terça-feira, 4 de julho de 2023

Máscara da Morte | Capítulo 5

 


Zélia despertou muito antes do horário habitual. Abílio roncava feito uma serra elétrica a deixando irritada às sete e quarenta da manhã. No início do casamento ela até que tolerava seus ruídos e chegava a tirar sarro deles, mas com o passar do tempo e também com o aumento das discussões, os roncos e flatulências se tornaram como que heresias no relacionamento. Lógico que não é só isso que vem tirando sua paz, essas pequenas coisas podem e devem ser resolvidas a base de uma boa taça de vinho e sim, uma conversa bastante amistosa. A grande questão é que, Zélia Fontana já suportou coisas demais, cedeu demais, engoliu sapos e pererecas demais, Abílio a fez extrapolar seus limites e agora...

 

Como uma boa dona de casa e esposa leal, ela faz das tripas coração para manter tudo na mais perfeita ordem, como, por exemplo, preparar o café da manhã. Abílio acordou logo em seguida, louco para esvaziar sua bexiga e quem sabe com muita sorte saciar seu desejo de sexo matinal.

 

— Bom dia, querida. Você já estava dormindo quando cheguei.

 

— Pois é, comecei a ler e... — cruzou os braços aguardando a água ferver.

 

Fontana se aproximou a tocando nas partes íntimas. Zélia tentou agir naturalmente, sem esboçar nenhuma reação que desce sinal verde a investida do marido. Abílio por sua vez, vendo o comportamento indiferente da esposa, a abraçou a fazendo sentir todo o  calor circular pelo corpo. A água entrou em estado de ebulição copiando o clima entre o casal.

 

— Acho que o café pode esperar. — ele desligou o fogo. — que tal voltarmos para a cama?

 

— Não vai chegar atrasado no trabalho?

 

Abílio despia sua mulher com habilidade e rapidez. Zélia ainda se encontrava relutante, mas isso de forma alguma fez com que o policial desanimasse.

 

— Posso inventar uma desculpa. — a beijou no busto.

 

Fontana estava a ponto de possuí-la ali mesmo na cozinha com toda sua virilidade enrijecida, porém, uma fala de Zélia o fez parar.

 

— E porque não inventou uma desculpa quando estávamos de férias? — se cobriu.

 

Abílio se afastou olhando para ela em silêncio. Nocaute! A melhor coisa a ser feita nessas horas é evitar o confronto se retirando do campo de batalha.

 

*

 

Fátima enviou as imagens da câmera de segurança como havia prometido e como prêmio ganhou um novo encontro com o investigador. Por que esperar até o fim de semana se eles podem facilmente encurtar essa espera? Se esforçando ao máximo para se concentrar no trabalho, Abílio não tira os olhos do monitor um segundo sequer, até mesmo para pegar a caneca de café ao lado ele faz uso de seu olhar periférico. Zélia conseguiu destruí-lo. A passagem do tempo não tem feito bem para o casamento deles. O café já havia esfriado na caneca quando finalmente ele viu algo que arrancou sua esposa de seus pensamentos. Fontana pausou o vídeo e deu um zoom. Um sujeito, bastante parecido com a última vítima, abandona sua mesa para fazer companhia a uma mulher com uma cicatriz no rosto.

 

— Seria você a minha assassina? — coçou o queixo.

 

Abílio imprimiu algumas imagens, principalmente do rosto da mulher misteriosa e se orgulhou disso. Ainda vislumbrado com o seu trabalho, Fausto Maia o surpreendeu tocando-lhe nos ombros por trás.

 

— Desculpa se te assustei. O que é isso, a nossa assassina?

 

— Tudo leva a crer que sim.

 

Maia pegou algumas das impressões e analisou.

 

— Agora que temos nossa suspeita, vou atrás do Cianeto e aí...

 

— De volta às férias. — Fausto estalou as falanges.

 

*

 

Cicatrizes são mais que apenas marcas de um fatídico acontecimento. Elas são um registro e lembrete de que você precisa fazer algo para compensa-las e isso Rose Maria Silva tem feito. Ela se transformou num ser cruel, o passaporte dos traidores de suas esposas direto para o inferno. Traidores não merecem piedade e nem compaixão. Enquanto vida ela tiver esses desgraçados não terão vida fácil.

 

Rose Maria deixou a caneca de chá em cima da cadeira na varanda e foi buscar o telefone no quarto. Voltando para a área externa da casa ela pode conferir algumas notícias no Twitter dando de frente com os casos os quais ela está envolvida até o pescoço. A prisão da assassina do Cianeto é uma questão de tempo, segundo a polícia. Todo criminoso sabe que um dia a sua casa irá ruir, um dia irão bater na sua porta e lhe confrontar com os fatos. E aí? O que fazer diante de tudo isso? Rose Maria sentiu tudo rodar ao seu redor a obrigando a se sentar. A partir de agora é preciso ser um pouco mais cautelosa se ainda deseja seguir punindo os desleais.

