quarta-feira, 3 de outubro de 2018

TEMPESTADE de LOBOS - SÉRIE COMPLETA

Tempestade de Lobos


         A primeira fera foi abatida e agoniza no chão buscando ar. A outra se prepara para o ataque mostrando seus dentes pontiagudos e sujos de  sangue. A sua frente um sujeito parado segurando sua arma mais afiada do que qualquer outra lâmina. Se ele está com medo? Sim, claro que ele está com medo. Ficar frente a frente com uma criatura rosnando e desejando lhe devorar até os ossos e de fazer qualquer um tremer nas bases.
          O lobo mexe com as patas maiores que duas mãos humanas juntas. Abre os olhos e a boca de onde escorre uma saliva densa e escura. O ataque é rápido, certeiro e mortal. O sujeito ergue a espada a fazendo descer com força no dorso do bicho. Enlouquecido o lobo volta ainda mais feroz deixando vazar seu sangue pelo chão.
           Mais um ataque e dessa vez a criatura tenta cravar suas presas no braço do homem que se antecipa ao animal do inferno. A espada entra até a metade na região do tórax. O grunhido sai alto e piora quando o sujeito retira a espada e decepa sua cauda. Sentindo fortes dores o bicho fica a rodopiar na tentativa de lamber o ferimento. O sujeito saca o revólver e atira duas vezes contra a cabeça do animal. Dois a menos nessa terra amaldiçoada.
            Antes de ir embora ele aguarda que as criaturas voltem ao seu estado normal. Dois homens fortes. Dois seres humanos que infelizmente tiveram suas vidas mudadas devido a uma maldição. Ele lamenta, mas algo precisava ser feito. Um dos homens ainda se mexe.
            - Me ajude. – sussurra.
            Diante daquele quadro agonizante o sujeito não vê outra saída a não ser lhe ajudar com a morte.
            - Atire em mim, por favor. – implora.
            Um disparo na cabeça e tudo acabado. Lá se foi uma história, sonhos e quem sabe planos. O matador coloca sua espada na bainha e seu revólver no coldre. Ele desaparece floresta a dentro ao ouvir um estrondoso uivo vindo em sua direção.

Tempestade de Lobos - Parte dois

              O velho Arnaldo cai de repente deixando cair sua caneca de chá. Naquele chão rústico o idoso se contorce sentindo sua pele queimar. Arnaldo tenta ficar em pé, mas a dor e desconforto são maiores que sua força, por isso ele volta a cair e dessa vez ele grita pedindo ajuda. O velho mora sozinho, isolado dentro de uma cabana distante da grande cidade.
              Não suportando a queimação por todo o corpo, Arnaldo praticamente arranca suas roupas rolando pelo chão.
             - Me ajudem. – clama.
             Nu, machucado e transpirando muito, o velho fica de quatro quando os pelos começam a crescer. Em seguida suas mãos de pele enrugada também começam a crescer e a tomar forma de patas. Arnaldo volta a gritar.
            - De novo não, por favor, Deus.
           Minutos depois o velho Arnaldo dá lugar a uma criatura furiosa com pelos negros e cauda que dispara porta afora uivando em busca de comida.

*

              A vítima é um jovem. Ele está cansado e sangrando muito. A criatura lhe arrancou a mão quando o mesmo tentou enfrentá-lo. O garoto corre, mas sente que seu fim está mais próximo. Edu consegue ver uma árvore onde pretende se abrigar. O ferimento dói muito, lateja, uma dor estranha. Logo atrás o lobo vem com seu olhos assustadores e garras afiadas.
             Edu consegue se camuflar entre as raízes expostas da árvore. O pavor é incontrolável, sua respiração é pesada e a dor pior ainda.
             - Meu Deus, me ajude.
             O monstro do inferno para farejando algo no ar. O bicho sente o cheiro do sangue, percebe o medo. Edu fecha os olhos chorando e quando os abre o lobo ainda está ali parado, rosnado e como focinho no chão. Qualquer ruído será a sentença de morte. Edu olha para o que sobrou de sua mão quando sente uma forte pontada que o fez gemer alto. O lobo o localiza e pula pra cima da presa. O garoto se desespera quando tem o braço mordido. Edu ainda tenta se defender chutando a fera, mas recebe outras mordidas violentas. O sangue jorra manchando o focinho do animal das trevas.
              - Socorro, alguém me ajuda. – grita a plenos pulmões.
Edu tem parte do rosto arrancado. O reflexo da mordida foi tão profundo que é possível ver os ossos. Edu já não tem forças e não reage mais. Ele sente cada mordida, cada parte de seu corpo mastigado pelo lobo quando o mesmo solta um grunhido alucinante. Ainda com um pouco de consciência ele consegue ver um sujeito com uma espada cravada no lombo do bicho. Por fim Edu perde os sentidos e apaga.
                Agora a fera se volta contra o matador que se afasta. Ainda com pedaços de Edu na boca o lobo tenta morder o matador, mas tudo o que consegue é outro golpe que arranca sua orelha fora.
O uivo de dor do animal é alto e medonho. Ele mais uma vez investe contra o sujeito que se prepara para lhe aplicar outro e definitivo golpe. O lobo salta com suas patas já na posição de cravá-las no peito do homem.  Com medo, porém calmo, o matador enterra a espada no peito do bicho até aparecer a lâmina do outro lado. Com o peso ambos vão parar no chão
               O lobo cai voltando a ser humano. Em questão de segundos o velho Arnaldo está de volta, sangrando e ainda grunhido. O matador puxa a espada e o velho arfa cuspindo sangue. Ele corre para socorrer Edu, mas é tarde, o garoto veio a óbito.
               - Deus tenha piedade de sua alma. – diz fazendo o sinal da cruz.
               Arnaldo geme pois sabe que seu fim está próximo. O matador saca seu revólver e anda na direção do velho.
              - Eu, eu sinto muito, fui amaldiçoado, eu não tenho culpa, por favor.
              - Não posso permitir que você fique vivo, na próxima noite você matará mais alguém, me perdoe.
             - Não, por favor...
            O matador dispara contra a cabeça de Arnaldo. Ele lamenta profundamente não ter evitado a morte de mais um inocente. Até quando isso vai durar? Até quando pessoas serão devoradas?

Tempestade de Lobos – Parte três

              A sociedade cobra das autoridades uma solução imediata. Ninguém mais circula pelas ruas tranquilo. Todos estão assustados com esse inferno em que se transformou a terra. O presidente convocou os principais líderes militares para combater as feras assassinas. A sala presidencial está movimentada e com homens fardados de verde Oliva.
            - Senhor presidente, meus homens estão preparados para essa intervenção, tenho certeza que com essa motivação iremos limpar o país dessa casta. – disse o general.
            - Disso eu não tenho dúvida general Braga, conto com seus homens e espero que os resultados sejam satisfatórios.
            - Vou entrar com a linha de frente, minha infantaria dará o início.
            Um forte aperto de mão e a reunião está encerrada. O exército assumirá o combate aos lobos utilizando armamento pesado. Ao saber da entrada das forças armadas a população voltou a respirar e também a crer que dias melhores virão. As ruas se transformaram em quartéis generais com jipes, blindados e outros veículos contendo homens fortemente armados. Ao meio dia começaram as patrulhas e as buscas pelas feras.
             Um dos jipes com uma ponto  cinquenta adentra a mata seguido por um grupo de dez soldados a pé. De repente um forte rosnado. Todos param ante a ordem do sargento.
            - Alto. – ergue o braço. – há mais de um naquele direção.
           Sim. O oficial está certo. Há na verdade cinco feras vindo em busca de carne fresca. Cinco monstros gigantes com seus dentes ameaçadores. Os soldados aguardam os animais apontando seus fuzis na direção indicada.
            Um dos lobos aparece correndo e rosnando. Ele salta e é alvejado pela ponto cinquenta. O poder dos disparos são tão fortes que quase divide em duas partes o bicho. Aos poucos o animal vai dando lugar a um homem negro que buscar o ar desesperadamente até morrer.
             Dois lobos surgem saltando alto e um deles surpreende um soldado com sua rapidez. O militar tem o braço mordido quase lacerado. Os fuzis são disparados levando o animal a morte. O soldado ferido é recolhido quando outros lobos atacam o pelotão.
            - Eles são muitos, atirem. – grita o sargento.
           A batalha contra as criaturas uivantes se torna intensa, sangrenta, um espetáculo de disparos e rosnados. A ponto cinquenta não para um minuto sequer. Aos poucos os bichos já abatidos vão voltando ao estado normal de ser humano.
           - Cessar fogo, cessar fogo. – ordena o líder.
          A imagem que se vê a frente é triste. Muitos homens mortos com perfurações e parte dos corpos arrancados. O soldado ferido geme sentindo a ferida queimar.
          - Senhor, o que faremos, logo logo ele vai se transformar.
          Cabisbaixo o sargento se aproxima de seu homem lhe tocando o ombro.
          - Lamento, mas o serviço deve ser feito.
          - Senhor, faça o que tende fazer, só diga a minha mãe que eu fui um soldado corajoso. – chora.
          - Claro, você foi um guerreiro nessa campanha.
          Vendo que pelos começam a crescer o sargento saca sua pistola e atira contra a cabeça do soldado.

