-
Quer dizer que a noite não foi nada boa? - pergunta Vinícius sem
olhar para sua parceira ao volante.
-
Terrível, havia pernilongos em toda parte, nunca vi. - faz a curva
entrando numa rua secundária.
-
E Karen, como se comportou?
-
Eu não entendo como uma pessoa pode ter um sono tão pesado, a ponto
de não sentir os mosquitos. - vai reduzindo a velocidade da viatura
descaracterizada. - chegamos, o motel é aquele ali.
-
Legal. - suspira Vinícius. - será que o nosso homem está realmente
lá dentro?
-
Segundo informações ele entrou com duas vagabundas a duas horas.
O
policial negro de cavanhaque bem feito e careca olha para o letreiro.
-
“Motel chega mais”, bem sugestivo, não acha?
-
Também achei.
Heloísa
não consegue parar de olhar os lábios carnudos de seu parceiro. Ele
cheira muito bem e tem olhos claros vivos. Eles trabalham juntos a
cinco anos e há cinco anos ela vem imaginando o que um negro lindo
como Vinícius pode fazer com ela na cama.
-
Ficou bem, ruiva, eu gostei.
O
coração de Helô não esperava esse elogio, por isso ele palpitou.
-
Que bom que gostou, eu cansei de ser morena, agora ninguém segura a
vermelha.
O
sorriso de Vinícius a deixa encantada.
-
Por que não entramos lá e o prendemos? - Vini olha pelo espelho o
movimento da rua atrás.
-
Lembre-se, Fortunato é o chefe de uma organização criminosa, com
certeza ele está sendo vigiado.
Vini
abre o porta-luvas e retira de lá alguns papéis.
-
Aluísio Fortunato, assassino, estuprador e mafioso, o velho tem uma
ficha e tanto.
-
Hoje a festa dele tem fim. - tamborila com os dedos o volante.
*
Dentro
do quarto, o criminoso abocanha os seios de uma prostituta enquanto a
outra faz um oral pra lá de babado no velho. Em cima do criado-mudo
a garrafa de champanhe segue gelando dentro do balde. Uma das meninas
mais gordinha para de amamentar o marmanjo velho e se serve.
-
Me diz uma coisa vovô Fortunato, até que horas pretende ficar aqui?
Visivelmente
aborrecido por causa da pergunta, o mafioso se levanta.
-
Veja bem, eu paguei bem e adiantado, por isso essa pergunta não lhe
cabe fazer, agora largue essa taça e venha aqui, quero as duas
caindo de boca.
*
Enfrente
ao motel há um bar com alguns homens bebendo e comendo petiscos.
Heloísa chama reforços pelo rádio. A mais ou menos seis meses a
polícia vem investigando a quadrilha de Fortunato que nos últimos
dias faturou milhões na venda de armas para comunidades. O
departamento escalou Heloísa e Vinícius para a desarticulação do
bando. Tudo foi preparado e agora eles estão a minutos de dar voz de
prisão ao vovô do crime.
-
Será que Fortunato tem saúde o suficiente para aguentar duas ao
mesmo tempo?
-
Sinceramente, eu espero que ele tenha um enfarto. - Helô brinca.
Mais
uma vez o silêncio entre os dois.
-
Por que escolheu essa profissão? - Vini mexe nas unhas.
-
Foi por acaso, eu tinha terminado os estudos e trabalhava numa loja
pequena onde o dono era um policial, eu gostava do jeito como ele se
portava e eu disse para mim mesma que um dia seria como ele, e aqui
estou eu. E você?
-
Meu avô foi detetive, eu me lembro quando ele chegava lá em casa
com seu terno azul-escuro e chapéu, meu pai dizia que ele era temido
e que tinha uma inteligência acima da média, o velho era bom no que
fazia.
Nesse
momento o rádio chama.
- Estamos no bar, aguardando ordens para prender os elementos.
- Siga enfrente oficial. - Heloísa coloca o aparelho na coxa. - é por
isso que você também usa terno?
-
Sim, uma maneia de homenagear o grande Francisco Bastos.
*
As
meninas tentam mas é impossível não rir da cara que Fortunato faz
ao ejacular. Uma delas cai na gargalhada irritando o velhote.
-
Qual o problema de vocês?
-
O senhor fez umas caras engraçadas, uma mistura de sofrimento,
prazer e dor. - diz a mais gordinha.
O
velho se levanta da cama esbravejando e segurando o membro já
flácido.
-
Se vestem e vão embora antes que eu as mande fuzilar.
No
banheiro Fortunato faz uma ligação, mas não há resposta.
-
Onde aqueles idiotas se meteram que não atendem o telefone?
*
As
duas prostitutas deixam o motel abraçadas. Ambas com roupas
chamativas. Heloísa saca sua pistola e fala pelo rádio.
