terça-feira, 22 de junho de 2021

Laços e Saudades





Tânia já havia esquecido como era horrível estar em um sepultamento. O último foi o de sua avó materna. Mas agora Tânia se vê diante do caixão lacrado de seu marido. Felipe falecera de maneira estúpida. Estava trabalhando quando um carro desgovernado pôs fim a sua vida deixando viúva uma mulher linda com todo um futuro pela frente. Felipe se foi e Tânia sente que lhe arrancaram um pedaço. Ela o amava. Agora ali, diante do caixão, ela vê sua vida inteira sendo velada também.

Os pais de Felipe, dona Magdalena e seu Cardoso, choram copiosamente. Felipe ainda tem um irmão, Flávio que preferiu não vir. O sofrimento é generalizado. A cada minuto alguém vem a lhe prestar condolências. Agora chegou a vez de Cardoso, pai do finado.

- Quer água? – Tânia não responde, apenas chora. – Você precisa se hidratar minha filha.

- Obrigada seu Cardoso, estou bem.

Chegou o momento. O pior de todos. A hora de deixar o corpo do amado na terra para apodrecer junto com ela. O caixão é levado por amigos e conhecidos. Tânia vem logo atrás sendo amparada por amigos. O percurso é curto, mas para Tânia durou uma eternidade. A cova rasa já aberta a deixa ainda mais sem chão. Sepultando Felipe, quando Tânia imaginaria que um dia assistiria um homem bruto com um par de sandálias gastas jogando ferozes pás de terra em cima de seu marido. O dia é cinzento, nada convidativo para apodrecer. Ele se foi. Nunca mais sentirei seu cheiro. As noites frias se tornarão ociosas, chatas.

O céu nublado dá lugar a um tom negro chuvoso. Logo Felipe que gostava de sentir cada pingo de chuva em seu rosto. Os carros saem da calçada do cemitério. Tânia está no da família de seu falecido marido. Cardoso dirige enquanto a olha pelo espelho interno. Seria Deus justo com ela? Cardoso sempre foi um sujeito religioso, criou os dois filhos nos princípios bíblicos. O certo é certo e o errado para ele não tinha vez. Magdalena, uma mãe dedicada, atenciosa. Sempre gostou do modo como Cardoso educou os meninos. Felipe e Flávio nunca deram desgosto, nunca se envolveram em confusão. Foram garotos trabalhadores. Tudo que tinham conquistaram trabalhando duro.

O carro para na porta do prédio e antes de descer, Tânia é confortada por seus sogros.

- Minha filha, agora que meu filho foi embora não precisamos romper os laços, vamos continuar nos vendo. – diz dona Magdalena.

- Claro que sim dona Magdalena. – limpa as lágrimas. – quem sabe nesse final de semana?

- Isso mesmo, faremos um almoço e você passará o dia lá conosco. – reforça Cardoso. – Tânia olha para o homem de bigode grisalho com ternura. Felipe puxou muito do pai.

- Combinado então. – diz ela descendo do veículo.


***


As nuvens que cobriam o céu desapareceram ao anoitecer. Tânia observa o movimento da cidade da sacada da varanda. Os olhos inchados e vermelhos mostram que a dor ainda é a sua única companheira. Um casal passa e ela pensa, poderia ser Felipe e eu indo ao shopping. Olhando com mais atenção Tânia percebe uma criança no colo da mulher e novamente as lágrimas brotam sem ela sentir. Felipe se foi e não deixou sua semente. Era seu sonho ser pai. A dor de ter evitado a gravidez a corrói por dentro. O casal Tânia e Felipe eram meio loucos, transavam onde desse na telha. Certa vez, eles fizeram amor no banheiro da casa de um amigo dele durante uma festa. Tânia estava irresistível com aquele vestido preto. Felipe a seguiu e entrou junto com ela no banheiro que foi destinado às mulheres.

- Não acredito que você vai querer alguma coisa aqui! – disse enquanto Felipe a beijava.

