terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Em Decomposição



1

         Desanimado e abatido, esse é o estado em que se encontra o chefe da nação ao subir pela última vez ao palanque de onde fará seu discurso. Uma pequena e otimista multidão aguarda as sagradas palavras do presidente. Barba por fazer, cabelos precisando ser aparados e penteados e voz trêmula. Garcia despeja um balde de água fria em seu povo.
       - Não há mais recursos, lamento em informar. - faz uma longa pausa, talvez segurando o choro. - achamos que poderíamos controlar a situação, mas, ela foi maior que nós. - pigarreia. - eu, Alberto Garcia, não serei mais o presidente da república, serei mais um sobrevivente entre vocês. Perdi minha mulher vítima dessa praga do inferno. Meu filho está desaparecido a um mês e pra ser sincero, acho que foi morto, por isso suspendi as buscas. O último contato que fizemos com o estrangeiro foi desanimador, a praga é mundial e já há países inteiros dominados. Por isso venho até vocês, pedir para que lutem, lutem até o fim, não permitam que o nosso país seja dominado, lutem.
         Aos poucos a multidão vai se dispersando. Alberto Garcia se declara ex presidente e seus asseclas o abandonam. Não há mais governo, nem polícia e nem exército. Tudo foi extinto. Ele entra em seu carro pela primeira vez sem segurança e sem trânsito. Para onde estará indo? Ele olha para a paisagem e tudo que vê é lixo acumulado, lojas saqueadas, carros enguiçados na pista e algumas pessoas clamando por ajuda. Mas que ajuda? Ninguém virá buscá-los. O ex presidente acelera ganhando a direção do centro da cidade.

2

              - Estou com fome. - anuncia Amanda pela décima vez.
              - Eu também e nem por isso estou enchendo o saco. - reponde Mônica.
              - Posso sair para procurar? - vai até a janela.
            - Claro que não, saia da janela alguém pode nos ver. - diz a irmã mais velha e mal humorada.
            - Mais que droga, Mônica, eu estou menstruada, você poderia ser mais sensível.
           - Amanda, não deixe as coisas mais difíceis ainda, tudo bem, quando escurecer um pouco mais eu vou procurar pra você. Tente dormir.
            - Certo.
          Amanda se joga na cama de casal desarrumada e se encolhe. Mônica observa sua irmã adolescente em posição fetal e se lembra de quando ela era apenas um bebê. Lá fora o vento balança as árvores amenizando um pouco a situação. Mônica aos poucos vai se aproximando da janela quando dois sujeitos passam numa moto. Ela se abaixa. Eles passam direto.
              - Bandidos desgraçados.
           Ela volta até o quarto e percebe que Amanda já dorme. Ela vai até a cozinha. Mesmo acima do peso ela consegue subir no banquinho para alcançar a lata que está em cima do armário. Mônica abre o recipiente onde há alguns biscoitos recheados com a validade vencida. A ex estagiária devora alguns e desce. Vai até a janela. Tudo calmo, hora de buscar suprimentos.

3

               A rua está deserta. A noite é sem lua e com algumas nuvens. Mônica segura na mão direita um punhal. Um grunhido é ouvido e seu coração gela.
                 - São eles, meu Deus.
              Ela se camufla entre o lixo acumulado. Dois zumbis passam exalando um forte odor. Mônica precisou se controlar para não vomitar os biscoitos. O perigo passou. Em silêncio ela sai e vai para o meio da rua. O que outrora era um bairro de classe média, agora não passa de uma lixeira gigante. Ela alcança um portão já aberto.                Tudo escuro, nenhum movimento. Passo a passo Mônica vai até a janela. Quando se prepara para pular, alguém a toca nas costas.
                - Não grite, fique quieta, a mais deles vindo nessa direção. - avisa um sujeito segurando uma pistola.
              Desesperada a mulher olha para ele. Um outro homem aparece com um facão. Ambos escondem os rostos com camisas.
               - Você tem comida, moça? - pergunta o do facão.
               - Não, é o que vim procurar. - responde gaguejando.
               - Também estamos com fome, vamos levá-la para o grupo.
               - Qual grupo? - dá um passa para trás.
               - Se der mais um passo eu te mato.
               - Por favor, deixe-me ir.
           - Se liga gorda, meu amigo e eu estamos com fome, porém mais ainda para transar, se você puder nos ajudar, ai quem sabe.
              - Isso mesmo, vai tirando a calcinha ai, vai.
             Mônica deixa uma lágrima cair e engole seco. Ela pensa em Amanda que ficou dormindo. Pensa em seus pais que se transformaram em zumbis e pensa em Rogério, seu namorado que foi morto.
               - Pode ser os dois, ao mesmo tempo?
               - Hum, você é taradinha, ou o que, prefere dupla penetração?
               - Será rápido? - chora.
               - Seremos. - responde o outro do facão.
              Ela abaixa a cabeça. Enxuga as lágrimas. Respira fundo e olha para o bandido a sua frente.
               - Vamos nessa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário