sábado, 19 de fevereiro de 2022

Um Desafio para André Cruz - Capítulo 3


 

Um Desafio para André Cruz

Capítulo final

 

Roberta acordou possuída pelo seu mau humor que já é de sua natureza e conforme às horas vão se passando, o que já estava ruim vai ficando ainda pior. Insuportável. Toda essa tempestade tem motivo, aliás, um belo motivo. Seu anel não se encontra depositado naquela caixinha de veludo no fundo do armário. O anel de brilhante que Jair a presenteou com tanto amor não está mais lá e ela se culpa.

- Me perdoe, Jair. Fui descuidada com a nossa joia.

A senhora Manhãs apenas encostou a porta do armário e deixou seu quarto andando em direção a saída para os fundos da casa. Quem sabe o ar fresco de uma manhã iluminada com o sol banhando a terra com seus raios não a acalmam. Roberta sentou-se na cadeira perto da piscina onde seu sobrinho dava suas últimas braçadas matinais habituais.

- Bom dia, tia. Dormiu bem?

A idosa meneou a cabeça.

- A senhora precisa de alguma coisa? – saiu da água.

- Não! – disse rapidamente.

- Tia, a senhora anda muito estranha ultimamente. Está acontecendo alguma coisa?

Roberta queria explodir, jogar na cara de Carlos sobre o sumiço do anel, mas conteve-se o máximo que pode.

- Sua viagem está marcada para quando?

Houve uma certa hesitação por parte de Carlos, seus olhos  ficaram vagueando, como se o mesmo pensasse numa resposta bem convincente.

- Para está semana. Europa ai vou eu. – tentou disfarçar o sorriso.

Roberta seguiu olhando fixo para o sobrinho. Seu coração acelerou quando por alguns segundos ela se recordou de quando ele era um menininho medroso, que tinha pavor de dormir sozinho em seu quarto e que corria para debaixo de seus lençóis durante a madrugada, aonde a sua inocência foi parar, meu filho? Roberta também engoliu o nó que se formou em sua garganta o questionando novamente.

- Você tem certeza de que é isso que você quer para sua vida? Às coisas precisaram serem feitas dessa maneira?

- Dessa maneira como?

Manhãs sentiu que foi longe demais.

- Digo. Sair do país...

- Tia. Eu agradeço por tudo o que fez por mim, mas eu não posso deixar essa oportunidade passar, entende? Não quero e nem posso passar minha vida inteira as suas custas.

- Apesar de não ter meu sangue, sempre lhe considerei como um dos meus filhos. Você sabe disso. Você tem parte na herança, Carlos.

Carlos cruzou os braços e olhou para o céu que estava um azul radiante.

- Uma coisa é a senhora viva, tia Roberta. E quando você não estiver mais aqui? Preciso fazer meu pé de meia.

Fazer seu pé de meia roubando quem lhe deu tudo? Pensou Roberta assim que Carlos voltou a mergulhar. Nunes estava limpando o para-brisa traseiro do Corolla quando recebeu a ordem de ir até o quarto da patroa pegar o celular.

 

*

 

Enquanto sente o calor que brota dos lábios de Juliana, André tem a “agradável” tarefa de desprender o sutiã. Eles estão se beijando a vinte minutos e a vinte minutos ele vem tentando fazer isso. Juliana interrompeu a troca de fluídos para auxiliá-lo.

- Isso é broxante. Sabia? – disse ela.

- E isso é complicado de tirar sabia?

- Tem certeza que você quer começar uma briga agora, gatão? – colocou a peça íntima na cabeça do namorado.

- Nem de brincadeira.

Tudo indicava que o casal teria um final de manhã repleto de belas experiências sexuais incríveis até o celular de André tocar em cima do criado mudo. Juliana não conseguiu evitar sua decepção.

- Isso é broxante.

- Agora tenho que concordar com você.

O investigador esticou o braço até alcançar o aparelho e ao tomar ciência de que se tratava de sua cliente especial, André quase infartou. Era como se Roberta Manhãs tivesse se materializado bem ali em seu quarto.

- Bom dia, dona Roberta.

- Bom dia detetive. Estou a dias sem nenhum relatório. Meu sobrinho Carlos está de viagem marcada para Itália, o que o senhor anda fazendo?

- Me perdoe, dona Roberta. Eu ando colhendo informações. Eu tenho ido atrás do Carlos e descobri que ele tem ido bastante ao banco.

