sexta-feira, 16 de abril de 2021

O Bote da Cascavel

 


O Bote da Cascavel

 

Ele nasceu de sete meses, assim dizem às más línguas, porém é o pouco que se sabe sobre Januário. Marcos Januário. Quando ele surgiu nas redondezas poucas eram às pessoas que se importavam com ele. Um assaltante de residências, ladrão de galinhas. Não fazia mal a uma mosca. Foi preso uma meia dúzia de vezes, sofreu na cadeia e não aprendeu. Aliás, ele aprendeu sim. Aprendeu que viver de roubo não o levaria a lugar algum, continuaria a frequentar o xadrez pelo menos umas cinco vezes no ano. Marcos Januário passou para o outro nível do crime, morte por encomenda, esse sim lhe deu dinheiro e fama. Para esconder sua identidade, Marcos cobre seu rosto com um pano onde só os seus olhos cor de mar ficam expostos. Em seu primeiro “trabalho” como matador, ele desenhou em sua máscara um nariz e uma boca e contornou os olhos com o sangue quente da vítima. Seu aspecto ficou infernal. Desde então Januário passou a ser o inimigo número um daquela região deixando para trás malfeitores perigosos como Dimas.

Januário armou pra cima de Dimas e o mesmo acabou sendo morto. Dimas se deleitava em cima da prostituta Dorinha quando Marcos invadiu o quarto apontando sua Winchester.

— Mas o que é isso?

— Aproveita que essa será sua última gozada, seu porco.

Dorinha fechou às pernas e se cobriu com o cobertor.

— Nada disso, quero que ele termine o serviço, vamos. — enterrou o cano da arma na testa do sujeito. — eu espero.

Dorinha voltou a abrir às pernas e lentamente Dimas foi se enfiando entre elas reiniciando o sexo. Claro que demorou, demorou muito, Marcos Januário até se sentou.

— Vamos logo cabra. — balbuciou.

Cansado, com cãibras, suado, Dimas chegou ao clímax. Na verdade, Januário quase o matou sem gastar uma bala. Ele mandou a piranha embora, mas a pagou pelo serviço antes disso. Ordenou que seu rival ajoelhasse e explodiu seu crânio. Januário deixou aquele motel andando, palpitando os dentes. Vestiu sua máscara medonha, montou seu cavalo e disparou portão afora da cidade. A notícia da morte de Dimas espalhou feito fogo em palha seca e é claro chegou aos ouvidos da autoridade máxima, o xerife.

— Um tiro na cabeça? — Pereira esmurrou sua mesa.

— Exatamente, senhor. — afirmou cabo Flávio.

— Esse Januário já extrapolou todos os limites. Temos que montar uma força tarefa e prendê-lo.

— Concordo, senhor. — pegou seu chapéu em cima da mesa. — vou reunir os homens, avisarei quando estivermos prontos.

Pensa que Marcos Januário ficou receoso em voltar para a cidade? Não mesmo. Em menos de vinte quatro horas ele estava de volta e a trabalho. Ele foi contratado por um rico fazendeiro para eliminar um jovem que lhe devia dinheiro a meses. Januário o encontrou consertando a cerca ao lado da mulher grávida e os dois filhos ainda pequenos.

— Boa tarde, você é o Zé Pinheiro?

O rapaz ao vê-lo ainda tentou negociar.

— Por favor, o que ele lhe pagou eu te pago em dobro.

Tarde demais, Januário já havia puxado o gatilho e metido uma bala no peito do pobre coitado. Os filhos correram e abraçaram o corpo do pai enquanto que a mulher berrava pedindo ajuda. A espora entrou no lombo do animal levando o matador para longe dali. A notícia logo se espalhou alimentando o ódio de xerife Pereira. Agora virou guerra. Pereira e seus homens estão por toda parte na caça ao assassino de aluguel.

— Não vou descansar enquanto não puser às mãos nele. — entrou na picape e a acelerou. — vamos nessa.

