sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Território da Morte


TERRITÓRIO da MORTE


Pela primeira vez o cavalo de Djalma não o decepcionou. O animal galopava a uma velocidade superior a de três puxando uma carruagem estrada afora. Nem mesmo as pedras soltas e as cortantes foram capazes de atrapalhar a fuga desastrosa do matador. Não será dessa vez que ele será capturado, não dessa vez, não por esse xerife metido a besta. Djalma crava as esporas no lombo do bicho que entendeu o comando. Hora de fazer esse merda engolir poeira.
     Chegando perto onde a estrada se divide, Djalma escuta um disparo. Ele olha para trás e lá está ele, o maldito do xerife com seu rifle apontado. Ele não vai sossegar enquanto não me levar arrastado para Crateras. É preciso dar um jeito nesse sujeito assim como dei nos outros dois.
      - Djalma, pare! – grita Francisco.
      Claro que o matador não tem a intenção de obedecer as ordens de um policial, mas essa perseguição precisa terminar, daqui a pouco eles estarão fora das terras de Crateras. O lombo do cavalo de Djalma escorre sangue e sinceramente ele não quer ver seu animal ferido por culpa desse bosta.
       - Estou avisando, Djalma, o próximo eu não vou errar. – alerta quase perdendo a voz.
       Xerife Neves mais uma vez não é atendido pelo matador, nada mais pode ser feito. Uma pena, bem que ele gostaria de voltar para cidade com o bandido algemado, isso sim entraria para a história daquela cidade. Mesmo montado e com a mira vacilante devido os galopes o xerife atira. O corpo do matador abandona o cavalo que segue correndo. Ao bater no chão, o corpo de Djalma levanta uma considerável nuvem de poeira até parar de rolar.
     - Eu avisei. – fala descendo do cavalo.
     Devagar o xerife anda até o matador que se encontra debruçado naquele chão quente. A mira do rifle está na cabeça sem o chapéu. A capa preta de Djalma caiu aberta e cobriu seu corpo de maneira perfeita assustando Neves que faz o sinal da cruz.
      - Parece um morcego gigante.
      Vendo que o matador já não é mais uma ameaça, Neves recolhe o rifle o colocando pendurado nas costas pela bandoleira. A capa preta de repente se levanta ocultando o revólver do matador que dispara duas vezes. Um tiro o acerta no ombro e o outro no abdômen. O homem da lei cai ainda tentando entender o que aconteceu. Djalma se levanta ficando de pé perto do xerife que sangra.
      - Nada como uma encenação, não é, xerife? – continua apontando o revólver.
      - Água, por favor. – fala cuspindo sangue.
      - Comece a rezar, Francisco e deixe o resto comigo.
     Três tiros, todos no rosto. É assim que se elimina um policial ou pelo menos alguém tão importante como Francisco Neves. Djalma olha para o horizonte e não consegue ver seu cavalo. Volta a olhar para Neves que ainda tem os olhos abertos. Se agacha, faz uma curta prece e com os dedos fecha os olhos do xerife. Se levanta, coloca o revólver no coldre, joga sua capa para trás e pega seu chapéu e o  limpa da poeira na calça. Djalma Brando segue a pé pela estrada. Boa hora para desaparecer por algum tempo, quem sabe por anos.

*
     - Por favor, só uma caneca de cerveja. – implora Kátia ao dono do salão. – tá calor.
     - Sei que está calor, Kátia, mas não posso dar cerveja, eu vivo desse negócio. – continua passando pano nas mesas.
     - E quem disse que será de graça? – coloca as mãos na cintura.
     - Você por um acaso tem dinheiro? – olha para ela.
     - Veja bem, o salão ainda não abriu, eu posso lhe pagar prestando um serviço prazeroso. – passa a língua nos lábios.
      Josué olha para Kátia, uma mulher pequena somente no tamanho porque na sensualidade ela se torna gigante com seus seios volumosos e lábios bastante chamativos. Transar as nove da manhã até que não é má ideia para um homem de meia idade.
      - Desde quando se transformou em prostituta, Kátia?
      - Não sou prostituta. – fecha a cara. – eu só quero uma caneca de cerveja bem gelada, nem que para isso eu tenha que trepar com um sujeito gordo e imundo como você.
      - E se vender por uma caneca de cerveja não é prostituição?
      Kátia reflete. Morde os lábios. Imagina aquele líquido amargo, gelado descendo por sua garganta e depois abre os olhos.
      - Vai querer ou não?
      - Sim, mas primeiro vamos ao serviço. 

