Doutor
Paulo Marinho conduz seu veículo pela autoestrada com sua atenção
parcialmente na estrada por que a outra parte está fixa nas coxas
recém-depiladas
de sua jovem esposa sentada no banco do carona ouvindo música nos
fones de ouvido. Ana Marinho não sabe, mas seu esposo está a ponto
de parar o carro no acostamento e antecipar a noite de núpcias. Por
mais que eles já tenham transado antes a virilidade do médico
depois do casamento aumentou consideravelmente. Paulo está radiante
pois tem a seu lado a ruiva mais gostosa desse mundo e o que é
melhor, ela está usando uma aliança a qual diante do reverendo ele
mesmo a colocou no dedo anelar da mão esquerda dela.
Ele
volta a olhar para o par de pernas da esposa e ela segue cantarolando
num inglês fajuto a música que ouve nos fones. Paulo repousa sua
mão enorme na perna de Ana que até então continua cantando o
sucesso internacional. Paulo é ousado por isso ele vai subindo até
parar com a mão na virilha da ruiva. Por fim Ana retira os fones e
olha para ele.
-
Melhor se concentrar na estrada senão nunca mais fará sexo.
-
Como assim, serei multado por
acariciar
as pernas de minha mulher numa autoestrada?
-
Claro que não. Estou falando com relação a você perder o foco e
causar
um acidente, só isso.
-
Você está certa, mas confesso que fica difícil me concentrar vendo
você com esse shortinho e essa blusinha.
-
Esses homens, todos iguais, não conseguem ver nada de interessante
numa mulher além de peito, bunda e vagina.
O
médico volta com sua total atenção para a estrada e Ana mergulha
mais uma vez no som empolgante da canção executada na rádio. O
casal Marinho se conheceu durante uma festa a qual Ana fazia um bico
como fotógrafa. O salão estava lotado, mal dava para se locomover.
Paulo entre um chopp e outro visualizou aquela linda menina de rosto
salpicado batendo as melhores fotos da aniversariante. O médico
estava recém-saído
de um namoro onde ambas as partes juraram se odiar para sempre.
Sinceramente ele havia se desgastado demais e seu coração pediu um
tempo para se recuperar da tempestade. Mas ao ver Ana esbanjando sua
beleza atrás daquela máquina fotográfica e procurando o melhor
ângulo para registrar as imagens, seu coração o alertou dizendo
que já era hora de se refazer.
Tudo
começou naturalmente. Uma troca de olhares, um sorriso simpático
que depois passou a ser mais convidativo e pronto. Quando o evento
terminou, Ana e Paulo estavam saindo juntos trocando os números e
marcando o primeiro encontro. Desde então eles não se separaram
mais. A ruivinha ajudou na cicatrização do coração do jovem
médico que não consegue se ver longe da fotógrafa.
Eles
passam por uma placa que indica que estão próximo do lugar onde
passarão dez dias curtindo o ar puro do campo e longas noites de
vinho e sexo. Ana cruza as pernas e Paulo volta deixar a estrada em
segundo plano.
-
Depois você me chama de tarado.
-
O que? – retira os fones.
-
Se eu bater a culpa e sua, toda sua.
-
Posso saber por que?
-
Você me provoca cruzando as pernas.
Ana
não dá muita atenção. O carro sai da estrada e entra numa rua
onde uma placa dar
as
boas vindas aos visitantes. Em seguida eles alcançam outra rua
bastante estreita cheia de cascalhos e buracos. Como sempre Paulo
reclama da péssima conservação da rua e torce para que nada de mal
com seu veículo. Mais adiante eles contemplam uma casa cercada por
madeiras no meio da floresta. O endereço bate.
-
Chegamos, amor.
-
Nossa, que casa ajeitadinha. – diz Ana tirando o cinto. – Já
amei de cara.
-
Que bom que gostou.
Paulo
para o carro perto do portão principal também feito de madeira. A
casa está inteira, mais parece que não vê uma tinta a anos. A cor
que um dia fora branca agora dá lugar a um amarelo com marcas de
infiltrações. O telhado precisa de uma reforma e até quem sabe
trocar por telhas mais novas. Paulo encontra dificuldades para abrir
o portão já que a anos a fechadura é a mesma e vem sofrendo com os
efeitos do tempo. Ana olha em torno e tudo o que vê são árvores,
em sua maioria mangueiras e eucalipto. Um lugar simplesmente
revigorante.