-
Abordem essas duas vacas e façam perguntas.
As
meninas são paradas na saída da rua por dois policias a paisana.
Elas ainda tentam se desviar dos homens, mas não adianta.
-
Quem não deve não teme. - diz um policial
-
Moço, não fizemos nada, só estávamos trabalhando. - se defende a
gordinha.
-
Tudo bem, agora me diga uma coisa, Fortunato está sozinho lá
dentro?
-
Sim.
A
informação é passada para Heloísa. Vinícius
já deixa a porta da viatura meia que aberta. Tudo pronto para
prisão. A primeira a descer é Helô que se dirige a entrada do
motel. Imponente e seguro, Vini vem na retaguarda. Heloísa mostra o
distintivo a recepcionista e faz sinal de silêncio para ela.
Vinícius ficou perto onde ficam
os bancos de espera e Heloísa na escada. Fortunado vem descendo
balbuciando ao telefone. Mediano, cabelos ralos ondulados brancos e
bigode da mesma cor. Ele passa por Helô que o toca no ombro.
-
Aluísio Fortunato, o senhor está preso.
Vinícius
aponta sua arma contra o bandidão.
-
O que, mas, mas.
-
Solte o telefone, Fortunato e venha comigo. - Vini abre a porta.
-
Sob qual acusação? - grita.
-
Assassinato, venda de armas
para o tráfico e estupro, tá bom ou quer mais?
Em
questão de minutos a calçada do motel se
transformou num estacionamento com diversas viaturas. Fortunato é
algemado e conduzido até uma delas. Protestando, o mafioso é
colocado dentro do
carro exigindo seu advogado.
-
Isso não ficará assim, vocês vão ver, amanhã estarei na rua,
seus merdas.
Aos
poucos a grande movimentação tanto da polícia como de curiosos vai
diminuindo. Vini e Helô estão de volta a sua viatura e dessa vez é
o investigador quem dirige. Enquanto corta por uma via bastante
movimentada, Heloísa analisa alguns documentos. Mais uma vez ela
para e olha para ele, “Por que não me nota? Por que não para
esse carro e me beija?”
-
Medeiros Ficará orgulhoso do seu trabalho. - passa a marcha.
-
“Meu” trabalho, ou “nosso” trabalho?
-
Nada de modéstia senhora Mattos, você faz todo o trabalho.
Algo
se moveu dentro da ruiva. Seu coração derreteu e quando ela viu as
palavras já haviam brotado.
-
O que seria de mim se não fosse um negro maravilhoso, que cheira bem
e de olhos penetrantes?
Vinícius
não disse nada, apenas olhou para ela e sorriu.
*
Em
pé, parada e com as mãos para trás, Heloísa recebe os mais belos
elogios de seu capitão. Medeiros normalmente é um homem sério de
feições grossas que cobra bastante de sua equipe. Baixo, calvo e
bigodudo, Agenor Medeiros infla o ego de sua melhor agente em sua
sala mal refrigerada.
-
Parabéns Mattos, posso saber onde está o Bastos?
-
Capitão, o senhor conhece o Vinícius, essa é a parte que ele menos
gosta.
-
Assim como você ele fez um excelente trabalho, merece um dia de
folga também. Pode ir e por favor, avise-o, sim?
-
Sim, senhor, permissão para me retirar.
-
Permissão concedida agente Mattos.
Ela
deixa a sala do capitão segurando o riso para não chamar ainda mais
atenção dos outros colegas que a fuzilam com os olhos. Como não
admirar uma mulher como Heloísa que esbanja elegância e competência
por onde passa. Seria ela uma heroína? Ou apenas uma figura em
ascensão? Ela ganha o pátio do departamento com o sol já
desaparecendo entre os montes dando ao céu tons alaranjados. Seus
olhos procuram por Vini que se encontra encostado em seu carro
mexendo no celular.
-
Medeiros ficou um pouco chateado por você não ter ido.
-
Não gosto disso, você sabe.
-
Ele nos deu o dia de amanhã de folga. - comemora. - então, vai
fazer o que?
-
Putz, sei lá, quem sabe dormir até o meio dia e depois jogar.
-
Esses garotos. - pega a chave na bolsa. - bom, eu já vou, tenho que
ver minha filha.
-
Manda um beijo pra ela. - abre a porta do carro.
Heloísa
dirige com sua mente em dois lugares, em Karen, que vem a deixando
louca com seus questionamentos e é claro em seu parceiro. Essas
coisas doem, incomodam, a paixão é algo complicado. Será que ele
sente o mesmo por mim? Ou ele me vê apenas como uma boa parceira de
trabalho? Ruivas não fazem o seu tipo? Perguntas sem respostas doem
mais do que um coração partido.
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