 

*

 

Abílio desligou o motor do carro e depois olhou para as coxas de Fátima. Ela por sua vez se manteve em silêncio.

 

— Devo lembrar que sua ajuda fez com que minha investigação desce um salto. Muito obrigado.

 

— Fico feliz em saber que pude contribuir de alguma forma. — ela olhou ao redor. — eu nunca estive aqui, que lugar é esse?

 

— Aqui é o lugar onde nossos antepassados tiveram a inspiração ao dar o nome para a cidade.

 

— Paraíso Novo. — declarou Fátima encantada com a paisagem. — é lindo, uma pena que poucos saibam disso.

 

— Uma pena mesmo. E sabe porque eu lhe trouxe aqui? Você e o lugar combina perfeitamente.

 

A atendente ruborizou na mesma hora.

 

— Meu Deus do céu, jura?

 

— É sério! Olha só quanto verde, olha o número de árvores, pássaros, só falta uma coisa.

 

Fátima começou a transpirar.

 

— Faltam as flores, por isso eu lhe trouxe aqui.

 

Eles ficaram um certo tempo em silêncio. Abílio Fontana não tinha a menor ideia do que falar, muito menos Fátima, porém foi ela quem deu o primeiro passo. O beijo era para ser somente um selinho, mas o detetive queria muito mais do que apenas um aperitivo. Eles se beijaram para valer.

 

— Nossa! — ela disse. — preciso voltar.

 

— Quer que eu te deixe aonde?

 

— Ah! Pode ser no bar mesmo.

 

— Seu expediente já não havia terminado?

 

— Sim, mas acabei de lembrar que deixei meu uniforme sujo lá.

 

— Certo! Mas, eu acho que vou querer mais um beijo desse.

 

— Aí, meu Deus.

 

*

 

Fontana ficou na vontade, ele bem que gostaria de mais um beijo antes que ela desembarcasse, mas Fátima evitou contato o prometendo que o recompensaria mais tarde. Abílio achou melhor não forçar a barra.

 

— Te ligo mais tarde?

 

— Sim! — ela respondeu.

 

O detetive aguardou que Fátima entrasse no bar e só depois deu a partida. Pelo visto não é a primeira vez que ele faz isso e m será a última. Abílio Fontana consegue se envolver com amantes sem deixar que o coração se iluda, ele jamais se apaixonou por nenhuma delas. Fátima infelizmente será mais uma que entrará para sua coleção.

 

Certa ocasião, quando estava a frente de um caso onde foi preciso marcar presença na casa de uma testemunha por longos quinze dias, Abílio deixou-se envolver pela mulher ameaçada ao ponto de quase engravida-la. Ninguém, além dos dois, ficaram sabendo disso, nem mesmo Fausto que, sempre se mantinha por perto desconfiou. Assim que Fontana conseguiu prender o bandido a mulher pode deixar a cidade. Ela se apaixonou por ele, mas ele não, não mesmo.

 

*

 

Carlos e Hortência Fontana moram juntos fora de Paraíso Novo. Decidiram seguir suas vidas sozinhos independentes dos pais numa cidade considerada a maior metrópole do país. Sempre foram bons filhos, obedientes e principalmente, nunca e em tempo algum meteram o bedelho no relacionamento dos pais. Quando atingiram a idade adulta, em comum acordo, decidiram deixar a barra da saia da mãe e do pai para seguirem seus caminhos. Hoje eles são profissionais de respeito e graças a Deus muito bem remunerados por isso.

 

— O que acha de chegarmos lá de surpresa. — propôs Carlos parando o carro na vaga exclusiva para funcionários.

 

— Seria até legal, mas eu acredito que não é uma boa hora. — Hortência recolheu os pertences no banco de trás. — papai e mamãe não estão vivendo uma fase legal.

 

— Verdade. Melhor deixar que se resolvam primeiro.

 

— Quando terminarmos aqui faremos uma chamada de vídeo para os dois, vai ser boa uma reunião em família, tem muito tempo que não fazemos isso, não é? — Hortência abriu a porta.

 

— Legal. Gostei da ideia.

 

*

 

Isso aconteceu faz algum tempo e para falar a verdade, Rose Maria não faz questão alguma de saber com exatidão quando ocorreu. Doeu muito. Ela sofreu demais, tanto por dentro como por fora. Paulo Augusto a humilhou ao ponto dela ficar dias sem dormir e sem comer direito.

