quinta-feira, 7 de março de 2019

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Marlene Dantas. Fumante inveterada. Enquanto aguarda a chegada de sua melhor amiga ela acende mais um cigarro e pede outro café amargo. Marlene não suporta açúcar. O bar escolhido para o encontro fica de esquina numa das avenidas mais movimentadas da cidade. Um lugar boêmio, gente de todo o tipo. No balcão homens e mulheres que jogam conversa fora mesmo sendo dia útil e também num horário em que todos deveriam estar trabalhando.
       O café chega, quente e na xícara, como exigiu a cliente. Marlene não suporta café servido em copinho americano ou em copo descartável. Café deve ser servido em xícaras, para isso elas existem. Marlene Dantas tem 47 anos, branca, cabelos negros longos, ama maquiagem. Ela é do tipo que se produz inteira para fazer compras ou tomar sorvete no shopping. Mesmo se aproximando de meio século, Marlene ainda conserva um corpo esbelto e uma pele lisa e bem tratada.
      Um rapaz de mais ou menos trinta anos entra no bar distribuindo simpatia com seu boné preto enterrado na cabeça. Ele se dirige ao balcão e bate no mármore com a mão espalmada. Logo é atendido. Ele pediu mate gelado e misto quente. Marlene acompanha todos os passos do gatinho até ser surpreendida por Amanda.
      - Oi!
      - Caramba, você demorou hein, mais um pouco e eu peço o jantar ao invés do lanche.
      - Me desculpa. – puxa a cadeira. – tive contratempos. Você pode fumar aqui?
      - Não, mas, o que a poderosa Marlene Dantas não pode fazer? – termina o café. – me diga, que contratempos foram esses?
      - Pilhas e mais pilhas de roupa para bater, acabei perdendo a hora. Vamos pedir o que?
      - Bom. Eu nunca comi nada aqui, mas me disseram que o frango empanado com fritas daqui é dos deuses.
      - Legal.

*
Depois de meia hora o pedido chegou. Amanda come e se lambuza com a maionese temperada. Marlene reprova o comportamento da jovem amiga, como sempre.
     - Você é uma menina linda, tem ótimas pernas, mas em compensação a etiqueta passou longe hein.
      O papo segue. Marlene falou um pouco de tudo. Amanda quase não abriu a boca. O assunto em voga no momento é de interesse de todo o ser humano. Marlene relembra suas aventuras sexuais que envolviam mais de um parceiro na cama.
       - Hum, quem diria, a grande e imponente Marlene Dantas uma tigresa entre quatro paredes.
       - Você não me conhece menina. Quando o assunto é safadeza eu sou a dona da situação.
       - E seu marido? – pega a coxa de frango e a mergulha no molho barbecue.
       - Quais? – sorriso de canto de boca.
       - Ah, sim, havia me esquecido, você se casou cinco vezes, acertei?
       - Sim e todos eles me deixaram uma fortuna, o último então foi maravilhoso. Celso me deixou uma conta bancária recheada, dois carros importados, fora a casa de veraneio.
       - Nossa. A morte do senhor Celso foi mesmo uma fatalidade. – Amanda segue comendo.
       Marlene de repente desvia o olhar da amiga. A megera parece refletir no que vai dizer. Pega outro pedaço de frango e o coloca na boca.
       - Não foi uma fatalidade.
       - Ah, como assim?
       A senhora Dantas mergulha outro pedaço no molho. Olha para Amanda que tem sua total atenção nessa hora. O suspense faz com que a jovem se sinta tonta.
      - Qual a sua idade mesmo? – semicerra os olhos.
      - 31!
      - Veja bem, Amanda. – de repente o rosto de Marlene se torna sombrio e sua voz fica ainda mais impostada. – pretende chegar a minha idade?
      - Sim? – engole seco.
      - Certo. O negócio é o seguinte. Tudo que irei te contar precisa ficar aqui. Você me entendeu? – aproxima o rosto a ponto de Amanda sentir seu hálito.
       - Como quiser.

*

Mais clientes vão chegando e ocupando as mesas. A música que tocava em volume médio foi sufocada pelos murmúrios das vozes que se fundem. As amigas pedem mais uma porção de frango empanado e chope. Marlene inicia seu relato diante de uma Amanda boquiaberta.
      - Como você sabe me casei cinco vezes. Sou conhecida como a viúva negra porque todos os meus maridos morreram de forma lamentável. O primeiro se acidentou na autoestrada. Se chocou com uma carreta. Eliaquim morreu na hora. Ele não conseguiu frear. Eu contratei um sujeito para danificar o freio. Tudo saiu conforme planejamos.
       Amanda cruza as pernas.
       - O segundo morreu num assalto, mas não foi bem um assalto. Eu combinei com o sujeito. Armando não reagiu ao “assalto” como eu relatei ao delegado. Foi execução mesmo.
      Amanda ajeita os cabelos atrás das orelhas quase sem fôlego.
       - O terceiro não deu tanto trabalho. Ele precisava tomar rigorosamente um remédio específico. Marleninha aqui apenas os trocou por aspirinas.
      - Nossa. E com isso você ficava mais rica.
     - Mais é claro, bebê. Marlene não nasceu para ser pobre. Eu sei o quanto minha mãe sofreu para criar meus irmãos e eu. A mulher morreu trabalhando pesado. Eu prometi para mim mesma que meu destino seria outro.
       - Mesmo que isso custasse a vida de alguém. Certo?
       Marlene assente com um gesto de cabeça.
       - E o quarto?
       - Marcos morreu eletrocutado. Foi trocar uma lâmpada e se foi. Fez tudo certo. Desligou a chave geral da casa, mas esqueceu de calçar os pés. Foi fácil. Quando ele estava com a mão no cobre eu liguei a chave geral e o otário ficou lá, agarrado por cinco minutos até pegar fogo. Foi lindo, a fumaça saindo dos cabelos.
      - Meu Deus. – coloca a mão na boca.

