quinta-feira, 3 de março de 2022

Um Desafio para André Cruz - Final

 

Um Desafio para André Cruz

Capítulo final

 

Foi a primeira vez que André entrou na casa de Roberta e sinceramente ele espera ser a última. Não pela casa em si, mas pela atmosfera que emana naquele lugar. Todos e até mesmo os funcionários se portam como se estivessem confinados numa masmorra. A imponente mulher o conduz até seu aposento onde é exigida uma organização doentia. Roberta é sim uma patroa mais que exigente. Insuportável melhor dizendo.

- Por aqui investigador.

Lá está ele, o quarto. Aconchegante, amplo, poucas cores onde o tom pastel predomina.

- A senhora nunca o tranca? – André olhou para as paredes.

- Sim. Claro que o tranco. – Roberta não gostou nada da pergunta.

Cruz também não pode deixar de notar o retrato onde a imagem do famoso Jair Manhãs se encontra. Um homem de boa experiência. Traços delicados e um sorriso bastante verdadeiro.

- Seu marido era bonitão.

- Sim. – Manhãs se acomodou na ponta da cama. – ele era maravilhoso. Acredita que Jair foi meu primeiro e único namorado?

- Legal.

- Nos conhecemos durante um passeio. Nos apaixonamos pra valer e dois anos depois estávamos contraindo núpcias. Quanta saudade.

Que historia! Pensou André ao lado de sua cliente.

- Bom. Acho que você não veio aqui ouvir história triste de uma velha ranzinza, não é? Faça o seu trabalho. Vou chamar o Nunes para lhe acompanhar. Qualquer coisa estarei limpando a horta.

- Obrigado. Posso lhe fazer uma pergunta?

Roberta girou nos calcanhares.

- Quantos funcionários há na casa?

Manhãs respondeu rápido.

- Cinco.

Nunes apareceu na porta do quarto. Sempre com sua postura ereta e séria, o motorista aguarda às ordens em silêncio.

- Nunes é o mais antigo deles. Por que?

- Nada. Pergunta corriqueira. Vamos ao que interessa.

Observado pelo motorista, André Cruz fez cálculos e os anotou. Olhou para o armário em diversos ângulos. Anotou isso também. De repente, uma voz grave, baixa, quase sacerdotal atravessou aquele cômodo causando espanto ao detetive.

- Por que só o armário é alvo de sua analise, investigador?

André ainda pensou em fazer uma piadinha quanto ao jeito de falar do motorista, mas achou melhor não causar hostilidade.

- Quem pegou o anel sabia que o mesmo se encontrava escondido aqui. Teve todo o cuidado para não deixar rastros. Sujeito esperto. Com certeza ele se aproveitou do fato de dona Roberta Manhãs às vezes esquecer de trancar o quarto.

- Boa linha de raciocínio. – Nunes falou ainda parado na porta.

- Bom. Acho que já terminei aqui. – olhou para o sujeito. – vamos?

Roberta regava os pezinhos de cheiro verde e conversava com eles quando André chegou elogiando sua horta.

- Perfeita.

- Gostou? Fui eu quem a construí. As frutas, verduras e legumes compradas nos hortifrutis não são confiáveis. Prefiro os orgânicos.

- Verdade.

- E então, a que conclusão chegou?

André destacou a folha do bloco de anotações e a entregou a Roberta.

- Relatório. Eu já vou indo.

- Vou ler daqui a pouco, sem meus óculos não enxergo nada. Vou pedir que Nunes o leve até em casa. – Roberta acenou para o funcionário.

 

*

 

Ela tentou evitar o choro por horas, mas não conseguiu evitá-lo ao relembrar seu histórico com outros rapazes. Amanda desabou num pranto infantil e aos soluços prometeu odiá-los enquanto vida existir nela. Todos eles a machucaram, mas só André a feriu de verdade. Ele não era só um rosto bonito posto num corpo esbelto e atlético. Para a recepcionista, o detetive era tudo o que ela mais desejou num homem. Cumplicidade, companheirismo e fidelidade. Nada disso existiu. Amanda estava deitada em sua cama, trancada em seu quarto, coberta dos pés a cabeça chorando feito uma criança quando o celular tocou. Ela não queria atender. Era bem provável que fosse seu patrão lhe perturbando em seu dia de folga. O telefone insistiu.

- Que saco. – balbuciou. – alô? – o número era desconhecido.

- Oi, Amanda? Você não deve se lembrar de mim. Sou Paulo, nos conhecemos no curso de reciclagem de secretariado.

Claro que ela lembra.

- Sim, sim. Lembro. Como tem passado?

- Muito bem. E você? Está resfriada?

Amanda sentou-se na cama.

- Não, não.

- Ah que bom. Tá a fim de assistir a uma palestra aqui em casa sobre gestão? Uma galera vai vir.

- Seria ótimo.

- Legal. Anota meu endereço.

André Cruz permanecerá no passado. Hora de focar o futuro e o futuro pode estar de repente num convite para assistir uma palestra.

 

*

 

Pela quinta vez André surpreendeu o motorista de Roberta o olhando pelo espelho, que merda é essa? O investigador pouco sabe dirigir, mas reconhece um bom condutor pela maneira de se portar ao volante e Nunes é um deles. Eles estão na estrada a um pouco mais de vinte minutos e o silêncio entre ambas as partes chega a ser constrangedor. Isso é uma tortura para alguém como André que adora bater um papinho com motoristas de aplicativo. Nunes parece um bloco de gelo. O silêncio só foi quebrado quando o chofer não entrou na rua secundária que levaria para o bairro do detetive.

- Ei, amigão. Você passou da entrada.

- Fica frio. Conheço bem a estrada. – retrucou acelerando.

Merda.