Minutos depois Kátia bebe tranquilamente sua caneca de cerveja no canto do salão enquanto que Josué se recupera dos momentos de intenso prazer proporcionado pela pequena mulher. O sujeito gordo, bigodudo e calvo volta para o salão disposto a abrir o estabelecimento para receber seus costumeiros clientes.
      Assim que a placa que informa a abertura do salão é pendurada, um por um dos frequentadores vão adentrando e ocupando seus lugares religiosamente.
       - Josué, manda vê na cerveja que hoje o sol tá rachando a moleira. – diz um velho cliente de dentes apodrecidos.
       Kátia Brás tem companhia, um homem atarracado fumando um pedaço de charuto no canto da boca. Eles conversam sobre vários assuntos, porém o que realmente lhe interessa é levá-la para cama. Kátia por sua vez vê uma grande oportunidade de conseguir tirar proveito da situação.
       - Gostaria muito poder tomar mais uma cerveja.
       - Deixa comigo. – ergue o braço chamando Josué. – duas canecas para mesa três, por favor.
       De repente na porta do salão aparece uma figura bastante hostil. O falatório cessa e as atenções se voltam para o sujeito parado usando uma capa preta e um chapéu bem surrado. Barbudo, feições grossas e olhar sombrio. Djalma Brando. Em carne e osso. Josué e todos ali prendem a respiração pois sabem exatamente de quem se trata. Djalma, assassino de três poderosos xerifes de Crateras.
    - Bo, bom dia, Djalma, que surpresa. – Josué esfrega as mãos. – vamos entrando, quanto tempo, dois anos é isso?
     - Você tem boa memória. – anda e passa pelo dono do salão em direção ao balcão.
     - Chegou hoje? – transpira.
     - Sim, voltei hoje, tem cerveja?
     - Claro. – corre para trás do balcão.
     Djalma estranha o silêncio que se instalou no salão. O matador olha ao redor e seus olhos vão direto nos peitos de Kátia. Ela tem medo, mas o seu companheiro de mesa tem pavor. A bebida de Djalma chega. Ele volta a olhar para a única mulher no recinto.
      - Quem é a peituda?
      - Kátia Brás, ela apareceu por essas bandas logo depois do seu sumiço, ela é uma vadia.
      - Uma vadia bem interessante diga-se de passagem. – bebe da cerveja. – quem é o panaca com ela?
       - Doca, um cachaceiro sem vergonha. – Josué ajeita o avental. – já sabe do novo xerife?
      A palavra xerife lhe causa um certo mal estar. Djalma passou dois anos distante de tudo e de todos para tentar fazer do passado algo morto e enterrado. Se tem alguma coisa a qual Djalma quer distância é confusão.
      - Não. – bebe e limpa a espuma da barba com as costas da mão.
      - Wander Neves, filho de Francisco Neves.
      Pois é, certas coisas não nos deixam em paz. Brando está fadado a viver com a fama de matador de autoridades policiais. Tanto faz se ele matava por gosto ou por dinheiro. Morte é sempre morte.
      - Caramba. – rosna.
      - Tenha cuidado, os tempos são outros aqui em Crateras.
     Djalma ignora o comentário, preferiu se concentrar no par de seios de Kátia que já percebeu os olhares do forasteiro. Doca percebe que está sobrando e abandona a mesa.
      - Com licença. – sai de fininho.
     Caminho livre. Djalma pega sua caneca e pede mais cerveja para a mesa do canto do salão. Ele sabe muito bem dos problemas que virão, mas antes ele quer descarregar seu estresse quem sabe sob os gemidos de uma vadia como Kátia.
    - Posso me sentar, princesa?