- Fale baixo.

O romantismo também fazia parte da rotina do casal. Quase que todos os dias Tânia recebia flores, bombons e outros mimos de Felipe. Ela se sentia adorada, amada, feliz. Agora o que sobrou de tudo isso é saudade. Tânia volta de seu devaneio com o toque do celular. Sua melhor amiga ligou querendo saber como ela está. Tudo muito chato, pesado. Se Tânia pudesse sumir, com certeza, não pensaria duas vezes.

Antes de se deitar ela ainda se confere no espelho. O sofrimento não foi capaz de lhe tirar a beleza. Linda mulher com os cabelos cortados na altura dos ombros. Corpo nem tão magro e nem tão cheio, Tânia é a típica mulher Brasileira com seu quadril largo. Não faz sentido se preparar para dormir, Felipe não está lá a sua espera para mais uma noite de amor. O banho é curto, sem frescura. Fã de banho quente, a água fria quem sabe refresque suas ideias, quem sabe a faz esquecer que ela agora é mais uma viúva assim como sua mãe foi, sua tia e entre tantas outras.


***


Como foi combinado, Tânia foi para a casa dos sogros. Infelizmente a casa ainda carrega aquele clima pesado do luto. Flávio visivelmente abalado mal fala. Magdalena envolvida com os preparativos do almoço anda de um lado para outro. Somente Cardoso faz sala para a nora.

- Tem certeza de que não quer passar uns dias aqui conosco minha filha!

- Não seu Cardoso, preciso me acostumar a viver sem o meu marido. Ainda tenho outras coisas para resolver. – toma mais um gole do suco de laranja.

- Vai ficar naquele apartamento sozinha; tem certeza?

- Sim.

Magdalena anuncia o almoço.

Na mesa o silêncio é sepulcral. Flávio só belisca a macarronada.

- Estou sem fome. Se não se incomodam, vou pro meu quarto.

- Tudo bem meu filho. – diz Cardoso.

Flávio e Felipe eram muitos chegados. Saiam juntos para balada, jogavam videogame todo fim de semana. Eram irmãos amigos realmente. Nem o casamento rompeu os laços dos irmãos. Flávio é superamigo de Tânia e Tânia por sua vez retribui o carinho do cunhado.

- Flávio ainda está muito abalado. – comenta Tânia.

- É verdade, eles eram bastante unidos. – diz com tristeza dona Magdalena - cúmplices um do outro. – Dá um longo suspiro. – Alguém vai querer sobremesa? Fiz torta de abacaxi.

Enquanto Magdalena está na cozinha retirando a torta da geladeira, Cardoso faz algumas perguntas à nora.

- Quando vai agilizar a questão da pensão? – Tânia quase que engasga.

- Como?

- Isso, sua pensão.

- O senhor não acha que está muito cedo pra pensar nessas coisas seu Cardoso?

- Não, meu filho é morto e enterrado há uma semana; já está mais que na hora de você resolver isso.

- Sinceramente não sei aonde o senhor quer chegar com essa conversa. – se mostra irritada.

- Minha querida, eu só quero que você tenha seus direitos como viúva, só isso. – Magdalena chega com os pedaços de torta e não nota o clima pesado entre os dois.

O dia passou tranquilo e lá pelas tantas, Tânia pegou o carro e partiu para o silêncio de seu apartamento. Durante o trajeto, ela se sente mal e teve que parar o carro no acostamento. Forçou um pouco e gorfou. Com certeza a macarronada de dona Magdalena não caiu bem. Ao chegar ao apartamento, a sensação horrível de enjoo piorou e ela teve que correr. Por pouco o piso da sala não sofre com uma “tempestade”.

