Os Mortos 2
A grande
verdade é que eu já não sabia o que fazer e nem o que sentir. Fiquei ali
olhando aqueles defuntos forçando o portão do cemitério com suas mãos e braços
apodrecidos. Entrei em colapso ao assistir tal cena, não havia como ser diferente.
Virei-me e vi o garotinho que eu acabara de lhe devolver ao abismo e sem
controle algum chorei calado. De uma coisa eu tinha certeza: eu precisava sair
daquela guarita o mais rápido possível.
O único
jeito foi fazendo uso da força bruta. Empurrei a porta que se chocou contra o
morto que caiu quebrando a cruz de um jazigo ali próximo. Era a minha chance.
Corri para o lado oposto do portão com minhas botinas achafundando na lama. Meu
desespero era tanto que não fui capaz de ver uma morta, caindo aos pedaços, se
agarrando nos túmulos gritando por ajuda. Me lembro do dia de seu sepultamento.
Foi a dois anos e ela já estava com a idade bastante avançada e seus familiares
diziam que ela havia morrido em sofrimento. Pobre coitada. O cheiro e o aspecto
me deixaram sem ação.
- Me tire
do sofrimento. – ela dizia.
Olhei para
o meu canivete e depois para ela. Meu Deus, eu estava me borrando. Ela ainda
tentou segurar em meu braço com suas mãos que eram parte osso e parte carne podre.
Berrei de pânico e num gesto de puro ímpeto encravei minha arma branca em sua têmpora.
A velha morta voltou para a morte e eu segui meu rumo para a parte mais alta do
cemitério.
*
Que dia
esquisito. Que dia amaldiçoado. Ninguém jamais poderia prever que, um dia os
mortos iriam voltar a vida. Quando eu era moleque, lembro-me de minha vó nos
aplicando sermão sobre o juízo final. Junto com meus primos e irmãos, ficávamos
ali, ao redor de sua cadeira de balanço, ouvindo histórias horripilantes do
último livro da bíblia. Seria esse o Apocalipse? O dia em que a terra
devolveria seus mortos? A profecia estaria se cumprindo?
Cheguei ao
ponto mais alto e o que presenciei de lá foi o mais puro pesadelo. O lugar foi
dominado por mortos-vivos, dezenas deles, todos com seus lamentos e grunhidos.
Tive vontade outra vez de dar cabo a minha existência. Eu não podia fazer isso.
Sou Cristão. Tenho mulher e filhos. Ser um covarde se encontrava fora de
cogitação. Olhei para o céu e ele seguia cinza, chuvoso, mesmo perto das 22
horas.
- O portão não
vai suportar tanto peso. – falei comigo mesmo.
Continuei
andando até me deparar com a casinha de ferramentas dos coveiros. Quase gritei
de alegria. A porta estava encostada. Entrei. Lá dentro havia um arsenal; foice,
facão, enxada, pá, ancinho entre outras. Lógico que peguei facão, o chamado
rabo de galo. Deixei a casinha dando de frente com um defunto se arrastando e
arrastando sua perna esquerda segura por um fio de pele apenas. Aquilo me
deixou em pânico. Ele olhou para mim e disse.
- Por que
me tirou de lá?
- Volte
para o inferno de onde veio.
Cravei o
facão em seu crânio e desci correndo. Cheguei ao local das gavetas onde mais
cadáveres deixavam suas sepulturas, um verdadeiro inferno na terra. Eu tinha
que passar por ali, era o único jeito de chegar até o muro e pula-lo.
- E agora,
meu Deus, o que eu faço?
Eles me
olharam e logo os lamentos vieram. Alguns choravam, outros clamavam e havia até os que gritavam coisas
incompreensíveis. O que houve no mundo? Deus estaria nos punindo? Afinal, por
que Ele concedera vida aos falecidos?
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