*

Uma ocorrência atrás da outra. Crateras mudou muito em relação a segurança. Parece que todos os arruaceiros e bandidos migraram para aquela terra a transformando em um território de morte e destruição. O novo xerife não passa um dia sequer sem prender alguém. Para que os números não cresçam ainda mais com relação a roubos e assassinatos, Wander precisou montar um esquema onde seus subordinados circulem vinte quatro horas dentro e fora da cidade.
      Aos empurrões ele guia um sujeito maltrapilho até sua cela. O lugar já é ocupado por mais cinco presos. O calor e o mal cheiro é de deixar qualquer chiqueiro no chinelo.
      - Entre. – Wander o empurra.
      - O senhor não pode fazer isso comigo, entendeu?
      - O que não pode é você assaltar em minhas terras.
       Wander Neves volta para sua sala mal iluminada e abafada. Na mesa há diversos casos ainda por resolver. É desanimador. As vezes ele pensa em como seu pai conseguia lidar com tudo isso e ainda cuidar da família. Ele tira o chapéu e se abana. Um policial toca na porta.
      - Com licença senhor.
      - Diga? – começa a ler os conteúdos dos papéis.
      - Djalma Brando foi visto entrando no salão do Josué.
      As vísceras do xerife se retorceram. As letras no papel se embaralharam e ele perde completamente o chão. O nome Djalma quase que o nocauteou.
       - Hoje?
       - Sim senhor, o que faremos?
      É preciso ser e agir rápido. Não se trata de um malfeitor de merda. Djalma matou seu pai a sangue frio, tiros no rosto, igual fez com outros xerifes. Wander vem alimentando essa sede de vingança desde quando encontrou seu pai morto naquela estrada. O novo xerife não quer apenas prendê-lo, Wander quer matá-lo, do mesmo jeito. É preciso agir dentro dos procedimentos. Ir atrás de um matador não é tarefa para uma simples patrulha de rotina, Djalma os eliminaria como moscas, seria como levar as ovelhas para o lobo.
      - Vamos observar, galinha de casa não se corre atrás, vou elaborar um esquema e quando for a hora daremos o bote certo.
      - Sim senhor.
     De repente aquela pilha de ocorrências passa a não significar nada para Wander. Sua mente agora está focada num único caso. Para colocar as mãos em Djalma é preciso mais do que determinação. Ele terá que deixar de lado o medo e receio. Ele já matou três xerifes o que lhe custará matar o quarto? Claro que ele não quer e nem fará parte dessa lúgubre lista. Deixar Crateras livre de pessoas como Djalma é conquistar a confiança de todos e fazer com que nome Neves se perpetue.
*