Já refeita, Tânia prepara um chá e pensa no que seu sogro falou, seria mesmo a hora de resolver toda situação? A saudade do marido ainda machuca e ela sequer pensou em dinheiro. Com certeza, ela não transformará o que ouviu de seu sogro em decepção. Depois do chá pronto, ela senta para assistir ao jornal mas seus pensamentos estão longe. Uma notícia importante é anunciada e ela com o olhar perdido. Suas lembranças vagueiam e as lágrimas brotam novamente. Um tédio imenso é o que ela sente. Vai até o quarto. A roupa de dormir favorece seu corpo. Ao abrir o guarda roupa, vê o álbum de fotos, estranhamente um sorriso estampou seu rosto e ela foi conferi-las.

A primeira foto é do noivo entrando na igreja com sua mãe. Como Magdalena estava bonita, nem parecia à mesma pessoa. Felipe um deus grego num meio fraque branco. Era bonito o sujeito. A outra foto mostra seu Cardoso entrando com sua mãe dona Norma. Por mais que esteja velho, Cardoso ainda traz um charme peculiar com ele. Sinceramente Tânia não sabe o que seu sogro viu em Magdalena. O passeio pelo passado recente é interrompido por outra onda de náuseas obrigando a viúva a se levantar as pressas. Antes mesmo de chegar ao banheiro, ela sujou o piso da cozinha.


***


A noite foi péssima. Tânia teve que se levantar diversas vezes para vomitar. Seu estado é dos piores. Ela se levanta cansada, sem fome, tonta, passando muito mal. Pega o celular em cima da cômoda e liga para Michele.

- Oi Mi, vem pra cá, por favor.

- O que tá rolando amiga?

- Sei lá, passei mal a noite toda, acordei mal também, vem logo.

- Tudo bem.

Enquanto aguarda a chegada da amiga desde os tempos de infância, Tânia permanece deitada. Várias coisas passam em sua cabeça. Doente e viúva, só faltava essa agora. Vinte minutos se passaram e lá está Michele, uma negra belíssima verificando se Tânia está com febre.

- Sem febre, estranho. – sacode o termômetro. – será que foi a comida da sua sogra mesmo?

- Só pode, não comi nada depois e nem antes. – diz enquanto Michele se olha no espelho.

- E aí amiga, como vão as coisas?

- Ah, levando, fazer o que, a vida quis assim. – Michele senta na cama e cruza as pernas.

- É, a vida quis assim, e ela continua, viúvo é quem morre.

- Só você mesmo Mi, meu marido ainda nem esfriou debaixo da terra e você já querendo que eu arrume um namorado.

- Não precisa ser hoje não queridinha. – tal comentário faz Tânia rir e voltar a sentir fortes náuseas.


***


Flávio e seu pai conversam sentados na varanda. A amizade entre os dois sempre foi sadia. Felipe e Flávio foram criados da mesma forma, Cardoso fazia questão disso. Felipe era mais velho que Flávio um ano, isso facilitou a educação. Hoje, Flávio é um profissional na área da informática. Ganha muito dinheiro como Web design; é um dos mais solicitados para esse tipo de serviço.

- Duas semanas. – diz Flávio olhando para o nada.

- Pois é. – Cardoso se ajeita na cadeira. – tudo é muito vazio sem ele.

- É, e ele nem deixou um netinho pra você.

Cardoso escutou o comentário do filho caçula e não falou nada. Claro que ele gostaria e muito de segurar seu neto e poder passear com ele. A morte prematura do filho acabou com seus planos. Seus e de sua esposa. Flávio, por ter sido criado nos princípios bíblicos, olha para o céu azul com poucas nuvens e tenta de alguma forma achar seu irmão entre elas.

- Felipe com certeza agora mora lá, não é seu Cardoso?

- Podes crer que sim meu filho.

As lembranças machucam, mas o ser humano tem uma atração fantástica pelo sofrimento. Cardoso lembra o dia em que salvou Felipe da morte certa. Em 1998, o ainda adolescente Felipe atravessava distraído uma rua quando seu pai o puxou pela mochila deixando o carro passar em alta velocidade. O abraço em seu pai e agora salvador foi longo e muito representativo. Mas, tempos depois seu pai não estava lá para alertá-lo. A notícia de que um carro desgovernado atropelara um jovem que andava na calçada com seus fones de ouvido, pegou o velho motorista particular de surpresa. Ele dirigia o carro da patroa quando seu celular tocou.

