sábado, 16 de maio de 2020

A Cruz Central


O dia já se findou e o som das marteladas continuam a ecoar nas montanhas ao redor da humilde carpintaria do velho Eliézer. O suor que escorre pelo rosto coberto por rugas, mostram o número de horas em que o esposo de dona Maria se encontra trabalhando. A encomenda tem urgência. Os quase 80 anos já pesam no corpo do velho carpinteiro. Maria, com quem etá casado há 50 anos chega com a janta:
- Eliézer, venha jantar meu querido. – Eliézer continua a martelar a madeira:
- Preciso terminar o serviço, Maria, logo os romanos vão chegar e vão querer a encomenda. – Maria forra no chão bruto o pano:
- Eles são uns demônios mesmos, não estão vendo que você já é um ancião!
- Estamos sob julgo pesado do império Romano minha amada, temos que apenas obedecer. – mesmo com fortes dores nas costas, Eliézer se levanta e lava as mãos e se junta a sua esposa. – eleve sua voz ao Criador, Maria!
A oração não é muito longa, mas é interrompida pelo barulho dos cavalos dos soldados chegando. Maria se abraça ao marido. O capitão da guarda é o primeiro a entrar:
- Velho Eliézer, onde está minha encomenda? – tremendo muito o velho carpinteiro aponta. – mas ainda falta muito seu velho ridículo, você está brincando comigo?
- Não senhor, a encomenda é pesada, estou cansado. – Lúcios anda na direção de Eliézer que abraça Maria:
- Preciso que termine até o amanhecer, senão te levarei até Pôncio Pilatos.
- Garanto que não precisará disso senhor!
- Assim espero. – pega um pão e o morde, mastiga e o cospe. – pão judeu, um nojo. – joga o pedaço no chão e pisa.
Ainda em choque Maria e Eliezer permanecem abraçados. O tempo passa e o carpinteiro continua a trabalhar na encomenda do romano. O dia vem chegando e a labuta se findando. Os poucos detalhes que faltavam Eliezer os faz com tranquilidade. Os sons das pisadas dos cavalos invadem a carpintaria e o ancião com o rosto coberto de pó de madeira misturado ao suor se levanta e espera a chegada dos oficiais:
- Tempo esgotado, velho, e a encomenda? – Eliezer a mostra. – hum, perfeita. – joga um borna com algumas moedas. – trato é trato! Atenção, a coloquem na carruagem. – ordena Lúcios. – a cruz é posta na carruagem e o líder percebe algo na cruz. – o que significa esse “E” bem ali no canto da cruz?
- É a minha marca senhor, “E” de Eliezer.
- Bom, isso não é permitido, mas vou deixar passar, até a próxima. – os homens vão e Eliezer respira aliviado

***

As chibatadas são fortes e deixam o condenado quase que desmaiado amarrado ao pelourinho. O sangue vivo que escorre pelas costas do prisioneiro mostra a violência dos golpes dos carrascos. A tortura dos chicotes termina e o pobre homem é retirado do local e levado para o governador. Todo o povo está reunido no palácio do governador quando o condenado aparece coberto por um manto escarlate, uma cana na mão e uma coroa de espinho cravada na cabeça. Pilatos liberta a pedido do povo um assassino e manda crucificar o Galileu.
***

A pedido de Maria, Eliezer vai à cidade para comprar azeite. Na volta, um tumulto chama sua atenção:
- O que está havendo senhora? – pergunta a uma mulher que chora copiosamente:
- Eles vão matá-lo?
- Ele quem?
- O Nazareno, ele é santo, puro, ele curou meu filho, não deixem que façam isso com ele. – Eliezer dispara rumo à multidão e o que consegue ver são três condenados. Um deles cai e é quase espancado por civis e soldados. Com muita dificuldade o condenado levanta a pesada cruz e segue. Um detalhe na cruz chama atenção do velho carpinteiro:
- “E”, quem fez aquela cruz fui eu. – sussurra. – algo no coração de Eliezer diz que o Galileu é inocente, por isso ele se junta ao povo e grita. – ele é inocente, liberte-o.
O cortejo vai passando e o martírio do condenado só aumenta. A subida até o monte é difícil. Foi preciso um certo homem ajudá-lo. De olho na marca da cruz, Eliezer acompanha atentamente. Os soldados rasgam o manto do pobre Galileu e o fazem deitar sobre a cruz. A crucificação deixa Eliezer tonto a cada martelada. Os outros condenados gritam de dor enquanto o Nazareno apenas ora:
- Pai, perdoai-vos, eles não sabem o que fazem! – Ao ouvir tais palavras Eliezer chora. Olha para o lado e vê três mulheres chorando, uma delas coloca as mãos no peito:
- Deve ser a mãe dele, não sei, afinal quem é esse homem que em meio a dor e sofrimento ainda ora por seus malfeitores?

***

Tudo termina. A escuridão que assolou o céu agora dá lugar a um céu azul tremendo. O corpo do Galileu foi retirado da cruz. Eliezer, bem devagar vai se aproximando da cruz vazia. Ela tem sangue escorrendo ainda. Por causa de uma martelada no dedo, Eliezer teve parte da mão paralisada. Ele passa a mão no “E” cravado na madeira bruta e sem querer a suja de sangue. A mão que outrora quase não se movia, agora se movimenta perfeitamente. Eliezer na mesma hora a segura e se ajoelha ante a cruz vazia. Chora. Chora muito e se levanta. Anda apressadamente e no caminho ele se encontra com um homem:
- Viu para onde levaram o corpo do Galileu? – o homem aponta para o jardim. Eliezer agradece e desce correndo. – tenho que conhecer sua história, tenho que saber quem ele foi. O sangue dele me curou, ele é poderoso.
Eliezer chega a tempo de ver alguns homens lacrando o túmulo. Para o velho carpinteiro a cruz agora não é o mais importante, o que importa para ele agora é o homem que mesmo depois de morto o curou.
Tempos depois, junto com os homens que andaram com o Galileu, Eliezer fica sabendo que o dono do sangue que o curou, andou por sobre o mar, deu vida ao morto, deu visão ao cego, alimentou milhares de pessoas e que voltaria da morte em três dias. Eliezer se tornou um dos seguidores e estava lá quando o Nazareno ressurgiu da morte.
Fim


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