O Corolla entrou numa região de baixo movimento onde há diversos armazéns desativados.

- Ei, Nunes, o que está acontecendo?

Nunes freou abruptamente girando o corpo segurando uma pistola. Seu olhar faiscava.

- Desça do carro, vamos.

- O que é isso cara? – vociferou.

- Saia do carro agora ou vou te matar aqui mesmo. – Nunes mantinha o tom sereno na voz.

André Cruz foi conduzido até o último armazém, tendo o cana da arma pressionando sua nuca.

- Vamos conversar...

- Cale a boca e trate de andar. – o empurrou.

Eles chegaram a um ponto onde o mato crescido tapava a visão de quem quisesse visualizar a estrada. Para um assassino, aquele lugar é um cenário perfeito para uma execução e quem sabe desova.

- Aqui está perfeito. – disse Nunes. – fique de costas e ajoelhe-se.

- Calma, Nunes, não faça besteira. Pense caramba.

- Você se acha o espertinho não é? Você já sabia de tudo. Sempre percebi seus olhares para mim. E quer saber de uma coisa. Fui eu mesmo. Agora chega. Vire-se.

- Posso lhe propor um acordo? – André olhou para a arma.

Nunes sorriu.

- Sério? Vai querer negociar? Sou todo ouvido.

O detetive engoliu seco.

- Eu tenho alguns contatos que com apenas um telefonema eu consigo lhe colocar para fora do país. Eles irão lhe dar outra identidade. O Nunes vai desaparecer.

- Você é sujo mesmo. Então faça a ligação agora?

André apertou os olhos.

- Eu ainda não terminei. Para isso vou precisar de uns vinte mil reais.

Nunes soltou uma curta gargalhada que deixou o jovem em pânico, ele vai me matar.

- A corrupção é um câncer mesmo. Tudo bem, garoto. Eu topo. Faça a ligação.

André sacou o celular e o desbloqueou, mas antes de fazer a ligação ele questionou.

- Só me responda uma coisa, Nunes. Por quanto você vendeu o anel?

Nunes voltou a apontar a pistola.

- Não te interessa.

- Por favor.

- Vendi por dois milhões. Satisfeito? Agora faça a ligação e coloque no viva voz.

Aproveitando um momento de distração de Nunes, André chutou a mão que segurava a arma que caiu na grama alta. Cruz guardou o celular e partiu para cima do motorista com socos cruzados. Houve uma bela troca de golpes violentos onde Nunes pode demonstrar sua habilidade como lutador. André não contava com a disposição do coroa na disputa e acabou sendo nocauteado indo ao chão com ferimentos acima dos olhos.

- Não vou gastar bala com você. Vou te bater até você morrer.

Dois chutes fortes no rosto do investigador e o mesmo cuspiu sangue misturado a saliva. Nunes se preparava para outro golpe quando ouviu uma voz de comando.

- Mãos pra cima.

Girando o corpo ele pode ver dois policiais civis com suas armas apontadas para ele. André respirou aliviado. Vocês demoraram muito.

- Já chega, Nunes, não tente nada. Você está preso.

Não lhe restara mais nada a não ser se render. Nunes se deitou de bruços na grama. Um dos policiais o algemou com as mãos para trás.

- Leve-o. – disse o outro agente. – consegue andar investigador?

- Levei uma surra, mas consigo. – cuspiu.

- Dona Roberta nos acionou. Fazemos um bico de segurança para a família a algum tempo e foi graças a um dispositivo de localização no carro que nos o encontramos. Dona Roberta não confia nem na própria sombra.

- A velha é esperta mesmo. – gemeu.

Eles começaram a andar em direção a saída.

- E então, detetive. Como vai provar que foi ele quem roubou o anel? – o outro agente perguntou.

André sacou o celular e ativou o gravador de voz.

Só me responda uma coisa. Por quanto você vendeu o anel?

Não te interessa.

Por favor.

Vendi por dois milhões. Satisfeito? Agora faça a ligação e coloque no viva voz.

- Tá mais do que provado não acham?

- Moleque espero. – brincou o agente.

 

*

 

Horas depois André estava de volta à casa da poderosa senhora Manhãs, porém o clima era bem melhor do que de antes, uma atmosfera leve, suave, até sua dona exibia um sorriso que o detetive duvidava que existia. Com alguns curativos no rosto o investigador foi recepcionado como um legítimo rei com direito a um belo lanche.

- Você é um excelente profissional, André, vou lhe indicar para outros conhecidos meus. E por falar nisso. – Roberta pegou o celular e fez a transferência da segunda parte do pagamento. – pronto. Lhe dei a mais.

- Valeu. – engoliu o salgadinho.

Manhãs também aproveitou para pegar o papel que André lhe havia dado antes dizendo se tratar do relatório.

- “ o culpado é o Nunes. Chame a polícia” como sabia que eu iria ter essa sacada? – Roberta ficou seria.

- A senhora é inteligente o suficiente para entender o que está acontecendo ao seu redor. Por isso escrevi. O seu motorista já havia desconfiado. Eu não podia dar bandeira.

 Roberta permitiu que seu semblante decaísse ao pensar em Nunes, seu motorista de longa data.

- Acabei de crer que não conhecemos de fato as pessoas. Quem diria que o Nunes seria capaz de tal coisa?

- Pra senhora vê. – terminou de tomar o suco. – eu já vou indo e mais uma vez obrigado pela confiança.

- Vá em paz, meu filho.

André Cruz deixou a resistência Manhãs feliz pela conclusão de mais uma missão. Para comemorar ele pensou em levar Juliana para jantar num lugar legal, quem sabe um restaurante francês fino.

- Oi, amor, já estou chegando. Vamos jantar fora hoje... – disse ao telefone.

FIM

 

 

 

 

 

 


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