1
Desanimado
e abatido, esse é o estado em que se encontra o chefe da nação ao
subir pela última vez ao palanque de onde fará seu discurso. Uma
pequena e otimista multidão aguarda as sagradas palavras do
presidente. Barba por fazer, cabelos precisando ser aparados e
penteados e voz trêmula. Garcia despeja um balde de água fria em
seu povo.
-
Não há mais recursos, lamento em informar. - faz uma longa pausa,
talvez segurando o choro. - achamos que poderíamos controlar a
situação, mas, ela foi maior que nós. - pigarreia. - eu, Alberto
Garcia, não serei mais o presidente da república, serei mais um
sobrevivente entre vocês. Perdi minha mulher vítima dessa praga do
inferno. Meu filho está desaparecido a um mês e pra ser sincero,
acho que foi morto, por isso suspendi as buscas. O último contato
que fizemos com o estrangeiro foi desanimador, a praga é mundial e
já há países inteiros dominados. Por isso venho até vocês, pedir
para que lutem, lutem até o fim, não permitam que o nosso país
seja dominado, lutem.
Aos
poucos a multidão vai se dispersando. Alberto Garcia se declara ex
presidente e seus asseclas o abandonam. Não há mais governo, nem
polícia e nem exército. Tudo foi extinto. Ele entra em seu carro
pela primeira vez sem segurança e sem trânsito. Para onde estará
indo? Ele olha para a paisagem e tudo que vê é lixo acumulado,
lojas saqueadas, carros enguiçados na pista e algumas pessoas
clamando por ajuda. Mas que ajuda? Ninguém virá buscá-los. O ex
presidente acelera ganhando a direção do centro da cidade.
2
-
Estou com fome. - anuncia Amanda pela décima vez.
-
Eu também e nem por isso estou enchendo o saco. - reponde Mônica.
-
Posso sair para procurar? - vai até a janela.
-
Claro que não, saia da janela alguém pode nos ver. - diz a irmã
mais velha e mal humorada.
-
Mais que droga, Mônica, eu estou menstruada, você poderia ser mais
sensível.
-
Amanda, não deixe as coisas mais difíceis ainda, tudo bem, quando
escurecer um pouco mais eu
vou procurar pra você. Tente dormir.
-
Certo.
Amanda
se joga na cama de casal desarrumada e se encolhe. Mônica observa
sua irmã adolescente em posição fetal e se lembra de quando ela
era apenas um bebê. Lá fora o vento balança as árvores amenizando
um pouco a situação. Mônica aos poucos vai se aproximando da
janela quando dois sujeitos passam numa moto. Ela se abaixa. Eles
passam direto.
-
Bandidos desgraçados.
Ela
volta até o quarto e percebe que Amanda já dorme. Ela vai
até a cozinha. Mesmo acima do peso ela consegue subir no banquinho
para alcançar a lata que está em cima do armário. Mônica abre o
recipiente onde há alguns biscoitos recheados com a validade
vencida. A ex estagiária devora alguns e desce. Vai até a janela.
Tudo calmo, hora de buscar suprimentos.
3
A
rua está deserta. A noite é sem lua e com algumas nuvens. Mônica
segura na mão direita um punhal. Um grunhido é ouvido e seu coração
gela.
-
São eles, meu Deus.
Ela
se camufla entre o lixo acumulado. Dois zumbis passam exalando um
forte odor. Mônica precisou se controlar para não vomitar os
biscoitos. O perigo passou. Em silêncio ela sai e vai para o meio da
rua. O que outrora era um bairro de classe média, agora não passa
de uma lixeira gigante. Ela alcança um portão já aberto. Tudo
escuro, nenhum movimento. Passo a passo Mônica vai até a janela.
Quando se prepara para pular, alguém a toca nas costas.
-
Não grite, fique quieta, a mais deles vindo nessa direção. - avisa
um sujeito segurando uma pistola.
Desesperada
a mulher olha para ele. Um outro homem aparece com um facão. Ambos
escondem os rostos com camisas.
-
Você tem comida, moça? - pergunta o do facão.
-
Não, é o que vim procurar. - responde gaguejando.
-
Também estamos com fome, vamos levá-la para o grupo.
-
Qual grupo? - dá um passa para trás.
-
Se der mais um passo eu te mato.
-
Por favor, deixe-me ir.
-
Se liga gorda, meu amigo e eu estamos com fome, porém mais ainda
para transar, se você puder nos ajudar, ai quem sabe.
-
Isso mesmo, vai tirando a calcinha ai, vai.
Mônica
deixa uma lágrima cair e engole seco. Ela pensa em Amanda que ficou
dormindo. Pensa em seus pais que se transformaram em zumbis e pensa
em Rogério, seu namorado que foi morto.
-
Pode ser os dois, ao mesmo tempo?
-
Hum, você é taradinha, ou o que, prefere dupla penetração?
-
Será rápido? - chora.
-
Seremos. - responde o outro do facão.
Ela
abaixa a cabeça. Enxuga as lágrimas. Respira fundo e olha para o
bandido a sua frente.
-
Vamos nessa.
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