Tempestade de Lobos – Parte quatro

             Andar por aquela região é algo bastante complicado para um homem como ele. Antes de tudo começar ele possuía uma família a qual conquistou com muito custo. Ele sempre foi um sujeito difícil, mal humorado e desconfiado. Sua esposa vivia as duras penas um casamento cercado de discussões, desconfiança e até mesmo abandono. Ela se sentia uma peça descartável ao lado dele.
Tudo mudou quando seu filho veio ao mundo. Foi algo extraordinário jamais vivido por ele. Aquela criança foi capaz de frear o furacão que era a vida de seus pais. Ele mudou e ela ficou feliz, ambos eram felizes. O menino cresceu num lar onde o amor e compreensão imperavam. Respeito um pelo outro, esse era o quadro de sua família.
             Ele agora caminha sozinho tendo uma espada e um revólver como amigos. Jogada nas costas uma capa de couro marrom e na cabeça um boné. O matador. Ele executa quem executou toda sua família. Toda sua família. Meu Deus, onde erramos?
             O matador olha para onde costumava ser o seu lar. Um prédio de dez andares situado no centro de uma pequena cidade. O prédio ainda está lá, mas as pessoas não. Não sobrou ninguém. Foi horrível. Os lobos invadiram o local e foi como uma chacina, uma carnificina generalizada. Ele ainda tentou salvar as pessoas, porém os lobos estavam em maior número. Todos foram devorados. Ele engole o nó formado em sua garganta.
               Ele continua caminhando arrastando suas botas, observando o caos. Olhando para o céu as nuvens de chuva começam a se juntar. Hora de procurar abrigo. Mais adiante ele vê uma casa com os vidros das janelas quebrados. O portão está aberto. Ele saca sua arma e passa pelo portão. O silêncio incomoda. Ele não gosta desse tipo de situação. Ele olha para o interior da casa e tudo o que consegue ver são móveis, um quadro e um ventilador no teto. Seria ideal para passar a noite? Ele entra.
Lá dentro o ar é pesado, carregado e lá fora a chuva começa a molhar o chão. Em tempo recorde a chuva toma maiores proporções. O matador olha para o sofá e sem hesitar ele se joga e relaxa. Fecha os olhos e de repente ele volta a um passado recente. Sua linda esposa massageando seus ombros. Que delícia. Isso era todas as noites assim que ele chegava do trabalho. Maravilhoso.
              - Oi?
              Ele não responde, está muito bom para voltar a realidade.
             - Ei, cara.
             Não. Essa não é a voz do meu bem, ela jamais me chamaria de cara. Se não é ela, quem será? Ele abre os olhos e contempla uma mulher de cabelos curtos, olhos verdes, alta segurando uma pistola.
             - Quem é você? – ela dá um passo para trás.
             - Calma, eu só entrei para me proteger da chuva, eu já vou indo. – tenta se levantar.
             - Você não vai a lugar algum, fique sentadinho aí.
             - Moça, eu...
             - Fique quieto e me passe sua arma.
             - Sim, claro. – tira o revólver do coldre e o joga no chão.
             - O que é isso pendurado nas costas? – chuta a arma para longe.
             - Uma espada. – engole seco.
             - Quantos animais você já matou?
             Ele franze a testa.
             - O que perguntou?
             - Você ouviu muito bem, quantos lobos já matou. Responda, ou eu te mato.
             - Não sei, trinta talvez.
             - Me passe a espada.
            O matador não pensa duas vezes. A mulher segura a espada impressionada com seu peso e designer. Ele não esboça reação, apenas olha para ela.
             - Perfeita. O fio está danificado, mas nada que uma boa amolada não resolva. – olha para ele. – sou Dandara e você?
            - Castro.
            - Eu também estou de passagem, entrei aqui só para tentar esquentar minha comida. Você tem comida?
            - Não.
            - Consegui algumas frutas, legumes e um pouco de feijão, posso dividir se quiser.
            - Você poderia me devolver as minhas coisas, já estou caindo fora.
            - A chuva ainda não passou. – lhe entrega a espada. – fique e coma alguma coisa.
            - Tudo bem.
            Eles vão até a cozinha onde há uma mesa com os pertences de Dandara. Uma mochila surrada e um porrete. Na pia as frutas e legumes. No fogão o feijão.
            - Procurei por talheres e pratos e tudo que encontrei foram potes, nada mal. Você estava indo para onde?
            - A lugar algum.
            - Também perdeu sua família?
            Família, uma palavra que lhe assusta. Em todo esse tempo ninguém havia lhe perguntado sobre sua família.
            - Sim.
            - Eu sinto muito. Melhor parar de fazer perguntas.
            - Tudo bem
            Minutos depois lá estão eles comendo na mesa da cozinha que já pertenceu a alguém. Castro e Dandara mal se olham. Lá fora a chuva cessou. Um uivo. Muito próximo. Castro se levanta e vai até a janela. Dandara também se prepara.
           - Me parece ser só um, pode deixar comigo. – diz ele.
           - Lhe darei cobertura.
           - Certo, vou sair.

