segunda-feira, 26 de março de 2018

ROSA de AÇO - Um conto policial com Heloísa Mattos


       - Quer dizer que a noite não foi nada boa? - pergunta Vinícius sem olhar para sua parceira ao volante.
     - Terrível, havia pernilongos em toda parte, nunca vi. - faz a curva entrando numa rua secundária.
       - E Karen, como se comportou?
      - Eu não entendo como uma pessoa pode ter um sono tão pesado, a ponto de não sentir os mosquitos. - vai reduzindo a velocidade da viatura descaracterizada. - chegamos, o motel é aquele ali.
      - Legal. - suspira Vinícius. - será que o nosso homem está realmente lá dentro?
      - Segundo informações ele entrou com duas vagabundas a duas horas.
      O policial negro de cavanhaque bem feito e careca olha para o letreiro.
      - “Motel chega mais”, bem sugestivo, não acha?
      - Também achei.
     Heloísa não consegue parar de olhar os lábios carnudos de seu parceiro. Ele cheira muito bem e tem olhos claros vivos. Eles trabalham juntos a cinco anos e há cinco anos ela vem imaginando o que um negro lindo como Vinícius pode fazer com ela na cama.
     - Ficou bem, ruiva, eu gostei.
     O coração de Helô não esperava esse elogio, por isso ele palpitou.
     - Que bom que gostou, eu cansei de ser morena, agora ninguém segura a vermelha.
     O sorriso de Vinícius a deixa encantada.
    - Por que não entramos lá e o prendemos? - Vini olha pelo espelho o movimento da rua atrás.
     - Lembre-se, Fortunato é o chefe de uma organização criminosa, com certeza ele está sendo vigiado.
       Vini abre o porta-luvas e retira de lá alguns papéis.
       - Aluísio Fortunato, assassino, estuprador e mafioso, o velho tem uma ficha e tanto.
       - Hoje a festa dele tem fim. - tamborila com os dedos o volante.

*

      Dentro do quarto, o criminoso abocanha os seios de uma prostituta enquanto a outra faz um oral pra lá de babado no velho. Em cima do criado-mudo a garrafa de champanhe segue gelando dentro do balde. Uma das meninas mais gordinha para de amamentar o marmanjo velho e se serve.
      - Me diz uma coisa vovô Fortunato, até que horas pretende ficar aqui?
      Visivelmente aborrecido por causa da pergunta, o mafioso se levanta.
     - Veja bem, eu paguei bem e adiantado, por isso essa pergunta não lhe cabe fazer, agora largue essa taça e venha aqui, quero as duas caindo de boca.

*

     Enfrente ao motel há um bar com alguns homens bebendo e comendo petiscos. Heloísa chama reforços pelo rádio. A mais ou menos seis meses a polícia vem investigando a quadrilha de Fortunato que nos últimos dias faturou milhões na venda de armas para comunidades. O departamento escalou Heloísa e Vinícius para a desarticulação do bando.               Tudo foi preparado e agora eles estão a minutos de dar voz de prisão ao vovô do crime.
       - Será que Fortunato tem saúde o suficiente para aguentar duas ao mesmo tempo?
       - Sinceramente, eu espero que ele tenha um enfarto. - Helô brinca.
       Mais uma vez o silêncio entre os dois.
       - Por que escolheu essa profissão? - Vini mexe nas unhas.
     - Foi por acaso, eu tinha terminado os estudos e trabalhava numa loja pequena onde o dono era um policial, eu gostava do jeito como ele se portava e eu disse para mim mesma que um dia seria como ele, e aqui estou eu. E você?
      - Meu avô foi detetive, eu me lembro quando ele chegava lá em casa com seu terno azul-escuro e chapéu, meu pai dizia que ele era temido e que tinha uma inteligência acima da média, o velho era bom no que fazia.
      Nesse momento o rádio chama.
      - Estamos no bar, aguardando ordens para prender os elementos.
     - Siga enfrente oficial. - Heloísa coloca o aparelho na coxa. - é por isso que você também usa terno?
      - Sim, uma maneia de homenagear o grande Francisco Bastos.

*

      As meninas tentam mas é impossível não rir da cara que Fortunato faz ao ejacular. Uma delas cai na gargalhada irritando o velhote.
       - Qual o problema de vocês?
     - O senhor fez umas caras engraçadas, uma mistura de sofrimento, prazer e dor. - diz a mais gordinha.
      O velho se levanta da cama esbravejando e segurando o membro já flácido.
       - Se vestem e vão embora antes que eu as mande fuzilar.
      No banheiro Fortunato faz uma ligação, mas não há resposta.
       - Onde aqueles idiotas se meteram que não atendem o telefone?