 

Rose Maria assistia ao seu programa semanal predileto na TV quando ele chegou embriagado, destilando seu veneno pelos cantos da boca. Paulo Augusto havia passado o dia inteiro fora de casa e quando voltou, trouxe com ele o ódio e a vontade de destruir o coração de quem não merecia.

 

— E aí, piranha, acabou com a minha cerveja? — perguntou com voz pastosa.

 

— Você sabe muito bem que eu não bebo. — seguiu com os olhos na programação.

 

— Eu comprei um engradado no início da semana e agora não há uma lata sequer na geladeira. Você bebeu todas.

 

— Paulo, por favor, será que você pode me deixar em paz pelo menos hoje?

 

O covarde fechou os punhos e sem pensar nas consequências partiu para cima da própria esposa deferindo-lhe socos e pontapés em sequência. Rose Maria tentava desesperadamente se desvencilhar dos golpes pedindo por ajuda. Um dos murros a acertou em cheio na têmpora a deixando fora do ar sabe-se lá por quanto tempo. Porém, ele a despertou com algo que a deixaria marcada pelo resto da vida.

 

— Seu maldito, você vai pagar caro por isso. — gritou sentindo e ouvindo o pedaço de seu rosto fritando no ferro de passar.

 

O riso de Paulo enquanto ela tremia de dor e raiva só ajudou a alimentar o que já pulsava dentro dela. Nada como uma boa e velha vingança, ele não perdia por esperar. Finalmente, após anos de humilhação e agressões, Rose Maria Silva abriu a boca e não foi para chorar ou questionar a atitude do marido.

 

— Eu vou te matar.

 

Paulo Augusto colocou a mão atrás da orelha desdenhando.

 

— Como é que é? Eu não ouvi direito.

 

— Eu vou te matar. Pode não ser hoje ou amanhã, mas, cedo ou tarde eu vou te mandar pro inferno. — falou bem devagar, remoendo cada palavra.

 

O ferro ainda fritando o pedaço de carne foi deixado no chão. Paulo Augusto não dormiu em casa naquela noite. Rose Maria permaneceu sentada no sofá se nutrindo de cada sentimento ruim que lhe era acometida. Ela até pensou em procurar um hospital, mas decidiu se tratar em casa mesmo. Ligou para uma farmácia e enquanto aguardava a chegada dos medicamentos ela se propôs a chorar.

 

*

 

Fátima bem que gostaria de parar e recuperar o fôlego, mas o desejo de se entregar é maior que ela. Abílio consegue sentir na pele todo o poder e sedução da mulher sentada em seu colo. O lugar é apertado e a todo instante a buzina do carro é acionada tirando deliciosas gargalhadas da mulher.

 

— Está vendo? Esse é o mal de ser grandona. — falou se ajeitando.

 

— Não vejo mal nenhum, fartura nunca é demais. — apertou suas nádegas. — e aí, o que achou do velhinho aqui?

 

— Ah! Eu nunca duvidei do seu potencial. — voltou a ocupar o banco do carona.

 

— Para onde quer ir agora?

 

— Pode me deixar lá no condomínio.

 

Em silêncio, o investigador subiu o zíper e apertou o cinto. Feito isso ele olhou nos olhos dela e a surpreendeu com uma pergunta.

 

— Seu marido já desconfiou de algo?

 

Fátima se sentiu num beco sem saída e mesmo assim ela ainda tentou escapar do confronto.

 

— Meu marido, que marido?

 

— Por favor, não tente me enganar, tá na cara que você é casada, sou policial esqueceu?

 

— Andou investigando minha vida? — cruzou os braços visivelmente aborrecida.

 

— Não foi preciso.

 

— Como assim? — Fátima estava ofegante.

 

— Você não mora naquele condomínio, na verdade, você não quer que eu saiba onde você mora de fato.

 

— Meu Deus! — riu de nervoso.

 

— Já que estamos tendo essa conversa vou lhe confessar algo. Eu também sou casado. E agora, o que você me diz?

 

— Não sei o que dizer. Estamos cometendo um erro gravíssimo. O certo era pararmos aqui e fingir que isso nunca aconteceu.

 

— É isso mesmo o que quer? — Abílio segurou em suas mãos.

 

Fátima não o respondeu. A paixão a pegou e agora ela não consegue mais pensar em outra coisa. Seu relacionamento com o marido é algo complicado, do tipo que existe tudo ali menos amor e cumplicidade.

 

— Tudo bem. Vou levá-la para casa. Ou melhor, na porta do condomínio. — girou a chave.


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