quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A MALDIÇÃO do PÁSSARO





Valério, esse costumava ser o seu nome. Um nome que ao ser mencionado causava mal estar e inquietação em todos. Valério, o bruxo. Enquanto era o centro das atenções, o bruxo fez da vida dos habitantes daquela cidade um tormento, um verdadeiro inferno na terra. Todos temiam o seu nome, o seu agir. Enquanto pisava nesta terra, os dias de sol eram raros e a estação do ano não saia do inverno. Tudo era sem cor, sem fruto, tudo cheirava a morte. Isso durante décadas.
        A revolta da população era tamanha e obrigou ao prefeito da cidade a tomar medidas drásticas. Ele reuniu os melhores e corajosos homens daquela cidade e organizou uma caça por Valério. O prêmio foi uma boa quantia em ouro puro. O dia e horário foi marcado e quase vinte destemidos partiram em busca da cabeça do bruxo. Foi um dia trabalhoso e não rendeu quase nada. A caça varou a noite com a captura do bruxo. Valério conseguiu matar cerca de oito homens. Foi terrível e ao mesmo tempo doloroso ver um companheiro sendo decapitado. O prefeito da cidade ao ver tal cena, se preparou mirando na cabeça do demônio. O tiro foi certeiro. Valério caiu de um barranco atingindo as pedras já morto.
          A tropa desceu até onde o corpo do bruxo estava todo arrebentado. Uma imagem de causar nojo, não havia um osso inteiro. A expressão do bruxo piorou mil vezes. Todos simultaneamente fizeram o sinal da cruz.
- Vamos levar o corpo, prefeito? - pergunta um homem barbudo segurando uma foice.
- Sim, o queimaremos amanha na praça.
           Festa, dança, alegria. A volta dos cores e a do sol também foram comemorados juntos com a fogueira. O corpo do bruxo foi jogado nas chamas. A paz agora fará parte do dia a dia daquela cidade pobre, abandonada no meio do nada. As chamas continuam a consumir o corpo de Valério. Uma mãe mais empolgada pede ao filho para que jogue mais gravetos na fogueira. O menino usando calças curtas e sujas obedece prontamente sua mãe e mesmo sentindo o forte calor ele se aproxima ainda olhando o corpo em chamas. O menino arremessa os gravetinhos olhando fixo para a cabeça do bruxo quando de repente ele abre os olhos.

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Foi uma viagem um tanto quanto rápida, mas no fim, Valério sabia exatamente onde aquele túnel daria. Sim, o bruxo mais temido estava a poucos minutos do inferno. De longe ele já podia sentir o calor, o cheiro, a atmosfera lúgubre quase o fez se arrepender de sua vida passada. O inferno, lugar onde ele passará toda a eternidade entre seres da escuridão e demônios. Seria esse o seu lar?
         Não havia luz no fim do túnel, somente choro e sofrimento. Aos poucos ele vai se aproximando se apoiando na parede quente da saída. Nada, ninguém para recepcioná-lo, seria isso um bom ou péssimo sinal? Valério anda mais alguns metros e pisa em algo de textura parecida com a da lama, só que quente, muito quente. Ele olha para baixo e seus pés estão chafundados naquela gosma negra.
- Não!
           Com muito esforço ele consegue se livrar da lama e pisar em terra sólida. É incrível como o cansaço já o faz arfar. Ele precisa descansa, só por alguns minutos ele precisa respirar, tentar colocar as ideias no lugar. Ainda se apoiando nas pedras mornas ele olha para distante e algo ou alguém acena insistentemente para ele, ou não seria para ele? Valério resolve arriscar devolvendo o aceno, realmente era para ele. O ser pede para que o bruxo continue andando, coisa que ele faz com bastante dificuldade. Alguns minutos depois Valério está diante de uma criatura sinistra, com parte de seu rosto de formado, derretido até os ossos.
- Valério, o temido Valério, em fim você está aqui, como você explicaria a sua partida?
- Dolorosa demais. - diz rapidamente.
- Fogo?
- Sim e também por arma de fogo, um tiro certeiro, minha gloriosa vida na terra terminou assim. - abaixa a cabeça.
- Gostaria de voltar?
- E tem como?
- Sim, mas não como você, você voltará de outra forma.
- Quem é você? - Valério olha para o aspecto do ser. - Lúcifer?
- Lúcifer não habita aqui, meu caro, eu sou apenas um sacerdote, agora me diga, quer mesmo voltar para a terra dos viventes?
- Gostaria.
- Ótimo!
            Valério é empurrado para um mar de chamas onde ele sente cada parte do seu corpo sendo cozinhada e até ser frita por completo. Valério é reduzido a um monte de cinzas incandescentes. O vento quente do inferno sopra espalhando-as até elas não existirem mais. Fim da linha para o bruxo.
             
*

Ao abrir os olhos ele percebe que a noite já encobre boa parte do céu. Seu coração está estranho, bate muito acelerado, o que está acontecendo de verdade? Ele sente uma intensa onde de alegria circular pelo seu corpo e ele sorrir, pelo menos em pensamento. “me sinto tão bem, leve e diferente, quem sou eu? Gosto dessa paisagem, desse ar, dessas árvores e tenho a impressão de conhecê-las de algum lugar, de onde? Quem sou eu, o que estou fazendo aqui? Por que estou parado aqui a uma altura dessa? Vou me esforçar em saber”
            Ele fecha os olhos por alguns minutos e de repente toda aquela alegria que sentia se desfaz como manteiga quente. Agora ele conhece seu passado e sabe como ele foi parar naquele lugar.
           “sim, agora tudo faz sentido pra mim, eu era Valério, um bruxo, e hoje, o que sou? Por que minha respiração é tão forte? Por que meu coração que sair do peito? Sinto uma vontade louca de sair por ai sem tocar o chão, e é isso que vou fazer, vou abrir meus braços e voar”
            E assim acontece. Valério, transformado num pássaro negro enorme abre suas asas com três metros de largura e voa cortando as árvores, nuvens e soltando seu canto infernal.                     

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