-
Consegui. – anuncia o médico.
-
Que bom, vamos.
*
Por
dentro até que não deixa a desejar. Poucos móveis, uma sala ampla,
um pouco empoeirada, mas pudera, essa casa não recebe visita a anos.
O cheiro de mofo incomodou as narinas de Ana, mas nada que a faça
desanimar. Ela vai até a cozinha. Também nada de muito especial. O
azulejo azul enfeita até a metade da parede e tanto a pia como a
torneira precisam de uma limpeza urgente. Paulo sobe as escadas a fim
de verificar o quarto, a parte da casa que mais lhe interessa no
momento.
O
doutor abre a janela e a vista que tem é algo sensacional. Pássaros
em seus ninhos, o verde vivo e a brisa tranquila que invade aquela
acomodação.
-
Amor, vem ver. – Paulo grita olhando a cama gigante.
Ana
sobe de dois em dois degraus.
-
Oi?
-
Eu já te imagino nua, deitada nessa cama enorme.
Ana
não aguentou e teve que ceder as investidas do marido. Eles se
abraçam, se beijam e Paulo começa a levantar a blusa da esposa que
não oferece resistência. Ele a puxa para mais perto dele até quase
sufocá-la.
-
Socorro, casei com um tarado. – ela brinca. – lembrando que ainda
temos que desfazer as malas mocinho.
-
Depois a gente desfaz as malas, agora por favor me ajude a tirar esse
peso.
Paulo
e Ana se entregam ao prazer ali mesmo com a janela aberta. Um pardal
pousa no beiral quando Ana sobe no marido sentindo ele dentro dela.
As respirações se fundem quando ambos chegam ao ápice. Ana desfaz
o penteado do médico que nessas horas não se importa. Dez minutos
depois eles estão no chuveiro se beijando com a água fria
escorrendo pelos seus corpos em erupção. Paulo não sossega um
segundo. Mais uma vez ele permite que sua esposa delire com o prazer
que ele lhe proporciona. Cansados, mas felizes. O banho termina. Hora
de pegar no pesado.
*
Ana
varre a sala enquanto Paulo ajeita as coisas no quarto. Usando seus
inseparáveis fones de ouvido enterrados nas orelhas, a fotógrafa
vai limpando a sujeira e cantando sucessos de sua playlist quando dá
de frente com uma cortina. Ela para o que está fazendo e passa a
observar melhor a estampa. São figuras desformes, algo que não dá
para distinguir. Ana olha mais de perto quase lhe provocando um
torcicolo tentando decifrar os desenhos e mesmo assim não consegue.
Paulo
desce segurando uma máquina fotográfica, o xodó de Ana. Sem a
esposa perceber ele faz alguns registros.
-
Uau, que pose é esse, hein. – mais fotos.
-
O que está fazendo com isso? – diz irritada. – já falei que não
quero que mexa nas minhas coisas, ainda mais com meu material de
trabalho.
-
Não resisti vendo você varrer usando esse shortinho, acho que estou
ficando animado de novo.
-
Sossega, doutor Paulo Marinho. – pega a câmera dele. – veja, eu
não tinha notado essa cortina, e você?
Paulo
coloca as mãos na cintura e passa a analisar o adereço doméstico.
Sim, é de causar estranheza em qualquer um. Os desenhos lembram
crânios e em outro momento rostos diabólicos que parecem sorrir
para quem os olha.
-
Cruz credo. – diz o médico.
O
casal segue ajeitando a casa. Paulo precisou sair para providenciar a
comida. Ana ficou e aproveitou os momentos sozinha para abrir o
notebook e conferir as fotos batidas de seu último trabalho antes do
casamento. Sentada e concentrada na tela do aparelho ela não percebe
que a cortina se move mesmo com a janela atrás fechada. A ruiva
conserta o rabo de cavalo com uma certa habilidade e depois volta a
clicar nas imagens do ensaio produzido por ela em seu estúdio. A
cortina volta a se mover e dessa vez chamando atenção de Ana que
vira a cabeça em sua direção. Um arrepio a surpreende de tal forma
que ela não pode evitar o grito.
-
Meu Deus!
Ana
olha para a porta aberta e acredita que tenha sido uma corrente de
ar. Ainda respirando forte ela volta para o computador e termina de
editar as imagens. Paulo chega com a comida.
-
Amor, temos pizza, comida japonesa, vinho e de sobremesa sorvete.