*

     As duas prostitutas deixam o motel abraçadas. Ambas com roupas chamativas. Heloísa saca sua pistola e fala pelo rádio.
      - Abordem essas duas vacas e façam perguntas.
     As meninas são paradas na saída da rua por dois policias a paisana. Elas ainda tentam se desviar dos homens, mas não adianta.
      - Quem não deve não teme. - diz um policial
      - Moço, não fizemos nada, só estávamos trabalhando. - se defende a gordinha.
      - Tudo bem, agora me diga uma coisa, Fortunato está sozinho lá dentro?
      - Sim.
      A informação é passada para Heloísa. Vinícius já deixa a porta da viatura meia que aberta. Tudo pronto para prisão. A primeira a descer é Helô que se dirige a entrada do motel. Imponente e seguro, Vini vem na retaguarda. Heloísa mostra o distintivo a recepcionista e faz sinal de silêncio para ela. Vinícius ficou perto onde ficam os bancos de espera e Heloísa na escada. Fortunado vem descendo balbuciando ao telefone. Mediano, cabelos ralos ondulados brancos e bigode da mesma cor. Ele passa por Helô que o toca no ombro.
       - Aluísio Fortunato, o senhor está preso.
      Vinícius aponta sua arma contra o bandidão.
       - O que, mas, mas.
       - Solte o telefone, Fortunato e venha comigo. - Vini abre a porta.
       - Sob qual acusação? - grita.
       - Assassinato, venda de armas para o tráfico e estupro, tá bom ou quer mais?
     Em questão de minutos a calçada do motel se transformou num estacionamento com diversas viaturas. Fortunato é algemado e conduzido até uma delas. Protestando, o mafioso é colocado dentro do carro exigindo seu advogado.
       - Isso não ficará assim, vocês vão ver, amanhã estarei na rua, seus merdas.
      Aos poucos a grande movimentação tanto da polícia como de curiosos vai diminuindo. Vini e Helô estão de volta a sua viatura e dessa vez é o investigador quem dirige. Enquanto corta por uma via bastante movimentada, Heloísa analisa alguns documentos. Mais uma vez ela para e olha para ele, “Por que não me nota? Por que não para esse carro e me beija?”
       - Medeiros Ficará orgulhoso do seu trabalho. - passa a marcha.
       - “Meu” trabalho, ou “nosso” trabalho?
       - Nada de modéstia senhora Mattos, você faz todo o trabalho.
    Algo se moveu dentro da ruiva. Seu coração derreteu e quando ela viu as palavras já haviam brotado.
     - O que seria de mim se não fosse um negro maravilhoso, que cheira bem e de olhos penetrantes?
       Vinícius não disse nada, apenas olhou para ela e sorriu.

*

     Em pé, parada e com as mãos para trás, Heloísa recebe os mais belos elogios de seu capitão. Medeiros normalmente é um homem sério de feições grossas que cobra bastante de sua equipe. Baixo, calvo e bigodudo, Agenor Medeiros infla o ego de sua melhor agente em sua sala mal refrigerada.
      - Parabéns Mattos, posso saber onde está o Bastos?
      - Capitão, o senhor conhece o Vinícius, essa é a parte que ele menos gosta.
      - Assim como você ele fez um excelente trabalho, merece um dia de folga também. Pode ir e por favor, avise-o, sim?
       - Sim, senhor, permissão para me retirar.
       - Permissão concedida agente Mattos.
     Ela deixa a sala do capitão segurando o riso para não chamar ainda mais atenção dos outros colegas que a fuzilam com os olhos. Como não admirar uma mulher como Heloísa que esbanja elegância e competência por onde passa. Seria ela uma heroína? Ou apenas uma figura em ascensão? Ela ganha o pátio do departamento com o sol já desaparecendo entre os montes dando ao céu tons alaranjados. Seus olhos procuram por Vini que se encontra encostado em seu carro mexendo no celular.
      - Medeiros ficou um pouco chateado por você não ter ido.
      - Não gosto disso, você sabe.
      - Ele nos deu o dia de amanhã de folga. - comemora. - então, vai fazer o que?
      - Putz, sei lá, quem sabe dormir até o meio dia e depois jogar.
      - Esses garotos. - pega a chave na bolsa. - bom, eu já vou, tenho que ver minha filha.
      - Manda um beijo pra ela. - abre a porta do carro.
     Heloísa dirige com sua mente em dois lugares, em Karen, que vem a deixando louca com seus questionamentos e é claro em seu parceiro. Essas coisas doem, incomodam, a paixão é algo complicado. Será que ele sente o mesmo por mim? Ou ele me vê apenas como uma boa parceira de trabalho? Ruivas não fazem o seu tipo? Perguntas sem respostas doem mais do que um coração partido.





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