Arrastar uma mulher como Kátia Brás para um canto reservado e explorar seu belo corpo não é tão difícil. Djalma não precisou mais do que duas palavras para arrastá-la para fora do salão, caminhar até um beco e ali provar dos lábios da mulher. Dois anos. Há dois anos que o matador não toca na pele macia de uma fêmea. Encontrar a senhorita Brás foi muita sorte.
     - Promete comprar um chapéu novo?
     Brando para de lhe beijar o busto e olha para ela.
     - E eu sou homem de duas palavras? Se eu falei tá falado.
     Kátia Brás não deu muita sorte na vida. Se relacionou por algum tempo com um sujeito que não amava. Mesmo sendo bonita e atraente ele a traiu com prostitutas. A gota d'agua foi ele ter perdido tudo num jogo de cartas. Por fim ela perdeu a casa com tudo o que tinha dentro. Humilhante.
      Agora ela resolveu dar a volta por cima. Tudo o que conquistou até hoje foi através de troca de favores. Para conseguir o que quer ela permite que tarados abusem de seu corpo por uma soma em dinheiro ou por coisas que ela almeja, tipo um chapéu novo.
    Djalma já está no auge do tesão quando um sujeito montando um puro sangue o interrompe.
     - Olá?
     Irado e excitado, o matador se vira para ver do quem se trata.
     - Diga? – balbucia.
     - Você é o Djalma Brando, não é?
    Imediatamente sua mão vai ao coldre. Kátia sente o clima e se afasta.
     - Calma. – ergue os dois braços. – vim em paz.
     - Diga logo o que você quer e caia fora.
     Tranquilamente o sujeito magro, alto e pálido feito cera de vela desce do cavalo.
     - Ouvi falar sobre você, soube que mata por dinheiro, é verdade?
     Essa fama não lhe trás orgulho algum, somente remorso e noites mal dormidas. Tirar a vida de alguém por um saco de moedas ou pacotes de cédulas realmente é a pior coisa que um ser humano pode fazer.
     - Fala logo. – diz entre os dentes.
     - Preciso que mate para mim. Pago agora se quiser. – aponta para a bolsa pendurada no animal. – quero que mate minha mulher e o amante dela.
      - Ficou louco? – Kátia vocifera.
      - Não, eu não fiquei louco, só estou cansado de ser enganado por aquela vagabunda. – olha para Djalma. – e ai, vai aceitar ou não?
      A dificuldade financeira de Djalma já ultrapassou a linha do impossível. Ele não vê dinheiro de verdade a dois anos, desde quando fez seu último serviço. A pessoa lhe pagou vinte mil para matar um assaltante de beira de estrada. Foi fácil. Djalma o identificou, esperou o momento certo e o finalizou com três tiros na cara. Hoje ele não quer mais fazer isso. Chega de ser a última figura que a pessoa vê antes de morrer. Chega de ouvir “pelo amor de Deus, não faz isso comigo”. Chega.
     - Lamento. 
     - Tem certeza? Tenho quinze mil dentro da bolsa, são teus se quiser.
      Djalma olha para o sujeito e depois olha para Kátia. Tira o chapéu e cospe no chão.
     - Larguei essa vida. Procure outro. Estou fora. – volta a por o chapéu. – com licença.
     Apesar do aspecto bruto Djalma sabe muito bem como ser educado e principalmente como ser um cavalheiro. O agora ex matador dá o braço para Kátia que se dependura nele. Com certeza será uma tarde repleta de prazer dentro de um quarto de motel pé de chinelo.

*

Mortes e mais mortes. Três delas de autoridades. Com isso Djalma se tornou o homem mais odiado e também o mais admirado dessa região. Jamais existiu um inimigo tão perigo. Seria ele um predestinado? Djalma nasceu para ser esse monstro? Essas perguntas são feitas diariamente, sua mente é invadida seja qual for a hora do dia por essas questões, não importando o momento.
     Enquanto se deleita naquela cama estreita com Kátia, mais uma vez ele se pega pensando em sua vida. Dessa vez ele foi obrigado a parar o ato sexual.
      - O que foi? – Kátia fecha as pernas.
      - Preciso de uma bebida.
      Puxar o gatilho é algo fácil. Difícil é conviver com esse fantasma do matador implacável. Enterrar o passado não é para qualquer um, por que seria diferente com ele?
      - Uma cerveja? – Kátia se levanta procurando as peças íntimas.
      - Não, sei lá, preciso de algo forte. – esfrega os cabelos.
      Momentos depois Djalma toma de uma só vez doses de Rum deixando sua parceira preocupada. Ela o observa em silêncio enquanto o mesmo se serve de outra dose.
       - Não vai deixar um pouco pra mim?
      O copo para na metade do caminho. Brando olha para a rapariga com aquele olhar típico de quem odeia ser questionado.
       - Se coloque em seu lugar. – toma mais rum.
       - Posso lhe fazer uma pergunta?
       - Sim. – enche o copo.
       - Você matou o pai do novo xerife, não foi?
       Esse tipo de pergunta é um espinho em sua carne, ela incomoda bastante.
       - Matei, por que? – engole a bebida.
       - Wander Neves assumiu a segurança de Crateras, a essa hora ele já deve estar sabendo de sua volta, você não teme uma represália?
       A garrafa de rum está quase vazia e Djalma ainda sóbrio. Claro que ele teme por sua vida, porém a sua volta tem um propósito. Ele sabe que um dia alguém irá se vingar ou tentará acertar as contas com ele. É um risco que ele precisa correr.
       - Se eu disser que sim, você acreditaria?
       - Você é um ser humano, de carne e osso, não é porque você matou muita gente que esse lado ficou esquecido.
       - Em todos esses anos como matador não teve um dia sequer que eu não acordasse de madrugada achando que alguém viria atrás de mim. Cansei de dormir com um olho aberto e o outro fechado. Chega. Se esse tal de Wander quiser vir acertar as contas, estarei preparado.