-
Uau, vamos comer, estou faminta.
*
A
lua resolveu presentear a noite com seu brilho e o vento frio
complementou. A casa que foi cedida ao casal está em pleno silêncio
que as vezes é quebrado pelos gemidos de Ana durante mais uma sessão
de sexo. A porta do quarto está encostada, porém ela é aberta
somente o suficiente para contemplar a fotógrafa praticando
equitação no marido. Ana ao abrir os olhos emite um berro e se
agarra ao esposo.
-
Nossa, calma, está tão bom assim? – diz Paulo.
-
Tinha alguém na porta do quarto nos olhando.
-
O que?
-
Ai, meu Deus. – Ana entra em pânico.
Paulo
se levanta. Vai até sua mochila e pega sua pistola. Ana continua
encolhida e envolvida nos lençóis na cama.
-
Vou descer e dar uma olhada.
-
Tenha cuidado, amor.
O
médico vai descendo devagar, degrau por degrau. Mesmo com a arma em
punho ele tem medo. A escuridão não é total, a luz da lua
ultrapassa os vidros das janelas deixando a casa menos assustadora.
Ele alcança a cozinha. Tateando ele encontra o interruptor. Nada.
Vai até a sala. Passa pela cortina e olha para as figuras da estampa
e elas já não possuem mais aquele sorriso infernal. As expressões
agora são de completo ódio e sede de morte. Paulo nunca foi muito
crente, mas agora ele é obrigado a fazer o sinal da cruz mesmo mal e
porcamente. Ele anda apressado até o banheiro da parte de baixo da
casa e não há nada lá também. Antes de voltar para o quarto e
tentar retomar a atividade com a esposa ele ainda confere se as
portas e janelas estão trancadas. A sala volta a ficar vazia e a
cortina se move lentamente.
*
Paulo
fez questão de acordar primeiro que sua esposa e lhe preparar o
melhor café da manhã de sua história. Na mesa há frutas, pão,
leite, torradas, café puro e ovos mexidos. Tudo pronto, agora é só
esperar que a donzela desperte. Enquanto isso o médico resolve
sondar os arredores da casa que um dia pertenceu sua vó materna. Na
parte de trás não há quase nada, somente algumas árvores de médio
porte, mato e muito mosquito. Realmente eles se encontram no meio do
nada. Paulo volta para dentro de casa e assim que entra na sala ele
tem a impressão de ver alguém subindo as escadas.
-
Ana, já acordou?
Não
há resposta. Ele olha em direção da cortina que se move. Dois
passos para trás e o coração do moreno claro de cavanhaque bem
desenhado quase sai pela boca.
-
Mas que porcaria é essa?
As
figuras diabólicas voltaram a sorrir. Cada uma com seu sorriso que
parece debochar da cara de espanto do doutor. Paulo leu certa vez que
o medo faz com que a mente crie monstros, talvez seja isso que esteja
acontecendo com ele agora. O jovem clínico geral corre até o quarto
onde sua esposa dorme como um bebê.
-
Bom dia flor do dia.
-
Oi! – se espreguiça. – o que temos para o desjejum?
*
-
Eu sou capaz de jurar que vi uma pessoa nos olhando na cama ontem. –
pega mais uma torrada.
-
Sério? – adoça o café.
-
Sério. Estava escuro, mas...
Paulo
abaixa a cabeça e de repente ele se distancia mexendo o café, ele
mal ouve o que sua mulher falou depois disso.
-
Paulo? O que houve? Você ficou parado olhando para a xícara.
-
Minha avó morou aqui por muitos anos, acho que já lhe contei isso.
Depois que meu avô morreu ela ficou depressiva e decidiu passar
algum tempo sozinha.
-
Meu Deus, uma senhora sozinha vivendo nesse lugar isolado de tudo?
-
Pois é. E quando minha avó finalmente voltou para civilização,
ela tinha nos olhos um certo medo, pior que isso, ela estava em
pânico, quase não falava, dormia mal a noite, até que certo dia
ela dormiu e nunca mais acordou.
-
Caramba, mas o que aconteceu?
-
Minha mãe acha que minha vó sofreu experiências sobrenaturais
aqui, nessa casa.
Ana
se arrepia.
-
Mas eu acho que tudo não passou dos efeitos colaterais dos remédios.
-
Ontem eu vi aquela cortina da sala se mexer sem vento, sem corrente
de ar. Muito esquisito.
Paulo
engole seco.
