Um
Desafio para André Cruz
Capítulo
final
Foi a primeira vez que André entrou na casa de Roberta
e sinceramente ele espera ser a última. Não pela casa em si, mas pela atmosfera
que emana naquele lugar. Todos e até mesmo os funcionários se portam como se
estivessem confinados numa masmorra. A imponente mulher o conduz até seu aposento
onde é exigida uma organização doentia. Roberta é sim uma patroa mais que
exigente. Insuportável melhor dizendo.
- Por aqui investigador.
Lá está ele, o quarto. Aconchegante, amplo, poucas
cores onde o tom pastel predomina.
- A senhora nunca o tranca? – André olhou para as
paredes.
- Sim. Claro que o tranco. – Roberta não gostou nada
da pergunta.
Cruz também não pode deixar de notar o retrato onde a
imagem do famoso Jair Manhãs se encontra. Um homem de boa experiência. Traços
delicados e um sorriso bastante verdadeiro.
- Seu marido era bonitão.
- Sim. – Manhãs se acomodou na ponta da cama. – ele
era maravilhoso. Acredita que Jair foi meu primeiro e único namorado?
- Legal.
- Nos conhecemos durante um passeio. Nos apaixonamos
pra valer e dois anos depois estávamos contraindo núpcias. Quanta saudade.
Que historia!
Pensou André ao lado de sua cliente.
- Bom. Acho que você não veio aqui ouvir história
triste de uma velha ranzinza, não é? Faça o seu trabalho. Vou chamar o Nunes
para lhe acompanhar. Qualquer coisa estarei limpando a horta.
- Obrigado. Posso lhe fazer uma pergunta?
Roberta girou nos calcanhares.
- Quantos funcionários há na casa?
Manhãs respondeu rápido.
- Cinco.
Nunes apareceu na porta do quarto. Sempre com sua
postura ereta e séria, o motorista aguarda às ordens em silêncio.
- Nunes é o mais antigo deles. Por que?
- Nada. Pergunta corriqueira. Vamos ao que interessa.
Observado pelo motorista, André Cruz fez cálculos e os
anotou. Olhou para o armário em diversos ângulos. Anotou isso também. De
repente, uma voz grave, baixa, quase sacerdotal atravessou aquele cômodo causando
espanto ao detetive.
- Por que só o armário é alvo de sua analise,
investigador?
André ainda pensou em fazer uma piadinha quanto ao jeito
de falar do motorista, mas achou melhor não causar hostilidade.
- Quem pegou o anel sabia que o mesmo se encontrava
escondido aqui. Teve todo o cuidado para não deixar rastros. Sujeito esperto.
Com certeza ele se aproveitou do fato de dona Roberta Manhãs às vezes esquecer
de trancar o quarto.
- Boa linha de raciocínio. – Nunes falou ainda parado
na porta.
- Bom. Acho que já terminei aqui. – olhou para o
sujeito. – vamos?
Roberta regava os pezinhos de cheiro verde e
conversava com eles quando André chegou elogiando sua horta.
- Perfeita.
- Gostou? Fui eu quem a construí. As frutas, verduras e
legumes compradas nos hortifrutis não são confiáveis. Prefiro os orgânicos.
- Verdade.
- E então, a que conclusão chegou?
André destacou a folha do bloco de anotações e a
entregou a Roberta.
- Relatório. Eu já vou indo.
- Vou ler daqui a pouco, sem meus óculos não enxergo
nada. Vou pedir que Nunes o leve até em casa. – Roberta acenou para o
funcionário.
*
Ela tentou evitar o choro por horas, mas não conseguiu
evitá-lo ao relembrar seu histórico com outros rapazes. Amanda desabou num
pranto infantil e aos soluços prometeu odiá-los enquanto vida existir nela.
