terça-feira, 2 de abril de 2019

Nove meses Depois



Não sou muito de ler a Bíblia, mas houve uma vez que sem querer encontrei um texto que me interessou, dizia mais ou menos assim. A mulher sábia edifica sua casa e a tola a destrói com suas próprias mãos.
      Não gosto de comentar muito sobre isso. Esse é um assunto que ainda mexe muito comigo, afinal eu tenho apenas nove meses de divorciada. Nove malditos meses convivendo com o silêncio na hora do jantar. Nove meses sem pressa alguma para poder chegar em casa depois do trabalho. Eu queria ser uma mulher livre, e agora sou. Uma mulher livre e doente. Não fisicamente. Tenho 34 anos, me alimento bem, faço exercícios regularmente, me cuido na medida do possível. Agora, quanto a minha alma e meu espírito não posso dizer a mesma coisa.
       Em minha vida profissional as coisas vão indo feito um motor a lenha. Mais devagar não existe. Nunca tenho o dinheiro do aluguel no dia combinado. Todas as minhas contas estão atrasadas. Um inferno. Mas o que interessa é que hoje sou uma mulher livre, independente, solteiríssima. Nove meses sem ter que dar satisfação, não é o máximo?
      Ao voltar da minha corridinha matinal verifico se há novas mensagens no WhatsApp. Sim, claro que há mensagens, sempre há. Vou direto no grupo da família. Minha mãe sempre foi a primeira a me desejar bom dia.
      Bom dia minha filha. Como tem passado?
      Oi mãe, estou bem e a senhora? Vou passar ai qualquer hora. Beijos!!!
      Há também uma mensagem da Carla. Clico nela.
      Bom dia sua vaca. Como passou a noite?
       Respondo. Ela está online.
       Vaca é a senhora tua mãe kkkkkk
        Estava correndo?
        Sim! O que mandas?
         Tá a fim de ir a um aniversário no final de semana?
         Hum! Que horas?
         Ela demora um pouco para responder, talvez conferindo o dia e a hora.
         Sábado as 20h. Te pego de carro. Então, vamos?
          Legal!
          Ótimo. Te vejo sábado, sua vaca.
           Vaca é o seu passado kkkkkk.

*

Sábado. Finalmente. Passei a semana inteira desejando que esse dia chegasse logo. Coloquei meu vestido preto curto. Meu ex odiava esse vestido. Me produzi. Soltei o cabelo. Conferi se realmente o decote esta abusado. Sim, ele está pior que isso. Me perfumo e confiro o horário. Dez para as vinte. Aproveito o tempo que ainda tenho para me olhar no espelho.
       Trinta e quatro anos. Divorciada. Gostosa. Até que que ainda dou pro gasto. Mexo nos cabelos os jogando para frente. Legal. Ouço a buzina do carro de Carla e vôo para a porta. Ao me ver ela assovia.
        - Eita, pena que eu sou hétero.
        - Deixa de ser boba. – entro no carro. Cruzou as pernas e olho para frente.
        - Está pensando em sair da festa com algum gatinho? – sai com o carro bem devagar.
        - Que gatinho o que.

*

O lugar está lotado de convidados. Carla e eu entramos no salão ao som de uma banda americana dos anos oitenta da qual não recordo nome agora. Passo por uma mesa onde há um grupo de garotos conversando alto e um deles olha diretamente para o meu decote. Estou arrasando. Sou apresentada ao aniversariante, um rapaz simpático com pinta de nerd, mas bonito.
        - Afonso, essa é a minha amiga, Flávia. – Carla me empurrou para cima do nerd.
       - Ah, oi, parabéns, linda festa.
       - Obrigado, fiquem a vontade.
       Ocupamos uma mesa perto do bar. Logo somos servidas por um garçom magrelo e narigudo. Batemos um papo até que a música mudou. Chegou a vez do funk contaminar os ouvidos. Carla vai para o meio sacudindo sua bunda magra a uma velocidade incrível. Eu permaneço tomando minha cerveja e comendo salgadinho. De repente brota na entrada do salão ele, meu ex marido, Luís Paulo, de mãos dada com um show de mulher. Um gosto amargo assola minha boca e eu quase cuspo o salgadinho.
         Luís Paulo me olha. Acho que ele tem a mesma sensação que eu tive ao vê-lo. Como ele está bonito, diferente, deixou a barba crescer assim como os cabelos também. Quando estávamos juntos ele sempre quis ter barba e cabelos crescidos, eu sempre o censurava. Nove meses sem vê-lo e ele aparece ao lado de outra mulher e diga-se de passagem, que mulher.
        Eles ocupam uma mesa que fica perto da saída da comida. Ele volta a me olhar, eu abaixo a cabeça, melhor não manter contato visual agora. Luís Paulo. A nova mulher parece ser inteligente, bem sucedida, experiente, até no modo como se porta ela parece uma rainha. E eu, o que pareço? O que os outros vêem quando olham para mim? Uma peituda que adora se exibir? Ou uma gostosa, mas que é oca por dentro? O que eles pensam de mim?