-
Eu, eu também vi, hoje, agora de manhã.
-
Ai meu Deus, vamos embora agora dessa casa.
-
Calma, Ana, isso tudo deve ser fruto da nossa imaginação, estamos
impressionados com a história da minha vó, só isso.
-
Será?
-
Claro. Agora termine o café.
*
Ana
passou boa parte do dia registrando imagens da natureza e percebe o
quanto precisava dar um tempo em sua vida na cidade grande. O contato
com as plantas, os pássaros e as
árvores têm
feito muito bem para ela que no dia a
dia
vive as voltas com o trabalho. Enquanto seu esposo dorme na sala, ela
resolveu mergulhar fundo batendo fotos e oxigenando o cérebro ao
mesmo tempo.
A
fotógrafa anda até a parte de trás da casa na intensão de buscar
a melhor imagem de um passarinho que insiste em cantar. O pássaro
presenteia a mulher de Paulo pousado num galho baixo. Ana melhora o
foco e clica. Pronto, agora sim ela pode voltar para dentro da casa e
iniciar sua edição das fotos da lua de mel. Ela olha para cima e na
janela do quarto uma figura de olhar triste segue parada olhando para
Ana que ao visualizar quase sofre uma queda.
-
Cristo. Quem é você?
Ana
corre até a parte da frente. A porta está do mesmo jeito que
deixou. Ana entra na casa e Paulo continua roncando no sofá com o
livro que estava lendo caído em seu rosto.
-
Paulo, acorda, Paulo, tem alguém no nosso quarto.
Ainda
sonolento o médico acorda. Olha para a esposa apavorada.
-
Tem certeza? – boceja.
-
Eu não estou louca.
Paulo
dispara escada acima. Antes de entrar no quarto ele faz outra vez o
sinal da cruz. Abre a porta e nada, o quarto está vazio. Ele corre
até a janela e tudo o que vê são árvores e mato. Aliviado, mas
ainda com medo Marinho vai até sua mochila e pega sua arma. De
repente um grito. Em segundos o médico está na sala assistindo o
bailar das cortinas. Ana está abaixada no canto com os olhos
fechados e as mãos nos ouvidos.
-
As cortinas, as cortinas, estão se mexendo, tem alguém atrás das
cortinas.
-
Calma, amor, vou resolver isso.
O
medo faz com que Paulo fique paralisado. Realmente parece que há
alguém por trás daquelas cortinas. As figuras estampadas agora
parecem gargalhar diante do estado do casal. Paulo aponta sua
pistola, mas não atira. Dá mais um passo na intensão de abri-las,
porém ele permite que o medo se transforme em pavor. Ana continua
chorando pedindo para ir embora. Ele volta a olhar para elas e já
não mais movimento.
-
Parou, amor, veja.
-
Paulo, promete que vamos embora? – o abraça.
-
Sim querida, amanhã partiremos.
-
Amanhã, por que não agora mesmo?
-
Não sei, mais algo me diz que precisamos descobrir o que há nessas
cortinas.
-
Como assim, você agora é um exorcista, pastor...
-
Querida, não podemos simplesmente ir embora e deixar essa coisa aqui
e se ela nos seguir até em casa?
Ana
se levanta com ajuda do marido. Olha para as cortinas que continuam
paradas. As figuras na estampa já não oferecem mais pânico. A
fotógrafa olha para a escada e tudo parece mais leve, mais arejado.
-
Está sentindo essa paz?
-
Sim, parece que algo ou alguém iluminou a casa inteira. – Paulo
coloca a arma na cintura. – de qualquer forma permanecerei armado,
se houver algo. – bate na Glock.
*
A
parte da tarde foi mais tranquila. A lua de mel do casal Marinho
seguiu naturalmente. Ana se acalmou e aceitou fazer amor. Eles se
entregam ao prazer como nunca haviam se entregado antes. Paulo se
entorpeceu com os movimentos e gemidos de sua ruiva. Foi intenso,
forte e prolongado fazendo com que os corpos ficassem lustrosos de
tanto suor. Da porta do quarto algo ou alguém os observa com seu
olhar triste e uma expressão que varia do ódio a estranheza. O
casal termina com suas loucuras diurnas e ambos se encontram
esgotados.
-
Nossa, que demais, não é? – Paulo se abana com as mãos.
-
Sem palavras.
-
Então, viu alguma aparição diabólica? – brinca.
-
Até esqueci que estávamos em lua de mel numa casa assombrada.