Todos eles a machucaram, mas só André a feriu de verdade. Ele não era só um
rosto bonito posto num corpo esbelto e atlético. Para a recepcionista, o
detetive era tudo o que ela mais desejou num homem. Cumplicidade,
companheirismo e fidelidade. Nada disso existiu. Amanda estava deitada em sua
cama, trancada em seu quarto, coberta dos pés a cabeça chorando feito uma
criança quando o celular tocou. Ela não queria atender. Era bem provável que
fosse seu patrão lhe perturbando em seu dia de folga. O telefone insistiu.
- Que saco. – balbuciou. – alô? – o número era desconhecido.
- Oi, Amanda? Você não deve se lembrar de mim. Sou
Paulo, nos conhecemos no curso de reciclagem de secretariado.
Claro que ela lembra.
- Sim, sim. Lembro. Como tem passado?
- Muito bem. E você? Está resfriada?
Amanda sentou-se na cama.
- Não, não.
- Ah que bom. Tá a fim de assistir a uma palestra
aqui em casa sobre gestão? Uma galera vai vir.
- Seria ótimo.
- Legal. Anota meu endereço.
André Cruz permanecerá no passado. Hora de focar o
futuro e o futuro pode estar de repente num convite para assistir uma palestra.
*
Pela quinta vez André surpreendeu o motorista de
Roberta o olhando pelo espelho, que merda é essa? O investigador pouco
sabe dirigir, mas reconhece um bom condutor pela maneira de se portar ao
volante e Nunes é um deles. Eles estão na estrada a um pouco mais de vinte
minutos e o silêncio entre ambas as partes chega a ser constrangedor. Isso é
uma tortura para alguém como André que adora bater um papinho com motoristas de
aplicativo. Nunes parece um bloco de gelo. O silêncio só foi quebrado quando o chofer
não entrou na rua secundária que levaria para o bairro do detetive.
- Ei, amigão. Você passou da entrada.
- Fica frio. Conheço bem a estrada. – retrucou
acelerando.
Merda.
O Corolla entrou numa região de baixo movimento onde
há diversos armazéns desativados.
- Ei, Nunes, o que está acontecendo?
Nunes freou abruptamente girando o corpo segurando uma
pistola. Seu olhar faiscava.
- Desça do carro, vamos.
- O que é isso cara? – vociferou.
- Saia do carro agora ou vou te matar aqui mesmo. –
Nunes mantinha o tom sereno na voz.
André Cruz foi conduzido até o último armazém, tendo o
cana da arma pressionando sua nuca.
- Vamos conversar...
- Cale a boca e trate de andar. – o empurrou.
Eles chegaram a um ponto onde o mato crescido tapava a
visão de quem quisesse visualizar a estrada. Para um assassino, aquele lugar é
um cenário perfeito para uma execução e quem sabe desova.
- Aqui está perfeito. – disse Nunes. – fique de costas
e ajoelhe-se.
- Calma, Nunes, não faça besteira. Pense caramba.
- Você se acha o espertinho não é? Você já sabia de
tudo. Sempre percebi seus olhares para mim. E quer saber de uma coisa. Fui eu
mesmo. Agora chega. Vire-se.
- Posso lhe propor um acordo? – André olhou para a
arma.
Nunes sorriu.
- Sério? Vai querer negociar? Sou todo ouvido.
O detetive engoliu seco.
- Eu tenho alguns contatos que com apenas um telefonema
eu consigo lhe colocar para fora do país. Eles irão lhe dar outra identidade. O
Nunes vai desaparecer.
- Você é sujo mesmo. Então faça a ligação agora?
André apertou os olhos.
- Eu ainda não terminei. Para isso vou precisar de uns
vinte mil reais.
Nunes soltou uma curta gargalhada que deixou o jovem
em pânico, ele vai me matar.
- A corrupção é um câncer mesmo. Tudo bem, garoto. Eu
topo. Faça a ligação.
André sacou o celular e o desbloqueou, mas antes de
fazer a ligação ele questionou.