- A partir de agora quero relatórios diários, detetive, eu preciso saber em que pé estão as coisas. Descubra o que Carlos tanto faz no banco, ligue para a Itália, vá até lá se for possível,  eu lhe paguei bem, meu Deus do céu.

André ouvia a bronca de uma cliente insatisfeita olhando para Juliana deitada mexendo no telefone com seus seios médios a mostra.

- Farei isso. Aliás, eu já estava fazendo. Vou preparar tudo e armar o flagrante. Carlos não terá como negar.

- Assim espero. – desligou.

André Cruz foi pra cima da namorada e a beijou.

- Isso terá que ficar para uma outra hora.

- Suspeitei.

 

*

 

A vontade era de chorar e chorar muito, porém a de arrebentar a cara de André era maior. Amanda viu quando Juliana deixou o prédio. Sentiu o estômago embrulhar com seu perfume, vagabunda. O pior é que ela não tem culpa alguma. André é sim o grande vilão dessa história. Mais uma vez ela é passada para trás por um homem que ela jurava ser o amor de sua vida, sou uma otária de carteirinha mesmo. Essa é a triste realidade de muitas mulheres. Não se brinca com o sentimento de ninguém e principalmente de uma mulher. Chorar é uma defesa, é o que podemos chamar de descarga da alma. Amanda não suportou a onda emocional ao ver o homem que ama deixando o prédio.

- Amanda? – André engoliu seco.

- Oi, André.

- Poxa. Estou de saída agora, senão lhe convidaria para subir e...

- Eu já sei de tudo, André.

- De tudo o que?

- Sua namorada, loira. Linda diga-se de passagem.

Cruz colocou a mão no ombro dela.

- Tire sua mão de mim. Canalha. Eu te odeio.

- Calma, Amanda. Ela é uma cliente...

A recepcionista sorriu.

- Uma cliente que passa horas dentro do seu apartamento? Que sai fedendo a sabonete masculino e mal penteada?

André abaixou a cabeça.

- Viu! Qualquer um pode ser um detetive particular, investigador Cruz.

- Amanda...

- Vá a merda e vê se me esquece, porque eu já te esqueci.

Amanda, a garota que destroçou em mil pedaços o coração de um homem que passa a vida brincando com os sentimentos das outras pessoas. André jamais imaginou que a dor seria tão estonteante assim. Ela já me esqueceu! Ele ainda saiu no lucro, Amanda poderia fazer um escândalo na frente do prédio e revelar tudo para Juliana se ela quisesse. Mas, será que valeria a pena? André Cruz merece que duas mulheres cheguem às vias de fato por causa dele? Lógico que não. O melhor a fazer e dá às costas para ele e seguir em frente. Foi o que Amanda fez. Virou a página.

 

*

 

Dias depois André estava sozinho em seu apartamento concentrado pesquisando na internet as possíveis empresas Italianas no ramo da engenharia e descobriu que nenhuma abrirá processo seletivo. Um dia antes ele conversou com Roberta via telefone e pegou mais informações sobre Carlos e agora com essa descoberta sobre as empresas, André decidiu conhecer bem de perto o seu investigado.

- Hora da Ação.

Meia hora depois ele estava na beira do jardim aguardando a chegada da anfitriã junto com o sobrinho. Cruz não estava confortável e nem seguro quanto ao papel que deveria encarnar.

- Olá, doutor André, esse é meu sobrinho Carlos Manhãs.

Carlos estendeu a mão e o cumprimentou educadamente com sorriso de orelha a orelha.

- E ai, Carlos, então é engenheiro também?

- Estamos na luta.

- Então. – disse Roberta. – tomei a liberdade de chamar o senhor André aqui para quem sabe lhe passar preciosas informações sobre o ramo italiano em engenharia.

Carlos colocou às mãos nos bolsos.

- Essa é a poderosa senhora Manhãs. Sempre querendo ter o controle de tudo. – riu. – eu andei fazendo pesquisas também, passei meses buscando contatos e nada até que...

- Até que? – André olhou para Roberta.

- Bom, até que um amigo meu conseguiu um contato.

Silêncio.

- Mas e você? – Carlos voltou a sorrir.

Roberta se afastou.

- Vou deixar vocês conversando. Querem alguma coisa?

- Que tal um super suco natural de abacaxi? – sugeriu Carlos.

- Vou mandar preparar. – resmungou a idosa.