O
papo pós sexo foi descontraído com direito a fortes gargalhadas de
Ana. A criatura que os observava já não está mais lá. Para o
jantar foi escolhido um menu digno dos mais requintados restaurantes
do mundo. Depois do banho compartilhado o médico precisou se
ausentar deixando a fotógrafa envolvida com os preparativos.
Naquele
lugar a noite nunca é bem-vinda.
Da floresta é possível ouvir sons indecifráveis e o vento passa do
fresco ao frio sepulcral. Ana se afasta da porta preferindo deixá-la
fechada. Por precaução, Paulo deixou sua arma em casa. Para
espantar as péssimas sensações Ana abre o notebook e reinicia seu
trabalho de edição. Entre um clique e outro, seus olhos se voltam
para as cortinas e elas estão paradas. Ana pensa nas possíveis
situações vividas pela avó de Paulo ali sozinha dentro dessa casa.
Teria as cortinas agravado o quadro depressivo da senhora Marinho? A
final, o que aconteceu de fato dentro dessas quatro paredes?
O
jantar foi dos deuses. Frutos do mar, coisa que Ana adora, não mais
que chocolate. O vinho também brindou a noite com seu charme e sabor
envolvente. Para a sobremesa sorvete de passas ao rum.
-
Eu estive pensando no que aconteceu com sua vó, aqui, nessa casa.
-
Sim?
-
Essa casa, esse lugar, é muita carga para uma pessoa só, ainda mais
para uma idosa.
-
Você acha esse lugar carregado? Como assim? – Paulo prova do
sorvete.
-
Sei lá, as vezes acho que não estamos só em dois aqui, há algo de
errado com aquelas cortinas. Não sabemos quem morou aqui antes dos
seus avós.
-
Sou meio cético quanto a essas coisas de ocultismo, mas que é muito
estranho isso é, aquelas cortinas realmente se moveram sozinhas, não
foi algo da nossa cabeça. Algo fez mal a minha vó e isso não
passará em branco.
*
Paulo
desperta no meio da noite. Ele sempre teve um sono leve. Ana ronca a
seu lado e recebe um beijo de leve no ombro nú. Ela é linda, corpo
perfeito, sadio e uma pele macia e perfumada. Paulo precisa urgente
esvaziar a bexiga antes que um acidente aconteça. Ele deixa o
banheiro um pouco mais leve porém precisa saber se tudo está em
ordem na parte de baixo daquela casa. Antes de descer ele pega sua
arma e sai do quarto. Mais uma vez ele é surpreendido pelo medo.
Degrau por degrau, sem fazer barulho, o médico vai descendo. Escuro.
A lua não deu as caras hoje, é preciso fazer com que os olhos se
adéquam
ao breu. Isso levou alguns segundos até Paulo conseguir identificar
uma figura parada no meio da sala olhando para ele com aqueles olhos
tristes. Se ele ainda estivesse com vontade de urinar, o acidente
aconteceria nesse momento. Ele aponta a pistola. Não consegue
controlar a tremedeira.
-
Quem é você, como entrou aqui?
O
ser de mais ou menos um metro e sessenta, roupas surradas, pele
acinzentada, cabelos pretos ralos, rosto murcho e olhos caídos segue
olhando para ele.
-
Eu lhe fiz uma pergunta, como entrou aqui?
A
criatura vinda das sombras aponta para as cortinas e as figuras
estampadas se movem freneticamente causando no médico um mal estar
repentino. Paulo se segura no corrimão pois sua visão começa a
falhar.
-
Meu Deus!
Aos
poucos Paulo vai perdendo o controle de seu corpo. Sua parte motora é
totalmente comprometida. A arma cai de sua mão. A figura continua
olhando para ele que desaba na escada entre espasmos e convulsões.
Os desenhos infernais nas cortinas vibram a cada movimento
involuntária do pobre médico que vai se despedindo da vida da pior
forma possível. Todo o corpo de Paulo parece que estar sendo sugado
de dentro para fora até sobrar a pele e os ossos. Uma lágrima
escorre de seus olhos e depois o brilho é ofuscado pela chegada da
morte.