*

Wander Neves reuniu seus melhores homens. Profissionais capacitados, bons no tiro, bons com arma branca e até mesmo com as mãos vazias. A orientação é para quem conseguir pegar o matador não matar. Wander não abre mão de deixá-lo estirado no chão crivado de bala.
     - Sabemos que ele voltou para Crateras e que anda se envolvendo com a tal de Kátia Brás.
      - Kátia Brás, já comi. – comenta um dos agentes.
      - Pois é. – Wander volta ao raciocínio. – vocês são homens preparados, confio na competência dos senhores, mas devo lembrar que Djalma Brando é um sujeito de altíssima periculosidade, ele não brinca em serviço.
      - Xerife, a honra do xerife Neves será lavada, pode deixar com a gente.
      - Ótimo. – se levanta da cadeira. – estão dispensados.

      O salão do Josué está lotado. As conversas e risadas se fundem causando uma grave poluição sonora. A todo momento o dono do estabelecimento é solicitado para servir rodadas de cerveja e sardinhas fritas. Na parte dos fundos do salão uma roda de bêbados brigam na disputa do último gole de pinga. Farto da bagunça dos bebuns Josué corre até atrás do balcão e pega seu porrete feito de perna de três.
      - Saiam todos, agora. – ergue o porrete.
      - Você está nervoso, Josué, olha o coração hein. – diz um sujeito negro maltrapilho fedendo a mijo.
      - Você ainda não me viu nervoso. Agora saiam.
      Assim que os homens deixam o salão Djalma adentra na companhia de Kátia. A conversa cessa e o clima fica pesado. Ninguém respira e nem pisca. O ex matador percebe a tensão e sorrir.
      - Relaxem. Sou um novo homem.
      Aos poucos as conversas vão voltando, mas o assunto Djalma sabe muito bem o seu teor. O casal ocupa o balcão. Brando pede duas canecas de cerveja quando o bar volta a ficar em silêncio. Ele gira o pescoço e vê dois policiais na porta. Alguns temendo o que possa acorrer deixam o salão. Djalma tranquiliza sua parceira, ou pelo menos tenta.
       - Fica fria, ninguém vai morrer hoje.
       - Promete?
       Uma piscadinha e Djalma volta a beber. Os dois policiais caminham com cuidado. No meio do salão eles se dividem. Um vem por trás e outro pela frente já sacando o revólver.
       - Djalma Brando, você está preso. – diz o agente negro e mais alto.
       - Estou tomando minha cerveja com minha mulher, não está vendo.
       - Além de matador você é comediante é? – diz o outro policial branco e mais baixo. – deixe sua arma no balcão e venha com a gente. – pressiona o cano da arma contra as costas de Djalma.
      - Vamos com calma senhores, ninguém precisa morrer hoje. – olha para Kátia. – e quanto a ela?
      O policial negro coloca a mão livre no meio das pernas num ato obsceno e sorrir.
       - Ela vem comigo.
      Jamais cutuque uma fera com vara curta. O sangue quando ferve é difícil controlá-lo. Num jogo rápido de corpo Djalma consegue desarmar o policial menor e tomá-lo de refém.
      - Jogue sua arma fora, já. – diz tranquilamente.
      - Djalma, eu...
      - Vou contar até três senão serei obrigado a explodir a cabeça dele. Um, dois...
      - Tudo bem. – Joga o revólver atrás do balcão. – como você mesmo disse, ninguém precisa morrer hoje.
      - Me deixem em paz. Digam ao xerife que Djalma Brando já ergueu a bandeira branca. Eu poderia matar os dois, mas não vou. Sumam daqui.
     De mansinho os dois policiais vão saindo sob os olhares estarrecedores dos clientes. Josué volta a respirar e agradece aos céus por seu salão não se tornar local do assassinato de dois agentes. Djalma mudou realmente. A situação ficou insustentável obrigando aos poucos clientes restantes a pagarem suas contas e saírem de fininho. Kátia engole seco e depois toma todo o sumo de cevada de uma vez.
      - Vamos. – Djalma deixa uma nota de vinte sobre o balcão.