- Oi querida. – do outro lado da linha Magdalena chorava soluçando. – O que foi querida?

- Felipe, o nosso Felipe, morreu, Mário, morreu, me ajude Mário! – Cardoso quase bateu com o carro. Sua patroa por não saber do que se tratava o telefonema ainda lhe passou um sermão que ele não ouviu. Meu filho morreu, como?

No IML, Tânia estava inconsolável. Gritava a plenos pulmões que queria seu marido. Cardoso a abraçou chorando também. Foi um dia que ficou na história dos Cardosos. O caixão lacrado mostrou o estado em que o jovial estudante de administração ficou. Que dia! Dia para se esquecido por todos, mas as lembranças teimam em ferir o coração de cada um que conviveu com Felipe.


***


Michele continua com seu papinho de sempre dizendo que pegou geral na roda de samba do final de semana e que um dia largará essa vida. Tânia escuta a tudo calada, tomando água de coco. O dia é bonito, poucas nuvens e uma brisa corta o lugar onde estão balançando seus cabelos. Um rapaz passa pelas duas sentadas na mesa e anda em direção ao balcão. De lá, ele fica a olhar para Tânia que está irresistível com seu shortinho jeans e blusa curta. Tânia ainda não percebeu que está sendo paquerada, mas Michele sim.

- Tem um gato te comendo com os olhos.

- Para com isso, Mi.

- É verdade, lá no balcão, dá uma sacada só. – Tânia disfarçadamente olha e o rapaz com porte de atleta a olha.

- Mi, ele é mais novo que eu, e além do mais, não quero homem tão cedo em minha vida, eu amava o Felipe e ainda o amo. – Michele olha para o rapaz que muda o foco e passa a olhar para a negra.

- Não estou falando para você arrumar um novo relacionamento agora minha querida, eu só estou querendo dizer que você agora está livre, bonita, gostosa, os homens te devoram com os olhos iguais aquele. – fala sem apontar. – viva, minha querida, viva.

Enquanto está sentada uma nova onda de náuseas a ataca. Sem ao menos disfarçar, Tânia se levanta rapidamente, passa pelo seu paquerador e entra no banheiro. Michele fica e cruza as pernas; sorri dando mole para o suposto atleta. Na volta, já aliviada, Tânia resolve ir embora, mas antes ouve uma recomendação da amiga.

- Vá ao médico, tá bom?

- Farei isso.


***


Normalmente é a noite que a saudade costuma apertar e às vezes machucar. Tânia está sem sono e lê deitada em sua cama, cama onde rolava as mais incríveis loucuras de amor com Felipe. Dias antes de morrer, o estudante de administração surpreendeu sua esposa espalhando pétalas de rosas e segurando taças e uma garrafa de vinho fino.

- Hoje teremos uma noite só de loucuras, meu amor.

- Uau, o que temos pra hoje hein?

Realmente foi uma noite louca. Os dois se amaram como se fosse a última vez. E foi. Ambos não imaginavam que seria o fim. Felipe morreu dois dias depois tragicamente. Agora, sozinha lendo o livro preferido do marido, Tânia viaja na leitura e por uns breves instantes ela esquece a dor, a saudade, os enjoos. Decidida a levantar cedo para se consultar, ela deixa o livro marcado de lado e dorme.


***


- Vou passar alguns exames. – diz o doutor serenamente. – Isso pode ser emocional. A meu ver você está perfeita.

- Pois é. – se entristece. – Perdi meu marido tem pouco tempo.

- Sinto muito.

- Relaxa. Foi um golpe muito forte, ainda estou me adaptando. – consegue sorrir.

- Certo, muito bem, faça os exames e volte aqui, combinado?