Tempestade de Lobos – Parte cinco

            Do lado de fora da casa com a noite já despontando no céu o caçador tem os olhos atentos na criatura que caminha farejando algo no ar. Castro olha para Dandara que parece assustada com o tamanho do animal. O bicho para de repente e coça a orelha, uiva e depois desiste de seguir em frente. O lobo dobra uma rua que dará acesso a outro bairro.
          - Não podemos deixá-lo ir, há pessoas lá. – diz Dandara.
          - Venha comigo.
          A dupla persegue a criatura que está parada revirando latas de lixo. Por sorte conseguiu encontrar algumas frutas podres. Para quem está faminto qualquer coisa vale. Castro saca seu revólver e Dandara segura firme o porrete.
           - Quando eu dar o sinal acerte-o na cabeça com toda força.
           - Saquei.
           Castro vai para o meio da rua chamando atenção do lobo que ao vê-lo exibe seus dentes poderosos. O matador dá um passo para trás a fim de se apoiar melhor. O bicho vem vindo com velocidade quando a mulher lhe acerta em cheio. O animal desmorona e aos poucos vai dando lugar a um sujeito alto e forte.
             - Morreu? – pergunta Dandara.
             - Não, só desmaiou. Ei, amigo? – bate com o pé nas costelas.
            O homem vai recobrando a consciência abrindo os olhos.
            - O que aconteceu?
            - Qual o seu nome, de onde vem? – Castro coloca a arma na testa do sujeito.
            - Eu me chamo Sérgio, venho do bairro que fica atrás dos edifícios conhece?
            - Sim, você foi amaldiçoado, Sérgio, infelizmente terei que te matar.
            - Meu Deus. – chora. – e minha família, minhas filhas?
           Castro abaixa a arma e olha nos olhos de Sérgio.
           - É bem provável que você as tenha devorado. Sinto muito.
           Dandara se segura para não chorar. Ela sabe que nada poderá ser feito por ele. Ela  irá presenciar o adiamento de mais uma vida. Não há outro jeito. Castro volta a colocar a arma na testa de Sérgio quando o mesmo começa a se transformar. O disparo espalhou o cérebro no asfalto. Dandara explode em prantos e Castro se mantém firme.
             - Venha, vamos voltar para a casa.

            Enquanto monta guarda na janela, Castro pensa em tudo o que já passou desde quando o mundo foi amaldiçoado. Ele já perdeu as contas de quantos lobos já matou. Um assassino, foi nisso que ele se transformou. Para sobreviver nesse novo mundo foi preciso se tornar num homem sem coração. Dandara se aproxima.
            - Vá descansar, seu turno acabou.
            - Não se preocupe, posso ficar mais duas horas, você parece cansada. Amanhã partirei.
            A mulher se surpreende.
            - Como assim? Achei que faríamos uma dupla.
            - Aquele mundo não existe mais. Hoje é cada um por si.
            - Eu já penso diferente. Acho que agora devemos nos unir e reconstruir o mundo destruído.
            Ela não está errada e ele sabe disso. Por mais que o mundo antigo não fosse o ideal ele merece ser reerguido. Mas a pergunta que se faz é quem com coragem o suficiente daria o ponta pé inicial? Quem se arriscaria em desafiar esse mundo selvagem em prol de uma nova nação livre dos lobos? Quem? FIM






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