 

 

Marcos Januário contava o dinheiro bem devagar sentado na escadaria da igreja. De longe, cabo Flávio o observava acompanhado por mais dois homens.

— Cabo, vamos esperar o xerife? — perguntou o soldado.

— Nada disso, só temos uma chance e a quero aproveitar bem. Vamos nos dividir. — sacou o trinta e oito.

Um soldado pela esquerda, outro pela direita e Flávio no meio. Marcos terminava a contagem quando ouviu a voz de prisão.

— Parado, mãos ao alto. — berrou o cabo.

Januário guardou a grana em sua bolsa capanga de couro marrom. Pegou sua Winchester. Abaixou a máscara e desceu os degraus.

— Está surdo? Eu mandei levantar às mãos. — Flávio mirou na testa do bandido.

— E se eu não quiser?

Eles se encararam durante um tempo e depois disso Marcos puxou o gatilho. O disparo explodiu o peito do cabo que caiu sentado. O soldado da esquerda atirou e acertou de raspão o antebraço de Januário que correu para se proteger atrás do corrimão da escadaria. O soldado da direita atirou, mas errou e acabou sendo atingido na barriga. Cabo Flávio se arrastava segurando o ferimento no peito implorando por socorro.

— O xerife, chamem o xerife Pereira. — disse gemendo.

O tiroteio se intensificou e o soldado da direita não resistiu ao ferimento na barriga e acabou morrendo ali mesmo no local. O da esquerda disparou mais uma vez e correu para ajudar o cabo.

— Como o senhor está?

— Não vou conseguir, não vou... — morreu de olhos abertos.

— Droga! — vociferou.

Januário mirou e atirou acertando a coxa do agente do xerife. O mesmo rolou gritando de dor. Marcos atirou novamente e dessa vez acertou as costas do sujeito.

— Oh Deus! Não consigo mexer minhas pernas.

Fora de combate, totalmente fora de combate. Marcos Januário deixou seu abrigo ainda empunhando sua arma e caminhou até o soldado.

— Você decide, largue a arma e vive, mesmo paralítico, ou atira e morre. Você escolhe.

Rosnando o policial ergueu seu braço trêmulo. A mão ensanguentada também treme bastante dificultando-lhe um disparo certeiro. Januário permaneceu no mesmo lugar, sabia que seu adversário já não lhe oferecia perigo. O tiro passou bem longe de sua cabeça.

— Eu avisei! — atirou duas vezes no peito do militar.

 

Dentro da picape que voava praticamente, Pereira foi notificado sobre a morte de seus homens. Socando o volante e salivando pelos cantos da boca o xerife decidiu jogar pesado. A lei manda prender quem burla, quem quebra a regra, porém Januário já quebrou todas as regras possíveis e precisa ser tirado de circulação para o bem estar de um povoado. Todo xerife é a lei e Pereira fará uso dessa prerrogativa. No banco do carona sua submetralhadora o aguarda, será com ela que ele irá mandar Marcos perturbar o diabo pessoalmente.

O xerife chegou ao local e já havia dezenas de curiosos ao redor dos corpos, todos foram cobertos por panos brancos e os mais religiosos faziam o sinal da cruz insistentemente. Pereira pediu passagem e se acocorou ao lado de um dos corpos. Era Cabo Flávio. Xingando o xerife fechou os olhos de seu homem de confiança e lamentou demais sua partida. Flávio deixa mulher e filhas.

— Alguém aqui viu para onde Januário foi? — se levantou batendo a poeira da calça.

Um homem quase sem todos os dentes se aproximou do policial.

— No tiroteio ele foi atingido, xerife, acredito eu que ele tenha ido se limpar no rio.

— Vou atrás desse miserável. — correu até a viatura.

 

*

 

Foi como o homem havia informado ao xerife. Januário limpava o ferimento com às águas frias e claras de um rio usado seu lenço de bolso. A ferida foi superficial, mas dói pra valer. Enquanto lava o sangue, o matador olha ao redor para não ser surpreendido pela chegada do xerife. Quando se levantou ele viu a picape vindo em alta velocidade.