*
Ana
acorda depois de ter a impressão de ter ouvido um barulho. Ela olha
para o lado direito da cama e seu marido não se encontra. Na certa
foi mijar, pensa ela. Ela não confere o horário, mas imagina passar
das três da madrugada. De repente ela começa a ter sensações
perturbadoras até quase sufocá-la. Ana é obrigada a se levantar e
abrir a janela. A noite é abafada, os cabelos vermelhos cortados na
altura dos ombros estão grudados no pescoço e na testa. Não há
uma corrente de ar fresco para aliviar aquela sensação térmica
incomoda.
A
fotógrafa corre até o banheiro, abre com ligeireza a torneira e
molha o rosto e a nuca. Aonde Paulo se meteu, ela pensa se olhando no
espelho. Como toda mulher, Ana se admira, percebe o quanto emagreceu,
não que fosse gorda, mas desde quando passou a morar junto com Paulo
ela ganhou alguns quilinhos a mais. A água fria fez com que ela se
arrepiasse e os mamilos marcassem a blusa fina de dormir.
Ana
desce as escadas. Ela chama por Paulo algumas vezes e até então
nenhuma resposta. O medo está a seu lado. O silêncio sepulcral
naquela sala ajuda a tornar as coisas ainda mais difíceis.
-
Paulo, você está ai?
Ela
pisa em algo e escorrega batendo o joelho com força no chão. Xinga
uma infinidade de palavrões e depois resolve ver o que a levou a
cair.
-
Meu Deus. – pega a pistola. – Paulo, você deixou sua arma aqui e
eu quase quebrei a perna.
Ana
se levanta. A dor no joelho ainda incomoda. Ela gira o pescoço em
direção as cortinas que nesse momento estão se movendo mais que o
normal. Pânico e ao mesmo tempo raiva. Mancando ela caminha
segurando a pistola. Alguém precisa colocar um ponto final nessa
história. As figuras com suas expressões fria parecem zombar da
fotógrafa.
-
Vão para o inferno.
Ana
aponta a arma e com a outra mão ela abre as cortinas. O estômago de
Ana faz um nó. O corpo seco de seu esposo pendurado na janela. Ela
volta a cair, desse vez são suas nádegas que sofrem o impacto.
-
Paulo! – grita.
A
seu lado a criatura com os olhos úmidos. Ao ver aquilo, Ana se
apavora e atira. O ser permanece intacto.
-
O que fez com meu marido? – berra.
A
garganta de Ana começa a doer e seu corpo formiga por inteiro. Ela
tenta se colocar de pé e não consegue. Sua cabeça lateja e sua
parte motora perde o controle. Ana baba e vê tudo rodando. Ela vai
pro chão outra vez. Se rasteja.
-
Só, só, socorro, alguém, nos ajude, por favor. – fala com voz
pastosa.
O
corpo de Ana começa a secar. Sua angústia alimenta as criaturas nas
cortinas. A mulher arfa, seu tórax sobe e desce descontroladamente.
Ana segue morrendo olhando para a criatura que abre um sorriso
perturbador. O pouco que ainda lhe resta de vida, Ana questiona, o
que há de errado nessa casa? A ruiva busca o último fôlego de
vida. Pensa em seu marido, em seu casamento, em como eles seriam
felizes e grita.
-
Não quero morrer.
Paulo
sai correndo do quarto ao ouvir o grito da esposa e desce as escadas
sem notar os degraus.
-
Amor, o que houve?
Ana
olha para um lado e olha para outro. A casa está em perfeita luz.
Ela olha para Paulo parado olhando para ela com os olhos
esbugalhados.
-
Ana, você está me assustando, o que houve?
-
Nada, nada, eu só cantei alto, só isso. – se apoia
na vassoura.
-
Mas você gritou que não queria morrer.
-
Foi a música. – aponta para os fones em seus ouvidos.
-
Que bom, achei que você tivesse visto algum fantasma. Estou lá em
cima, qualquer coisa não
me grite.
A
lua de mel foi como o esperado. Ana e Paulo saíram dali cheios de
planos para a nova vida a dois. Foram dez noites seguidas de puro
sexo e juras de amor. Enquanto seu marido termina de trancar o portão
principal, Ana se acomoda no banco do carona e volta a pensar em seu
devaneio sombrio. Só de lembrar ela se arrepia. Finalmente o médico
consegue trancar o portão. Ele entra no carro, olha para as pernas
da mulher que agora estão cobertas pela calça jeans.
-
Feliz? – ele pergunta.
-
Muito! – se beijam.
Paulo
sai com o carro desaparecendo na
floresta.
Dentro da casa o silêncio lembra um cemitério e as cortinas se
movem. FIM.
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