- Bom dia, doutor.

- Passar bem, Tânia.

Magdalena corta uma fatia de bolo e a coloca no prato da nora que pensa em dispensar. Apesar de estar em jejum, Tânia não tem fome e apenas olha a guloseima no prato. Em outras épocas aquele seria o primeiro dos muitos pedaços.

- Seu Cardoso onde está?

- Foi ao mercado aproveitar a promoção. Vai ficar pro almoço?

- Não sei, ainda tenho que resolver outras coisas.

- Quer ver uma coisa?

- Que coisa? – Magdalena faz sinal que ela aguarde e volta com um álbum de fotos antigas e o coloca nas mãos da nora. Tânia, ao abri-lo, sorri ao ver Felipe ainda criança andando de bicicleta na praça.

- Ele me pedia para não lhe mostrar essas fotos, mas elas são tão fofas, não são?

- Umas gracinhas, olha o Flávio, não mudou nada. – ela passa.

- Olha o Mário, como era bonito. – comenta dona Magdalena cheia de saudade.

- É mesmo, hoje em dia ele é melhor.

- É mesmo, eu sinceramente me sinto tão feia. – mexe nos cabelos pintados.

- Que isso, a senhora ainda dá um caldo. – ambas caem na gargalhada. O papo continua, Magdalena relembra de fatos recentes de quando Cardoso esfriou na cama com ela. Do quanto ela se sentia culpada por causa disso. Tânia acompanha atentamente o desabafo da sogra. Cardoso chega com as compras e abre um sorriso de orelha a orelha ao ver a nora.

- Tânia, minha filha, que bom que está aqui, veio almoçar conosco?

- Na verdade... Não... É que...

- Sem essa, comprei peixe e sei que você gosta não é?

- Acertou.


***


Com o envelope dos exames na mão, Tânia entra no consultório e aguarda a análise do doutor.

- Nada, viu, você está perfeita – Tânia solta a respiração aliviada. – e vai precisar de mais saúde agora.

- E por quê?

- Parabéns mamãe. – a voz grave do médico ecoa várias vezes. Tânia roda junto com a pequena sala. A palavra mamãe nunca soou tão mal. – Tânia, você está bem?

- Mamãe, eu?

- Sim, pelo que vejo você tem algumas semanas de gravidez, parabéns, quer avisar ao esposo?

- Meu esposo morreu. – o médico murcha.

- Me desculpe eu havia esquecido. – nesse momento Tânia chora. O médico meio sem jeito a consola.

O trajeto do consultório até sua casa nunca demorou tanto. Tânia tenta segurar o pranto, mas não consegue. As pessoas a olham espantadas. O que essa moça tem pra chorar tanto assim? A mão na barriga e o andar lento, quase se arrastando, a deixam ainda mais com aspecto de doente. Grávida! Um filho, outra geração, um bebê. Finalmente ela chega em casa e desaba. Terei um bebê! Ela pega o celular e liga para sua amiga. O que fazer, viúva? e com uma criança. O que será dessa criança, meu Deus? Tirá-la jamais. Michele atende.

- Oi amiga, adivinha com quem estou? Lembra daquele rapaz de outro dia...

- Estou grávida! – silêncio do outro lado da linha. Em menos de vinte minutos Michele já está dentro da casa da amiga.

- Calma, vou fazer um chá.

- Que chá o que, isso pode matar meu bebê. Eu quero é sumir.

- Não fale isso, não é o fim do mundo.

- Meu Deus do céu, porque logo comigo, já não bastou levar o meu marido não.

- Olha o que você está falando. – Michele se irrita. – Deus é justo.

- Agora não sei de mais nada.

- Quem vai gostar são seus sogros; imagine só, eles avós. – Tânia volta a chorar.


***


Madrugada. Casa vazia. Somente os pingos da torneira mal fechada batendo na louça são ouvidos. Tânia se revira na cama angustiada. Levanta e abre a janela. O mundo dorme lá fora. Seminua ela não se importa com quem por um acaso a esteja espiando. De repente a vontade de fumar volta com força total. Logo ela que o abandonou faz meses. Olha o relógio.