— Pereira! — balbuciou.

Sim, claro que era o chefe da lei, dirigindo feito um louco, segurando o volante só com uma mão pois a outra se encontra ocupada com a submetralhadora.

— Você é meu, Marcos Januário.

O matador de aluguel só teve tempo de girar o corpo e sair da linha de tiro. A rajada de balas passou muito perto, tão perto que ele pode sentir o calor delas. Correndo e sentido a morte cada vez mais próxima, Januário atirou também, mas nada acertou.

— Renda-se, Januário. Vamos. — disparou mais uma vez.

Às balas feriram às águas cristalinas do rio a mais ou menos um metro de distância do bandido. Marcos está cercado, não há para onde fugir, o jeito é se render. Por isso ele parou e ergueu os dois braços segurando a Winchester com às duas mãos. Ao ver o gesto do fora da lei Pereira viu nisso uma oportunidade. Não há mais ninguém ali. Uma preciosa chance de criva-lo de balas e encerrar de vez a maldita trajetória de Marcos Januário. O xerife pisou no breque. Desceu da viatura. Apontou a submetralhadora e deu voz de prisão. Januário teve a ligeira impressão de já ter ouvido isso, porém não era hora de tentar adivinhar quando nem aonde. Fato é que tudo que ele mais queria nesse momento era poder desaparecer dali e nunca mais voltar, ele nunca esteve em tão grande desvantagem.

— Eu juro, se der mais um passo eu atiro, Marcos Januário. — berrou Pereira.

É! Realmente o bandido se encontra em más lençóis como dizia os antigos, porém somente uma coisa ainda lhe resta. Sua Winchester está carregada e se ele for rápido e certeiro o bastante poderá sair dessa ileso. Como foi falado no início, Januário foi uma criança prematura, nem mesmo a placenta foi capaz de segura-lo dentro de sua mãe, ele nasceu para ser livre e não enjaulado feito um animal. Não será um xerife bigodudo que o colocará trancafiado numa sela gelada. Marcos abaixou os braços e atirou. Do ombro esquerdo do policial subiu uma poeira rosada. Pereira tomou um trampo mas não se intimidou, largou o dedo pra cima do marginal. Januário foi atingido diversas vezes desde a perna direita até o peito caindo bem próximo do rio.

— Mais que merda! — sacou o rádio no bolso da jaqueta. — xerife Pereira falando, preciso de uma ambulância no rio doce.

A dor no ombro maltrata, mas o trabalho ainda não acabou. Pereira caminhou até seu inimigo que ainda se mexia, segurando sua submetralhadora com dificuldade. Ele se apossou da Winchester e cutucou a perna de Marcos.

— Aguenta firme, o socorro já está vindo.

— Me mata logo. — disse entre tosses.

— Que te matar que nada, você é um troféu. Vai mofar na cadeia.

A ambulância chegou, demorou, mas chegou e Januário foi socorrido. Ele foi levado para a casa de saúde onde passou por cirurgia e não corria mais risco de morrer. Assim que teve alta ele foi levado para o instituto penal e se juntou aos homens mais perigosos. Em seu primeiro dia naquele lugar ele precisou provar que merecia estar ali.

— Vamos ver se você é mesmo como dizem por aí. — falou o dono da cela. — terá que enfrentar todos nós de uma vez só.

Lógico que mais uma vez Januário tomou a pior. Foi espancado por cerca de vinte homens e esperou por socorro quase que o dia inteiro. Quando finalmente foi ser socorrido o pobre já havia batido às botas. Como Marcos Januário não tinha nenhum documento ou parente que corresse atrás para que o mesmo tivesse um enterro digno de todo o ser humano, o bandido foi sepultado como indigente num cemitério fora da cidade. Xerife Pereira foi premiado por bravura, se tornou mais conhecido de que nota de dois reais e também por ter colocado ordem naquele povoado, nenhum fora da lei se atrevia a sequer pisar naquelas terras. FIM.


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