*

O bar agora está cheio. Todas as mesas ocupadas. Um casal adentra ao estabelecimento de braços dados. Ele mais velho com pinta de durão e ela jovem, porém madura com um rabo de cavalo pra lá de perfeito. Eles se acomodam no balcão. Marlene volta sua atenção para sua confidente.
        - Com certeza essa tirou sorte grande. Fisgou o velhote. – zomba.
        - Pois é. – engole o arroto. – e o quinto?
        - Celso Dantas. Fiz questão de continuar com o sobrenome do pobre coitado. Era amoroso. Me presenteava com flores. Um doce de pessoa.
        - E por que o matou, quero dizer, eu sei o motivo, mas, se ele era tudo isso que falou, por que não o deixou vivo?
        - O ser humano quer sempre mais, minha querida. Não importa se isso prejudicará a outro. Celso foi um marido exemplar, nunca me deixou faltar nada e mesmo assim perdeu a vida. Aliás, eu a mandei tirar.
       - E agora você usufrui de tudo que eles deixaram. – descruza as pernas. – me diga uma coisa. Por que resolveu me contar tudo isso?
        Marlene limpa o canto da boca. Confere as horas em seu relógio e depois responde.
        - Nossa amizade é saudável. Gostei de você desde o primeiro dia. Apesar de jovem você é uma mulher esclarecida. Faz quanto tempo mesmo?
       - Fará um ano mês que vem.
       A megera abre a bolsa e retira de lá cinco fotos.
       - Veja, esses foram meus maridos. Faço questão de guardá-las comigo.
       Amanda limpa a ponta dos dedos no guardanapo. Pega as cinco fotos e as analisa durante um tempo.
       - Amanda. Você foi mais do que uma manicure para mim. Obrigada por tudo.
       - De nada querida. Deixa que a conta eu pago.
       - Como assim, tudo isso deve ter custado uma fortuna, nem que você fizesse mil unhas conseguiria pagar.
       - Nunca subestime o trabalho de uma manicure, Marlene Dantas. – pega sua bolsa.
      Marlene segue olhando para a jovem de aparência simples abrindo sua humilde bolsa tiracolo e sacando de lá um distintivo policial.
      - O que é isso?
      - Não está vendo, um distintivo da polícia.
      - Amanda, que conversa é essa? – levanta as sobrancelhas.
      - Policial Bruna Couto. Marlene Dantas a senhora está presa.

*
Marlene se enfurece. Se levanta, mas Bruna saca sua pistola e a faz sentar novamente.
       - Sua, sua vagabunda, eu confiei em você. Quantos almoços, jantares, longas conversas. Meu Deus, como fui ingênua. Sua cobra.
       - Cuidado com a língua, Marlene. – pega as algemas.
       - Como vai provar tudo isso? Será sua palavra contra a palavra de Marlene Dantas, sua imbecil.
        Bruna abre só um pouco a blusa mostrando um minúsculo microfone colado com uma fita adesiva entre os seios. A viúva negra murcha feito uma flor no sol de verão.
        - Você acha que sozinha vai conseguir me tirar daqui? Sua tola. – rosna.
        - Sozinha não. Está vendo aquele rapaz de boné bonitinho que você paquerou assim que ele entrou aqui? Ele é o agente Fernando Braga. Ele é o responsável por gravar a nossa conversa.
        Tal agente dá um adeusinho para Marlene.
         - E veja aquele casal que você supôs que a moça deu o golpe do baú. Está vendo eles lá no fundo?
         Eles olham para Marlene.
         - Delegado Antônio Salgado e a policial Carla Félix. Agora coloque as algemas. As fotos ficarão comigo.
         - Quero ligar para meu advogado. Agora. – Vocifera.
         - A senhora pode ligar até para o presidente, ninguém vai conseguir livrá-la da cadeia, eu tenho sua confissão com riqueza de detalhes. – aponta para o busto onde se encontra o microfone.
         Antônio Salgado se aproxima e bate no ombro de Bruna.
         - Fez um bom trabalho policial Couto. – olha para Marlene. – vamos, levante-se.
         Marlene Dantas é levada algemada. Ela deixa o bar rodeada pelos agentes xingando horrores enquanto os demais clientes aplaudem o belo serviço da polícia. FIM

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