- 02h16min, droga. – pega o celular e hesitante ela disca de cabeça um número. Chama e chama, ninguém atende. Disca novamente e no terceiro toque alguém atende.

- Oi!

- Preciso de você.

- Agora? Não dá pra esperar até amanhecer não, minha mulher quase deu um troço quando o telefone tocou.

- Depois do que eu te falar, você vai querer vir aqui.

- Diz logo.

- Estou grávida. – um silêncio incômodo a deixa nervosa. – Você ainda está ai ou desmaiou?

- Por que você fez isso comigo?

- O que? Eu quem pergunto, eu avisei, pedi pra que você usasse camisinha, mas você disse que não que...

- Tudo bem, tudo bem, a culpa foi minha, agora é o seguinte, não se preocupe, vou assumir tudo, passe aqui em casa, vou lhe dar algo para você iniciar o pré-natal e outras coisas que você precisar.

- O nosso acordo ainda está valendo?

- Sim, pelo menos por enquanto nada de encontros tudo bem?

- Tudo bem.

- E outra coisa, evite me ligar durante a madrugada, ela pode suspeitar, entendeu?

- Entendi.


***


Alguns dias depois Tânia dá a notícia de sua gravidez a família de seu finado marido. Festa, muita festa. Magdalena não para de alisar a barriga que ainda não existe de sua nora. Cardoso abre uma bebida e bebe junto com Flávio.

- Meu sobrinho, meu sobrinho, pai.

- Meu neto. – Tânia sorri junto ao ver a felicidade da família. Com certeza tanto Magdalena como Cardoso queriam dar um abraço no papai do ano Felipe.

- Já escolhi os nomes. – diz Tânia em voz alta.

- Mais já. – fala Flávio.

- Sim, se for menina se chamará Maria Eduarda e se for menino Felipe Júnior. – em uníssono todos concordam. A confraternização é intensa, todos querem ficar perto da mulher que trará ao mundo a continuação do filho e irmão querido. A festa é regada à comida e bebida. Tânia se alegra junto, sorri, fala e fala muito. No final do dia, quando o frenesi já não é os da primeira hora, Cardoso olha a nora quieta no canto mexendo na unha e se aproxima.

- Tudo bem?

- Cardoso... Tudo bem.

- Isso é pra você. – ele entrega um envelope. – Faça bom uso.

- Obrigada. – Tânia o abraça. Um abraço fraterno. Cardoso apenas se deixa abraçar.

- Magdalena e Flávio não sabem, mas eu sei, Felipe contou apenas pra mim, ele jamais poderia engravidar uma mulher, não é verdade?

- Sim.

- Então finja que é uma mulher digna e jamais fale que essa criança não é do Felipe, tudo bem.

- Tudo bem.

- Quer que eu te leve em casa?

- Pode ser.

Tânia se despede da família enquanto Cardoso espera no carro. Durante o percurso eles não se falam. O silêncio é quebrado na porta da casa.

- Alguma pergunta? – pergunta Cardoso.

- Por enquanto não.

- Ótimo, vá em paz.

Cardoso dá a partida no carro quando Tânia ainda caminhava para o portão. Com o envelope na mão ela olha ao redor e resolve abri-lo ali mesmo. Dentro há um cartão de crédito e um bilhete.

- Oi, como vão as coisas? Saiba que você é uma mulher maravilhosa, esse cartão vai garantir o pré-natal do bebê e todas as outras despesas. Fique firme. E como falei, evite me ligar, vamos manter isso até o final de nossas vidas. Te amo. – Tânia sorri e entra.


Fim




 

3 comentários:

  1. Como sempre surpreendendo o final da história...Você é de mais 👏👏👏👏👏

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  2. Amém e uma abençoada noite para todos nós .🙌🙏

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