Carlos e André andaram lado a lado até saírem do sol. Eles ficaram na parte coberta onde há o chamado cantinho do Churrasco. É coisa rara a senhora Roberta reunir toda família para esse fim, mas por que não, não construi-lo? Cada um ocupou uma cadeira e seguiram com a conversa.

- Eu estou no ramo a mais ou menos cinco anos e estou gostando. O nosso país infelizmente não nos valoriza. Que mal lhe pergunte, como vai se sustentar na Itália? – André se preparou para a resposta.

Carlos se mostrou incomodado com a pergunta e demorou para responder. Ele olhou para os lados e diminuiu o volume da voz.

- Consegui uma grana. – sussurrou.

- Sério? – simulou André.

- Pois é. Eu nem deveria lhe contar essas coisas, afinal, acabei de lhe conhecer, mas enfim. Só peço que não fale nada para minha tia. Certo?

Cruz assentiu.

- Deve ser uma bolada. A Itália não é uma país onde as coisas são baratas. – o detetive queria mais, muito mais.

- Sim. Porém quando eu estiver bem estabilizado terei o prazer em devolver.

André apertou os olhos.

- Devolver toda grana?

Carlos agora se mostrou decepcionado, triste na realidade. O investigador também pode ver uma ponta de arrependimento nos olhos do rapaz. Carlos abaixou a cabeça e quando a levantou seus olhos estava vermelhos.

- Amo minha tia. Ela daria  sua vida pela minha. Tenho certeza que ela não se negaria em me dar o dinheiro, mas eu também acho que chega de ficar na sombra dela. Quero caminhar com às minhas próprias pernas. Sacou?

- Entendi.

- Por isso resolvi pedir dinheiro emprestado ao meu contato lá da Itália.

André Cruz pensou em dar por encerrada a conversa. Não,  Carlos não pegou o anel de Roberta como ele já havia  desconfiado. O grande desafio agora é convencer a senhora Manhãs sobre isso.

- Você é gente boa, Carlos. Não tenho dúvidas de que você ainda encherá sua tia de orgulho.

Ruborizado, Carlos o cumprimentou novamente.

- Valeu, cara.

 

*

 

De volta ao apartamento, André procurou deixar sua mente cem por cento focada na investigação que ele julga está próxima de seu desfecho. Carlos não é o ladrão e ponto final. Então quem é? Num momento de distração o detetive lembrou-se de Amanda e todo o mal que ele a causou, sou um idiota mesmo. Não. No momento ele não pode deixar que outros assuntos, principalmente os pessoais atrapalhem sua linha de raciocínio. Uma joia que vale milhões foi roubada e sua dona confiou a ele essa missão, ela poderia ter solicitado a polícia ou alguém mais capacitado.

André Cruz começou a ligar pontos que de repente podem lhe servir e muito. Quais a chance de Roberta ter mudado o lugar onde ela esconde o anel? Muitas. Qual a possibilidade de alguém descobrir esse novo esconderijo? Muitas também.  Um detetive pode confiar cem por cento na memória de uma senhora? Não. De ninguém aliás. Fato é,  ele precisa ir até o local e analisar com seus próprios olhos.

 

*

 

Roberta chegou às lágrimas ao abraçar seu sobrinho na chegada ao aeroporto. Movida por sentimentos que a corroem, a idosa chora copiosamente quase lhe pedindo desculpas por suspeitar dele.

- Calma dona Roberta, olha o coração. Eu volto assim que puder.

- Promete me ligar todos os dias? – disse soluçando.

- Claro, mamãe.

Nunes o motorista, precisou ser forte ao ter que segurar a velha que se derreteu em seu peito ao ouvir tal declaração.

- Chega de emoções por hoje. Nunes pode leva-la.

- Sim, senhor.

Carlos se foi deixando um buraco enorme no coração de Roberta. A tristeza é grande, porém o orgulho e o sentimento de missão cumprida é bem maior. A senhora Manhãs fez um bom trabalho. Não foi fácil ir de encontro quanto ao posicionamento dos filhos que não aprovaram sua decisão de cria-lo como se fosse seu filho. Valeu a pena. Voe alto, meu filho. Pensou já a caminho de casa. O telefone tocou.

- Detetive Cruz. Diga.

- Mudança de planos, senhora Manhãs.

- É só me dizer quais.

- Tenho que averiguar algo em sua casa.

- Ótimo. Quando?

- Agora, já.

Roberta aproveitou que seu motorista já a observava pelo espelho e deu sua ordem.

- Nunes, pise fundo.


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