*

Ao ser notificado sobre o acontecimento no salão, Wander Neves descobre que ele terá que ser um pouco mais cauteloso. Se Djalma já inspirava cuidados, imagina agora ao saber que ele intimidou dois dos seus homens. A bandeira branca foi hasteada, mas o matador é ainda uma realidade. Seria válido aceitar o pedido de cessar fogo? E quanto a morte de seu pai, ficará por isso mesmo? Djalma não pode simplesmente fazer esse pedido e sair impune. As regras no velho oeste são claras, olho por olho e dente por dente.
    Francisco Neves, célebre xerife de Crateras. Um exemplo a ser seguido. Wander se recorda quando seu pai saiu para capturar um arruaceiro que havia roubado armas. Francisco não precisou mais do que dois policiais para mandá-los para o xadrez. Houve perseguição por entre as ruas empoeiradas da cidade, mas graças a boa pontaria de Neves o bandido caiu do cavalo esfolando seu corpo no chão rústico.
     Lembrar de seu pai não lhe trás bons sentimentos. A vingança sempre supera as sensações mais salutares. Seu coração só há de sossegar quando uma bala fizer um orifício na testa de Brando, ai sim ele terá paz. Mas para que tudo isso possa acontecer sangue inocente não pode ser derramado. Wander defende a seguinte ideia, se quer algo bem feito faça você mesmo. Ele abre a gaveta, pega sua arma. Confere a munição. Não será o suficiente caso aja uma troca de tiros. Abre a última gaveta onde há uma caixa extra de munição. Agora sim ele está preparado.
      - Mario. – grita o policial escalado para fazer a segurança de seu gabinete.
      O agente com cara de marrento aparece mastigando algo.
       - Chamou xerife?
       - Diga aos outros que por hora as buscas estão suspensas.
       - Mas senhor...
       - É só isso, Mario, obrigado.
      O revólver é posto no coldre. O chapéu preto com uma estrela dourada é colocado na cabeça. Até que Wander cai bem dentro do uniforme. Sempre bem barbeado e olhos azuis o jovem xerife não passa despercebido. Claro que sua beleza foi herdada de sua também finada mãe, se fosse ao contrário Wander não passaria de um sujeitinho sem sal como era Francisco seu pai. Ele deixa seu gabinete na responsabilidade do policial de plantão e sai sem avisar para onde está indo.

*


Josué está terminando de virar as cadeiras em cima das mesas quando sente alguém atrás dele. Respirando fundo o gordo comerciante gira nos calcanhares e dá de frente com Wander.
     - Xerife? – engole seco. – eu estou fechando, mas ainda posso lhe servir algo...
     - Poupe o trabalho Josué, só estou de passagem. – olha ao redor do salão.
      - Então, em que posso ser útil?
      - Djalma Brando.
      - Sim, o que tem ele? – quase engasga.
      - Quando ele aparecer quero que entregue isso a ele. – entrega um pedaço de papel aberto.
      - Sim, senhor.
      Wander Neves deixa o bar e monta em seu corcel. Josué coloca a última cadeira virada em cima da mesa e depois lê o conteúdo do bilhete. “ Enfia sua bandeira branca no rabo. Me encontre amanhã no ponto exato onde você matou meu pai as 16h. Estarei lhe esperando sozinho”.
       A saliva desce como se fosse espinhos pela garganta e Josué procura onde se apoiar.
       - Deus nos a cuda.


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