilho.
     - Tudo bem? Sua voz está estranha?
     - Ela me sequestrou. – funga o nariz.
     - Ela quem, do que está faltando?
     Augusta pressiona ainda mais a arma contra a cabeça da mulher que se desespera.
      - Sua mulher, ela me sequestrou e nesse momento ela tem uma arma apontada para minha cara. – grita e chora.
      - Meu Deus, eu não consigo acreditar, me deixe falar com Augusta.
      Sheila entrega o celular para Augusta e volta a chorar debruçada no carro.
      - Oi, amor?
      - Augusta, o que está acontecendo, o que você fez?
      - Eu ainda não fiz nada, tudo vai depender de você.
      - Guta, veja bem...
      - Arthur, já chega dessa história de Guta, entendeu? Eu quero que você venha aqui, resgatar sua piranha.
      - Resgatar? Augusta, você quer resgate?
      - É um sequestro, amor, vamos seguir os padrões. Anote o endereço e venha sozinho.(continua)