sexta-feira, 30 de março de 2018

EM DECOMPOSIÇÃO - Limpeza étnica


1

      Cinco picapes fecham a estrada e seus ocupantes se preparam para um confronto desigual e também bastante nojento. A mais ou menos 700 metros estão os zumbis caminhando atraídos pelo som das buzinas. Todos os homens estão armados com fuzis, facões e foices. Tal estrada dá acesso a uma cidade a qual querem proteger das invasões dos mordedores. A distância entre vivos e mortos está cada vez mais curta e o líder da operação tenta levantar o ânimo de sua equipe.
      - Vamos manter a resistência meus queridos. - cospe já sentindo o cheiro dos mortos-vivos.
       - Mas Fegali, eles são muitos, não temos munição o suficiente.
     - Temos que limpar o mundo desses vermes mordedores, se quiser desistir ainda dá tempo.
      - Não, claro que não desistirei. - o garoto volta a apontar seu fuzil.
    Fegali coloca todos em linha como foi combinado. A ordem foi, atirou, dois passos para trás e assim por diante. O ex policial dá homicídios não quer ninguém de sua equipe morra, ou seja, ferido. Os zumbis vem e quando estão a duzentos metros Fegali ordena que seus companheiros atirem. Os mortos da linha de frente vão tombando. O grupo de Fegali dá dois passos para trás e logo em seguida atiram. Mais um bom número de zumbis vai ao chão com seus corpos apodrecidos. Realmente o cheiro é insuportável.
       - Pelo bem de nossa nação, atirem. - grita Fegali.
     Mais corpos, mais vísceras e mais cabeças explodindo. Aos poucos o asfalto rachado vai sendo lavado do sangue e escorrendo para o acostamento. O confronto é algo ruim de se ver. O ruido dos dentes dos zumbis incomoda e eles não param de andar. Os destemidos de Fegali atiram para derrubar e por enquanto não há sombra de desistência, ninguém quer recuar. Será uma limpeza, limpeza étnica contra zumbis.
       - Atirem, vamos, não podemos deixar que avancem. - Fegali vocifera.

2

       As munições estão no fim, hora de atacar com armas brancas.
      - Atenção homens, quero todos em formação, agora, já.
      Os homens de Fegali fazem um círculo e todos estão com seus facões em mãos.
      - Vamos fatiar esses malditos. - diz um jovem.
       A briga é feia. Muito sangue e tripas arremessadas no ar. As cabeças também sofrem com os duros golpes de foice. O grupo não se desfaz. O número de zumbis é maior. A tática é a mesma, atacou, dois passos para trás e jamais fique sozinho. Até agora tem dado certo. Mesmo como o estômago revirando, os guerreiros lutam pois sabem que valerá a pena. Desde quando a praga zumbi começou o mundo não teve um dia de paz. Eles estão cansados, sujos, com fome e a única esperança está nos braços de corajosos como eles.
       A luta vai bem até que um deles escorrega no que sobrou do cérebro de um mordedor. O garoto cai já com dois zumbis em cima dele. Fegali pela primeira sai da formação.
        - Continuem, vou pegar o João.
      João, apenas um menino, luta para se manter vivo. Assim que saiu para fazer parte do grupo de Fegali, seus pais choraram, imploraram para que ele desistisse da ideia. Destemido, o jovem de 17 anos olhou no olhos deles e disse, “construirei um novo mundo”. As lágrimas agora são de orgulho. Seu pai o abraça apertado e sua mãe beija sem parar o terço enrolado nas mãos. Ele se despede da família e se junta com outros heróis.
        Agora ele está ali, preste a se tornar um dos mortos-vivos assim como foi com seu irmão mais novo. Com as pernas ele afasta uma mulher zumbi. A morta viva insiste em fazer de João sua refeição. Fegali chega cortando a cabeça da mordedora.
       - Vamos, levante-se, filho.
     O embate continua. Parece que os zumbis brotam do chão. Para cada um zumbi que é executado, aparecem cinco, essa é a impressão que se tem. Cansaço, muito cansaço, os braços dos homens estão pesados e já há quem sinta câimbras. O líder resolve então usar seu último recurso. Pelo rádio Fegali berra.
       - Podem vir, agora, já.
       Uma pá mecânica vem em alta velocidade pronta para limpar aquela estrada. Os homens de Fegali se afastam abrindo espaço para o veículo que passa em velocidade esmagando, extirpando mortos-vivos que não tem chance alguma contra o maquinário. Enquanto atropela os bichos o condutor comemora dando socos no ar. Ele faz a volta com habilidade de poucos e mais uma vez se torna uma ameaça para os mordedores. Fegali pela primeira vez sorrir em ver que seu plano deu certo.
       - É isso ai.
     Acabou. Pelo menos aquele quilômetro de estrada tudo está limpo. Ao olhar e vê que nenhum de seus amigos se feriu, o ex policial guarda seu facão, limpa o suor misturado com sangue e faz um breve discurso.
      - Irmãos, essa foi a primeira de muitas lutas que virão. Hoje vencemos a batalha, estamos   vivos, Deus esteve ao nosso lado. Agora vamos nos preparar para entrarmos em outra parte e limpamos o nosso mundo. Quem está comigo?
     Houve gritos e saltos. Todos estão dispostos a construir um novo mundo, inclusive João. Antes de entrarem nas picapes, Fegali olha para o jovem e sorrir.
      - Você vai liderar outro grupo de limpeza, isso em breve, o que acha?
      - Legal.
*

      Enquanto isso em outra parte da cidade um grupo de quase mil zumbis entram pelo portão da cidade atraídos por sons de buzinas. Essas buzinas estão sendo utilizadas por um pequeno grupo de sobreviventes que se posicionaram a beira de um precipício. Os mortos são empurrados e somem no meio das pedras afiadas. O líder grita ordens de incentivo.
      - Vamos conseguir, limparemos esse mundo, não vamos parar.
      - Zeca, eles são muitos, precisamos de ajuda. - diz uma mulher bastante magra.
      - A ajuda virar, agora continue.
     Os zumbis seguem caindo com o sol já se pondo no horizonte.

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