- Só me responda uma coisa, Nunes. Por quanto você
vendeu o anel?
Nunes voltou a apontar a pistola.
- Não te interessa.
- Por favor.
- Vendi por dois milhões. Satisfeito? Agora faça a
ligação e coloque no viva voz.
Aproveitando um momento de distração de Nunes, André chutou
a mão que segurava a arma que caiu na grama alta. Cruz guardou o celular e
partiu para cima do motorista com socos cruzados. Houve uma bela troca de
golpes violentos onde Nunes pode demonstrar sua habilidade como lutador. André
não contava com a disposição do coroa na disputa e acabou sendo nocauteado indo
ao chão com ferimentos acima dos olhos.
- Não vou gastar bala com você. Vou te bater até você
morrer.
Dois chutes fortes no rosto do investigador e o mesmo
cuspiu sangue misturado a saliva. Nunes se preparava para outro golpe quando ouviu
uma voz de comando.
- Mãos pra cima.
Girando o corpo ele pode ver dois policiais civis com
suas armas apontadas para ele. André respirou aliviado. Vocês demoraram
muito.
- Já chega, Nunes, não tente nada. Você está preso.
Não lhe restara mais nada a não ser se render. Nunes
se deitou de bruços na grama. Um dos policiais o algemou com as mãos para trás.
- Leve-o. – disse o outro agente. – consegue andar
investigador?
- Levei uma surra, mas consigo. – cuspiu.
- Dona Roberta nos acionou. Fazemos um bico de
segurança para a família a algum tempo e foi graças a um dispositivo de
localização no carro que nos o encontramos. Dona Roberta não confia nem na
própria sombra.
- A velha é esperta mesmo. – gemeu.
Eles começaram a andar em direção a saída.
- E então, detetive. Como vai provar que foi ele quem
roubou o anel? – o outro agente perguntou.
André sacou o celular e ativou o gravador de voz.
Só me responda uma coisa. Por quanto você
vendeu o anel?
Não te interessa.
Por favor.
Vendi por dois milhões. Satisfeito? Agora
faça a ligação e coloque no viva voz.
- Tá mais do que provado não acham?
- Moleque espero. – brincou o agente.
*
Horas depois André estava de volta à casa da poderosa
senhora Manhãs, porém o clima era bem melhor do que de antes, uma atmosfera
leve, suave, até sua dona exibia um sorriso que o detetive duvidava que
existia. Com alguns curativos no rosto o investigador foi recepcionado como um
legítimo rei com direito a um belo lanche.
- Você é um excelente profissional, André, vou lhe indicar
para outros conhecidos meus. E por falar nisso. – Roberta pegou o celular e fez
a transferência da segunda parte do pagamento. – pronto. Lhe dei a mais.
- Valeu. – engoliu o salgadinho.
Manhãs também aproveitou para pegar o papel que André
lhe havia dado antes dizendo se tratar do relatório.
- “ o culpado é o Nunes. Chame a polícia” como sabia
que eu iria ter essa sacada? – Roberta ficou seria.
- A senhora é inteligente o suficiente para entender o
que está acontecendo ao seu redor. Por isso escrevi. O seu motorista já havia desconfiado.
Eu não podia dar bandeira.
Roberta permitiu
que seu semblante decaísse ao pensar em Nunes, seu motorista de longa data.
- Acabei de crer que não conhecemos de fato as
pessoas. Quem diria que o Nunes seria capaz de tal coisa?
- Pra senhora vê. – terminou de tomar o suco. – eu já
vou indo e mais uma vez obrigado pela confiança.
- Vá em paz, meu filho.
André Cruz deixou a resistência Manhãs feliz pela
conclusão de mais uma missão. Para comemorar ele pensou em levar Juliana para
jantar num lugar legal, quem sabe um restaurante francês fino.
- Oi, amor, já estou chegando. Vamos jantar fora
hoje... – disse ao telefone.
FIM
Excelente história. Parabéns.
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