*

O funk sujo segue arrastando mais gente para o meio do salão quando Luís Paulo deixa sua mesa e anda em direção a mesa de Flávia.
         - Oi, Flavia?
         - Ah, oi Luís, tudo bem?
         - Tudo ótimo, e você?
         - Eu vou bem. – engulo a coxinha fria. – quer sentar?
         - Ah, sim. – se acomoda olhando para sua ex mulher. – o que tem feito?
         - Bom, você sabe, continuo na mesma, empurrando meu emprego com a barriga o tempo todo. E você?
          Luís Paulo entrelaça os dedos.
         - Consegui que uma grande editora publicasse meu livro. – diz sorrindo.
         - Sério, aquele que você estava escrevendo? – arregala os olhos.
         - Exatamente. Já vendeu cinco milhões de exemplares só no Brasil.
         Flávia olha para baixo e depois para a multidão sacudindo o esqueleto no salão.
         - Então as coisas estão dando certo pra você, ou melhor, pra vocês, não é?
         - Muito. Graças as vendas dos livros conseguimos quitar nosso apartamento e agora o projeto é passarmos um mês no Japão.
         Flávia engole seco.
         - Negócios?
         - Também. Ester está querendo fechar um negócio com um investidor japonês, com certeza obteremos sucesso.
         - Quem diária, Luís Paulo, de balconista de livraria para o mundo dos negócios.
         - Você se esqueceu de um detalhe, de escritorzinho mequetrefe a best seller.
         O sorriso de Flávia sai forçado. Já o de Luís Paulo é natural, verdadeiro e soa satisfação. Sua nova esposa volta do banheiro e faz sinal para que ele volte.
       - Ah, com licença, foi um prazer revê-la.
       - Beijo!

*

O sábado acabou. Tudo acaba, menos os meus sentimentos que teimam em me massacrar. Quem sabe se eu tomar alguns comprimidos e dormir até o ano que vem. Será que adiantaria? Ou só adiaria para uma próxima oportunidade? Quase sempre o tempo é a cura para todos os males, mas no meu caso ele só serviu para mostrar que eu sou um ser humano a beira de um colapso.

Antes

Luís Paulo digita sem muita agilidade no notebook antigo que pertencia seu pai. Flávia deixa a cozinha mastigando um pedaço de maçã. Ela para atrás do marido que concentrado não percebe a presença da esposa.
      - “O monge guerreiro”. – fala dando ênfase.
       Luís se assusta e se vira para ela.
      - E ai, gostou do título?
       Flávia dá mais uma mordida na maçã.
      - Como escritor você é um bom balconista de livraria. – rir.
      - Como assim, você já leu a história?
      - Pelo amor de Deus, você acha mesmo que eu vou perder meu tempo lendo historinha. Cai na real Luís Paulo, isso nunca será publicado.

*

A hora de dormir é sempre a mais complicada. Meus pensamentos flutuam numa dança lenta e enfadonha. Que inferno. O que estaria Luís Paulo fazendo nesse exato momento? Até parece que eu não sei. Com certeza trepando com sua nova mulher ou discutindo qual será o melhor dia para viajar para o Japão. Ele cresceu, melhorou de vida. Conheceu alguém que lhe incentivou. Pois é, eu não levei a sério aquele ditado, “ por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Eu não quero chorar, eu não vou chorar. Eu sou aquela tola a qual a Bíblia se refere. FIM

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